APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO. ALEGAÇÃO DE ATRASO EM VOO NACIONAL. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL.
APELO DA AUTORA NO SENTIDO DE QUE SE RECONHEÇA A PRÁTICA DE ATO ILÍCITO, CONDENANDO-SE A RÉ AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
REPARAÇÃO POR DANO MORAL QUE SE REVELA INDEVIDA, PORQUE NÃO CARACTERIZADO ATO ILÍCITO NO CONTEXTO DA DEMANDA, HAVENDO POR SE CONSIDERAR QUE O ATRASO SE DEU POR CIRCUNSTÂNCIAS ALHEIAS À VONTADE DA RÉ, QUE DE RESTO OFERECEU ADEQUADA ALTERNATIVA AO QUE VIVENCIAVA A AUTORA, PRESTANDO-LHE ASSISTÊNCIA COM ALIMENTAÇÃO E HOSPEDAGEM, DE MANEIRA QUE NENHUM ATO ILÍCITO SE LHE PODERIA ATRIBUIR NESSE CONTEXTO.
SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, COM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a r. sentença de fls. 128/129 que julgou improcedente o pedido de reparação por dano moral decorrente de atraso de voo nacional.
Sustentam os autores, ora apelantes, que, diante do atraso do voo G3 1633, deve ser reconhecida a falha na prestação dos serviços da ré e a correlata indenização pela prática do ato ilícito, pugnando, assim, pela reforma da r. sentença, a fim de que a ré, ora apelada, seja condenada ao pagamento de indenização pelos danos morais sofridos pelos recorrentes (fls. 133-146).
Recurso tempestivo, preparado e contrarrazoado (fls. 151/156).
FUNDAMENTAÇÃO
É de rigor o desprovimento a este recurso de apelação.
O transporte aéreo, por suas características, sujeita-se a peculiaridades que envolvem sobretudo a logística. A malha aérea é interligada, de modo que, surgindo um problema em um aeroporto, há impacto em toda a malha, o que ocorreu no caso em questão.
Ficou demonstrado que o voo contratado pela autora, de Juazeiro (JDO) do Norte para Guarulhos (GRU) decolou com atraso, em razão de problemas operacionais e por acomodação de passageiros com necessidades especiais, do que resultou um atraso de 04h25min na chegada – tendo a ré disponibilizado assistência material de alimentação, hospedagem e transporte nesse ínterim (tanto que a autora não pede reembolso de eventuais despesas que teve de suportar em razão do atraso)-, lenificando, pois, as consequências decorrentes daquele imprevisto, evidenciando que a ré não consumiu tempo exagerado ou injustificado na solução do problema.
A jurisprudência fixa certos critérios fático-jurídicos como de análise necessária em demandas que versam sobre reparação por dano em decorrência de atraso de voo, enfatizando que se devam considerar as particularidades de cada caso, em especial quanto a circunstâncias que se referem ao tempo consumido pela empresa aérea para a solução do problema, se ela colocou à disposição do passageiro viáveis alternativas, e ainda se ao passageiro foram prestadas precisas informações sobre o motivo do atraso do voo, e também se foi oferecido suporte material, como alimentação, e em certas circunstâncias, também a hospedagem.
Esses critérios foram aqui analisados, e a conclusão é no sentido de que a ré não praticou ato ilícito que configure dano moral, sobretudo porque foi colocada à disposição da autora assistência com alimentação, transporte e hospedagem no período de espera.
A propósito, é necessário adscrever a inconsistência de uma posição criada por parte da jurisprudência ao se referir ao “fortuito interno”, uma denominação de toda imprópria, e que vem sendo aplicada sobretudo nos casos de transporte aéreo, para ampliar, além de um justo limite a responsabilidade civil objetiva, não se reconhecendo em favor do transportador a possibilidade de demonstrar que alguma circunstância alheia à sua vontade terá causado influxo direto na prestação do serviço, para o tornar mais dificultoso.
É certo que, na base da equivocada interpretação levada a cabo por parte de nossa jurisprudência, está um fenômeno que é bastante antigo e que diz respeito às circunstâncias que levaram à ampliação da responsabilidade civil por riscos, o que se deu com uma lei alemã de 1871, que passou a prever a responsabilidade civil por danos pessoais de alguém que sofresse acidente ferroviário, entendendo-se então que a eventual culpa do preposto da empresa ferroviária não excluiria a responsabilidade civil da empresa, como anota KARL LARENZ em sua obra “Derecho Civil – Parte General” (p. 77, Editorial Revista de Derecho Privado). Surgia ali, naquele momento, a compreensão de que se deveria distinguir o princípio da reponsabilidade do princípio da culpabilidade.
Mas, andando o tempo, especialmente a partir do incremento do transporte aéreo e das peculiaridades todas próprias a esse tipo de transporte, e malgrado a tendência de ampliação da responsabilidade civil, impôs-se a conclusão, de todo óbvia, que não se poderia levar demasiado longe o alcance do princípio da responsabilidade, porque em determinadas circunstâncias a situação gerada por caso fortuito ou força maior deveria ser levada em conta para excluir o nexo de causalidade, sem o que o regime de responsabilidade civil colocaria a esfera jurídico-contratual do transportador diante de uma situação de acentuado desequilíbrio, negando-se-lhe qualquer tipo de defesa diante da mera alegação de que sabia ela do risco de seu negócio.
O “fortuito interno”, no caso do transporte aéreo, resulta de uma interpretação equivocada de dispositivos como os do artigo 734 do Código Civil e o do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, porque desconsidera que o caso fortuito, tanto quanto a força maior, são situações que interferem diretamente no nexo de causalidade, elemento indispensável, pois, à compreensão do que forma, conforma e estrutura o ato ilícito. Destarte, em se comprovando tenha havido caso fortuito, ou seja, quando se trate de circunstâncias alheias à vontade do transportador, ainda que de algum modo previsíveis no sentido de que podem acontecer, mas que tenham interferido diretamente na forma como o serviço foi prestado, então nesse caso se deve considerar de perto as circunstâncias do caso em concreto, para determinar se há ou não o nexo de causalidade.
Trata-se, é certo, de uma relação jurídico-material que se configura como de consumo, aplicando-se a ela o regime de proteção fixado pelo Código de Defesa do Consumidor, mas isso não significa, nem autoriza desconsiderar as peculiaridades do tipo de transporte envolvido, que, malgrado seja uma atividade de risco, não pode retirar do transportador a demonstração de que circunstâncias alheias à sua vontade o terão obstado de prestar o serviço nos moldes em que fora contratado.
Por meu voto, pois, nega-se provimento ao recurso de apelação para, assim, manter a r. sentença.
Quanto aos encargos de sucumbência, adoto o que a r. sentença estabeleceu a respeito, apenas cuidando de, por aplicação do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, majorar os honorários de advogado, que passam a corresponder a 11% sobre o valor atualizado da causa.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR