A REALIDADE E O DIREITO
Valentino Aparecido de Andrade
Quão variada é a realidade nas dificuldades que apresenta, e nas soluções que traz. Se há alguns anos um advogado impetrasse um mandado de segurança para obrigar a Fazenda Pública a inscrever em dívida ativa um débito, muito provavelmente receberia de pronto uma sentença em que o juiz decidiria pela carência de ação, pela ausência de qualquer benefício em favor da impetrante em termos de tutela jurisdicional. Faltaria o interesse de agir, diria LIEBMAN.
Hoje, contudo, o mandado de segurança está sendo utilizado exatamente para esse curioso objetivo: o de obrigar a Fazenda a cobrar um crédito que é seu, da Fazenda, e que ela, a Fazenda não está a cobrar, ou não quer cobrar. Busca-se obter a concessão de ordem de segurança para que se obrigue o Poder Público a inscrever o crédito em dívida ativa, primeiro passo para que o crédito possa ser exigido e satisfeito.
Mas o que terá mudado entre o tempo em que a carência de ação seria inevitavelmente declarada, e agora, em que o mandado de segurança tem a ordem concedida? O que não mudou foi o mandado de segurança, que continua a ser o que sempre foi: uma ação processual de conteúdo bastante geral, como, aliás, é toda ação processual, salvo a ação rescisória, que está, sim, é uma ação típica (no sentido de que sua utilidade é fixada pelo legislador e ao autor não cabe senão que observar rigorosamente essa finalidade).
O que mudou foi a realidade, e com ela o manejo do mandado de segurança. O jornal “Valor Econômico” publica hoje matéria em que registra o grande números de “writs” impetrados por empresas que querem obrigar a Fazenda Pública a cobrar seus créditos, inscrevendo-os em dívida ativa, e a razão para isso é simples: sem a inscrição em dívida ativa, o crédito não pode ser objeto de transação com a própria Fazenda. É o mandado de segurança servindo como uma espécie de ação de consignação em pagamento ajuizada pelo devedor que quer pagar, mas o credor não quer receber. O provimento jurisdicional na ação de consignação em pagamento desobriga o devedor de continuar a ser devedor, por ter depositado (pago) a dívida. O mandado de segurança está a cumprir uma finalidade algo parecida, na medida em que o devedor do Fisco impetra um mandado de segurança para que o Poder Judiciário comine ao Fisco a obrigação de inscrever em dívida ativa o débito, e se não faz, sujeita-se o Fisco à multa por recalcitrância, com o que o devedor pretende, não escapar do débito tributário, mas o negociar em condições mais vantajosas.
Para quem afirmava que o provimento jurisdicional obtido em mandado de segurança (quando a ordem é concedida) é sempre mandamental, está aí uma comprovação de que há, sem dúvida, uma considerável carga de obrigação (de mandamento, pois), na sentença que se profere em mandado de segurança, mas sem esquecer que, por se tratar de uma ação processual, o mandado de segurança serve para muito mais do que obter apenas um provimento mandamental. Outros tipos de provimento jurisdicional também podem ter ali lugar, conforme a realidade o exigir.