HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: NATUREZA JURÍDICA
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
Instalou-se, não no campo do direito processual civil, mas no campo do direito tributário, uma interessante questão que envolve a natureza jurídica dos honorários advocatícios gerados em processo judicial. Seriam eles uma indenização paga ao advogado, ou seriam a contraprestação por um serviço que o advogado realizou no processo, ou teriam ainda uma outra natureza jurídica?
A questão interessou os tributaristas porque alguns municípios começaram a cobrar dos advogados o ISS – Imposto sobre Serviços sobre os honorários recebidos em processo judicial, e os advogados correrão então a argumentar que o fato gerador desse imposto não pode incidir, porque não há serviço, senão que uma indenização.
Mas de que indenização se trataria? Pela demora do advogado em receber seus devidos honorários? O artigo 85 do CPC/2015, portanto, deveria ser lido e interpretado no sentido de que, como o processo civil sempre de demora, é justo e é razoável que os advogados recebam uma indenização por essa demora. Mas e quando o processo é rápido, e nalguns casos ele realmente é rápido, e o advogado recebe mui prontamente seus honorários, então nesse caso, por não haver demora, não poderiam ser considerados uma indenização.
Obviamente que os honorários advocatícios recebidos em processo judicial, demorem muito ou pouco em serem recebidos pelo advogado, nunca foram, não são e não podem ser considerados como indenização, a não ser que a pena do Legislador (e essa pena pode muito, mas não pode tudo) diga que são uma indenização. Ocorre que a Lei não o diz.
Sob a perspectiva do processo civil e do CPC/2015, os honorários são a contraprestação que é devida ao advogado pelo serviço (sim, um serviço) que lhe tocou realizar no processo, e como lhe coube bem realizar esse serviço, é justo que receba por ele, como é corroborado pelo artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, que remunera melhor o serviço do advogado quando ele, em recurso, vence a demanda.
E se constituem, sob o aspecto processual, a remuneração que é recebida pelo advogado, no campo do direito tributário não perdem essa natureza jurídica, e continuam a ser ali o que são no processo civil: uma remuneração que é de direito do advogado pelo serviço que realizou no processo.
Também é necessário lembrar o que estabelece o Código Tributário Nacional em seus artigos 109 e 110:
“Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”.
O que confere acentuada liberdade ao Legislador tributário para definir, ele próprio, a natureza jurídica de uma verba, podendo inclusive transmudar essa natureza jurídica se, noutro campo do direito, ela esteja fixada de outra maneira, vedando-se que o faça apenas na hipótese em que essa natureza jurídica tenha sido expressamente fixada em norma constitucional, o que não ocorre com os honorários de advogado, cuja natureza alimentar é o único predicado que é fixado por norma constitucional, mas sem definir se se trata ou não de uma verba indenizatória.
Também é de se recordar que, dentre os ramos do Direito, o Direito Tributário é aquele que se caracteriza por uma abstração em grau mais considerável na formação dos conceitos, e essa abstração pode incidir na definição da natureza jurídica de um instituto jurídico, para lhe moldar a estrutura e a natureza jurídica. A liberdade do Legislador tributário decorre, portanto, desse acentuado grau de abstração.
Todo trabalho deve ser remunerado, e assim também deve suceder com o advogado e sua atuação no processo civil. Os honorários formam a remuneração por seu trabalho. Não há, pois, nenhuma particularidade que envolve os honorários de advogado que permita que se transmude a sua natureza jurídica, e apenas para tirar os advogados da incidência do ISS.
Se a moda pegar, ou seja, se prevalecer a posição por alguns defendida de que se deve atribuir aos honorários advocatícios a natureza jurídica de indenização, todo prestador de serviço terá bons argumentos para também fugir do ISS, bastando dizer, como os advogados, que não recebem remuneração pelo serviço que executam, mas sim uma indenização, alegando, por exemplo, que devem ser indenizados pelo tempo em que estiveram fora de sua casa, laborando, em vez de estarem em repouso.