AÇÃO DE USUCAPIÃO AJUIZADA POR ENTE PÚBLICO. DIREITO SUBJETIVO DE USUCAPIR QUE, EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO EM VIGOR, NÃO É RECONHECIDO A ENTE PÚBLICO EM VIRTUDE DA PREVALÊNCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE GARANTE AO PARTICULAR INDENIZAÇÃO COMPLETA E JUSTA EM SITUAÇÃO DE DESAPOSSAMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO DE APELAÇÃO PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.
RELATÓRIO
Cuida-se de ação de usucapião extraordinário ajuizada pelo (…) contra (…), tendo sido julgada procedente a pretensão pela r. sentença que reconheceu em favor do autor posse com “animus dominis” e pelo prazo legalmente previsto, declarando, pois, a existência de domínio em favor do autor relativamente ao imóvel descrito as folhas 8/9.
Recurso de apelação interposto pela ré, que controverte quanto à qualificação jurídica da posse exercida pelo autor desde o ano 2000, alegando que, em tempo algum, essa posse foi exercida “animus dominis”, o que obsta o pedido de usucapião, buscando a ré-apelante a reforma da r. sentença.
Recurso de apelação interposto no prazo legal, dispensada a ré de proceder ao preparo em razão de beneficiar-se da gratuidade. Contrarrazões apresentadas.
FUNDAMENTAÇÃO
Acolhe-se o recurso de apelação, mas por fundamentação jurídica diversa daquela formulada pela apelante.
Com efeito, em nosso ordenamento jurídico em vigor, nenhum ente público possui o direito subjetivo a usucapir imóvel da propriedade particular. Duas ordens de razão alicerçam essa conclusão.
A primeira é a de que, apossando-se de imóvel particular, possui o ente público, dentro da autoexecutoriedade de seus atos, o poder jurídico-legal de declarar o domínio de imóvel particular, quando esteja a exercer posse sobre bem da propriedade de particular, não necessitando, pois, da tutela jurisdicional quanto à essa declaração e à produção de seu principal efeito fático-jurídico, que é a de fazer incorporado ao patrimônio público bem imóvel da propriedade de particular.
A segunda ordem de razão radica na existência em nosso ordenamento jurídico em vigor da proteção do particular em face do apossamento administrativo, o que se dá por meio da ação de desapropriação indireta, sendo importante observar que, para o manejo desse tipo de ação, não há necessidade de que o Poder Público tenha declarado o domínio, bastando esteja a praticar atos que caracterizem o apossamento administrativo do imóvel, criando em favor do particular o direito processual de, por meio de ação de desapropriação indireta, reclamar uma indenização completa e justa e em dinheiro, como observa HELY LOPES MEIRELLES em seus indispensáveis “Estudos e Pareceres de Direito Público”, obra hoje de alfarrábio:
“Vê-se, pois, que na desapropriação indireta o bem esbulhado integra no domínio legal não por título legal, mas por situação de fato que torna impossível o seu retorno ao domínio do particular, compensando-se o despojamento do bem pela mais completa indenização em dinheiro”. (v. VII, p. 309).
Destarte, tendo obtido provimento jurisdicional em ação de usucapião, o (…) ilegitimamente desobrigou-se de pagar ao réu a indenização pela perda da propriedade do bem imóvel desta ação, indenização que, é importante enfatizar, constitui direito constitucionalmente reconhecido no artigo 5º., inciso XXIV, e que abarca tanto a modalidade de desapropriação direta, quanto a indireta. A r. sentença, com efeito, ao acolher a pretensão do ente público, declarando-lhe por força do usucapião, o domínio sobre área particular, fez tábua rasa da proteção constitucional que é inerente ao regime jurídico-legal de desapropriação (direta e indireta).
Há que se reconhecer, por óbvio, a prevalência da norma constitucional que prevê o direito de o particular ser indenizado na hipótese em que suporta o desapossamento administrativo, de maneira que é por essa razão que não há o direito subjetivo de o ente público invocar a aplicação do instituto do usucapião.
Do que é imperioso concluir que, existindo em nosso ordenamento jurídico em vigor a proteção do particular por meio da ação de desapropriação indireta, quando suporta desapossamento de sua propriedade por ato do poder público, reconhecendo a Constituição de 1988 o direito do particular a uma indenização justa e em dinheiro, daí se deve concluir que o ente público não possui o direito subjetivo a usucapir imóvel particular, em qualquer das formas de usucapião, sobretudo aquela tratada na r. sentença – a do usucapião extraordinário –, de modo que a. r. sentença é reformada para que se declare a improcedência do pedido, por vedação legal.
Pois que, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso de apelação para, reformando integralmente a r. sentença, declarar improcedente o pedido de usucapião.
Invertem-se os ônus de sucumbência, agora atribuídos exclusivamente ao apelado. Quanto aos honorários de advogado, são aqui fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, devidamente corrigido.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
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