RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO DECORRENTE DE DEMORA EXCESSIVA EM PRISÃO PREVENTIVA. AUTOR QUE PERMANECEU PRESO PREVENTIVAMENTE POR LONGO TEMPO ATÉ SER ABSOLVIDO EM TRIBUNAL DE JÚRI. DANO MORAL CONFIGURADO

Vistos.

                                      Alegando ter sido vítima de erro policial e judiciário, suportando prisão preventiva indevida por mais de três anos, até ser absolvido em tribunal do júri, ajuizou  (…) qualificado a folha 2, esta demanda contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, buscando reparação por dano moral da ordem de R$250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). Adotado o rito ordinário.

                                      Sustentando a aplicação da regra que prevê a responsabilidade objetiva do Estado, alega o autor que embora não houvesse qualquer motivo concreto que pudesse legitimar sua prisão preventiva por crime de homicídio que não havia cometido, a prisão  foi requerida pela Polícia Civil do município de São Pedro e decretada pela Justiça daquela cidade, tendo permanecido preso por mais de três anos, levado a julgamento perante o tribunal do júri, quando se decidiu por sua absolvição em razão de não haver prova de sua participação no crime de homicídio imputado. Durante todo esse tempo, permaneceu preso, embora tivesse pleiteado a revogação de sua prisão preventiva por várias vezes, inclusive por meio de habeas corpus. Nesse contexto, afirma o autor ter sido suportado injustificado constrangimento decorrente de sua prisão indevida por acentuado tempo, e sobretudo por ter sido preso na pequena cidade em que residia há mais de trinta anos, de cerca de seis mil habitantes, tornando-se o fato conhecido, com efeitos que afetaram em demasiado sua dignidade e honra.

                                      A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 12/156.

                                      Gratuidade concedida (folha 158).

                                      Citada (folha 162),  a ré contestou para negar o direito invocado pelo autor, sustentando que contra ele se fez instaurar regular processo penal, justificado em razão de circunstâncias que à época permitiram lhe atribuir a prática do crime de homicídio doloso, com a decretação de sua previsão preventiva, justificada em razão da gravidade do crime e do seu desaparecimento do local dos fatos, o que a torna legal. Aduziu, outrossim, que em se tratando de atividade jurisdicional, a responsabilidade somente surte no caso do artigo 133 do Código de Processo Civil, excluindo-se assim a responsabilidade objetiva prevista no artigo 37 da Constituição da República de 1988. Subsidiariamente, se procedente a pretensão, pugna seja fixada reparação por dano moral em patamar menor do que aquele pretendido pelo autor, levando-se em consideração as circunstâncias do caso em concreto (folhas 163/179).

                                      Réplica as folhas 183/188.

                                      Saneado o processo as folhas 193/196.

                                      Na fase de instrução, produziu-se apenas o interrogatório do autor, colhido as folhas 204/205.

                                      Encerrada a fase de instrução (folha 206), as partes apresentaram seus memoriais: o autor as folhas 217/220; a ré as folhas 221/222.

         É o RELATÓRIO.

         FUNDAMENTO e DECIDO.

                                      Versa esta demanda acerca da responsabilidade civil decorrente de alegação de prisão indevida. O autor viu-se processado criminalmente, acusado da prática de homicídio doloso, tendo permanecido preventivamente preso por quase quatro anos, até ser absolvido pelo tribunal do júri, que o absolveu por não identificar prova de que tivesse ele concorrido à infração penal (CPP, artigo 386, inciso V). A ré alega que regular o processo penal que se fez instaurado contra o autor, cuja prisão preventiva foi justificada pelas circunstâncias devidamente analisadas pela Justiça Criminal, não havendo dano moral injusto. Defendeu, outrossim, a tese jurídica de que em se tratando de atividade jurisdicional, a responsabilidade civil somente é de ser reconhecida se o juiz atua com dolo ou fraude, nos termos do que previsto está no artigo 133 do Código de Processo Civil, não sendo de se aplicar na hipótese a regra geral da responsabilidade civil objetiva de que trata o artigo 37 da Constituição de 1988.

                                      Não há matéria preliminar que penda de análise.

                                      Quanto ao mérito, procedente a pretensão.

                                      O processo civil não é instância revisora dos atos processuais praticados em processo penal. Não cabe analisar nesta sede, portanto, se a decisão judicial que decretou a prisão preventiva do autor estava correta ou não, se havia circunstâncias e motivos que a pudessem legitimar. O que cabe aqui considerar, como fundamento da responsabilidade civil objetiva –  regime jurídico que é de se aplicar mesmo em se tratando de atividade jurisdicional, que também a ela o regime jurídico previsto no artigo 37, parágrafo 6o., da Constituição de 1988 é de ser inteiramente aplicado, e não apenas nos casos em que o juiz atue com dolo ou fraude -, diz apenas com o relevante fato de que o autor ficou preso preventivamente por quase quatro anos, até ser absolvido pelo tribunal do júri, que não identificou a presença de prova que pudesse configurar a participação do autor em crime de homicídio. O que sobreleva considerar, pois, sob o enfoque da reparação civil, é que a prisão preventiva durou tempo excessivo (cerca de quatro anos), a bem caracterizar um ineficiente serviço público, e é serviço público aquele que  envolve a entrega da prestação jurisdicional.

                                      Poder-se-ia argumentar que a atividade jurisdicional revelou-se eficiente na medida em que acabou por reconhecer a absolvição do autor. Esse argumento, contudo, não é de molde que permita olvidar do excessivo tempo em que o autor permaneceu preso preventivamente, entre 17 de setembro de 2006 a 29 de julho de 2010. Com efeito, não se pode admitir que um processo criminal, por mais intrincado que o caso concreto que forma seu objeto possa ser, que um processo criminal, pois, demore tanto tempo para ser concluído, nomeadamente quando o autor encontre-se preventivamente preso, como no caso em questão. Nenhum argumento razoável pode ser encontrado para justificar uma longa prisão provisória como a que suportou o autor, designadamente se considerarmos a comarca pela qual tinha trâmite o processo penal que se lhe fazia instaurado, uma comarca pequena, com poucos processos penais que devem ser levados a júri popular, como é de se presumir.

                                      Qualquer prisão gera constrangimento a quem a suporta, obviamente. Esse constrangimento é aumentado pelo tempo em que a prisão perdura. Daí que a prisão configura, só por si, lesão à esfera jurídica daquele que é preso. O saber se é caso de se configurar ou não uma lesão injusta, passível de reparação por dano moral, depende da análise do caso em concreto, com exame das circunstâncias que dizem respeito à prisão, em especial ao tempo em que ela perdura e a sua efetiva necessidade. E no caso sob análise, o longo tempo da prisão configura ineficiente prestação do serviço jurisdicional.

                                      Diante desse quadro, aplicando-se à atividade jurisdicional o regime comum de responsabilidade civil do Estado, e em se caracterizando no caso concreto que houve ineficiente prestação do serviço público de atividade jurisdicional, é de ser condenada a ré, responsável pelo serviço que sua justiça (Estadual) presta com deficiência. A pretensão do autor é, assim, acolhida.

                                      Pretensão que se circunscreve à reparação por dano moral, cuja fixação deve observar a razoabilidade e o bom senso, critérios que são recomendados pela doutrina e jurisprudência. Daí que no caso presente, considerando o acentuado tempo da prisão preventiva que foi imposta ao autor, as circunstâncias em que ela ocorreu e perdurou, bem retratadas pelo autor em seu interrogatório, é de ser fixada a reparação por dano moral em R$100.000,00 (cem mil reais), com atualização monetária a partir desta data. Juros de mora contados desde a citação e calculados segundo o que prevê o artigo 1o.-F da Lei Federal 9.494/1997, com a nova redação que lhe foi da pela Lei Federal de número 11.960/2009.

                                               Verba alimentar.

                                               POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido para CONDENAR a requerida, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no pagamento ao autor, (…) no pagamento de reparação por dano moral, quantificada essa reparação em R$100.000,00 (cem mil reais), com atualização monetária e juros de mora. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.

                                               Beneficiado pela gratuidade, o autor não arcou com o pagamento da taxa judiciária, nem com qualquer outro despesa processual. Assim, a ré, sucumbente, nada tem que reembolsá-lo a esse título; o único encargo de sucumbência em que deve ser condenada é no pagamento de honorários de advogado, estes fixados segundo os critérios do artigo 20, parágrafo 4o., do Código de Processo Civil, em R$10.000,00 (dez mil reais), com atualização monetária a partir desta data, justificando a fixação da verba honorária nesse patamar em face do valor da condenação e do tipo de matéria discutida, de média complexidade jurídica, além de se considerar o tempo de trâmite e o número de atos processuais praticados.

                                      Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença, a ser submetida a reexame necessário.