POLICIAL MILITAR PRESO POR ORDEM DA JUSTIÇA CRIMINAL

POLICIAL MILITAR PRESO POR ORDEM DA JUSTIÇA CRIMINAL. DIREITO A RECEBER SALÁRIO. COLISÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A POSIÇÃO JURÍDICA DA ADMINISTRAÇÃO COMO EMPREGADORA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E A PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM CONFLITO.

Processo número 1003288-47.2018
Juízo de Direito da 3ª Vara da Fazenda Pública
Comarca da Capital

Vistos.

Questiona o autor, (…), qualificado a folha 1, a validez do ato administrativo em função do qual não está a receber os vencimentos de seu cargo de policial militar, por estar preso e na condição de agregado, sustentando que a norma legal em que se funda tal ato administrativo não foi recepcionada pelo Ordenamento Jurídico em vigor.

Citada, a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, contestou, defendendo a validez do ato impugnado, argumentando que o autor, estando preso preventivamente, não está a laborar, e por isso não faz jus à remuneração de seu cargo, conforme previsão legal.

Assim, FUNDAMENTO e DECIDO.

Quanto ao exame do mérito da pretensão.

Quando se instala um conflito entre direitos subjetivos, sendo ao menos um deles de natureza fundamental, a solução passa necessariamente pela aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade, aqui aplicado, pois.

Com efeito, invoca o autor o direito subjetivo de não sofrer a interrupção no recebimento de sua remuneração, ainda que esteja preso preventivamente, argumentando que esse direito decorre dos direitos fundamentais que lhe garantem a irredutibilidade de vencimentos, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana. A Administração Pública argumenta que nenhum desses direitos fundamentais protege o autor, e que não estando ele a exercer as funções de seu cargo, porque preso preventivamente, por elas não pode receber, conforme previsão legal. Assim se pode cifrar o conflito de direitos subjetivos, no caso presente.

Aplicando-se aqui o princípio da proporcionalidade, azada forma ao controle jurisdicional de conflitos de direitos fundamentais, daí decorre que há se reconhecer que apenas um dos direitos fundamentais que o autor invoca está caracterizado – o da dignidade da pessoa humana, que está diretamente a ser afetado pelo ato administrativo que lhe fez suspender o pagamento da remuneração de seu cargo.

Quanto aos outros direitos invocados, o da irredutibilidade de vencimentos e da presunção de inocência, eles não se configuram, pois que o ato administrativo não se refere por óbvio à forma de cálculo dos vencimentos, e nem a Administração está a afirmar culpado o autor, senão que apenas está a levar em conta o fato, objetivamente considerado, que o autor, preso preventivamente, não labora, e por laborar, não faz jus à remuneração de seu cargo.

Destarte, o único direito fundamental que está configurado é o da dignidade da pessoa humana, direito que embora de matriz antropológica, ganhou contornos de direito positivo em nosso Ordenamento Jurídico, para conferir proteção ao particular em suas diversas relações com o Estado, abarcando aquela de natureza funcional que o autor mantém com a Administração. Direito fundamental à dignidade humana que equivale a reconhecer que o Estado deve, na medida do juridicamente possível, preservar a esfera jurídica do particular, não lhe impedindo exercer, por exemplo, algum trabalho, ou de receber pelo trabalho que exerça.

Assim, de um lado há o direito fundamental do impetrante à proteção de sua dignidade como pessoa humana, no sentido de se lhe reconhecer o direito a uma fonte de renda decorrente de um trabalho lícito que mantenha seu sustento e o de sua família, e doutro, o direito da Administração, previsto em Lei, de não pagar ao autor por um trabalho que ele não está por ora a realizar.

Ponderando-se tais direitos no caso em concreto, concluo que é caso de sacrificar-se o direito fundamental do autor, porque não se pode exigir da Administração pague, sem razão que o justifique, remuneração a um servidor público que não está a trabalhar, porque a remuneração somente se justifica em virtude de a Administração beneficiar-se do trabalho de seu servidor. A Administração em nada interferiu no ato que determinou a prisão preventiva do autor, determinada pelo Poder Judiciário, de modo que não pode sofrer as consequências patrimoniais de um ato que não lhe diz respeito diretamente, em que não interveio ou de que não participou, de modo que, nessas circunstâncias e por essa razão seria injusto onerar os cofres da Administração, para lhe obrigar a pagar a remuneração a um servidor que, preso, não está a trabalhar.

Consideremos nomeadamente que a relação jurídica que vincula o autor com a Administração é de natureza funcional, e não de assistência social, cujos princípios e regras são de natureza diversa daqueles que se aplicam a uma relação puramente de trabalho, na qual se considera que a remuneração é devida apenas quando o trabalho é efetivamente exercido, ou nalguns casos específicos em que embora não executado, mesmo assim o servidor deve receber a remuneração, casos específicos e que são tão somente aqueles expressamente previstos em Lei (por exemplo, licença para tratamento de saúde). Já a assistência social tem outros princípios e regras, e por isso se justifica que alguns benefícios sejam pagos sem qualquer relação entre custo e benefício, como ocorre, por exemplo, com o auxílio-reclusão.

De modo que, analisando os direitos em colisão, e considerando nomeadamente qual a natureza jurídica da relação jurídica que o autor mantém com a Administração – relação jurídico-funcional, e que princípios e regras a regem, daí concluo que, aplicando o princípio da proporcionalidade, declaro prevalecente o direito da Administração que, fundado em Lei, está valida e legitimamente a suspender o pagamento dos vencimentos do autor, pelo tempo em que ele, estando preso, não possa exercer normalmente as funções de seu cargo.

POSTO ISSO, aplicando o princípio da proporcionalidade e, ponderando os direitos subjetivos em conflito, JULGO IMPROCEDENTE o pedido por considerar prevalecente o direito da Administração, de suspender o pagamento dos vencimentos do autor (…), durante o tempo em que ele, preso, não estiver a executar as funções de seu cargo, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado. Beneficia-se o autor da gratuidade.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

São Paulo, em 2 de julho de 2018.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO