Cuida-se de ação promovida por (…), estabelecida neta Capital, contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, sustentando a autora a ilegalidade do protesto de certidão de dívida ativa, considerando que a finalidade do protesto, que é a de fazer provar a inadimplência e o descumprimento de determinada obrigação, torna-se desnecessária e mesmo conflita com os poderes que formam a essência da certidão de dívida ativa, nomeadamente os que tornam líquido, certo e exigível o crédito do fisco, poderes que dispensam o protesto, de resto previsto em Lei formalmente inválida. Adotado o procedimento comum.
A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 23/103.
Negada a tutela provisória de urgência (folha 119); não se registra a interposição de recurso.
Citada, a ré contestou, aduzindo que se levou a protesto certidão de dívida ativa relativa a débito de ICMS declarado e não pago pela autora, medida que tem previsão na Lei federal de número 9.492/1997, com a nova redação que lhe foi dada pela Lei 12.767/2012, conferindo ao ato de protesto efeitos que não mais circunscrevem ao direito cambiário, autorizando, pois, que a certidão de dívida ativa, que constitui título executivo extrajudicial, seja levada a protesto, tal como sucede com qualquer outro título executivo. Argumenta, outrossim, que o protesto atende ao princípio da eficiência, na medida em que busca a satisfação de tributos, e que pode ocorrer esteja a ação de execução já proposta ou por se promover (folhas 130/145, com documentos as folhas 146/176).
Réplica as folhas 196/197.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Controverte nesta demanda quanto à legalidade do protesto de certidão de dívida ativa, matéria unicamente jurídica, de modo que o julgamento antecipado da lide é medida de rigor. Registre-se que não há matéria preliminar que penda de análise.
Quanto ao mérito da pretensão.
Embora a certidão de dívida ativa se constituísse em título executivo extrajudicial conforme previsão no Código de Processo Civil de 1973 (artigo 585, inciso VII), e autorizasse a propositura da ação de execução fiscal (regulada pela Lei federal de número 6.830/1980), não havia previsão legal quanto a se poder levá-la a protesto, tal como sucedia com os demais títulos executivos extrajudiciais, instalando-se então uma controvérsia, que não foi eliminada pela Lei federal de número 9.492/1997, que ao regulamentar os serviços dos cartórios extrajudiciais, veio a definir, para efeitos legais, o ato de protesto, para assim fixar que se trata de “ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida” (artigo 1º.). Ocorre, entretanto, que a Lei federal de número 12.767/2012 fez inserir o parágrafo único ao artigo 1º. da Lei 9.492/1997, autorizando que a certidão de dívida ativa seja levada a protesto.
Questiona-se, entretanto, se as finalidades do protesto, quais sejam, a de provar a inadimplência e a de dar dela publicidade, se tais finalidades ajustam-se, ou mesmo são necessárias em face dos poderes com que está revestida em nosso ordenamento jurídico a certidão de dívida ativa, por gozar, nos termos do que prevê o artigo 204 do Código Tributário nacional, da presunção de certeza e liquidez. E a resposta é afirmativa.
De primeiro é importante considerar que dentre as finalidades do protesto, apenas uma é conatural a ele: a de dar publicidade da inadimplência, de modo que não há protesto que não possua tal finalidade. Já a outra finalidade, a de provar a inadimplência de determinada obrigação, ela estará presente apenas naqueles casos em que o Legislador assim o tenha exigido, como ocorre, por exemplo, com o protesto cambial. Pode ocorrer, portanto, que o protesto tenha por finalidade apenas a de dar publicidade a uma determinada situação em que já se esteja caracterizada e formalizada a inadimplência. Daí se pode concluir que ainda que um título executivo extrajudicial esteja já formado e constituído, pode o Legislador autorizar que o protesto ocorra para a finalidade de dar publicidade a uma situação de inadimplência – como ocorre com a certidão de dívida ativa, cuja presunção legal de certeza e de liquidez não necessita, para sua formação, do protesto, embora esse ato possa ocorrer para atender ao fim da publicidade.
A propósito da publicidade da certidão de dívida ativa, há que observar que o artigo 198, parágrafo 3º., do Código Tributário nacional faz expressamente ressalvar que a divulgação de informações relativas à certidão de dívida é autorizada, a legitimar, pois, o ato de protesto para fim de publicidade.
E que efeitos pode-se obter com o protesto de certidão de dívida ativa, aqui utilizado apenas para fim de dar publicidade a uma situação de inadimplência? Obviamente que todo credor almeja e espera receber seu crédito, e o com o fisco também assim ocorre, de modo que embora o protesto não tenha por finalidade principal o de fazer com o que a satisfação do débito ocorra, essa finalidade está sempre embutida em qualquer caso em que o protesto de um título executivo venha a acontecer. Destarte, com a publicidade obtém o credor efeitos que, indiretamente, podem conduzir o devedor ao pagamento, sobretudo porque a publicidade, ao tornar conhecida do mercado a sua situação de devedor, pode dificultar-lhe a obtenção de crédito noutras operações. Não há dúvida, pois, de que o protesto constitui medida apropositada e eficiente aos interesses do fisco como credor. Eficiência, aliás, que a Lei impõe-lhe como norma de conduta nos atos que pratica (CF, artigo 37). Vale enfatizar que dentre as fontes de receita do Estado, a principal delas é a de natureza tributária, a reforçar a importância da eficiência na cobrança de créditos dessa natureza.
Dispõe o Fisco, é certo, de importantes prerrogativas processuais, das quais pode se utilizar quando ajuíza a ação de execução fiscal. Mas essas prerrogativas não obstam que o Fisco se valha também do protesto, seja porque a finalidade deste não é alcançada por qualquer daquelas prerrogativas, seja porque a Lei validamente confere-lhe o direito de levar a protesto a certidão de dívida ativa.
Por fim, registre-se que o egrégio Supremo Tribunal Federal, em novembro de 2016, julgando a ação direta de inconstitucionalidade de número 5.135, reconheceu a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 1º. da Lei federal de número 9.492/1997, ao decidir que o Fisco possui o direito subjetivo de levar a protesto a certidão de dívida ativa, não constituindo esse ato a prática de abuso de direito ou mecanismo de sanção política.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.
Condeno a autora no pagamento da taxa judiciária, de despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso, e honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, com correção monetária desde seu ajuizamento.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 12 de junho de 2017.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO