VOO INTERNACIONAL. TRANSPORTE DE ANIMAL DE APOIO. COLISÃO ENTRE POSIÇÕES JURÍDICAS. REGULAÇÃO DA COMPANHIA ÁREA. ANÁLISE DA CARGA DE SACRIFÍCIO IMPOSTA AO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL. AUTORES QUE PRETENDEM SEJA DECLARADA A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA QUE LHES PERMITISSE REALIZAR A VIAGEM AO LADO DE SEU CACHORRO DE “APOIO”, ALEGANDO QUE A PRESENÇA DO ANIMAL ERA ESSENCIAL À SAÚDE EMOCIONAL DA AUTORA.

SENTENÇA QUE JULGOU PARCIALMENTE PROCEDENTES OS PEDIDOS, ACOLHENDO ASSIM O PEDIDO DE PROVIMENTO CONDENATÓRIO, E IMPONDO À RÉ TAMBÉM O PAGAMENTO DE REPARAÇÃO POR DANO MORAL.

APELO DA RÉ PROVIDO. NORMAS LEGAIS QUE REGEM O TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL QUE, A PARTIR DA REVOGAÇÃO DA PORTARIA 676/2000, DA AGÊNCIA REGULADORA (ANAC), CONCEDERAM ÀS COMPANHIAS AÉREAS O PODER DE DISPOREM LIVREMENTE ACERCA DO TRANSPORTE DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E DE APOIO, ATÉ QUE, EM AGOSTO DE 2023, PASSOU A VIGER A PORTARIA 12.307/2023, DA ANAC, REGULANDO O TRANSPORTE AÉREO DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E DE APOIO.

VIAGEM QUE OCORREU EM 2 DE JULHO DE 2023, AO TEMPO, POIS, EM QUE A PORTARIA 12.307 AINDA NÃO ESTAVA EM VIGOR, O QUE FAZIA PREVALECER A REGULAÇÃO FIXADA PELA RÉ-APELANTE, SEGUNDO A QUAL O PESO MÁXIMO A SER TRANSPORTADO, ENTRE O ANIMAL E A CAIXA EM QUE TRANSPORTADO, NÃO PODERIA EXCEDER A 8 QUILOS, LIMITE QUE SERIA SUPERADO SE OCORRESSE O TRANSPORTE NAS CONDIÇÕES EM QUE OS AUTORES PRETENDIAM FOSSEM REALIZADO, PORQUE O ANIMAL DE APOIO PESAVA SOZINHO 10,5 QUILOS.

LIMITE DE PESO QUE, SOB A PERSPECTIVA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, É AJUSTADO AO TIPO DE TRANSPORTE REALIZADO E DAS CONDIÇÕES DE SEGURANÇA QUE LHE SÃO IMANENTES, HAVENDO, POIS, UMA ADEQUAÇÃO ENTRE A RESTRIÇÃO IMPOSTA E SUA FINALIDADE, REVELANDO-SE A REGULAÇÃO DA RÉ-APELANTE COMO PROPORCIONAL DIANTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO EM CONCRETO, NÃO ESTANDO EM QUESTÃO A IMPORTÂNCIA QUE É DE SER DADA AOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO OU DE APOIO, RECONHECIDOS COMO SUJEITOS DE PROTEÇÃO JURÍDICA, PORQUE SE HÁ CONSIDERAR COMO PREVALECENTE O VALOR QUE ENVOLVE A SEGURANÇA DO VOO, QUE É DE INTERESSE PÚBLICO.

AUTORES QUE PUDERAM SE UTILIZAR DE OUTRA EMPRESA ÁREA PARA A VIAGEM, ASPECTO QUE É DE FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA QUANDO SE PONDERA ACERCA DA CARGA DE SACRIFÍCIO A QUE CADA PARTE ESTÁ IMPOSTA NAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO EM CONCRETO.

SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO. INVERSÃO DOS ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA.

RELATÓRIO
Em face da r. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, impondo à ré condenação a reembolsar aos autores o valor por estes despendido com o transporte aéreo realizado por outra companhia, além da reparação por dano moral, interpõe a ré recurso de apelação, sustentando que, ao tempo em que a viagem ocorreu, as empresas aéreas no Brasil podiam livremente regular o transporte de animais de estimação e de apoio, e que assim devem prevalecer as normas que editou a respeito, fixando como limite máximo 8 quilos entre o animal e a caixa na qual é transportado, limite que seria consideravelmente superado se autorizado o transporte nos moldes em que os autores-apelados pretendiam, dado que só o animal pesava 10,5 quilos, e que por isso se justifica a vedação ao transporte, não caracterizado nenhum ato ilícito, pugnando, pois, pela reforma da r. sentença.
Recurso tempestivo e com preparo. Resposta apresentada.
Posicionou-se o Ministério Público pelo desprovimento ao recurso de apelação. É o que está em seu r. Parecer de folhas 603/603.

FUNDAMENTAÇÃO
Dá-se integral provimento ao recurso de apelação, de maneira que, reformada a r. sentença, declara-se a improcedência a todos os pedidos formulados na demanda.
Importante destacar o fato de que a viagem em questão ocorreu em 2 de julho de 2023.
Esse fato é deveras relevante, porque ao tempo em que a viagem ocorreu não havia ainda regulação específica pela agência reguladora acerca da matéria. Como o juízo de origem destacou, a Portaria 676/2000 havia sido revogada, e uma nova portaria surgiu apenas em agosto de 2023 (a Portaria 12.307). De maneira que, nesse intervalo de tempo, as companhias aéreas podiam regular a forma como fariam o transporte de animais de estimação ou de apoio.
E a ré, exercendo essa liberdade que a Lei lhe conferia, fixou que os animais de estimação ou de apoio poderiam ser transportados no compartimento de carga, desde que respeitado o peso máximo de 8 quilos, peso que deveria ser aferido entre o animal e a caixa em que transportado. No caso em questão, o animal sozinho pesava 10,5 quilos, e essa foi a razão pela qual a ré-apelante se recusou a transportá-lo.
A questão que se coloca nos autos provoca a aplicação do princípio constitucional da liberdade, porque se trata de analisar se a restrição imposta pela ré-apelante sobre-excedeu a liberdade que a Lei lhe conferia, de maneira que se deve examinar se a restrição é ou não proporcional, submetida ao controle por meio daqueles critérios que formam a aplicação do princípio da proporcionalidade. Trata-se, pois, de analisar se a ré-apelante, agiu dentro de razoáveis e proporcionais limites de discricionariedade.
O princípio constitucional da proporcionalidade é aqui aplicado como material hermenêutico, no contexto, pois, de uma relação jurídica de consumo, cabendo perscrutar se a restrição imposta pela ré-apelante não terá colocado a esfera jurídica dos autores-apelados aquém de uma justa proteção jurídica, impondo-lhes uma carga de sacrifício para além daquilo que, nas circunstâncias do caso em concreto, poder-se-ia considerar como razoável.
O primeiro mecanismo de controle que está enfeixado no princípio da proporcionalidade diz respeito ao meio de que se utilizou a ré-apelante para regular a matéria, e não há questionar que a ré-apelante podia regular o tema, considerando que, à época, não havia regulação legal.
Quanto à aptidão ou adequação da restrição – que é o segundo mecanismo de controle –, também se há reconhecer que a ré-apelante regulou a matéria em atenção ao valor jurídico-social de segurança do voo, de maneira que se deve concluir que a restrição imposta quanto ao local em que o animal de estimação e de apoio deveria ser transportado (no compartimento de cargas), além do peso máximo, são medidas que encontram perfeita adequação à finalidade para a qual a restrição fora fixada.
Chegamos então ao controle que se refere ao equilíbrio entre a regulação fixada pela ré-apelante e a esfera jurídica dos autores-apelados, definindo se há um justo equilíbrio entre a restrição imposta, a finalidade para a qual essa restrição foi estabelecida, e se ela fez gerar uma carga de sacrifício aos autores para além daquilo que se poderia considerar como justo, segundo as circunstâncias do caso em concreto – e a conclusão a que se chega é que a restrição imposta é proporcional, atendidos a todos os critérios que estão enfeixados no princípio da proporcionalidade, considerando que a restrição, tanto ao local em que o animal de estimação ou de apoio deveria ser transportado, quanto ao peso máximo, que essa restrição é de ser considerada como proporcional.
Obtemperam os autores-apelados que outra empresa área aceitou fazer o transporte do animal de apoio, ainda que pesando 10,5 quilos. Lembremos que cada empresa área podia regular o tema de maneira discricionária, e assim os autores-puderam realizar o transporte por outra companhia área, aspecto, aliás, que é sempre de importância analisar quando se trata de aplicar o princípio da proporcionalidade, porque como se enfatiza em tribunais constitucionais da Europa ocidental, sobretudo no Tribunal Constitucional Alemão, a carga de sacrifício que é imposta por uma determinada medida é de ser aferida também quanto a se se saber se aquele que suporta a restrição podia realizar seu objetivo de uma outra maneira, preservada assim a discricionariedade de quem fixou a restrição. Lembremos aqui o caso ocorrido na Espanha, cujo Tribunal Constitucional reconheceu como proporcional a negativa de uma farmácia quanto à comercialização da pílula “do dia seguinte” a uma cliente, entendendo aquele Tribunal que a restrição que a farmácia impunha era proporcional, porque fundada em motivo de consciência religiosa, e porque a carga de sacrifício que a recusa à venda gerou na consumidora não era absoluta, porque ela pudera comprar o mesmo produto noutra farmácia, aliás, próxima daquela que lhe recusara a venda.
O mesmo raciocínio é de ser aplicado neste caso, porque a restrição imposta pela ré-apelante ao transporte do animal de apoio não criou nos autores-apelado uma carga de sacrifício absoluta, tanto assim que eles puderam fazer o transporte de seu animal de estimação por outra empresa área. Do que se deve concluir que seria injusto impor a carga de sacrifício à ré-apelante, fazendo com que ela tivesse que realizar um transporte em condições diversas daquelas que constam de sua regulação, quando os autores-apelados contavam com outras possibilidades.
Não está em questão aqui a proteção jurídica ao animal, reconhecido em nosso Ordenamento Jurídico em vigor como merecedor de proteção jurídica. O que está em questão diz respeito ao grau de satisfação que os autores-apelados puderam atingir no contexto do caso em concreto, dado que, a despeito da restrição que a ré lhes impusera, puderam realizar o transporte aéreo de seu animal de apoio.
Por meu voto, dá-se integral provimento ao recurso de apelação interposto pela ré, e assim, reformando a r. sentença, declara-se a improcedência a todos os pedidos formulados na demanda.
Invertem-se os encargos de sucumbência tal como foram fixados na r. sentença, de maneira que por eles responderão os autores. Não se aplica a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR

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