VEROSSIMILHANÇA x PROBABILIDADE
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
A palavra “verossimilhança” desapareceu de nosso mais importante diploma legal de processo civil, e em seu lugar surgiu a “probabilidade”, que aparece quatro vezes no texto do código de processo civil de 2015 (artigo 300; artigo 995, parágrafo único; artigo 1.012, parágrafo 4o; e por fim, no artigo 1.026, parágrafo 1o.).
Se no artigo 273 do Código de Processo Civil de 1973 tínhamos, “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação”, temos no código em vigor, em seu artigo 300: “A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
Que diferenças de sentido e de significado há entre os significantes “verossimilhança” e “probabilidade”?
“Verossimilhança”, segundo o dicionário Houaiss, é qualidade do que é verossímil, ou seja, o que parece verdadeiro. Enquanto “probabilidade” é, de acordo com o mesmo dicionário, a perspectiva favorável de que algo venha a ocorrer, uma possibilidade ou chance. Sentidos, pois, que não coincidem.
Recordemos que ARISTÓTELES tratou do verossímil, para dizer que verossímil é aquilo que, em uma obra ou em discurso, não contradiz a tradição firmada pelos Sábios ou pela opinião pública, o que significa dizer que, para ARISTÓTELES, o verossímil não corresponde necessariamente ao que ocorreu, nem ao que efetivamente deve ser, senão que aquilo que é possível que tenha sido ou que venha a ser, dado que não parece afrontar a tradição.
A probabilidade, contudo, não possui esse significado, dado que não guarda, nem exige uma relação tão direta com a tradição (com a História, memória, opinião pública).
O que nos permite concluir que o CPC/2015 modificou de modo importante o juízo cognitivo (em cognição sumária) que é feito quando o juiz está a analisar se concede ou não uma tutela provisória de urgência. Se antes, no CPC/1973, exigia-se a verossimilhança no fundamento fático-jurídico da alegação, no CPC/2015 é suficiente que seja possível que aquilo que se alega exista ou tenha existido, ou que exista uma chance de que assim o seja ou venha a ser. Mudou o signo (de verossimilhança para probabilidade), e se mudou o signo, mudou o significado, que libera o juiz do peso que era imanente ao significado da verossimilhança e da relação que esse signo mantém com a história e a tradição, o que exigia do juiz uma fundamentação mais rigorosa e ancorada em elementos objetivos.
Consideremos ainda a expressão “relevante”, que no CPC/1973, aparecia no enunciada no artigo 461, parágrafo 3º., como requisito para a concessão da medida liminar nas ações em que se buscava obter o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, e também no artigo 558, como requisito para a concessão de efeito suspensivo ou ativo em agravo de instrumento. Importante observar que o legislador do CPC/1973 tomara de empréstimo a expressão “relevante”, utilizada pela legislação que regulava o mandado de segurança (então a lei federal 1.060/1950), também utilizada na lei em vigor (lei federal 12.016/2009), como requisito para a concessão da medida liminar a ação de mandado de segurança.
No CPC/2015, a expressão “relevante” não é empregada no sentido de constituir um requisito para a concessão das tutelas provisórias de urgência, aparecendo, contudo, como requisito para a hipótese de se dotar de efeito suspensivo a apelação (artigo 1012, parágrafo 4º.), e também como requisito para que se conceda efeito suspensivo a embargos declaratórios.
Durante o tempo em que esteve em vigor a lei 1.060/1950 (a lei do mandado de segurança), consolidou-se na doutrina e na jurisprudência a posição de que a expressão “relevante” equivaleria a verossimilhança, mas não à plausibilidade jurídica, com o que se sustentava que, para a concessão de medida liminar em mandado de segurança, não era suficiente que o autor comprovasse existir a plausibilidade jurídica no direito subjetivo que invocava, senão que era indispensável que esse fundamento revelasse-se verossímil. Observe-se que a lei atual do mandado de segurança continua a utilizar-se da expressão “relevante”, do que se pode concluir que estaria a exigir como requisito para a concessão da medida liminar a verossimilhança. Sucede, contudo, que como se cuidou demonstrar, o CPC/2015 deixou de empregar a expressão “verossimilhança”, colocando em seu lugar a “probabilidade”, modificando-se, pois, o signo e, por consequência, o significado, donde se se deve indagar se, no caso de medida liminar em mandado de segurança, teriam também se modificado o signo e o significado, de maneira que, por “relevante” deve-se entender essa expressão como equivalente à de “probabilidade”, ou teriam subsistido o signo e o significado originais, formados ao tempo em que estava em vigor o CPC/1973, e assim por “relevante” há que se continuar a entender que o fundamento jurídico alegado pelo impetrante deva ser verossímil?
Os bons dicionários dizem que “relevante” é o que tem relevo, o que tem importância, o que essencial, e são essas acepções que entram no campo jurídico, as quais não correspondem ao sentido que se extrai da expressão “probabilidade”. Destarte, entendemos que, no caso da lei do mandado de segurança, o requisito para a concessão da medida liminar não equivale, não corresponde, nem pode corresponder ao de uma mera probabilidade. Relevante é o que é verossímil.