RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NOVAÇÃO. EXECUÇÃO INDIVIDUAL

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO DECLARADOS COMO PARCIALMENTE PROCEDENTES, RECONHECIDO O EXCESSO NO VALOR DA EXECUÇÃO.
RECURSO DO EMBARGANTE EM QUE ALEGA TER SUPORTADO CERCEAMENTO DE DEFESA, NA MEDIDA EM QUE NÃO PÔDE PRODUZIR PROVA PERICIAL, SEM O QUE O JUÍZO DE ORIGEM NÃO CONTOU COM UM IMPORTANTE ELEMENTO DE INFORMAÇÃO QUANTO À DEMONSTRAÇÃO DO EXCESSO NO VALOR DA EXECUÇÃO PARA ALÉM DAQUELE EXCESSO QUE A R. SENTENÇA RECONHECEU.
PRINCÍPIO DEVOLUTIVO QUE É IMANENTE AO RECURSO DE APELAÇÃO, E QUE PERMITE SE POSSA EXAMINAR MATÉRIA TRATADA EM SENTENÇA, MAS QUE O APELANTE NÃO FEZ ABARCADA EM SEU RECURSO. MATÉRIA QUE, DE RESTO, É DE ORDEM PÚBLICA, POR DIZER RESPEITO À COMPETÊNCIA.
NOVAÇÃO QUE, PROVOCADA PELO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, PRODUZ EFEITOS SOBRE O CRÉDITO EM SI, DE MANEIRA QUE É IRRELEVANTE QUE A EXECUÇÃO INDIVIDUAL ESTEJA A SER PROMOVIDA CONTRA OS COOBRIGADOS, AVALISTAS OU FIADORES, PORQUE O CRÉDITO É, EM ESSÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA, O MESMO, E COMO TAL AFETADO DIRETAMENTE PELA NOVAÇÃO.
NOVAÇÃO QUE DETERMINA A SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO INDIVIDUAL, NA AGUARDA DO QUE VENHA A OCORRER EM RELAÇÃO AO CRÉDITO OBJETO DE NOVAÇÃO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL.
ARTIGO 49, PARÁGRAFO 1º., DA LEI 11.101/2005 QUE APENAS FAZ CONSERVAR OS DIREITOS E PRIVILÉGIOS DO CREDOR EM FACE DE UMA NOVAÇÃO QUE É OBJETIVA. NOVAÇÃO QUE, INCIDINDO SOBRE O CRÉDITO EM SI, PRODUZ EFEITOS TAMBÉM NA ESFERA DA RELAÇÃO JURÍDICA MANTIDA PELO CREDOR E COOBRIGADOS.
SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO EM PARTE. SEM A FIXAÇÃO DE ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA.

RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto contra r. sentença que, em embargos à execução, acolheu-os parcialmente, reconhecendo haver excesso no valor da execução, alegando a embargante ter suportado cerceamento de defesa, na medida em que não pôde prova pericial, que, produzida, faria estender o excesso no valor da execução para além daquilo que a r. sentença reconheceu.
Recurso tempestivo, dispensado do preparo – em razão da gratuidade da justiça – e contrarrazoado.

FUNDAMENTAÇÃO
Apelo parcialmente procedente.
Um registro inicial é necessário. O efeito devolutivo, que é próprio ao recurso de apelação, traz ao conhecimento deste Tribunal matéria que foi tratada na r. sentença, mas que o apelante não fez abarcada no recurso de apelação. Refiro-me à competência, matéria, que, de resto, é de ordem pública.
Com efeito, a novação produzida pelo processamento da recuperação judicial atinge o crédito em si, o que significa dizer que é irrelevante esteja a execução individual a voltar-se contra o avalista ou fiador, porque, como dito, a novação atinge a essência e natureza do crédito, fazendo extinta a dívida anterior, substituída por uma nova dívida.
Pois bem, se esta execução individual possui como objeto o mesmo crédito que foi afetado pela novação produzida pela recuperação judicial, a novação a afeta, gerando o efeito de fazer suspensa a execução individual, na aguarda do destino a ser dado ao mesmo crédito.
Quanto ao que argumenta o embargado, no sentido de que o artigo 49, parágrafo 1º., da Lei Federal 11.101/2005, ao dispor que “Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”, que esse dispositivo legal, pois, garante o prosseguimento da execução individual, malgrado a novação produzida pela recuperação judicial, equivocada, contudo, essa interpretação. Com efeito, o fato de a norma legal estatuir que o credor conserva seus direitos e privilégios contra os devedores solidários não significa que a novação não produza seus efeitos, senão que o que a referida norma legal está a garantir é que, se o crédito não for satisfeito na recuperação judicial, a novação não produz efeitos relativamente às garantias originariamente previstas em favor do credor.
Acerca da novação, lembremos o que ensina PONTES DE MIRANDA, iniciando pela importante distinção que se deve fazer entre a “novação objetiva” e a “novação subjetiva”, devendo-se considerar que a novação que a Lei produz neste caso é a objetiva, ou seja, como diz PONTES DE MIRANDA, “o aliquid novi, está em qualquer elemento da relação jurídica que não seja o sujeito ativo ou passivo”. (“Tratado de Direito Privado”, tomo XXV, p. 68, editora Revista dos Tribunais). Ou seja, o que foi objeto da novação não diz respeito ao credor, devedor principal ou solidário, porque a novação “ope legis” produzida pela recuperação judicial afeta o crédito enquanto ele próprio: sua essência e natureza, portanto. A dívida antiga é extinta, surgindo uma outra.
E quanto às garantias em favor do credor que existiam antes da novação, o referido artigo 49, parágrafo 1º. determina que elas se mantenham como tais, o que, contudo, não significa que a novação tenha se transmudado em uma novação subjetiva. Ela continua a ser uma novação objetiva, e as garantias se mantêm, acrescida de uma nova garantia: a de que o crédito possa ser satisfeito na ação de recuperação judicial, o que, sem dúvida, é uma garantia ainda maior ao credor.
A novação, como é cediço, faz extinguir a dívida anterior, substituída por uma nova, subsistentes as garantias anteriores e acrescidas por outra, mas sem que se possa desconsiderar a novação objetiva havida.
Não se desconhece, por certo, a r. súmula 581 do egrégio Superior Tribunal de Justiça, mas que há se obtemperar que seu conteúdo sobre-excede ao enunciado do artigo 49, parágrafo 1º., da referida Lei 11.101/2005, na medida em que a súmula faz transmudar em “subjetiva” uma novação que, “ope legis”, é objetiva, produzindo efeitos na esfera das relações jurídicas mantidas entre o credor e os coobrigados, submetendo-os à novação, apenas com a ressalva feita no referido artigo 49, parágrafo 1º. de que as garantias se mantêm, o que, aliás, é comum ocorrer quando se trata de novação objetiva.
Prejudicado o exame das demais alegações, como a de ter havido cerceamento de defesa.
Por meu voto, dá-se parcial provimento a este recurso de apelação, fazendo suspender, em virtude da novação produzida pelo processo de recuperação judicial, o trâmite desta execução individual, na aguarda da sorte a ser dada à solução desse crédito por aquela via.
Não se fixam encargos de sucumbência.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR