PRODUTO ADQUIRIDO NO EXTERIOR. NÃO APLICAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE PROTEÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRAZO DE GARANTIA LEGAL SUPERADO. DANO MORAL CARACTERIZADO NA EXPECTATIVA GERADA PELA PRESTADORA DO SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA

Processo número 1000179-49.2021
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital

Vistos.

Alega o autor, (…), qualificado a folha 1, que, superado o prazo de garantia, contratou com a requerida, (…), a realização de um serviço de assistência técnica a ser realizado em um aparelho computador produzido pela ré e que o autor adquirira no exterior, sendo que a avaliação da ré indicou como necessária a substituição de um componente (“placa-mãe”), com o que o autor acedeu, contratando o serviço, na aguarda de que, substituído o componente, o computador pudesse voltar a funcionar em condições normais de uso, o que, entretanto, segundo o autor, não sucedeu, dado que a ré lhe informara de que, a despeito da substituição do componente, o mesmo problema técnico ressurgira, afirmando ainda que poderia apenas proceder ao estorno do valor recebido pela aquisição do componente e mão-de-obra, visto que o conserto definitivo do computador não poderia ser realizado diante da ausência das peças necessárias.

É nesse contexto, pois, que o autor busca recompor dano moral decorrente, segundo a peça inicial, da falta de entrega do produto em prazo razoável, de se revelar-se inadmissível que a ré não possuísse peça de reposição, e decorrente também do tempo consumido até a resposta final da ré, sublinhando o autor se deva considerar que, em se tratando de uma relação jurídico-material de consumo, deva ser aplicada a técnica da inversão do ônus da prova. Adotado o procedimento comum.

Citada, a ré, formulando proposta de acordo, contestou, alegando que como o produto em questão fora adquirido no exterior, não se pode aplicar o Código de Defesa do Consumidor, sobretudo seu artigo 32, e que o computador apresentou defeito quando já superado o prazo legal de garantia, o que a desobriga de o reparar, ou mesmo de manter peças para reposição.

Réplica apresentada.

É o RELATÓRIO.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Não há necessidade de se produzirem outras provas, além daquelas documentais já produzidas, de modo que é pertinente o que as partes requereram no sentido de que se julgue antecipadamente o mérito da pretensão.

Registre-se que não há matéria preliminar pendente de análise.

Quanto ao mérito da pretensão.

Indispensável sublinhar que a pretensão do autor circunscreve-se à reparação por dano moral, o que significa dizer que não está ele a buscar a recomposição por dano material alicerçada alegação de uma ineficiente prestação de serviço, senão que o que alega é ter suportado danos morais decorrentes das circunstâncias em que o serviço fora prestado.

Não se aplica ao caso o regime jurídico-legal instituído pelo Código de Defesa do Consumidor, porquanto o autor adquirira no exterior o computador, e como a aquisição deu-se fora do território nacional, determina a “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro” que a obrigação contratual deva reger-se pelas leis do país no qual a contratação fora feita. Assim, o autor não conta com a proteção jurídico-legal do Código de Defesa do Consumidor, de modo que não se há aplicar aqui o artigo 32 desse código, como também não se pode aplicar a técnica da inversão do ônus da prova.

Considerando o que forma a causa de pedir, fundada na alegação de ato ilícito que teria produzido dano moral, analisemos as circunstâncias em que o serviço de assistência técnica fora prestado pela ré em relação ao autor, nesse contexto tem-se que a única obrigação contratual da qual a ré não se desincumbiu foi a de não ter reembolsado o autor do que este despendera em função do serviço de assistência técnica e em função da qual fora contratado que a ré procederia à substituição de um componente a ser instalado no computador da propriedade do autor (substituição da “placa-mãe), de modo que o dano moral revela-se caracterizado em razão de a ré não ter atendido à expectativa que fez gerar no autor, quando lhe assegurou que bastaria a substituição daquele componente para que o computador voltasse a funcionar em condição normal de uso, o que não ocorreu. Tivera o autor, portanto, uma expectativa frustrada, e é nesse específico contexto que o dano moral revela-se caracterizado.

Tratava-se de um produto cujo prazo de garantia estava já superado e a ré cuidou informar ao autor desse fato, quando apresentou o orçamento para que fosse feita a substituição do componente, aspecto que se considera dentre as circunstâncias retratadas nos autos.

Assim, frustrada a expectativa do autor, expectativa que a ré lhe fizera criar, caracteriza-se o dano moral, cuja quantificação não pode ser, à partida, equivalente àquela que seria de se observar acaso a pretensão do autor fosse de reparação por dano material, cujos fundamentos jurídicos são de diversa natureza, o que, contudo, não obsta que, em determinados casos, diante de específicas circunstâncias, não se possa adotar um critério de quantificação semelhante à da reparação por dano material, como deve ocorrer no caso presente, de modo que, a título de dano moral, condena-se a ré a reembolsar o autor do que este lhe pagou integralmente por conta da assistência técnica e da substituição do componente, acrescendo-se a esse valor a importância de R$2.000,00 (dos mil reais), considerando a expectativa gerada e o grau de frustração experimentado pelo autor, conquanto soubesse ou deveria saber que, em se tratando de um equipamento cuja garantia legal expirara, poderia ocorrer alguma vicissitude na reparação do equipamento ou, como aconteceu, na impossibilidade de a ré dispor de peças para a reposição.

Pois bem, condena-se a ré no pagamento ao autor, a título de reparação por dano moral, da importância de R$4.605,77 (quatro mil, seiscentos e cinco reais e setenta e sete centavos), com atualização monetária a partir do momento em que o autor fizera à ré o pagamento pelo serviço de assistência técnica firmado com a ré, adotados para o cômputo da correção monetária os índices da tabela prática do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Incidentes também juros de mora contados da citação e calculados segundo o artigo 406 do Código Civil.

Poderia o autor obtemperar que a ré fizera uma proposta de acordo em valor muito superior àquele que está sendo fixado nesta sentença. De fato. Mas se lhe deve objetar que, em não tendo ele acedido àquela proposta, ela não produziu, nem pode produzir nenhum efeito.

POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido de reparação por dano moral, condenando a ré no pagamento ao autor da importância de R$4.605,77 (quatro mil, seiscentos e cinco reais e setenta e sete centavos), com atualização monetária e juros de mora, tal como determinado. Assim, este processo é extinto, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a ré no reembolso ao autor do que este despendera a título de taxa judiciária e despesa processual, com atualização monetária a partir do respectivo desembolso. Condeno a ré também em honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, devidamente corrigido.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

São Paulo, em 25 de junho de 2021.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO