Processo número 1010010-58.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Cuida-se de ação ajuizada por (…), qualificada a folha 1, que objetiva seja a ré, (…), condenada a pagar-lhe a importância de R$49.251,55 (quarenta e nove mil, duzentos e cinquenta e um reais e cinquenta centavos), que corresponde à diferença do que a autora despendeu com honorários médicos e exames e do que lhe foi reembolsado pela ré em função de contrato de plano de saúde que mantêm, alegando a autora que, conquanto todas as despesas hospitalares tenham sido custeadas pela ré, esta não lhe reembolsou, na integralidade, o que foi gasto com os honorários médicos e exames, tal como a autora discrimina a folha 2, sustentando a autora que a cláusula contratual invocada pela ré para impor limite ao reembolso caracteriza-se como sendo uma cláusula abusiva, e como tal deve ser declarada no contexto de uma relação jurídico-material que se caracteriza como de consumo, com todos os predicados de proteção jurídica que o Código de Defesa do Consumidor prevê em favor do consumidor. A autora cumula pretensão, dado que também discute acerca dos valores que limitam o reembolso, sobretudo quanto à forma de cômputo da correção monetária. Adotado o procedimento comum.
Citada, a ré contestou, sustentando devam prevalecer as cláusulas contratuais fixadas no contrato que mantém com a autora, cláusulas que preveem de modo expresso e claro que, em se tratando de médicos que integrem a rede credenciada da ré, o reembolso de honorários é limitado aos valores fixados no contrato, o mesmo devendo suceder com os exames quando realizados em hospitais e clínicas que não integrem a rede credenciada da ré, de modo que o reembolso à autora observou o que preveem tais cláusulas contratuais, que, no entender da ré, não são abusivas.
Réplica apresentada.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Controverte-se quanto à validez, formal e substancial, de cláusulas embutidas no contrato de plano de saúde firmando entre as partes. A autora, com efeito, submeteu-se a tratamento médico em hospital, tivera os custos com a sua internação cobertos integralmente pela ré, mas esta não lhe reembolsara integralmente o que a autora despendeu com honorários médicos e determinados exames, e essa a diferença entre o que a autora despendeu com o que lhe foi parcialmente reembolsado pela ré que forma o objeto desta lide, bastando a seu exame as provas documentais, o que significa dizer que o julgamento imediato desta lide é medida adequada, que, aliás partes cuidaram requerer.
Registre-se que não há matéria preliminar pendente de exame.
Perscrutemos, pois, do mérito da pretensão, analisando sob dois enfoques (formal e substancial) as cláusulas que estão embutidas no contrato de plano de saúde firmado entre as partes, cláusulas que regulam o que deve ser reembolsado à autora em termos de honorários médicos e custos com exames.
Que se trata de uma relação jurídico-material que se configura como uma relação de consumo, não há dúvida, e de resto sobre esse aspecto as partes não controvertem. Mas o fato de se tratar de uma relação de consumo, e a despeito de o Código de Defesa do Consumidor erigir determinadas formas de proteção ao consumo, não equivale a dizer que se deva considerar necessariamente abusiva uma cláusula. Como sói ocorre com toda cláusula de contrato que é submetida a controle jurisdicional, aquela que vincula a autora e ré deve ser objeto de interpretação, para que se busque extrair seu conteúdo e alcance, após o que se de pode definir se o resultado da intelecção da cláusula aponta ou não aponta para uma situação de indevida desvantagem contratual ao consumidor, e que essa desvantagem seja, em si e por si, desarrazoada. O que, contudo, não sucede no caso presente.
Com efeito, a lei que regula os planos de saúde prevê acerca da cobertura contratual, definindo hipóteses para as quais o reembolso deva ser integral ou parcial, para assim reconhecer em favor das operadoras de plano de saúde o direito de não reembolsar integralmente honorários que são pagos a médicos que não integrem a rede credenciada da operadora do plano de saúde. É usual esse tipo de limite, que, de resto, encontra validez, formal e substancial, na legislação em vigor. De modo que, ao assinar o contrato, a autora tinha plena ciência de que, em se utilizando de médicos que não integrem a rede credenciada da ré, nesse caso o reembolso com honorários observaria um determinado limite, o mesmo aliás ocorrendo com exames realizados em hospitais e clínicas que não integrem a rede credenciada da ré.
Sob o aspecto formal, a cláusula que prevê esse limite de reembolso é válida, porque expressa no contrato e em linguagem de fácil compreensão quanto a seu conteúdo, de modo que a autora não pode alegar não soubesse dessa situação contratual, ali expressamente prevista.
E quanto analisamos essa cláusula sob o enfoque substancial, em um exame que a norma constitucional do devido processo legal “substancial” impõe se realize, aplicando essa norma como um imperativo de tutela e como material hermenêutico a ser aplicado em um contrato de natureza privada, levando-se a cabo, pois, o exame da cláusula sob o enfoque substancial, não se revela exista abusividade no conteúdo da cláusula que limita o valor do reembolso de honorários médicos quando o profissional escolhido e contratado pelo beneficiário do plano não integra a rede credenciada da ré. Com efeito, é natural que, na exploração de um negócio de natureza privada como é o que envolve os planos de saúde, a empresa conte com uma rede credenciada de seus médicos, com os quais mantém uma relação contratual que traz tanto à operadora do plano, quanto a esses médicos credenciados, determinadas vantagens, seja pela redução de custos obtida pelas operadoras de plano de saúde, seja por uma espécie de fidelização que envolve os profissionais credenciados, que se beneficiam de uma certa preferência na escolha pelos pacientes. E os benefícios também se estendem aos pacientes, dado que, em escolhendo médicos credenciados, não suportam limites de reembolso. E o valor da prestação que é cobrado do usuário do plano médico é calculado também de acordo com esses aspectos, e esse valor se tornaria excessivamente alto e desvantajoso, caso se tratasse de um onímodo contrato em termos de reembolso de honorários e exames.
O mesmo raciocínio aplica-se a exames quando realizados em hospitais e clínicas da rede credenciada, em que os benefícios envolvidos demonstram a razoabilidade da cláusula contratual, que, assim, não guarda em seu conteúdo nada que seja abusivo ou desproporcional, ao contrário do que aduz a autora.
Destarte, ao optar por se utilizar dos serviços de médicos que sabia a autora não integravam a rede credenciada da ré tinha conhecimento de que o reembolso de honorários seria limitado aos valores fixados no contrato, aplicando-se também um limite ao reembolso dos exames que a autora realizou em hospital ou clínica fora da rede credenciada.
Assim, não há o direito subjetivo que a autora aqui invoca, dado que a ré lhe reembolsou o que validamente o contrato em vigor prevê.
E quanto aos limites que o contrato prevê a esse reembolso, devem prevalecer, porque a autora deles tinha pleno conhecimento no momento em que firmou o contrato, limites que são usuais nesse tipo de contrato e que obedecem a parâmetros que a legislação e a agência reguladora estabelecem, inclusive quanto à forma de cômputo da correção monetária, sobre o a autora aqui controverte.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTES os pedidos, declarando este processo extinto com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a autora no reembolso à ré do que esta despendeu com despesas processuais, com atualização monetária desde o respectivo desembolso. Condeno a autora também em honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, devidamente corrigido.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 30 de agosto de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO