AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOPRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA NEGADA. COBERTURA A TRATAMENTO CIRÚRGICO PÓS-BARIÁTRICA.
SITUAÇÃO ACAUTELANDA QUE NÃO FOI BEM AVALIADA PELO JUÍZO DE ORIGEM. DOCUMENTAÇÃO MÉDICA QUE INDICA A NECESSIDADE PREMENTE DO TRATAMENTO CIRÚRGICO.
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE QUE FORMA O CONTEÚDO DE NORMA CONSTITUCIONAL E QUE DEVE SER APLICADO COMO IMPORTANTE MATERIAL HERMENÊUTICO EM CONTRATOS DE NATUREZA PRIVADA, SOBRETUDO QUANDO É DE CONSUMO A RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL OBJETO DA LIDE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA TÉCNICA DE PONDERAÇÃO.
AFERIÇÃO, SOB O CRITÉRIO QUE DETERMINA SE DEVA EVITAR, TANTO QUANTO POSSÍVEL, A OCORRÊNCIA DE UM “MAL MAIOR”, QUE DEVE LEVAR EM CONSIDERAÇÃO A POSIÇÃO DE CADA PARTE NO PROCESSO E DOS RISCOS A QUE ESTÃO SUBMETIDAS EM FUNÇÃO DO TEMPO CONSUMIDO NO PROCESSO. AUTORA QUE, NESSE CONTEXTO, NÃO CONTANDO COM A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, ESTARIA A SUPORTAR RISCOS MAIORES DO QUE SUCEDE COM A RÉ.
DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. SEM CONDENAÇÃO EM ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA.
RELATÓRIO
(…), inconformada com a r. decisão que, nos autos da ação cominatória que move contra (…), não lhe concedeu tutela provisória de urgência para fins de compelir a operadora à cobertura integral dos procedimentos de cirurgia reparadora pós-bariátrica de que necessita, interpondo o presente recurso de agravo de instrumento, sustenta que há a necessidade de que se prossiga com o tratamento médico para controle de um quadro de obesidade mórbida, tratamento que se iniciou com a realização de uma cirurgia bariátrica, pela qual a agravante conseguiu perder cerca de 43,5 quilos, caracterizando-se aí o êxito do procedimento cirúrgico, mas que traz como importante sequela o acúmulo de um excesso de pele e de flacidez, o que impõe a necessidade de que o tratamento médico prossiga com a realização de cirurgia de reparação pós-bariátrica, conforme prescrição médica, procedimento cirúrgico que enfatiza deva ocorrer com brevidade, dado que apresenta diagnósticos que causam risco à saúde – aspecto que, segundo a agravante, não foi bem valorado pelo juízo de origem. Pugna, pois, pela concessão da providência acautelatória.
Deferida a tutela provisória recursal (fls. 35/40).
Recurso tempestivo, preparado e com contraminuta.
FUNDAMENTAÇÃO
É de rigor o provimento a este recurso de agravo de instrumento.
De relevo observar que se trata de uma demanda em que se instalou um conflito de interesses jurídicos, em que de um ladoestá a agravante, usuária de plano de saúde e que pretende se considere abarcado não cobertura contratual o tratamento cirúrgico que lhe foi prescrito, e de outro está a agravada, a operadora do plano de saúde, que sustenta inexistir a cobertura contratual. Há, pois, um conflito entre essas posições jurídicas, e a única forma de se solucionar esse tipo de conflito radica na aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade.
Também merece registro que há uma situação de urgência clínica que a r. decisão agravada não bem valorou, e nesse contexto é de rigor a concessão da tutela provisória de urgência, porquanto se identifica, em cognição sumária, relevância jurídica no que argumenta a agravante, a compasso com o reconhecer que a sua esfera jurídica está submetida deveras a uma situação de risco concreto e atual, o que justifica, senão que exige um azado controle por meio da concessão da tutela provisória de urgência em sede recursal.
A situação de urgência clínica está descrita na documentação médica, que, sublinhando existir uma situação de risco à saúde da agravante, recomenda que o procedimento cirúrgico ocorra o mais breve possível.
Destarte, sem o acesso imediato ao tratamento médico, a agravante ficaria com a sua situação clínica e processual aquém de um tratamento mínimo razoável, suportando riscos que podem e devem ser controlados pela tutela jurisdicional de urgência de feição cautelar.
Importante observar que devemos sobretudo ao jurista alemão, CLAUS-WILHELM CANARIS, à tese, hoje consolidada, de que também às relações jurídicas de direito privado aplicam-se as normas de direitos fundamentais, o que conduziu a que no campo do direito privado pudesse ser aplicado o princípio constitucional da proporcionalidade, antes reservado às relações entre o Estado e o particular. CANARIS demonstrou que as normas de direito fundamental projetam efeitos como imperativos de interpretação sobre o conteúdo das normas de direito privado.
De modo que é juridicamente possível aplicar à relação jurídico-material que forma o objeto desta ação, como imperativo de interpretação, uma importante direito fundamental reconhecido em nossa Constituição, que é o direito fundamental à saúde, cujo conteúdo determina se garanta ao paciente o melhor tratamento médico disponível, o que abarca a adoção de técnicas engendradas pela Ciência Médica, que, em sendo uma ciência dinâmica, desenvolve novos tratamentos para o tratamento de diversas patologias, como se dá no caso presente, pois como consta da documentação médica, a cirurgia deve ocorrer o quanto antes e não apenas em função do aspecto estético.
Aplicando-se, pois, o princípio constitucional da proporcionalidade, e ponderando acerca dos interesses em conflito nesta demanda, verifica-se que a agravante conta com uma precisão médica detalhada quanto ao procedimento cirúrgico a que deve se submeter, de modo que a recusa da ré em fornecer-lhe essa cirurgia coloca a esfera jurídica da agravante aquém de uma proteção mínima razoável.
De forma que, caracterizado esse conflito, e aaplicando a única técnica que o pode resolver – que é pela aplicação do princípio da proporcionalidade como meio de se extrair uma solução que seja a mais justa nas circunstâncias do caso em concreto -, tem-se, no caso presente, que, ponderando os interesses em conflito, decido deva prevalecer, ao menos por ora (pois que estamos em cognição sumária), a posição jurídica da agravante, visto que há uma prescrição médica que bem detalha as vantagens do procedimento cirúrgico, além de sua urgência clínica, sendo de se destacar, na esteira da tese de CANARIS, que também sobre as normas de direito privado há que se aplicar o conteúdo de norma de direito fundamental, no caso a do artigo 196 da CF/1988, que garante ao paciente o melhor tratamento médico disponível.
Tudo para dizer que a agravante se veria em talas caso não pudesse contar com a tutela provisória de urgência, em uma situação muito mais gravosa, portanto, do que sucede com a ré, a ter que cumprir a tutela provisória de urgência. Análise que aqui é feita por aplicação do critério que determina se deva evitar, tanto quanto possível, a ocorrência de um “mal maior”.
Por meu voto, ratificando a tutela provisória deurgência, dou provimento a este agravo de instrumento, reformando a r. decisão agravada.
Como não foram fixados encargos de sucumbência na r. decisão agravada, aqui também não se os fixam.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR