Vistos.
Registre, outrossim, que se está aqui em cognição sumária, o que quer dizer que se está a considerar o alegado pela autora sob a perspectiva de se poder identificar ao menos plausibilidade jurídica no que invoca, de modo que se possa assegurar o resultado útil deste processo, se ao final se lhe reconhecer razão. Não se está, portanto, a afirmar a peremptória existência do direito subjetivo invocado.
A plausibilidade jurídica está caracterizada, a compasso com o reconhecer que a esfera jurídica da autora está de fato submetida a uma situação de risco atual e concreto, de modo que a tutela provisória de urgência de natureza cautelar é concedida.
Devemos sobretudo ao jurista alemão, CLAUS-WILHELM CANARIS, à tese, hoje consolidada, de que também às relações jurídicas de direito privado aplicam-se as normas de direitos fundamentais, o que conduziu a que no campo do direito privado pudesse ser aplicado o princípio constitucional da proporcionalidade, antes reservado às relações entre o Estado e o particular. CANARIS demonstrou que as normas de direito fundamental projetam efeitos como imperativos de interpretação sobre o conteúdo das normas de direito privado.
De modo que é juridicamente possível aplicar à relação jurídico-material que forma o objeto desta ação, como imperativo de interpretação, uma importante direito fundamental reconhecido em nossa Constituição, que é o direito fundamental à saúde, cujo conteúdo determina se garanta ao paciente o melhor tratamento médico disponível, o que abarca a adoção de técnicas engendradas pela Ciência Médica, sobretudo se revelam mais eficazes, o que abrange o surgimento de novos medicamentos, ou ainda medicamentos que, com os estudos científicos, são ministrados para outras doenças além daquelas para as quais originariamente foi desenvolvido, como se dá no caso de um medicamento “off label”, como se no caso do medicamento prescrito à autora.
Aplicando-se, pois, , o princípio constitucional da proporcionalidade, e ponderando acerca dos interesses em conflito nesta demanda, verifica-se que a autora conta com uma prescrição médica detalhada, a qual explicita quais as vantagens em termos de eficácia que o medicamento prescrito permitirá obter, bem evidenciando-se que, diante de uma patologia grave como a que a autora suporta, a utilização desse medicamento pareceu ao médico que dirige o tratamento do autor como indispensável, ainda que se trate de um medicamento de uso “off label”, sendo de se destacar o acentuado tempo que por ror vezes é consumido até que a agência reguladora autorize a ampliação do conjunto de patologias para um determinado medicamento, tempo que pode gerar funestas consequências ao paciente, quando em razão de um motivo de ordem burocrática (a ausência do registro na agência reguladora), não o pode obter.
O conflito de interesses caracteriza-se na medida em que a ré argumenta que não há previsão contratual que abarque a utilização desse medicamento, dado tratar-se de um medicamento de uso “off label”. De forma que, caracterizado esse conflito, e a aplicando a única técnica que o pode resolver – que é pela aplicação do princípio da proporcionalidade como meio de se extrair uma solução que seja a mais justa nas circunstâncias do caso em concreto -, tem-se, no caso presente, que, ponderando os interesses em conflito, decido deva prevalecer, ao menos por ora (pois que estamos em cognição sumária), a posição jurídica da autora, visto que o medicamento prescrito revela-se, em tese, como indispensável ao tratamento médico, segundo comprova a documentação médica apresentada com a peça inicial, sendo de se destacar, na esteira da tese de CANARIS, que também sobre as normas de direito privado há que se aplicar o conteúdo de norma de direito fundamental, no caso a do artigo 196 da CF/1988, que garante ao paciente o melhor tratamento médico disponível, o que significa concluir que estão presentes os requisitos legais que autorizam a concessão da tutela provisória de urgência de natureza cautelar, para assegurar à autora conte com a utilização do medicamento prescrito, e tal como prescrito, obrigando-se a ré a propiciar o necessário a que esse medicamento seja fornecido à autora, dentro da cobertura decorrente do plano de saúde que o vincula à autora.
Quanto a tratar-se de um medicamento “off label”, essa importante técnica será analisada mais adiante, quando, em sentença, sobrevier a análise da existência do direito subjetivo, não apenas em termos de plausibilidade do direito, mas do direito em si, examinando-se então, o conteúdo e alcance da cobertura contratual em face dessa especial circunstância. Mas neste momento, em que estamos ainda em cognição sumária, assegurar à autora o acesso ao medicamento, independentemente de não haver registro na ANVISA, é providência indispensável a que se protege o suposto direito subjetivo que invoca.
Concedendo, pois, a tutela provisória de urgência de natureza cautelar, obrigo a ré a fornecer à autora, em cinco dias, o medicamento prescrito, segundo a dosagem prescrita e pelo tempo necessário, segundo o que prescreveu o médico que dirige o tratamento da autora. Recalcitrante, a ré suportará multa diária fixada em R$10.000,00 (dez mil reais), azado patamar a gerar na ré a convicção de que deva cumprir esta decisão. Intime-se a ré com urgência, citando-a também dos termos desta ação.
Int.
São Paulo, data supra.