DIREITO CIVIL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. COMPROVAÇÃO PELA COMPROMISSÁRIA COMPRADORA QUANTO AO PAGAMENTO DO PREÇO AJUSTADO E DEMAIS OBRIGAÇÕES AJUSTADAS. INJUSTIFICADA RESISTÊNCIA DO RÉU EM OUTORGAR A ESCRITURA DEFINITIVA. REFORMADA A SENTENÇA QUE HAVIA FEITO EXTINGUIR O PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO POR AUSÊNCIA DO INTERESSE DE AGIR. RECURSO PROVIDO PARA ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO. PROVIMENTO JURISDICIONAL CONSTITUTIVO CONCEDIDO. INVERTIDOS ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA.
RELATÓRIO
Insurge-se a apelante, (…), em face da r. sentença que reconheceu a ausência do interesse de agir, extinguindo anormalmente a ação que ajuizou contra o (…), argumentando em seu recurso que, em tendo comprovado o pagamento do preço ajustado e o cumprimento da demais obrigações fixadas em contrato de compromisso de compra e venda firmado em 15 de abril de 1986 com (…), é de se lhe reconhecer o direito subjetivo a que se comine ao (…) a obrigação de outorgar a escritura definitiva acerca do imóvel localizado na rua (…), nesta Capital, objeto do contrato, ou, alternativamente, o direito subjetivo a obter provimento jurisdicional constitutivo, que venha a produzir os mesmos efeitos que adviriam da outorga da escritura, sustentando nesse contexto que, ao contrário do que afirmou juízo de origem na r. sentença, em tempo algum obteve noutro processo a penhora sobre o imóvel objeto do contrato de compromisso de compra e venda, pugnando, pois, pela reforma da r. sentença para que, então, o mérito da pretensão seja analisado e acolhido.
Com efeito, a r. sentença extinguiu o processo por ausência de interesse de agir, ao reconhecer que a autora obtivera penhora sobre o imóvel objeto do contrato, e que em virtude dessa penhora tornar-se-á proprietária do imóvel, o que caracteriza, segundo tal circunstância, a desnecessidade da tutela jurisdicional nesta ação.
Recurso tempestivo, preparado e respondido pelo apelado.
FUNDAMENTAÇÃO
O recurso comporta provimento, seja para declarar-se nula a sentença, seja também para que, nos termos do que autoriza o artigo 1.013, parágrafo 3º., inciso I, do CPC/2015, examinando-se o mérito das pretensões, acolha-se aquela subsidiária, objeto de cumulação.
Além de ter incidido em um palmar equívoco quanto ao uso da técnica processual, ao julgar antecipadamente o mérito da pretensão (referindo-se, aliás, a dispositivo do Código de 1973, já então revogado) para, ao mesmo tempo, reconhecer a ausência do interesse de agir, extinguindo sem resolução do mérito o processo, a r. sentença levou em consideração um fato arguido pelo réu em contestação, não cuidando de o comprovar, quando concluiu pela desnecessidade da tutela jurisdicional por ausência do interesse de agir.
Com efeito, ainda que a autora tivesse obtido a penhora do imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda (fato, que, não restou comprovado nos autos), mesmo, pois, que dispusesse dessa penhora, possuía e possui a apelante o interesse de agir quanto às pretensões que cumula nesta demanda, quais sejam, a de que se comine ao réu a obrigação de emitir declaração de vontade, outorgando a escritura definitiva do imóvel, ou, alternativamente, a pretensão a que, não emitida essa declaração de vontade, que um provimento jurisdicional constitutivo produza os mesmos efeitos da declaração de vontade, de modo se legitime e se opere a transferência da propriedade do imóvel.
A penhora, como diz HUMBERTO THEODORO JUNIOR, “é o primeiro ato oficial por meio de que o Estado põe em prática o processo de expropriação executiva”, tendo, pois, a função de individualizar o bem sobre o qual o Poder Judiciário deverá proceder para satisfazer o credor (cf. “Processo de Execução”, p. 243, 12. Edição, Leud). Por se tratar de um primeiro ato de afetação de patrimônio, a penhora não produz, só por si, o efeito de transmissão de propriedade ao credor. Bastaria esse aspecto para demonstrar que a autora possui o interesse de agir em buscar a tutela jurisdicional, robustecida essa conclusão pela prova documental que com a peça inicial produziu, a qual confirma, “quantum satis”, ter celebrado, em 1986, contrato de compromisso de compra e venda, tendo pago o preço ajustado e cumprido as demais obrigações previstas na avença, na aguarda de que, a seu tempo e modo, o promitente vendedor, ou seus sucessores o fizessem, o que não sucedeu, como comprova a injustificada resistência que o réu apresentou às pretensões.
Destarte, como o réu não emitiu, e não quer emitir a declaração de vontade, outorgando a escritura definitiva à apelante, é de rigor que, declarando-se a procedência do pedido, por se reconhecer que a autora possui o respectivo direito subjetivo, emita-se em seu favor um provimento jurisdicional constitutivo, que produzirá os mesmos efeitos jurídicos que a declaração de vontade produziria, tivesse sido voluntariamente outorgada pelo réu.
Pois que, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso da autora, reformando-se a r. sentença para, nos termos do que prevê o artigo 1.013, parágrafo 3º., inciso I, do CPC/2015, acolhendo a pretensão subsidiária, objeto de cumulação alternativa, determinando que, por meio de provimento jurisdicional constitutivo, proceda-se ao registro da propriedade em favor da autora-apelante quanto ao imóvel objeto do contrato em questão nos autos.
Invertem-se os encargos de sucumbência, que agora são atribuídos ao réu, sem majoração dos honorários de advogado em razão do percentual fixado na r. sentença (de 15% sobre o valor atribuído à causa), aqui mantido.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR