O PODER MÍTICO DA LEI E A CELERIDADE DO PROCESSO

O PODER MÍTICO DA LEI E A CELERIDADE DO PROCESSO
Valentino Aparecido de Andrade

O Legislador tem uma natural tendência a ver as coisas a seu modo, regulando-as tal como as vê, desconsiderando muitas vezes a realidade como é. Tomemos o exemplo do casamento e o molde que recebeu como instituto jurídico. A propósito, poucos sabem que a construção jurídica do casamento teve por base o que Kant havia escrito em sua “Metafísica dos Costumes”, que é de 1786.

Kant conceituou nessa obra o casamento como sendo a “ligação entre duas pessoas de sexo diferente tendo em vista a posse recíproca e perpétua de suas propriedades sexuais”, em que a finalidade de gerar e educar filhos seria, na visão de Kant, imposta pela Natureza, e essa necessidade deveria conformar a realidade jurídica do casamento.

Levou tempo até que se pudesse perceber que o erro filosófico em que incidira Kant conduzira o Legislador a colocar aquela finalidade (a de gerar e educar filhos) na estrutura da norma legal. A realidade impôs-se como sempre, a demonstrar que não é essa finalidade o que caracteriza a real natureza do casamento, senão que a vontade dos cônjuges em permanecerem unidos, seja para constituir família ou não.

Esse poder mítico da Lei projeta seus efeitos também no campo do processo civil, em que o Legislador supõe detenha o poder de, por meio de uma simples penada, criando ou modificando a Lei, fazer célere o processo civil. Basta, pois, ao ver do Legislador, que se faça um novo Código e que nele se insira um princípio como o da celeridade, e o processo civil, como em um passe de mágica, tornar-se-á célere.

Mas tanto quanto sucedeu com o instituto jurídico do casamento, a realidade impõe seus limites, e a celeridade, para ser implementada, não depende apenas da lei, se é que depende diretamente dela. Depende, sim, de um conjunto de fatores e circunstâncias que são determinados pela realidade.

O poder mítico da Lei no final se resume a uma manifestação de um querer do Legislador, que pode ou não funcionar na prática. Aliás, se considerarmos o conceito que ROBERT ALEXY dá a um princípio jurídico, no sentido de se tratar de um mandamento de otimização, encontraremos bem definido o que é o poder mítico da Lei.

Observemos o que está a ocorrer com as súmulas vinculantes e teses jurídicas fixadas em incidentes de demandas repetitivas: está aí bem evidenciada a ilusão com qual o Legislador muitas vezes opera.