O NECESSÁRIO EQUILÍBRIO ENTRE A COLEGIALIDADE E A PLURALIDADE
Valentino Aparecido de Andrade
Com seu olhar atento à natureza humana, HEGEL, em “El Concepto de Religión”, descortinou como, entre os valores que estão presentes na vida finita, surge o terreno da contingência, em face do qual se estabelecem relações mútuas entre diversos valores, impondo-se a necessidade de realizar escolhas. Muito provavelmente foi essa a base de que partiu ISAIAH BERLIN para a construção de sua preciosa teoria, segundo a qual os valores estão a todo o tempo a conflitar, e que a liberdade em sua variada forma de expressão está aí sempre presente. Esse é seu “dasein” em sua visão hegeliana, em que a razão é o critério a ser considerado.
Em nossa realidade jurídica, vivenciamos agora um exemplo de como os valores colidem entre si, de como é necessário fazer escolhas, e do papel da razão nesse contexto. Antecipando o que formará o núcleo de sua gestão na presidência de nossa corte suprema, o ministro disse que pretende fortalecer a colegialidade e o diálogo, com o que afirma que buscará, sempre que possível, conciliar o que esses dois valores jurídicos representam.
A colegialidade, com efeito, é um princípio importante na vida dos tribunais judiciais, em que a decisão é sempre o resultado de uma vontade fracionada entre seus diversos membros, de modo que, a despeito de poder haver divergência, o que prevalece é o resultado final, tomado aritmeticamente. A maioria vence, pois.
O fomentar o diálogo significa respeitar o pensar diferente. Cada juiz deve ser livre para expressar o que, em cada caso em concreto, entende como o melhor direito, e essa liberdade não está apenas no poder expressar sua posição, mas em a ter como respeitada.
A quem não está habituado aos julgamentos em tribunais, parecerá trivial dizer-se que a maioria deva vencer e que a divergência deva ser respeitada, de maneira que não haveria nenhum conflito. Mas a realidade não é essa.
Há algum tempo domina em nossos tribunais a ideia de que a força de um julgado radica exclusivamente na unanimidade, e não na consistência dos fundamentos que podem alicerçar esse julgamento. Segundo essa ideia, a unanimidade transmite à a opinião pública uma “verdade”: a de que todos os julgadores pensaram em um determinado sentido, e que o julgamento não é senão que o resultado desse agir “comunicativo”, para usarmos aqui de uma conhecida expressão de HABERMAS. A “unanimidade” no âmbito dos tribunais judiciais, para além dos efeitos que gera em um caso em concreto, faria o papel, através da linguagem do acórdão, da construção de uma determinada sociedade, idealizada de maneira homogênea pelos integrantes desses tribunais, com o que querem dizer à sociedade que não há conflitos, em um objetivo ainda maior que é o de negar a verdade descoberta pela Filosofia de que os valores colidem, e é bom que colidem, porque a vida é sempre plural.