MARCO TEMPORAL: O TEMPO E O DIREITO

MARCO TEMPORAL: O TEMPO E O DIREITO
Valentino Aparecido de Andrade

Associado muitas vezes ao Positivismo Jurídico, KELSEN foi em verdade um formalista, para quem o Direito possui o inestimável poder de trazer para a sua moldura tudo o que é de seu interesse regular, transformando em Direito o que, fora da moldura, não o era. A ideia de forma está associada, pois, à moldura, que é construída pelo Legislador e principalmente pelo juiz. Ambos possuem certa liberdade para construi-la (a moldura), e está aqui a raiz de uma incompreensão do que realmente pensava KELSEN, quando se o associa ao Positivismo Jurídico, ao dizer que o Direito pode tudo. KELSEN jamais disse ou pensou isso.

O Direito pode muito, inclusive modificar o tempo em certas circunstâncias e para determinada finalidade, mas não pode tudo, porque o Tempo (aqui com maiúscula) impõe-se como tal, não possuindo o Direito o poder de negar a existência real do passado.

Seria dado ao Direito, pois, desconsiderar a real existência dos povos indígenas no Brasil muito antes de a Constituição de 1988 ter sido proclamada e entrar em vigência, fazendo com que o real do passado deixe de ter existência? Evidentemente que não. Mas devemos sair do Direito, para chegar à Filosofia – e a SARTRE, que, em “O Ser e o Nada”, escreveu:

“O passado que sou, tenho-de-sê-lo sem nenhuma possibilidade de não sê-lo. Assumo sua total responsabilidade, como se pudesse modificá-lo, e, todavia, não posso ser outra coisa senão ele. (…) conservamos continuamente a possibilidade de modificar a significação do passado, na medida em que este é um ex-presente que teve um futuro. Mas, do conteúdo do passado enquanto tal, nada posso subtrair, e a ele nada posso adicionar (…)”.

A Filosofia e SARTRE mostram ao Direito um intransponível limite, o de o Direito não poder subtrair o passado, ou modificar seu conteúdo. Pode o Direito, quando muito, dar uma outra significação ao passado, mas ao Legislador toca a obrigação de, respeitando o ser real do passado, demonstrar a objetiva razão pela qual é necessário dar ao passado, no campo do Direito, um outro sentido. E caberá à opinião pública dizer se concorda com isso, ou não.