Vistos.
Invocando dispositivo de matriz constitucional que obriga o município ao cumprimento do dever jurídico-legal de atuar prioritariamente na área da educação infantil, ofertando vagas em número suficiente em estabelecimentos dessa natureza, impetraram (…), absolutamente incapazes representadas por sua genitora, (…), qualificadas a folha 2, este mandado de segurança contra o senhor SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, para obrigá-lo a lhes garantir matrícula em creche próxima à sua residência (indicando a folha 6 a unidade escolar), o que na esfera administrativa foi-lhes negado sob o argumento da inexistência de vaga nessa unidade, sustentando as impetrantes que esse argumento não pode subsistir na medida em que faz tábua rasa do dispositivo constitucional que garante a proteção a um direito fundamental.
A peça inicial está instruída com a documentação de folhas 8/29.
Negada a concessão da medida liminar (folhas 37/38). Não se registra a interposição de recurso.
Notificada, prestou informações a Autoridade impetrada, negando tenha havido recusa ou omissão em matricular as impetrantes em creche, senão que no caso se fez observar a limitação imposta pelo número de vagas, determinada pelas condições orçamentárias e outros critérios objetivos (folhas 47/51).
Pela concessão da ordem de segurança, posicionou-se o MINISTÉRIO PÚBLICO. É o que está em seu r. Parecer de folhas 54/58.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
As impetrantes têm, sem dúvida, um direito fundamental que lhes garante a imediata matrícula em creche mantida pela Prefeitura de São Paulo, em unidade mais próxima à sua residência. É dever jurídico-legal imposto a esse ente público, pois, o de propiciar a imediata satisfação desse direito fundamental, o que, contudo, não vem ocorrendo conforme noticiam os periódicos. (O Jornal “Folha de São Paulo”, edição de 23 de abril de 2010, publica editorial versando sobre o tema do número de vagas em creches, no contexto do que informa que a Prefeitura de São Paulo vem reduzindo o número de vagas para matrículas de crianças entre 0 e 3 anos de idade, tendo reduzido também as vagas para as matrículas em pré-escola, aumentando um déficit de vagas que já era considerável.)
Mas a implementação prática desse direito fundamental, porque relacionado a um direito a uma prestação positiva do Poder Público, depende, por óbvio, dos recursos sociais existentes, como observa a maioria dos juspublicistas modernos, como, por exemplo, o português JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE:
“(…) no que toca à nova categoria de direitos, os direitos a prestações, a medida, o critério de conteúdo, deixa de ser a vontade do indivíduo ou as suas necessidades. O conteúdo concreto desses direitos depende dos recursos sociais existentes e é determinado por opções políticas, por vezes conjunturais, na sua afetação. Enquanto direitos de quota-parte, estão especial condicionados pela sua disponibilidade pelos poderes públicos, pela riqueza social a distribuir e pelas decisões coletivas de distribuição. Não são apenas direitos limitados ou limitáveis por uma função social: são, em si, direitos sob reserva de possibilidade social”. (“Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 59, 2ª. edição, Almedina editora, Coimbra).
Há que se observar, portanto, o direito fundamental que a Constituição da República de 1988 prevê em favor das impetrantes, mas cuja garantia de implementação depende das condições sociais impostas pela realidade circundante, enfrentadas pelo Poder Público. Como no caso em questão, em que o grande número de crianças em idade pré-escolar tem exigido da Prefeitura de São Paulo a adoção de critérios de distribuição das crianças entre as diversas unidades de ensino dessa natureza de que composta a rede municipal de educação infantil, o que faz com que algumas não possam ser matriculadas na unidade mais próxima de sua residência, mas sem lhe suprimir o direito de matrícula noutra unidade, o que se coloca à disposição das impetrantes, como fez informar a Autoridade impetrada.
Assim, não se pode desconhecer a realidade circundante e as limitações sociais que elas impõem à implementação de um direito fundamental a uma prestação, conforme é de rigor reconhecer neste caso. Saber-se, contudo, se a opção que a Prefeitura de São Paulo ora adota para arrostar tais limitações sociais tem se mostrado eficiente na prática, é questão para a qual o mandado de segurança individual não se mostra azado remédio processual, seja porque se trata de um direito difuso (a considerar-se no plano da legitimidade ativa), seja por seu limitado campo cognitivo. Caberá ao MINISTÉRIO PÚBLICO buscar a tutela jurisdicional adequada a demonstrar o desacerto do Poder Público municipal no enfrentamento das limitações sociais, se assim entender conveniente fazê-lo.
POSTO ISSO, por inexistir o direito subjetivo que as impetrantes invocavam, DENEGO-LHES a ordem de segurança para extinguir este processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil – por aplicação subsidiária.
Gratuidade concedida às impetrantes, não suportarão o pagamento da taxa judiciária ou de despesa processual. Em mandado de segurança, não há condenação em honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença; o MINISTÉRIO PÚBLICO, pessoalmente.
São Paulo, em 30 de abril de 2010.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO