INSTITUTO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE FRAUDE. RIGOR NA ANÁLISE QUE É PROPORCIONAL AOS MOMENTOSOS EFEITOS QUE ENVOLVEM ESSE INSTITUTO. RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL DE CONSUMO QUE NÃO DISPENSA PROVA CONSISTENTE DE QUE TERÁ HAVIDO FRAUDE

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

EMENTA:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RELAÇÃO DE CONSUMO. DECISÃO PROFERIDA EM INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ACOLHENDO O PEDIDO E FAZENDO INCLUÍDA A AGRAVANTE NO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO.

AGRAVANTE QUE SUSTENTA SE DEVA LEVAR EM CONSIDERAÇÃO QUE A EXECUTADA POSSUI PERSONALIDADE JURÍDICA PRÓPRIA E QUE, EM SE ENCONTRANDO EM ATIVIDADE REGULAR, CABE-LHE, APENAS A ELA, RESPONDER POR DÍVIDAS QUE TENHA CONTRAÍDO, NÃO SENDO SUFICIENTE CONSIDERAR-SE APENAS O FATO DE EXISTIR UM GRUPO ECONÔMICO PARA QUE SE DECRETE A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE OUTRAS EMPRESAS QUE FORMAM O MESMO GRUPO ECONÔMICO, QUANDO NÃO HÁ COMPROVAÇÃO DE DOLO, OCULTAÇÃO DE PATRIMÔNIO OU DE ABUSO DO PODER ECONÔMICO.

AGRAVO SUBSISTENTE. MALGRADO SE QUALIFIQUE COMO DE CONSUMO A RELAÇÃO JURÍDICO-MATERIAL SUBJACENTE, EM FACE DA QUAL SE FEZ INSTAURAR O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, E AINDA QUE SE DEVAM  APLICAR AS NORMAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NESSE  TIPO DE INCIDENTE, NAQUILO QUE A DOUTRINA IMPROPRIAMENTE DENOMINA DE “TEORIA MENOR”, NÃO SE PODE PRESCINDIR DA COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS PARA QUE SE JUSTIFIQUE A MOMENTOSA MEDIDA QUE É A DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, QUE, MESMO QUANDO EXISTA UMA RELAÇÃO DE CONSUMO, NÃO PERDE A SUA NATUREZA DE MEDIDA EXCEPCIONAL.

DECISÃO AGRAVADA QUE, RELATIVAMENTE À AGRAVANTE, LIMITOU-SE A CONSIDERAR A INEXISTÊNCIA DE BENS DA TITULARIDADE DA EXECUTADA E A FORMAÇÃO DE UM MESMO GRUPO ECONÔMICO, SEM EXPLICITAR E SEM DEMONSTRAR TIVESSE HAVIDO DE PARTE DA AGRAVANTE A PRÁTICA DE DOLO OU DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO, DIRIGIDOS À FRUSTRAÇÃO DA EXECUÇÃO.

DECISÃO REFORMADA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

RELATÓRIO:

Por este agravo de instrumento, a agravante está a questionar a r. decisão proferida em incidente de desconsideração da personalidade jurídica, aduzindo não haver comprovação de que tivesse havido dolo ou abuso de poder econômico de sua parte em relação à execução, de maneira que, segundo argumenta, não restaria senão o fato de existir um grupo econômico, o que não é motivo suficiente para que se decrete a desconsideração da sua personalidade jurídica.

Recurso tempestivo e com preparo. Agravo não dotado de efeito suspensivo.

Apresentada resposta no prazo legal.

FUNDAMENTAÇÃO

Com o respeito que é deveras merecido ao entendimento formado pela maioria da douta turma julgadora, dá-se provimento a este agravo de instrumento.

Começo observando que o juízo de origem, reconhecendo que a relação jurídico-material objeto da ação é uma relação de consumo, fez analisar a questão que forma o incidente de desconsideração da personalidade jurídica sob a perspectiva do regime jurídico-legal de proteção do Código de Defesa do Consumidor que, por seu artigo 28 concede ao juiz o poder de desconsiderar a personalidade jurídica de sociedade “quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração” – em condições semelhantes, pois, àquelas em que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica  tem aplicação em geral.

Mas há uma particularidade trazida com o parágrafo 5º. do artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, que permite que a desconsideração da personalidade jurídica, quando se trata de uma relação jurídico-material de consumo, deva ser aplicada quando a pessoa jurídica constitua, de alguma forma, “obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”, o que significa dizer que o Código de Defesa do Consumidor abrandou de modo sensível os requisitos que permitam se desconsidere a personalidade jurídica.

Parte da doutrina denomina de modo despropositado essa regra como “teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica”, quando, por óbvio, não se trata de uma “teoria menor”, senão que uma verdadeira extensão na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, ao conceder ao juiz o poder de perscrutar as circunstâncias da realidade material subjacente para identificar se a constituição de uma pessoa jurídica pode estar a representar, “de alguma forma”, um obstáculo à satisfação do crédito do consumidor, caso em que o juiz pode decretar a desconsideração da personalidade jurídica, conquanto não se configure qualquer daqueles requisitos que estão previstos no “caput” do artigo 28. A elasticidade que está presente na expressão “de alguma forma” atende à finalidade que o legislador do Código de Defesa do Consumidor entendeu devesse prestigiar, concedendo ao juiz um poder discricionário para identificar e caracterizar a necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica, quando, sem essa medida, o consumidor encontraria um considerável obstáculo à satisfação de seu crédito. Portanto, não se trata de uma “teoria menor”, senão que de uma teoria estendida da desconsideração da personalidade jurídica.

Mas isso não autoriza concluir que se deva prescindir da comprovação de que tenha existido dolo ou abuso do poder econômico, ou de alguma outra situação concreta que possa justificar a aplicação de uma momentosa medida como é que faz desconsiderada a personalidade jurídica, ainda quando subjacente se tenha uma relação de consumo.

No caso presente, o juízo de origem, para decretar a desconsideração da personalidade jurídica relativamente à agravante, levou em consideração apenas o fato de ela integrar o mesmo grupo econômico do qual faz parte a executada, e o de não se ter localizado  patrimônio da executada, não se referindo o juízo de origem a qualquer situação concreta em face da qual se possa ter como comprovado tivesse a agravante agido com dolo ou com abuso do poder econômico, ocultando ou contribuindo para ocultar o patrimônio da executada.

A existência, só por si, de um grupo econômico não é motivo suficiente para que se decrete a desconsideração da personalidade jurídica, como se deve concluir.

Por meu voto, pois, “concessa venia” ao entendimento formado pela maioria da douta turma julgadora, dá-se provimento a este agravo de instrumento, com a reforma da r. decisão agravada, pelo que se declara como improcedente, relativamente à agravante, o pedido formulado em incidente de desconsideração da personalidade jurídica. 

Aplicando o artigo 85, parágrafo 1º., do CPC/2015, condeno a agravada no pagamento de honorários de advogado, estes fixado em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à execução, devidamente corrigido.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

RELATOR SORTEADO