Processo número 1010574-37.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Afirma a autora, (…), estabelecida nesta Capital, ter sido surpreendida pela desativação da conta que mantinha na plataforma “Instagram”, plataforma que é da propriedade pela ré, (…), estabelecida nesta Capital, que é a provedora desse tipo de serviço, alegando a autora que além de a ré não lhe ter concedido o direito prévio a defender-se, não havia razão ou motivo suficiente e adequado para que a desativação pudesse ter ocorrido, objetivando, pois, que, fixando-se a relação jurídico-material como de consumo, declare-se inválido o ato praticado pela ré, cominando-se-lhe a obrigação de reativar a conta na referida plataforma. Adotado o procedimento comum.
Sustenta a autora que, há oito anos, mantinha uma conta na plataforma “Instagram”, pela qual veiculava informações que dizem respeito diretamente à sua atividade profissional, divulgando informações que se referem ao perfil, performance e carreira de jogadores de futebol, profissionais e amadores, e dado o conteúdo dessas publicações, conseguiu despertar o interesse de um público em número considerável, sublinhando a autora que o material de que se utiliza nas informações que são veiculadas por meio de sua conta no “Instagram” constitui-se em imagens e vídeos que a autora, ela própria, cria, contando com a autorização das pessoas que nessas imagens e vídeos aparecem, tendo tido sempre o cuidado de obter essas autorizações para o legítimo uso de imagem de terceiros, o que a ré não cuidou considerar, dado que, de inopino, com açodamento e desrespeitando o devido processo legal “processual”, resolveu desativar aquela conta, sem apontar qualquer fato concreto que pudesse ensejar momentosa medida.
Concedeu-se a medida liminar, depois revogada. Registre-se a interposição de agravo de instrumento pela autora, mas ao qual se negou provimento.
Citada, a ré contestou, defendendo a validez do ato que praticou e que se materializou na desativação da conta da autora, porquanto esta não observou as regras legais e contratuais que envolvem a veiculação de imagens e vídeos na plataforma do “Instagram”, regras das quais a autora tinha pleno conhecimento desde o momento em que requereu a criação da conta, e que lhe cabe, como provedor dessa plataforma, fiscalizar e zelar para o direito de imagem de terceiros seja efetivamente respeitado, e que restou comprovado que a autora “violou frontalmente as políticas de uso do serviço”, ao fazer publicações de imagens e vídeos de terceiros sem contar ou comprovar contasse com a autorização de terceiro para o uso dessas imagens. Sublinha a ré que a desativação da conta da autora em nada diz respeito à liberdade de expressão, senão que à proteção do direito de imagem da titularidade de terceiros.
Réplica apresentada.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO e DECIDO.
Ao julgamento antecipado da lide – que as partes requerem –, bastam as provas documentais apresentadas, cabendo adscrever que não há matéria preliminar que penda de análise.
Quanto ao mérito da pretensão – que é procedente, consideremos a questão formal que é ditada pela observância do princípio do devido processo legal “processual”, ao qual tem inteira e efetiva aplicação também no campo das relações jurídico-privadas, quando se trata de ato que, no bojo desse tipo de relação, surja ou se revele um ato sancionador, ou cujos efeitos assemelhem-se a tal, como se dá no caso presente, porquanto a ré como provedora e gestora no Brasil da plataforma do “Instagram”, decidiu sancionar a conduta da autora, ao desativar-lhe a conta. Olvidou a ré, contudo, de que se sujeita ao devido processo legal “processual”, obrigada que está assim a respeitar em favor de seus usuários e clientes o direito ao contrário e à ampla defesa, do que, contudo, a ré não se desincumbiu, dado que, com açodamento, sem conceder à autora o direito prévio de conhecer das razões e motivos pelos quais poderia ela, a autora, suportar a desativação de sua conta na referida plataforma, antes de a sancionar, portanto, a sancionou, desativando-lhe a conta.
Não comprovou a ré, pois, tivesse instaurado algo equivalente a um procedimento formal, que seria e é indispensável à observância do devido processo legal, antes de aplicar tal gravosa medida.
Importante destacar, no contexto do devido processo legal “formal”, que a lei federal 12.965/2014, em seu artigo 3º., estabelece os princípios nucleares que dizem respeito ao “Marco Civil da Internet no Brasil, abrangendo o uso de plataformas como as do “Instagram”, e segundo esses princípios, sobreleva considerar a garantia à liberdade de expressão, de comunicação e de pensamento, direitos subjetivos que estão acolhidos em nossa Constituição de 1988. Destarte, se a ré identificou na conduta da autora a violação a direito da imagem de terceiros, e se a autora, então, teria sobre-excedido o direito à liberdade de expressão, deveria ter feito instaurar alguma espécie de procedimento, instaurado por meio de um documento que indicasse e explicitasse que condutas emanadas da autora teria a ré constatado e que no seu entender violariam os limites da liberdade de expressão, dado que teriam atingido a esfera jurídica de terceiros. Mas como se vê dos autos, a ré em nenhum momento demonstrou tivesse feito instaurar qualquer procedimento, e mais do que isso e o que é de fundamental importância, não comprovou tivesse concedido à autora o direito prévio a defender-se de fatos concretos e específicos, que a rigor deveriam ter sido cabalmente descritos em suas características e circunstâncias, tudo de molde que a autora pudesse conhecer do que se lhe atribuía em termos de uma conduta que, no entender da ré, violava as normas contratuais e legais.
Assim, porque a ré não fez instaurar um procedimento prévio, não concedendo à autora o direito a conhecer do que se lhe atribuía em termos de conduta que estaria a violar normas contratuais, não lhe tendo concedido o direito de apresentar defesa prévia, nesse contexto é formalmente nulo o ato praticado pela ré e que se materializou em uma açodada e ilegal desativação da conta da autora na plataforma do “Instagram”.
Mas esse mesmo ato é também substancialmente nulo.
Com efeito, a ré tivera várias ocasiões, antes e no curso deste processo, em que poderia ter demonstrado que havia um motivo justo e suficiente a legitimar a desativação da conta da autora. Bastaria ter explicitado o nome do terceiro cuja imagem fora indevidamente veiculada pela autora em suas publicações, com a indicação das circunstâncias em que essa indevida veiculação ocorrera. Mas em nenhuma ocasião neste processo, e mesmo antes dele, cuidou de trazer esse importante elemento de informação, sendo importante destacar que o ônus da prova lhe incumbia disso, reforçado pelo fato de que a relação jurídico-material que envolve as partes configura-se como uma relação de consumo, dado que a ré é a provedora de serviços e a autora tomadora desses mesmos serviços, o que significa dizer que, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor e sobretudo a técnica que esse código prevê, que é a técnica da inversão do ônus da prova, havendo neste momento em que se está já em cognição plena e exauriente como identificar verossimilhança no que alega a autora (sobretudo diante da argumentação de não lhe fora dado conhecer dos motivos e razões pelas quais a desativação de sua conta ocorrera), diante, pois, dessa verossimilhança, impunha-se à ré o ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito subjetivo que, em contestação, invocou, qual seja, o de que identificara a violação pela autora do direito de imagem de terceiro, não tendo a ré se desincumbido de provar o que a esse respeito alegou.
Daí a conclusão no sentido de que é, formal e substancialmente, inválido o ato que a ré praticou e que se materializou na indevida desativação da conta da autora na plataforma do “Instagram”. De maneira que é procedente o pedido cominatório, pois que à ré se comina a obrigação de, em 24 horas, reativar a conta da autora na referida plataforma, suportando, se recalcitrante, multa diária fixada em R$10.000,00 (dez mil reais), azado patamar a gerar na ré a convicção de que deva cumprir esta sentença, na qual se concede a tutela provisória de urgência de natureza antecipada, tornando-se efetiva, o quanto antes, a sua implementação prática, como reclama uma situação de risco e concreto a que a esfera jurídica da autora está submetida.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, porquanto declaro formal e substancialmente inválido o ato praticado pela ré e que consistiu na desativação da conta da autora na plataforma “Instagram”, cominando à obrigação de, em 24 horas, ativar essa mesma conta, sob pena de, recalcitrante, suportar multa diária, tal como fixada nesta Sentença, na qual se concede, outrossim, a tutela provisória de urgência de natureza antecipada. Declaro a extinção deste processo, com resolução de seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a réu no reembolso à do que esta despendeu com a taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária desde o respectivo desembolso. Condeno a ré também em honorários de advogado, estes fixados por apreciação equitativa, dado que o valor atribuído à causa não pôde guardar relação com a expressão econômica da demanda. De modo que fixo os honorários advocatícios em R$5.000,00 (cinco mil reais), com atualização monetária a partir desta data, e juros de mora contados desde o trânsito em julgado. Como critérios de que me vali para tal quantificação, observo que considerei a relação jurídico-material, que é de média complexidade, o número de atos praticados e o tempo de trâmite da causa até aqui.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 5 de novembro de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO