IMPUGNAÇÃO DE PENHORA. ALEGAÇÃO DE QUE O CRÉDITO OBJETO DA PENHORA É DE SER CARACTERIZADO COMO VERBA ALIMENTAR. IMPENHORABILIDADE DE SALÁRIO/HONORÁRIOS QUE, NO CPC/2015, É RELATIVA, TORNANDO NECESSÁRIA A ANÁLISE DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO EXECUTADO, CUJA VIDA LUXUOSA PODE NÃO JUSTIFICAR A PROTEÇÃO LEGAL. PONDERAÇÃO

Processo número 0012042-15.2013
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital

Vistos.

Cuida-se de impugnação à penhora sobre crédito da titularidade da executada, (…), que alega tratar-se esse crédito de verba alimentar, correspondendo a honorários que lhe foram pagos como contraprestação a serviço que lhe tocou realizar em “ações de marketing por meio digital”, sustentando a impugnante que, caracterizado o crédito como verba alimentar, a impenhorabilidade é de rigor observar-se.

A exequente, (…), apresentou resposta, aduzindo que o crédito em questão não deve ser caracterizado como verba alimentar, dado que não se destina diretamente à subsistência da impugnante, cuja vida é cercada por luxos.

É o RELATÓRIO.

FUNDAMENTO.

A impenhorabilidade prevista no artigo 833 do CPC/2015, ao retirar do credor a possibilidade de alcançar a constrição judicial sobre determinados bens, é de ser interpretada dentro de uma lógica do razoável, que se impõe em face da ressalva que o inciso IV ao referido artigo 833 estabelece quanto a uma precisa finalidade, que é a de garantia ao sustento do devedor e de sua família.

Com efeito, essa ressalva deve conduzir o intérprete a considerar as circunstâncias do caso em concreto, para distinguir cada situação, pois pode suceder que o montante recebido pelo executado seja em valores tão expressivos que a penhora, em atingido parte desse valor, não obstaculizará a mantença do sustento, obtido por outros meios.

A ressalva que o legislador cuidou acrescentar ao texto legal explicita, pois, que se deva considerar o montante recebido a título de vencimentos e de salários em proporção ao que se possa penhorar, se afetar substancialmente uma digna subsistência do executado e de sua família. Também se deve considerar o estilo de vida que o executado adota, porque o que se deve entende por “sustento” é bastante variável, o que significa dizer que as circunstâncias do caso em concreto devem ser sempre consultadas quando se está a enfrentar a alegação de impenhorabilidade em face de crédito alimentar.

Daí que a ressalva legal quadra, como ficou dito, com a lógica do razoável, na medida em que não é justo sacrificar o direito do credor, obstando-lhe a penhora, quando os vencimentos e salários e honorários do executado são tão significativos em uma dada realidade econômico-social, que, implementada a penhora, o valor que o executado ainda receberá será muito expressivo em face dessa mesma realidade, sobretudo quando, como no caso presente, provou a executada a vida luxuosa que a executada adota, com constantes viagens ao exterior e permanência em hotéis e resorts em cuja estadia não se despendem valores módicos.

Nenhum direito subjetivo é absoluto, ainda que de matriz constitucional é absoluto, o que significa dizer que, colidindo um face doutro, é necessário ponderar os interesses em conflito. O mesmo se há aplicar quando os dois direitos subjetivos são de natureza privada, como no caso em questão, pois que de um lado está o direito subjetivo da executada à impenhorabilidade de seus honorários, e doutro o direito do credor em ver satisfeito seu crédito. Aliás, devemos sobretudo ao jurista alemão, CLAUS-WILHELM CANARIS, à tese, hoje consolidada, de que também às relações jurídicas de direito privado aplicam-se as normas de direitos fundamentais, o que conduziu a que no campo do direito privado pudesse ser aplicado o princípio constitucional da proporcionalidade, antes reservado às relações entre o Estado e o particular. CANARIS demonstrou que as normas de direito fundamental projetam efeitos como imperativos de interpretação sobre o conteúdo das normas de direito privado.

Destarte, quando se interpreta a norma do artigo 833, inciso IV, do CPC/2015 no sentido de que garantir uma proteção absoluta sobre vencimentos e salários, no sentido, pois, de que não se deva ter penhora, independentemente do valor que é recebido pelo executado mensalmente, cria-se em desfavor do exequente uma interpretação que coloca em risco a satisfação de seu crédito, satisfação que é garantida pelo acesso à tutela jurisdicional, garantia prevista no inciso 5o., inciso XXXV, da CF/1988, em cujo conteúdo se deve considerar abarcada a tutela jurisdicional a ser concedida em processo de execução). Assim, quando se desconsideram as circunstâncias do caso em concreto, ou seja, o valor que é recebido a título de vencimentos e salários e honorários, não considerando esse valor para aferir se a quantia a ser objeto da penhora pode ou não afetar o sustento do executado, e mais, quando se desconsidera o estilo de vida que o executado adota, coloca-se a posição jurídica do credor sob uma insuficiência de proteção jurídica mínima.

Diante desse quadro, ponderando os interesses em conflito, diante do estilo de vida que a executada adota, o que comprova que não se socorre em seu sustento apenas com os honorários recebidos noutro processo judicial, decido deva prevalecer a posição jurídica do credor, para, assim, manter a penhora sobre o crédito, desacolhendo a impugnação.

Sem condenação em honorários de advogado.

São Paulo, em 10 de agosto de 2021.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO