Exposição de motivos ao CPC/2015: liberdade de convencimento do juiz

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
​Valentino Aparecido de Andrade
​Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

PARTE GERAL.
LIVRO I. DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS (ARTIGOS 1º. ​a 15).

“Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Comentário: trata-se de uma norma daquelas que a doutrina denomina de “normas de super-direito”, no sentido de que são normas que se referem ao conteúdo e forma de outras normas. Não havia no CPC/1973 norma semelhante. A importância desse dispositivo radica no fixar que as normas de nosso sistema processual civil (e não apenas as normas do CPC/2015) devem ser interpretadas e também aplicadas “conforme os valores e as normas fundamentais” da Constituição de 1988, o que significa dizer que os operadores do direito, sobretudo o juiz, devem sempre levar em consideração o que forma o princípio constitucional do devido processo legal “formal” e “substancial”. A proteção ao contraditório e à ampla defesa no processo civil recebem agora, em nosso sistema processual civil, especial proteção (confira-se, por exemplo, os artigos 9o. e 10 do CPC/2015), como deve o juiz também operar com o juízo de ponderação (cf. artigo 489, par. 2o., CPC/2015). Aos sistemas processuais específicos, caso do Juizado Especial de Fazenda Pública, regulado pela Lei federal de número 12.153/2009, também se deve aplicar a norma em questão.

“Art. 2o. O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Comentário: em razão de o nosso Código de Processo Civil adotar o princípio dispositivo, daí decorre que estabeleça, quanto à formação do processo civil, como condição indispensável, a iniciativa do autor. No CPC/1973, esse mesmo princípio dispositivo estava previsto no art. 262, com uma redação muito próxima da do CPC/2015. Acrescentou-se agora que a Lei poderá prever exceções, de modo que, nalgumas situações (como, por exemplo, no inventário), o juiz poderá determinar, de ofício, a instauração desse tipo de processo. O Ministério Público, naquelas hipóteses previstas em Lei, como, por exemplo, na curadoria de bens de ausente (Código Civil, art. 22), possui a legitimidade para ajuizar a ação. Especial atenção deve ser dada à determinação do legislador no sentido de que, quanto ao desenvolvimento do processo, o juiz deve cuidar para que o processo receba, em tempo razoável, sentença, conforme se lhe impõem os deveres previstos no art. 139 do CPC/2015.

“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Comentário: norma que, em essência, limita-se a reproduzir, com pequena modificação de estilo, o que a CF/1988, em seu art. 5o., inciso XXXV, fixa como princípio nuclear de nossos sistemas processuais (civil, penal, trabalhista, etc…). O objetivo de reproduzir, dentre as normas do CPC/2015 o que a Constituição estabelece como princípio, é de impor ao juiz a obrigatoriedade de sempre pensar o acesso à tutela jurisdicional como um direito fundamental, algo de que, por ror vezes, olvida-se. A novidade está em o CPC/2015 prever o uso da arbitragem, embora sem haver aí qualquer efeito prático, porque o instituto já fora regulado pela Lei federal 9.307/1996, e que desde então convive ao lado do processo civil como meio de solução de litígios, inclusive daqueles de que fazem parte o Estado, o que, aliás, justifica a ênfase dada nos parágrafos 2o. e 3o. a que se busque, sempre que possível, obter a solução consensual dos conflitos, entendendo-se por “Estado” tanto o Poder Judiciário como órgão julgador, quanto o Poder Executivo, quando parte integrante de uma demanda.

“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Comentário: objetivando garantir a todos os litigantes o direito a um processo “justo”, o CPC/2015, repetindo o que prevê a norma constitucional do artigo 5o., inciso LXXVIII, determina que a tutela jurisdicional deva ser entregue em “prazo razoável”, embora sem estabelecer o que se deve entender como tal. De toda a forma, o que o Legislador não quer é que se tenha precipitação a ponto de enfraquecer as garantias processuais formais, como o direito ao contraditório e a ampla de defesa. Vale recordar o que dizia SARAMAGO, que perfeitamente se ajusta ao objetivo do legislador: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Daí impor o CPC/2015 ao juiz, por seu artigo 139, que faça velar pela duração razoável do processo, mas sem deixar de assegurar às partes igualdade de tratamento. Recomendável seria que o CPC/2015, em lugar de, simplesmente, repetir a norma constitucional, tivesse, para algumas específicas situações processuais, fixado prazo, como no caso de tutelas provisórias de urgência (cautelar, antecipada, preventiva), estabelecendo um prazo máximo de eficácia.

“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.

Comentário: A boa-fé, como princípio ou dever jurídico, revela-se presente no CPC/2015 em três artigos: 5o., 322, par. 2o., e 489, par. 3o.. No CPC/1973, havia apenas uma referência: art. 14, II. Poder-se-ia supor, a partir do número de referências, que a boa-fé teria no CPC/2015 aumentado sua importância, o que, contudo, não sucede. A supressão ao dever de lealdade processual do rol dos deveres jurídicos impostos às partes e a todos àqueles que participam no processo, como se vê do artigo 77, enfraqueceu o sistema de proteção a um processo ético, que era a grande marca do CPC de 1973. Fala-se apenas em “boa-fé”, e não mais em lealdade processual, o que demonstra a intenção do Legislador de não mais considerar relevante a proteção a um processo ético. Protege-se apenas a boa-fé, o que é menos abrangente do que se proteger apenas a boa-fé, e não mais a lealdade no processo, como ocorria durante a vigência do artigo 14, II, do CPC/1973. De resto, o artigo 5o. não apresenta importância prática, dado que o artigo 77, ao enumerar os deveres legais que são impostos às partes e a todos aqueles que participam do processo, abarca a boa-fé (mas não abrange a lealdade).

“Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Comentário: trata-se de uma norma de valor muito mais simbólico que prático, dado que a falta de cooperação somente pode ser sancionada se ocorrer qualquer daquelas hipóteses previstas no artigo 77 do CPC/2015, ou naquelas específicas hipóteses que esse mesmo Código regula, caso, por exemplo, dos artigos 772 e 774. Por óbvio, envolvendo o processo interesses em conflito, a cooperação entre as partes é de ser sempre analisada nesse ambiente que lhe é natural. E nomeadamente a boa-fé deve ser avaliada nesse contexto. A norma em questão reproduz, em grande medida, o que dizia CALAMANDREI:

“Quem se ponha a observar o modo pelo qual se desenvolve um processo judicial, civil ou penal, vê, com efeito, que ele consiste em uma série de atividades realizadas por homens, que colaboram para a consecução do objeto comum que consiste em um pronunciamento de uma sentença ou em por em prática uma medida executiva, de modo que as várias atividades que devem ser realizadas pelas diversas pessoas que tomam parte no processo, distribuem-se no tempo e no espaço seguindo um certa ordem lógica, quase com em um drama teatral as intervenções dos atores sucedem-se não por causalidade, senão seguindo o fio da ação, de modo que a fase sucessiva está justificada pela precedente, e, por sua vez, dá ocasião a que vem depois. (…). Em realidade, para o espectador estranho que assiste em audiência a um debate público, o processo se assemelha muito a um drama com suas personagens e seus episódios, cujo epílogo está representada pelo pronunciamento da providência jurisdicional”. (tradução nossa, Instituciones de Derecho Procesal Civil, p. 242/243).

“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.

Comentário: tanto quanto a regra do artigo 139, I, do mesmo Código, trata-se de um desenvolvimento, no campo do Direito Processual Civil, do princípio constitucional da igualdade, impondo ao juiz que, nas relações jurídico-processuais, cuide observar e assegurar às partes uma “paridade de tratamento”, tanto em relação a direitos e faculdades processuais, quanto a meios de defesa, ônus, deveres e sanções processuais. Essa “paridade de tratamento” obsta, por exemplo, que o juiz profira uma decisão sem antes conceder a outra parte o direito de ser ouvida, ou que profira uma decisão com base em um fundamento (fático ou jurídico) a respeito do qual não se tenha a oportunidade de uma manifestação (“decisão-surpresa”), situações específicas que estão tratadas nos artigos 9o. e 10 do CPC/2015. Uma outra situação específica está regulada pelo artigo 933 do CPC/2015. Aprimorando nesse aspecto o CPC/1973, buscou o CPC/2015 garantir, tanto quanto possível, a igualdade das partes em diversas situações que ocorrem no processo, como, por exemplo, nos embargos declaratórios, os quais agora devem ser processados com a intimação da parte contrária para a resposta a esse recurso (art. 1023, par. 2o.). Não há dúvida de que o direito a um processo justo, tal como está garantido pelo princípio constitucional do devido processo legal, exige um contraditório equilibrado.

“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Comentário: esta é mais uma das regras do CPC/2015 em que apenas se expressa o que outras normas, algumas de matriz constitucional, fixam como princípio, caso, por exemplo, da proteção à dignidade humana (CF/1988, art. 1o., III). Assim também sucedendo com a proporcionalidade, que em nosso sistema jurídico constitui um princípio, tanto quanto a razoabilidade, a publicidade e a eficiência. Quanto a obrigar o juiz a atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, lembrará o leitor que o artigo 5o. da Lei de Introdução às Normas de Direito Pública assim o determina. De modo que nada de novo o artigo 8o. traz ao nosso sistema jurídico-processual, nem utilidade prática terá, além do que já se podia extrair do conteúdo e do alcance daquelas normas mencionadas. Nota-se que o objetivo do Legislador do CPC/2015, nesse tipo de norma, foi de caráter simbólico, como a dizer e a lembrar ao juiz que aqueles princípios constitucionais e normas de “super-direito” devem ser observadas e aplicadas no processo civil.

“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III – à decisão prevista no art. 701”.

Comentário: cunhou a doutrina a denominação de “proibição de uma decisão-surpresa”, para se referir ao conteúdo da norma em questão, que não tinha no texto do CPC/1973 uma norma equivalente. Trata-se do desenvolvimento do princípio constitucional do devido processo legal “formal”, que busca garantir, na medida do possível e do razoável, o direito a um processo justo, o que significa garantir aos litigantes uma igualdade de tratamento e de oportunidades no processo civil, pelo que o juiz deve zelar (art. 139, I). Para que se possa implementar e garantir no processo civil um contraditório real e efetivo, não pode a parte ser tomada de surpresa por uma decisão que lhe cause algum prejuízo, sem antes poder levar ao juiz a análise das razões e motivos que alicerçam a sua posição jurídica no processo. É natural que, nalgumas situações, o contraditório deva ser diferido, quando houver concreto risco de ineficácia da tutela jurisdicional. Nesses casos, que devem ser excepcionais, o juiz profere a decisão, concedendo à parte contrária o direito de, posteriormente à decisão, apresentar suas razões, para uma análise quanto a subsistir a decisão. Daí o motivo de a norma em questão estabelecer expressamente os casos em que o contraditório será diferido: quando se examina a concessão de tutela provisória de urgência, ou de tutela de evidência (salvo quando pleiteada com base na alegação de abuso de direito de defesa), e ainda no caso do mandado de pagamento na ação monitória (art. 701). Do que se pode concluir que, salvo nessas restritas hipóteses, o juiz não pode proferir uma decisão sem antes observar e garantir um efetivo contraditório.

“Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

Comentário: Com a mesma finalidade da norma anterior, o Legislador veda a que a parte seja surpreendida por uma decisão sem que lhe tenha sido dado o direito de previamente posicionar-se a respeito do tema nela envolvido. Por um “processo justo”, deve-se entender um processo que seja transparente, no sentido de que as decisões que nele venham a ser proferidas contem com a participação efetiva das partes, cuja igualdade de tratamento deve ser rigorosamente observada. Importante a ressalva de que ainda que se cuide de uma matéria acerca da qual o juiz possa decidir de ofício, mesmo nesse caso deve ser reconhecido à parte o direito a uma manifestação prévia. Assim, por exemplo, documentos que venham a ser apresentados, por exemplo com os memoriais, obrigam o juiz a assegurar à parte contrária o direito de manifestação, antes que a sentença seja proferida, sob pena de sua nulidade, se a norma em questão não tiver sido observada. A rigor, diante da garantia constitucional ao devido processo legal “formal”, e da norma processual que assegura a igualdade de tratamento às partes, não haveria necessidade de uma norma como a do artigo 10. Mas pareceu conveniente ao Legislador enunciá-la, como a lembrar ao juiz de que deve zelar por um “processo justo”.

“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

“Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público”.

Comentário: aqui mais uma norma de todo desnecessária, pois que se limita a reproduzir o que a Constituição de 1988, por seu artigo 93, inciso IX, estabelece: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

O dispositivo em questão limita-se, pois, a desdobrar, em dois períodos (“caput” e parágrafo único), por mero aspecto estilístico, o que a norma constitucional já estabelece como princípio a ser aplicado em todos os tipos de processos judiciais.

“Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.

§ 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores.
§ 2º Estão excluídos da regra do caput:
I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido;
II – o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos;
III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas;
IV – as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932;
V – o julgamento de embargos de declaração;
VI – o julgamento de agravo interno;
VII – as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça;
VIII – os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal;
IX – a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada.
§ 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-á a ordem cronológica das conclusões entre as preferências legais.
§ 4º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1º, o requerimento formulado pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reabertura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência.
§ 5º Decidido o requerimento previsto no § 4º, o processo retornará à mesma posição em que anteriormente se encontrava na lista.
§ 6º Ocupará o primeiro lugar na lista prevista no § 1º ou, conforme o caso, no § 3º, o processo que:
I – tiver sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução;
II – se enquadrar na hipótese do art. 1.040, inciso II”.

Comentário: andou bem o legislador ao fazer acrescentar, por meio da Lei 12.256/2016, o advérbio “preferencialmente” ao texto do “caput” do artigo 12, de modo que ao entrar em vigor o CPC/2015 o texto do artigo 12 já contemplava essa espécie de ressalva, cuja finalidade é a de não impor uma organização de trabalho única aos juízes, deixando-os com a liberdade necessária para que estabeleçam e adotem os critérios de organização que lhes pareçam mais adequados, conforme as peculiaridades de cada unidade judiciária. Obviamente que há processos em que a nota de urgência está presente, a impor ao juiz observe uma relação de preferência. Como também há uma relação de prioridade entre os processos urgentes, do que o juiz não pode olvidar. O extenso rol de hipóteses do parágrafo 2o. acaba por ensejar que o juiz, por seu critério, defina a ordem de preferência dos processos que deva julgar. De resto, o Conselho Nacional de Justiça, as ouvidorias e corregedorias dos tribunais podem fazer – e fazem – um controle adequado quanto à identificação de alguma específica situação de atraso injustificado. A publicidade da informação quanto a processos judiciais que aguardam julgamento, imposta pelo CPC/2015, constitui uma medida que, de fato, pode propiciar um efetivo controle da celeridade, permitindo um controle social acerca do trabalho dos juízes.

“Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte”.

Comentário: por ser a jurisdição expressão de poder, nenhum país abre mão de sua soberania, o que determina, por consequência, que, em se tratando de norma processual, a dizer, da norma que regula a jurisdição, a lei aplicável será a do país perante o qual o processo foi instaurado e se desenvolve. De modo que o processo civil, quando instaurado no Brasil, reger-se-á pelas normas gerais do Código de Processo Civil de 2015, e conforme o caso, por outras normas que compõem o nosso ordenamento jurídico em vigor (no caso, por exemplo, da Lei federal de número 12.153/2009, lei que regula o sistema do juizado especial de fazenda pública). Poderá suceder que, em um determinado processo, aplique-se lei material estrangeira (caso, por exemplo, de sucessão ou de regime de bens), mas as normas processuais a serem aplicadas serão aquelas que compõem a legislação processual brasileira. A norma em questão, contudo, ressalva que, em havendo disposição específica que tenha sido prevista em tratado, convenção ou acordo internacional de que o Brasil faça parte, então, em um caso específico, a norma processual prevista nessas regulações prevalecerá, afastando a norma prevista na legislação brasileira. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por seu artigo 12, já havia afirmado a competência da justiça brasileira em processos nos quais o réu tenha domicílio no Brasil, ou quando a obrigação tiver aqui que ser cumprida. A norma do artigo 13 do CPC/2015 vem reafirmar a prevalência das normas processuais brasileiras, quando se trata de processo civil aqui instaurado.

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

Comentário: o jurista alemão, ERNEST ZITELMAN (1852-1923) foi o primeiro a denominar de “normas de superdireito” as normas que dispõem sobre outras normas, e não sobre fatos. Essa denominação tornou-se clássica e até hoje é adotada. O artigo 14 do CPC/2015 é um exemplo de uma norma de superdireito, porque regula acerca da aplicabilidade no tempo das normas processuais civis.

Em geral, as normas legais projetam seus efeitos para o futuro, e por isso não retroagem, nem podem retroagir para alcançar situações ocorridas antes de sua entrada em vigor. É o que estabelece a Constituição de 1988, em seu artigo 5o., inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esse é o princípio geral (o da irretroatividade), que também se deve observar quanto às normas processuais civis.

Há, contudo, uma particular característica das normas processuais civis que durante algum tempo ensejou a que uma pequena parte da doutrina afirmasse que as normas de natureza processual seriam de aplicação retroativa, porque alcançariam os processos instaurados antes de sua entrada em vigor. Hoje, esse equívoco constitui apenas um registro na longa história do processo civil, porque se passou a compreender que a lei processual civil é de aplicação para o futuro, tanto quanto sucede com qualquer outra norma legal, e que o aplicar-se a um processo já existente não configura uma aplicação retroativa.

Quanto à aplicação de uma nova norma a um processo civil já existente, não se trata de uma aplicação retroativa, porque embora o processo civil constitua, em essência, uma relação jurídico-processual (que envolve o juiz, o autor e o réu, e quando houver, os demais intervenientes, como, por exemplo, o litisconsorte, o denunciado à lide, etc…), essa mesma relação jurídico-processual é integrada por um conjunto de atos que vão se sucedendo no tempo e no espaço, atos que devem ser isolados e separados para o fim de se considerar a lei aplicável no tempo, o que significa dizer que a lei a aplicar-se será aquela vigente ao tempo em que o ato processual esteja a ocorrer dentro de um processo já existente.

Surgem, é certo, algumas situações específicas, que por serem específicas reclamam um tratamento particular. É o que ocorre, por exemplo, com o recurso, pois poderá suceder que uma nova lei suprima um recurso que existia ao tempo em que o ato processual (o ato contra o qual se podia recorrer), de modo que, se aplicada a nova lei, a parte não teria mais direito ao recurso (já não mais existente segundo a lei em vigor ao tempo em que o recurso poderia ser interposto). São questões de direito intertemporal que, em geral, surgem quanto a recursos, provas e prazos, e para as quais o legislador quase sempre opta por deixar à doutrina a elaboração de critérios que orientarão o juiz, tantas são as questões que podem surgir.

Quando estava em vigor o CPC/1973, o conhecido processualista GALENO LACERDA analisou, com percuciência, uma série de situações que dizem respeito a questões de direito intertemporal que podem surgir no processo civil, sistematizando alguns critérios que depois foram adotados por nossos juízes e tribunais, e que certamente continuarão a ser observados e adotados em face do CPC/2015.

“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.

Comentário: como reconhecimento ao grau de cientificidade e de rigor sistemático que a Ciência do Direito Processual Civil alcançou entre nós (refletido sobretudo no Código de Processo Civil de 1973 e da acentuada influência dos ensinamentos do jurista italiano, ENRICO TULLIO LIEBMAN, que esteve no Brasil entre 1939/1946), o legislador estatui que as normas do Código de Processo Civil de 2015 passam ao status de “normas gerais” do processo, e como tal devem ser aplicadas aos processos eleitoral, trabalhista e administrativo. A norma em questão apenas consolida o que de fato ocorria em nossa jurisprudência, que abonava a aplicação subsidiária do CPC àqueles ramos do processo, de modo que agora, diante de norma legal expressa, essa aplicação não pode mais ser objeto de questionamento, ou recusada.

Mas há que se sublinhar que o intérprete deve sempre perscrutar se há mesmo uma omissão legislativa que legitime a aplicação subsidiária das normas gerais do CPC, e principalmente se há compatibilidade entre o sistema processual específico e o geral fixado pelo CPC/2015, porque deve haver sempre um acentuado grau de cautela quando se está a transportar normas que compõem um sistema processual a outro, por ser necessário considerar as peculiaridades que formam cada sistema.

Vale recordar que, como defendia parte considerável da doutrina, há uma visão metodológica do processo que compreende o que se pode denominar de uma “teoria geral do processo”, como natural consequência de o processo fundar-se em quatro institutos que são os pilares de qualquer processo: jurisdição, ação, processo e defesa, e que há, portanto, aspectos em comum, o que justifica que se tenha uma aplicação subsidiária ou supletiva entre as normas de regulação. A escolha do processo civil como sendo o conjunto das normas gerais decorre, como dito, do grau de cientificidade alcançado por esse ramo do processo, o que não exclui que também ao processo civil se possam aplicar normas e instrumentos dos outros ramos do processo, como sucedeu com a penhora por meio eletrônico, surgida na justiça do trabalho.

LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL.

“Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”.

Comentário: aperfeiçoando o texto do artigo 1o. do CPC/1973 (“A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”), dele eliminando uma distinção desnecessária nesse contexto entre a jurisdição contenciosa e voluntária, o CPC/2015 expressa o princípio da “unidade de jurisdição”, o que significa dizer que, conforme a nossa Constituição de 1988 (artigo 5o., inciso XXXV), a jurisdição é um poder estatal e exercido, em essência, pelos integrantes da carreira da magistratura (juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores), a enfatizar que esse poder – o jurisdicional – não é exercido por outros órgãos que não aqueles que integram os juízos e tribunais. De modo que embora contem tradicionalmente com a denominação de “tribunais”, outros órgãos que não integram a estrutura do Poder Judiciário, caso, por exemplo, dos tribunais de contas, tributos de impostos ou conselhos de regulação, não exercem jurisdição, e a atividade que desenvolvem é uma atividade administrativa, e como tal sujeita ao controle jurisdicional.

Mas é necessário observar que a norma não exclui que a Lei (no caso, a Constituição de 1988) possa dotar de uma atividade semelhante à da jurisdição determinados órgãos, como ocorre com o Senado Federal para o julgamento de crime de responsabilidade atribuído ao presidente da república, ou para que faça instituir a arbitragem, como sucedeu com a Lei federal de número 9.307/1996, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. São atividades semelhantes à jurisdicional, as quais se beneficiam de seu maior predicado, que é o de impor uma decisão definitiva (passada em julgado) a um determinada situação, expressamente prevista em Lei.

Importante não confundir “jurisdição” com “competência”, pois como enfatiza LIEBMAN a competência é a “quantidade de jurisdição agregada ao exercício de qualquer órgão”, a qual torna claro que é inadequado dizer, como era da tradição de nossa doutrina anterior ao mestre italiano, que a competência seria “uma medida da jurisdição”. Conforme foi dito acima, o princípio adotado em nosso ordenamento jurídico em vigor é o da unidade da jurisdição, de modo que, como poder a jurisdição é una e não contém limites. Há, sim, limites, mas se trata aí daqueles limites que incidem sobre a atividade que cada juiz e cada tribunal exerce concretamente em processos judiciais, segundo os critérios legais de competência, nomeadamente aqueles fixados pelo mesmo CPC/2015.

“Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Comentário: adotando, tanto quanto o fizera o CPC de 1973, a teoria da ação de LIEBMAN, exposta em sua famosa aula proferida em 1949 na Universidade de Turim, sob o título “L’azione nella teoria del processo civile”, no sentido de que a ação é um direito subjetivo de natureza abstrata, cuja existência no campo do processo está submetida a condições (às condições da ação, pois), o artigo 17 cuidou apenas de modificar o verbo, empregando, em vez de “propor” ou “contestar”, como constava no artigo 3o. do CPC/1973, do verbo “postular”, mais azado para abranger todas as hipóteses nas quais se deve aferir se o autor, réu ou qualquer interveniente (o litisconsorte, por exemplo) possui a legitimidade para agir, ou seja, se atende à condição exigida para que possa obter um pronunciamento jurisdicional sobre o mérito de sua pretensão, ou de sua defesa, e ainda se lhe pode ser reconhecido o interesse de agir, o que significa que o juiz deverá perscrutar se a forma pela qual ocorre a postulação (a ação, pelo autor; a defesa, pelo réu, ou a forma pela qual o interveniente está agir), se essa forma é adequada ao fim a que se pretende, e ainda se, nas circunstâncias concretas em que a lide encontra-se no processo, a postulação é, de fato, necessária e útil à proteção da posição jurídica invocada. Ausente a legitimidade, ou não caracterizado o interesse de agir, o juiz declarará a carência de ação, decidindo nesse caso que não há o direito subjetivo da ação naquele específico processo, sem obstar que, em uma nova ação, postule-se novamente, já que a sentença que reconhece a carência de ação, por se tratar de uma sentença terminativa, não produz coisa julgada material.

Um dado histórico importante: note-se que a norma em questão, tal como a do artigo 3o. do CPC/1973, não se refere à possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, acolhendo, também aí, a posição de LIEBMAN, que a partir da 3a. edição de sua “Manual de Direito Processual Civil” havia, em 1973, abjurado, por entender que a possibilidade jurídica do pedido está abarcada no exame do interesse de agir.

“Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.

Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”.

Comentário: com pequena modificação de estilo, o artigo 18 repete a norma do artigo 6o. do CPC/1973, regulando a legitimação ordinária e extraordinária, para enfatizar que, em nossos sistemas processuais, deve haver, como regra geral, a coincidência de titularidade, ativa e passiva, entre a relação jurídico-material objeto do litígio e a condição de parte, sem o que o juiz deve reconhecer a carência de ação por ilegitimidade de parte. A norma ressalva que, nalguns casos, desde que previstos expressamente em lei, poder-se-á reconhecer a legitimação, sem que haja aquela correspondência com a titularidade extraída da relação jurídico-material objeto do litígio, configurando-se aí o que a nossa doutrina denomina de “legitimação extraordinária”. Justifica-se que a Lei permita que um direito alheio seja invocado em juízo por quem não é seu titular em atenção a circunstâncias estranhas ao processo, como destaca PONTES DE MIRANDA em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, p. 200. Isso sucede, por exemplo, quando a Lei reconhece a legitimação extraordinária ao autor de uma ação popular, que vai a juízo para defender um direito que não é seu, mas de uma coletividade abstrata. Aliás, para a defesa em juízo de interesses coletivos e difusos confere a Lei legitimidade extraordinária ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a associações e sindicatos, havendo também aí uma relação de pertinência entre a titularidade do direito subjetivo invocado, extraída essa titularidade da relação jurídico-material invocada na ação coletiva. Não houvesse essa relação de pertinência, a legitimidade não se caracterizaria. Como a legitimidade é extraída essencialmente (mas não unicamente) da relação jurídico-material, há sempre de se aferir se ela existe, mesmo quando se trata da legitimidade extraordinária. A causa de pedir, com efeito, é formada a partir do direito subjetivo (material) que se invoca; assim, se o direito subjetivo invocado é um direito coletivo ou difuso, a relação de pertinência é aferida segundo a Lei autorizar ou não que esse direito seja invocado em juízo por quem promove a ação coletiva. Como a substituição processual é uma espécie de legitimação extraordinária, integrou-se ao “caput” do artigo 18 regra específica desse instituto, prevendo-se que, em havendo substituição processual, o substituído pode intervir como assistente litisconsorcial. Destaque-se que a norma refere-se à “substituição das partes”, instituto que não se confunde com o da “sucessão das partes”, este tratado autonomamente nos artigos 108/112. Na sucessão das partes, não há legitimação extraordinária, mas ordinária, dado que o sucessor invoca direito de sua titularidade, quando assume o lugar do litigante originário.

“Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
II – da autenticidade ou da falsidade de documento”

Comentário: trata-se da norma que estatui o direito a obter-se um provimento puramente declaratório, quando o autor quer que se declare que uma determinada relação jurídica existe ou não existe, ou quando há uma dúvida objetiva quanto ao modo de ser dessa mesma relação jurídica. O objetivo da ação de provimento meramente declaratório é a obtenção da certeza jurídica, e, portanto, não havendo incerteza jurídica, a carência de ação, por ausência do interesse de agir, deve ser reconhecida. Como ensina CHIOVENDA: “Objeto da sentença de declaração não pode ser um simples fato, ainda que juridicamente seja importante. Não se pode declarar que foi celebrado um contrato, senão que existe um contrato válido;não que Tício terá cometido um delito, senão que ele é responsável pelos danos; não que uma mercadoria seja defeituosa, senão que se tem direito a devolvê-la. (…)”. (“Instituciones de Derecho Procesal Civil, volume II, p. 239, tradução nossa).

Quanto às condições da ação para que se possa obter o provimento meramente declaratório, não há, a rigor, nenhuma particularidade que distingue esse tipo de ação das ações nas quais se quer obter um provimento condenatório ou constitutivo. A legitimidade para agir é extraída, pois, da relação jurídica cuja existência ou inexistência busca-se declarar, de modo que o autor deve integrar essa mesma relação jurídica, no sentido de que sua esfera jurídica está a ser afetada ou pode vir a ser afetada pela relação jurídica ou por algum de seus efeitos. O mesmo se pode dizer quanto à legitimação passiva. A análise do que está a produzir a incerteza jurídica é que constituirá o principal critério para aferir da legitimidade ativa e passiva. E também quanto ao interesse de agir, porque o existir a incerteza jurídica sobre uma relação jurídica específica é que caracterizará a a necessidade de se pleitear a tutela jurisdicional.

Ainda quanto ao interesse de agir, durante algum tempo questionou-se quanto a poder o autor ajuizar a ação de provimento meramente declaratório, quando já poderia buscar a condenação do réu em relação ao mesmo objeto. Mas essa questão hoje constitui apenas uma informação de natureza histórica, porque a doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o interesse de agir quanto à ação de provimento declaratório pode ser ajuizada, ainda que já exista a compasso a violação ao direito. Vários códigos passaram a conter regra expressa quanto a essa situação, e o nosso CPC/2015 assim também o fez, como se verá ao comentarmos o artigo 20.

Quanto ao objeto da ação declaratória, qualquer relação jurídica pode ser discutida nesse tipo de ação. Assim, uma relação jurídica de direito privado ou de direito público, uma relação de direito administrativo ou de natureza fiscal. Basta, pois, que exista uma relação jurídica, e que se tenha uma incerteza jurídica quanto a existir ou inexistir essa mesma relação jurídica, ou uma incerteza quanto ao modo de ser dessa relação jurídica.

Um mero fato não pode ser objeto da relação jurídica. A exceção está prevista no inciso II do artigo 19, quando se autoriza que a ação de provimento declaratório seja utilizada para por meio dela se declarar que um documento é verdadeiro ou é falso. A autenticidade ou falsidade desse documento, embora constitua um fato, pode ser objeto da ação de provimento declaratório. Trata-se, contudo, de uma exceção, porque exceptuada essa hipótese o objeto da ação de provimento declaratório deverá ser uma relação jurídica. Há aqui por se destacar a importância da descrição da causa de pedir na ação de provimento declaratório, porque se deve demonstrar que exista essa relação jurídica, e não apenas um mero fato, ainda que extraído de uma relação jurídica. A formulação da causa de pedir na ação de provimento declaratório merece, portanto, especial destaque.

A incerteza jurídica, diz a doutrina, deve ser objetiva e atual. Destarte, não basta que exista uma dúvida acerca de uma norma legal, ou mesmo de uma cláusula contratual, a não que ser demonstre que para a solução do litígio é necessário que se declare existir ou inexistência uma específica e concreta relação jurídica, ou que o modo de existir dessa relação jurídica esteja sob controvérsia entre os integrantes dessa mesma relação. Há uma exceção no direito brasileiro: a ação de declaração de inconstitucionalidade e de constitucionalidade de uma norma legal abstrata. O provimento jurisdicional que é emitido nesse tipo de ação é meramente declaratório e busca eliminar a incerteza jurídica quanto à constitucionalidade de uma determinada norma legal, abstratamente considerada nesse tipo de ação.

A incerteza jurídica deve ser atual, o que significa dizer que o litígio acerca de uma relação jurídica já deve estar configurado e a produzir efeitos, ou na iminência de que assim suceda. A propósito, durante muito tempo se afirmou na doutrina e na jurisprudência que a ação de provimento declaratório é um tipo de ação preventiva, no sentido de que, eliminando a incerteza jurídica, desapareceria o litígio. Olvidava-se, contudo, que para a ação de provimento declaratório possa ser utilizada, a dizer, para que o autor possua o interesse de agir, é necessário que ele demonstre que a tutela jurisdicional lhe é necessária, e isso somente ocorre quando o litígio existe, o que no caso da ação declaratória pode ser descrito tal como fazia CARNELUTTI, ao dizer que a lide é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. No caso da ação de provimento declaratório, pois, o conflito decorre da incerteza jurídica, constituindo a incerteza jurídica o que caracteriza o objeto da ação. Assim, por exemplo, no caso em que o autor ajuíza a ação para que o juiz declare que, ao tempo em que o autor vier a aposentar-se, poderá obter determinado benefício em um determinado regime jurídico de aposentação. Nesse caso não há litígio, porque a relação jurídica (a dizer, a relação jurídica da qual nascerá a condição de aposentado) ainda não existe ao tempo em que a ação está a ser proposta, e o juiz deve, nesse tipo de caso, reconhecer a ausência do interesse de agir. Esse exemplo, de resto, bem ilustra que a ação de provimento declaratório não é uma ação preventiva, não ao menos no sentido de que inexiste o litígio e que a ação é ajuizada para prevenir que ele viesse a existir.

No que concerne à coisa julgada material, na ação de provimento declaratório, tanto quanto sucede nas demais ações de processo de conheciento (condenatória e constitutiva), a coisa julgada material produz seus regulares efeitos, quando a pretensão é julgada em seu mérito. Há que se observar que a certeza jurídica pode produzir efeitos contra terceiro (contra quem não foi parte no processo em que o provimento jurisdicional foi concedido). A análise do caso em concreto é que permitirá definir se essa extensão ocorrerá ou não. Poderá suceder que a extensão da coisa julgada material produza efeitos contra as mesmas partes do processo, mas ainda assim em uma extensão maior do que o objeto do processo, como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que o sujeito passivo de um tributo obtenha um provimento jurisdicional que declare a inexistência da relação jurídico-tributária, com efeitos que a coisa julgada material fará projetar para além do exercício fiscal objeto do processo.

“Art. 20. É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”.

Comentário: optou o CPC/2015 por erigir em dispositivo autônomo a regra que reconhece o direito à utilização da ação meramente declaratória, mesmo quando tenha ocorrido a violação ao direito. No CPC/1973, esse enunciado compunha o parágrafo único ao artigo 4o., o que atendia a certa lógica, porque se cuida de um aspecto diretamente relacionado à ação declaratória, de que o artigo 4o. tratava.

O que enunciado do artigo 20 estabelece é que não há relação entre a violação a um direito e o direito a pugnar pela declaração de existência ou de inexistência desse mesmo direito, reconhecida pelo Legislador a presença do interesse de agir quanto à utilização da ação declaratória. Haveria, contudo, por se objetar (e processualistas alemães e austríacos o fizeram, como registrou CHIOVENDA), que uma razão de economia deveria conduzir a se reconhecer a ausência do interesse de agir, porquanto o autor do direito violado poderia pugnar desde logo pela condenação do réu. Sucede, contudo, como observa CHIOVENDA, que o princípio dispositivo deve prevalecer, para não se negar ao autor o exercitar o tipo de ação que tiver escolhido conforme seu interesse, de modo que se lhe basta que se declare a existência ou inexistência do direito, deve-se-lhe reconhecer o direito a que esse pedido seja examinado pelo juiz.

Além disso, e como bem argumenta CHIOVENDA, diante de um provimento que declara a existência do direito, o devedor, que até então recusava a cumpri-lo em razão de alguma incerteza, com o provimento jurisdicional declaratório pode ser convencido de que o terá que cumprir (cf. CHIOVENDA, Instituciones de Derecho Procesal Civil, v. I, p. 237, Editorial REvista de Derecho Privado, Madrid, 1948).

TÍTULO II

– DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

CAPÍTULO I

– DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL

“Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal”.

Comentário: primeiro artigo que compõe o título II (“Dos Limites da Jurisdição Nacional e da Cooperação Internacional”), repete, com pequena modificação de estilo, a regra do artigo 88 do CPC/1973, estabelecendo a competência dos juízes brasileiros de acordo com os critérios que utiliza para esse fim. Assim é que, em tendo o réu domicílio no Brasil, a ação será de competência da Justiça brasileira, assim como sucederá quando no Brasil uma obrigação contratual tiver que se cumprida, ou ainda quando o fundamento da demanda radicar em fato ou ato praticado no Brasil. Nesses casos, contudo, há uma competência concorrente da Justiça brasileira, e não uma competência exclusiva (que está tratada no artigo 22 do CPC/2015), porque, como observa DINAMARCO, não são causas que sejam de “primeiríssima relevância para a vida do país” (Instituições de Direito Processual Civil, v. I, p. 363). Destarte, como se cuida de competência concorrente entre países, será válido o processo instaurado em país estrangeiro, e o Brasil reconhecerá e cumprirá a sentença estrangeira, salvo se houver previsão em contrário em tratados e acordos internacionais. O artigo 24 prevê que, nos casos de competência internacional concorrente, não se configura a litispendência em face da justiça brasileira.

“Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
I – de alimentos, quando:
a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil;
b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos;
II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional”.

Comentário: o CPC/1973, ao tratar da competência da justiça brasileira, não havia regulado de modo específico a ação de alimentos, de modo que a definição da competência era dada pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (artigo 12). O mesmo se pode dizer das relações jurídico-materiais de consumo. Com o fenômeno da globalização, em que as relações jurídico-materiais expandiram-se, não se limitando a um só país, abarcando as relações familiares (pais que, separados, passam a residir em países diferentes), e as relações de consumo (as empresas que, sediadas em um país, utilizam-se do mercado da “Internet”, para manter relações de comércio com clientes em quase todos os países), o Legislador do CPC/2015 entendeu conveniente fixar regras específicas para a definição da competência da justiça brasileira. Esses dois tipos de ação, de alimentos e de relação de consumo, são agora objeto de regulação específica, prevendo o artigo 22 que, em possuindo o credor (rectius: o autor) da ação de alimentos domicílio ou residência no Brasil, ou no caso em que o réu possuir algum vínculo jurídico no Brasil, decorrente, por exemplo, da condição de possuir ou de proprietário de bens que aqui estejam, a competência será da justiça brasileira, o mesmo ocorrendo em face de uma relação de consumo, quando o consumidor possuir domicílio em nosso país. Trata-se, importante assinalar, de uma competência concorrente, tal como sucede com as ações previstas no artigo 21 do CPC/2015.

A Justiça brasileira também será competente quando as partes, expressa ou tacitamente, aceitarem se submeter à sua competência, embora a competência fosse de país estrangeiro.

A matéria também está regulada, de forma mais genérica, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei federal de número 4.657/1942 e Lei 12.036/2009).

“Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional;
III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”.

Comentário: quando a ação diz respeito a bens imóveis que se localizam no território brasileiro, estabelece o artigo 23 que a competência é exclusiva da Justiça brasileira, o que significa que o Brasil não reconhecerá validez a sentença ou a qualquer ato decisório emanado de justiça estrangeira, independentemente do tipo de ação, ainda que de cunho meramente declaratório como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que acerca de um bem imóvel localizado no Brasil tenha sido firmado um contrato de compra e venda e desfeito esse contrato por decisão em ação ajuizada em país estrangeiro. Tratando-se de bem imóvel, não importa o tipo de ação ou de provimento jurisdicional que se busca obter ou que se tenha obtido, pois que a competência exclusiva da Justiça brasileira prevalecerá, conforme determina o artigo em questão, e também como já o afirmava a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942, artigo 12, parágrafo 1o).

Ainda que se cuide de bem imóvel objeto de partilha em testamento, inventário ou arrolamento, ou que decorra de partilha em separação judicial ou divórcio, a competência é exclusiva da Justiça brasileira. A inserção de regras específicas quanto a esse tipo de ação decorre de o Legislador querer enfatizar o que se deve entender, para fim de competência, quanto à expressão “ações relativas a imóveis no Brasil”, que consta do inciso I. Há que se recordar que houvera certa divergência quanto ao conteúdo dessa expressão ao tempo em que entrou em vigor o CPC/1973 (artigo 89), e a jurisprudência ao longo do tempo consolidou-se no sentido de que essa expressão deve ser interpretada no sentido de abarcar todo tipo de ação.

“Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.

“Parágrafo único. A pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil”.

Comentário: com alguma mudança de estilo (substituição, por exemplo, do verbo, hoje menos frequente, “intentar”, pelo verbo “propor”), a regra do artigo 24 mantém, na essência, o mesmo conteúdo do artigo 90 do CPC/1973, mas com uma importante ressalva quanto à prevalência de tratados internacionais e acordos biliterais de que o Brasil seja signatário, caso em que a litispendência deverá ser reconhecida, com a extinção anormal (sem exame do mérito da pretensão) do processo ajuizado no Brasil. Fora dessa hipótese, determina a norma em questão que se deva desconsiderar a litispendência, quando a competência da Justiça brasileira esteja firmada com base nos critérios fixados nos artigos 22 e 23. Aliás, a rigor a regra seria desnecessária se considerássemos tão somente a competência exclusiva da Justiça brasileira (artigo 23), porque não haveria mesmo por se cogitar de litispendência, dado que a competência da Justiça brasileira prevalecerá, exista ou não ação ajuizada no estrangeiro. Mas existindo situações nas quais a competência da Justiça brasileira é concorrente (e não exclusiva), justifica-se a existência da regra.

Embora a norma refira-se apenas à litispendência, pela mesma razão se a deve aplicar no caso em que se configure a coisa julgada.

O parágrafo único, cuja regra não existia no CPC/1973, prevê a homologação da sentença judicial estrangeira mesmo em face da existência de ação na Justiça brasileira, salvo quando se tratar de competência exclusiva, naquelas hipóteses, portanto, do artigo 23 do CPC/2015. Com a reforma do Poder Judiciário realizada pela emenda constitucional de número 45/2004, modificou-se a competência originária para a homologação da sentença estrangeira, que assim passou a ser do Superior Tribunal de Justiça.

“Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
§ 1º Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo.
§ 2º Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, §§ 1º a 4º.”

Comentário: em face do avanço do comércio internacional, resultava necessário que as normas processuais fossem adaptadas a essa realidade, o que justifica que o CPC/2015 tenha previsto, como critério de competência internacional, a prevalência da cláusula de eleição de foro no estrangeiro em contratos internacionais, salvo se a competência da justiça brasileira for exclusiva (artigo 23), caso em que a eleição de foro não poderá afastar a competência da justiça brasileira.

As regras do CPC/2015 quanto à eleição de foro, previstas no artigo 63, devem ser consideradas tanto quanto à forma e conteúdo da cláusula que tiver sido formulada em contrato internacional. Não atendida essa forma, ou quando o conteúdo da cláusula não observar as normas processuais brasileiras, a cláusula de foro de eleição em contrato internacional não prevalecerá, e a competência reger-se-á pelos critérios fixados no artigo 22 do CPC/2015.

CAPÍTULO II – DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.

SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS.

“Art. 26. A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:
I – o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;
II – a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados;
III – a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;
IV – a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação;
V – a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.
§ 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.
§ 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1º para homologação de sentença estrangeira.
§ 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.
§ 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica”.

Comentários: iniciando o capítulo II, que cuida da cooperação internacional, e inovando em nossa legislação processual civil (o CPC de 1973 havia se preocupado apenas com a homologação de sentença estrangeira e com regras acerca da carta rogatória), o Código de 2015 estabelece disposições gerais que devem ser observadas nas relações que o Poder Judiciário brasileiro houver de manter com a justiça estrangeira, estabelecendo, por exemplo, que aquelas garantias de natureza processual que são reconhecidas em favor dos brasileiros também são estendidas aos estrangeiros, quando estiverem a atuar como parte em processo instaurado por país estrangeiro e algum ato processual tiver que ser praticado em nosso país. Daí a ênfase no parágrafo 3o. ao artigo 26, no sentido de que “Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro” – a demonstrar a preocupação do legislador brasileiro em garantir, sempre que possível, o devido processo legal, também nas relações jurídico-processuais que o Brasil mantiver com a justiça estrangeira.

Dentro de um fenômeno político-jurídico que se convencionou denominar de “estado transnacional”, relações econômicas e de outra natureza tendem cada vez mais a vincular países, empresas e particulares estrangeiros, o que obviamente passa a ser de interesse do processo civil quando surge, nessas relações jurídicas, uma lide.

Se antes a cooperação entre os países limitava-se, em geral, à homologação de sentença estrangeira e a cartas rogatórias, agora há um conjunto de atos que são abarcados no que o CPC/2013 denomina de “cooperação internacional”, cujas regras aplicam-se ao processo civil, não alcançando diretamente o processo penal, embora, por analogia, a esse campo do direito também se as possa aplicar, sobretudo quanto à garantia ao devido processo legal.

O CPC/2015 confere especial destaque aos tratados de que o Brasil faça parte, embora não exclua a possibilidade de haver cooperação jurídica internacional com país que reconheça reciprocidade em favor do Brasil. Essa reciprocidade, contudo, não é exigida para efeito de homologação de sentença estrangeira.

As normas de cooperação internacional, fixadas pelo Código de Processo Civil 2015, quiçá caminhem em direção ao que o insigne jurista uruguaio, EDUARDO JUAN COUTURE, havia idealizado quando sugeriu a elaboração de um código de processo civil “modelo” para aplicação na América latina.

“Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:
I – citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;
II – colheita de provas e obtenção de informações;
III – homologação e cumprimento de decisão;
IV – concessão de medida judicial de urgência;
V – assistência jurídica internacional;
VI – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”.

Comentário: ao comentarmos o artigo 26, fizemos observar que, diversamente do que sucedia com o Código de 1973, que se limitava a regular a homologação da sentença estrangeira e a forma pela qual se devia cumprir a carta rogatória como únicos atos processuais que caracterizavam as relações entre a Justiça brasileira e a estrangeira, o CPC/2015 ampliou consideravelmente o elenco dos atos processuais em que a cooperação da Justiça brasileira à justiça estrangeira ocorrerá, como, por exemplo, nos meios de comunicação de atos emanados de processos em trâmite em país estrangeiro, ou na colheita de provas no Brasil para que possam ser aproveitadas no país de origem do processo. É meramente exemplificativo o rol dos incisos do artigo 27, pois que, segundo o inciso VI, “qualquer outra medica judicial ou extrajudicial”, que não seja proibida pela lei brasileira, pode ser objeto de cooperação da Justiça brasileira. De qualquer modo, pareceu ao legislador necessário destacar alguns dos principais atos em que essa cooperação pode ocorrer, de modo que se evite qualquer dúvida a respeito.

O instrumento para que esses atos sejam produzidos no Brasil é a carta rogatória, cujo processamento está regulado pelo CPC/2015 em seu artigo 36 (o artigo 35 foi vetado). Ao tratarmos do artigo 28, veremos em que hipóteses a carta rogatória é dispensada, prevalecendo o que o CPC/2015 denomina de “auxílio direto”.

SEÇÃO II – DO AUXÍLIO DIRETO.

“Art. 28. Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil”.

Comentário: em face de atos que, requeridos por país estrangeiro, devam ser praticados no Brasil e que não digam respeito diretamente à atividade jurisdicional, esses atos não devem ser submetidos a um juízo de delibação no Brasil, conforme prevê o artigo 28, de modo que não haverá a necessidade da expedição de carta rogatória, caracterizando-se aí o que a Lei processual civil brasileira denomina de “auxílio direto”. Destarte, em nosso ordenamento jurídico em vigor, existem duas modalidades de cooperação internacional: aquela que deva ser objeto de juízo de delibação pelo Poder Judiciário brasileiro, requerida por meio de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, e o auxílio direto, este circunscrito a casos em que não houver ato diretamente relacionado à jurisdição.

O STJ, segundo estabelece seu regimento interno (artigo 216-O, parágrafo 2o.), encaminhará ao Ministério da Justiça, a quem cabe a autorização para que esses atos sejam executados no Brasil, a carta rogatória, quando seu objeto não seja ato que deva ser submetido a juízo de delibação.

Quando a providência requerida depender de juízo de delibação, ou seja, quando se trata de ato de jurisdição, e não tiver sido expedida a necessária carta rogatória, o STJ negará o auxílio direto, como ocorreu em algumas situações (Precedentes: SEC 8.639/EX, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 02.05.2013, SEC 5.543/EX, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 15.03.2013, SEC 113/DF, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO NORONHA, DJ de 04.08.2008).

“Art. 29. A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido”.

Comentário: é da atribuição legal do Ministério da Justiça – que atua, pois, como a “autoridade central” de que fala o artigo 29 – a autorização para a execução no Brasil de atos requeridos por país estrangeiro, quando se caracterizada a cooperação internacional por meio do auxílio direto. O Ministério da Justiça deve examinar se o requerimento é autêntico e analisar se o caso pode ser requerido por meio do auxílio direto, ou se haverá a necessidade de carta rogatória.

“Art. 30. Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:
I – obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;
II – colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;
III – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”.

Comentário: ao prever que qualquer medida judicial ou extrajudicial que não seja proibida pela lei pode ser objeto do auxílio direito, e de ter, no artigo 28, sublinhado que a medida não pode dizer respeito diretamente à atividade de jurisdição, não haveria necessidade de o CPC/2015 enumerar qualquer ato. Mas ainda assim pareceu conveniente ao legislador indicar alguns desses atos, como o que envolve informações sobre as características de nosso sistema processual ou de justiça, ou sobre processos judiciais ou procedimento administrativos, estejam ou não em curso, e ainda o ato de colheita de provas, ressalvando-se quanto a este que, em se tratando de provas a serem produzidas em processo judicial, o juízo de delibação deve ser realizado pelo Poder Judiciário, o que significa dizer que o auxílio direto não poderá ser utilizado como modalidade de cooperação internacional, exigindo-se nesse caso carta rogatória e a ordem para a sua execução (“exequatur”), de parte do STJ.

“Art. 31. A autoridade central brasileira comunicar-se-á diretamente com suas congêneres e, se necessário, com outros órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e pela execução de pedidos de cooperação enviados e recebidos pelo Estado brasileiro, respeitadas disposições específicas constantes de tratado”.

Comentário: a bem caracterizar que, em se tratando de ato que possibilite o auxílio direto, não há a participação do Poder Judiciário brasileiro, prevê o artigo 31 que o Ministério da Justiça estabelecerá comunicação com o órgão de país estrangeiro que tiver solicitado a providência, ou ao qual a providência for requerida.

“Art. 32. No caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento”.

Comentário: norma totalmente despicienda, porque, definido nas normas anteriores que tipo de ato pode ser objeto do auxílio direto (a dizer, quando não se trate de ato diretamente relacionado à jurisdição), não haveria a necessidade de se prever que a autoridade central (o Ministério da Justiça brasileiro) “adotará as providências necessárias para seu cumprimento”, porque isso decorre da atribuição que a Lei lhe confere para tanto. Tratando-se um instituto novo em nosso ordenamento jurídico em vigor, é usual que o legislador peque no excesso de regulação.

“Art. 33. Recebido o pedido de auxílio direto passivo, a autoridade central o encaminhará à Advocacia-Geral da União, que requererá em juízo a medida solicitada.
Parágrafo único. O Ministério Público requererá em juízo a medida solicitada quando for autoridade central”.

Comentário: dentre os atos que, segundo o artigo 30, inciso I, do CPC/2015, podem ser objeto de auxílio direto, está a coleta de informações acerca do estágio de processo judicial. Para essa hipótese, prevê o artigo 33 que caberá à Advocacia-Geral da União requerer em juízo a medida solicitada pelo Ministério da Justiça. Como órgão governamental destituído de personalidade judiciária, não pode o Ministério da Justiça atuar como parte em processo judicial, devendo ser representado em juízo pela Advocacia-Geral da União.

O parágrafo único prevê a possibilidade de o Ministério Público ter interesse na medida objeto do auxílio direto, caso em que a poderá requerer judicialmente.

“Art. 34. Compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande prestação de atividade jurisdicional”.

Comentário: a defeituosa redação desse dispositivo pode levar a equívoco, se o intérprete não considerar o artigo 28 do mesmo CPC/2015, que prevê a utilização do auxílio direto apenas no caso em que o ato requerido não decorrer diretamente da atividade de jurisdição. Deve-se entender, pois, a parte final do artigo 34 (“que demande prestação de atividade jurisdicional”) no sentido de que será da competência do juízo federal que estiver a presidir determinado processo judicial (ou que o tiver presidido, quando se tratar de processo findo) a análise do requerimento formulado pela Advocacia-Geral da União (ou pelo Ministério Público, no caso de seu interesse), quando o ato objeto do auxílio direto for informação referente a processo judicial. Mas se a informação referir-se a processo da competência da Justiça Estadual ou da Justiça do Trabalho, a AGU solicitará a essa justiça a análise do requerimento. Tratando-se de ato que não possa ser objeto de auxílio direto, por se relacionar diretamente à atividade de jurisdição, o juízo declinará da competência em favor do STJ.

SEÇÃO III – DA CARTA ROGATÓRIA.

“Artigo 35 – VETADO. Dar-se-á por meio de carta rogatória o pedido de cooperação entre órgão jurisdicional brasileiro e órgão jurisdicional estrangeiro para prática de ato de citação, intimação, notificação judicial, colheita de provas, obtenção de informações e cumprimento de decisão interlocutória, sempre que o ato estrangeiro constituir decisão a ser executada no Brasil.”

Comentário: esse artigo foi vetado porque se argumentou que a exigência de carta rogatória para a prática daqueles atos que o mesmo artigo 35 enumerava (citação, intimação, colheita de provas, etc…) afetaria a necessária celeridade que deve ser observada quando se utiliza do auxílio direto como meio de cooperação internacional. Sucede, entretanto, que o veto a esse artigo não produziu na prática o efeito pretendido, porque devem prevalecer as regras do CPC/2015 quanto ao auxílio direto, que, como enfatizamos, não pode ter objeto a prática de ato que diga respeito diretamente à atividade de jurisdição. Assim, pode-se concluir pelo desacerto do veto governamental, porque os atos mencionados no artigo 35 dizem respeito, todos, à atividade de jurisdição, de maneira que, segundo as regras do ordenamento jurídico em vigor, não podem ser objeto de auxílio direto, impondo a necessidade de carta rogatória submetida ao “exequatur” pelo STF.

“Art. 36. O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.
§ 1º A defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.
§ 2º Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira”.

Comentário: enfatiza o CPC/2015 que embora a decisão proferida em face de carta rogatória seja homologatória, o procedimento é de jurisdição contenciosa, o que ao legislador pareceu necessário fixar para garantir o devido processo legal “formal”, especialmente quanto ao contraditório, embora limitada a defesa a aspectos formais da carta, dado que, segundo o parágrafo 2o. da norma em questão, “é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira”.

Competência: a emenda constitucional de número 45 modificou a competência para o processamento da carta rogatória, estabelecendo que cabe ao Superior Tribuna de Justiça (e não mais ao Supremo Tribunal Federal) seu julgamento. O regimento interno desse tribunal, em seus artigos 216-O a 216-X, regula aspectos do procedimento que deve ser adotado para a obtenção do “exequatur” a carta rogatória.

SEÇÃO IV- DISPOSIÇÕES COMUNS ÀS SEÇÕES ANTERIORES

“Art. 37. O pedido de cooperação jurídica internacional oriundo de autoridade brasileira competente será encaminhado à autoridade central para posterior envio ao Estado requerido para lhe dar andamento”.

Comentário: depois de, no artigo 29, ter tratado de solicitação recebida de país estrangeiro, o artigo 37 cuida de hipótese em que o Brasil formula o requerimento de cooperação jurídica internacional a país estrangeiro. Em ambos os casos, ou seja, quando o Brasil recebe ou quando solicita a cooperação jurídica internacional, estabelece o CPC/2015 que caberá à autoridade central (ao Ministério da Justiça) a atribuição para providenciar o andamento da solicitação. Mais adequado seria que o legislador tivesse concentrado, em um só regra, a regulação dessa matéria.

“Art. 38. O pedido de cooperação oriundo de autoridade brasileira competente e os documentos anexos que o instruem serão encaminhados à autoridade central, acompanhados de tradução para a língua oficial do Estado requerido”.

Comentário: a rigor, um código de processo civil não deve regular minúcias de um procedimento, deixando a regulamentos mais específicos o cuidado desse tipo de matéria, sobretudo quando, como no caso do artigo 38, regula apenas o óbvio, demonstrando o pouco cuidado que se teve na revisão e discussão de um código tão importante quanto o de processo civil, revelando um açodamento injustificado em substituir-se um monumento legislativo como era o CPC/1973, por um texto legal que, quando se sai bem, está tão somente a repetir o que aquele código com adequada técnica legislativa fixara.

“Art. 39. O pedido passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública”.

Comentário: repete-se aqui o que a regra do artigo 26 já regula e aliás com maior amplitude. Outra norma desnecessária, pois.

“Art. 40. A cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960”.

Comentário: conforme vimos, a cooperação jurídica internacional materializa-se por meio de carta rogatória/cumprimento de sentença estrangeira, e pelo auxílio direto, este sendo circunscrito a providências que não digam respeito diretamente à atividade jurisdicional. O artigo 40 cuida da primeira modalidade de cooperação internacional (carta rogatória e cumprimento de sentença estrangeira), remetendo ao artigo 960 do mesmo CPC/2015 a regulação do procedimento no que se refere à homologação de sentença estrangeira (o procedimento da carta rogatória está regulado no regimento interno do STJ).

“Art. 41. Considera-se autêntico o documento que instruir pedido de cooperação jurídica internacional, inclusive tradução para a língua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se ajuramentação, autenticação ou qualquer procedimento de legalização.
Parágrafo único. O disposto no caput não impede, quando necessária, a aplicação pelo Estado brasileiro do princípio da reciprocidade de tratamento”.

Comentário: com o objetivo de simplificar a forma pela qual deva ocorrer a cooperação jurídica internacional, a norma em questão dispensa a ajuramentação ou autenticação formal dos documentos que instruem a solicitação, quando emana de autoridade pública ou diplomática de pais estrangeiro, salvo quando não houver reciprocidade de tratamento, caso em que o Brasil poderá impor tal exigência.

TÍTULO III – DA COMPETÊNCIA INTERNA

CAPÍTULO I – DA COMPETÊNCIA

SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS

“Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”.

Comentário: o CPC/2015, a partir do artigo 42, passa a cuidar da competência interna, a dizer, da competência dos órgãos que compõem o Poder Judiciário e que exercem a atividade jurisdicional. A competência, como enfatiza a doutrina, é o limite da jurisdição, assim distribuída entre todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro.

Com pequena modificação de estilo, o artigo 42 reproduz o artigo 86 do CPC/1973, tornando a regra mais precisa (suprimiu-se a expressão “ou simplesmente decididas”, que havia ensejado alguma dúvida na doutrina quanto a seu alcance), ao afirmar que as causas cíveis, ou seja, as causas que, por exclusão, não digam respeito à matéria penal, trabalhista ou eleitoral serão processadas e decididas segundo as regras de competência, as quais fixam esses limites, o que é sobremodo importante analisar em função do princípio do juiz natural (a competência de qualquer órgão jurisdicional deve ser prevista expressamente na lei, e a lei deve ser anterior ao objeto do processo, pois que, conforme a Constituição de 1988, é vedado o juiz de exceção).

É da tradição de nosso direito, formada quando aqui tiveram vigência as ordenações de Portugal, referir-se a lei processual civil à “causa” no sentido de demanda ou de ação.

ARBITRAGEM: a lei federal 9.307/1996 instituiu a arbitragem, e sua constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal como atividade assemelhada à da jurisdição, de modo que o CPC/2015, como sói deveria suceder, reconhece o direito subjetivo de as partes se utilizarem da arbitragem, desde que se cuidem de direitos patrimoniais disponíveis.

“Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”.

Comentário: tanto quanto sucedia no CPC/1973, adota o CPC/2015 um princípio que, como observou CHIOVENDA (“Instituições de Direito Processual Civil”, v. II, p. 332), remonta às fontes romanas. Trata-se do princípio da “perpetuatio jurisdictionis”, segundo o qual a demanda, uma vez ajuizada, determina, no tempo, a produção de importantes efeitos, relacionados sobretudo aos pressupostos processuais. Conforme esclarece CHIOVENDA na obra mencionada, o princípio da “perpetuatio jurisdictionis” atende à necessidade de se evitarem danos aos litigantes, que poderiam surgir se houvesse a modificação de aspectos essenciais da demanda ao tempo em que o processo está em trâmite, por exemplo, se há modificação da competência. Daí que é frequente que os códigos de processo estabeleçam que a competência é definida ao tempo em que a ação é ajuizada, mantendo-se essa competência ainda que se modifique o estado fático da lide, ou mesmo quando surgem alterações legislativas, como, por exemplo, a entrada em vigor de uma lei que modifique um critério da competência.

A lei processual define o momento em que se deve considerar ajuizada uma ação, podendo ser o momento em que ocorre a citação, ou antes mesmo desse ato, como ocorria no CPC/1973, que considerava proposta a ação no momento em que a petição inicial tivesse sido despachada, conforme a regra do artigo 263 daquele código. O CPC/2015 modificou esse aspecto temporal, ao determinar, em seu artigo 59, que se deve considerar proposta a ação no momento em que ocorre o registro ou a distribuição da peça inicial. Modificado o termo inicial para a produção de efeitos da propositura da demanda, alterou-se, em consequência, o momento em que se fixa a competência, que é agora aquele em que a petição inicial é levada a registro.

Quanto aos limites fixados pelo CPC/2015 quanto à “perpetuatio jurisdictionis”, prevê o artigo 43 que modificações fáticas da lide não alteram a competência, fixada no momento em que a petição inicial levada registro. O mesmo deve suceder em face de lei superveniente que tenha alterado critério de competência (modificação do valor de alçada, por exemplo). Mas há duas hipóteses nas quais a competência original será modificada: quando a lei nova suprime um determinado órgão judiciário, ou, então, quando se modifica critério de competência absoluta. Nessas duas hipóteses, que configuram exceção à “perpetuatio jurisdictionis”, a competência é modificada no curso da lide. Tem-se entendido, contudo, que, proferida a sentença de mérito, a modificação legislativa quanto a critério de competência absoluta não produz efeitos sobre o processo.

“Art. 44. Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas neste Código ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados”.

Comentário: foi o jurista alemão, ERNST ZITELMAN, quem cunhou a expressão “normas de superdireito”, para referir-se àquelas normas cujo objeto são outras normas legais. É o direito a regular, por exemplo, a forma pela qual se deva interpretar uma outra norma. É o caso do artigo 44 do CPC/2015, que regula a ordem que o intérprete deve observar quando esteja a analisar a competência em processo civil.

Segundo essa ordem (que é obrigatória), o intérprete deve partir das normas previstas na Constituição de 1988, para determinar a competência quanto a uma causa cível, apurando se há ou não competência originária ou derivada (no caso de recurso) fixada para algum tribunal superior, para então prosseguir, se o caso, na análise das normas que compõem o CPC/2015, ou de legislação especial, analisando, se o caso, as normas de organização judiciária, e, por fim, as constituições dos Estados-membros (a Constituição de São Paulo, por exemplo, regula competência originária do tribunal de justiça no caso de mandado de segurança impetrado contra ato do governador do estado).

COMPETÊNCIA FUNCIONAL: o CPC/2015 não tratou de modo particular da competência funcional, diversamente do que ocorria com o CPC/1973 (artigo 93). A competência funcional é critério de atribuição de competência conforme uma função específica que o juiz venha a realizar em um processo. A divisão de funções entre o primeiro e segundo grau de jurisdição é um exemplo de competência funcional (vertical). Quando se cuidam de juízes que estejam em um mesmo grau de jurisdição, e que venham a exercer funções diferentes segundo a Lei assim dispuser, a competência funcional é horizontal. (O “juiz de garantia”, cuja implementação anuncia-se para breve no campo do processo penal, é um exemplo de competência funcional horizontal). Como o CPC/2015 não ressalva a aplicação das normas desse código em caso da competência funcional (diversamente, pois, do que ocorria no CPC/1973), há que se entender que outras normas, que não as do CPC, possam regular a competência funcional dos juízes.

“Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, exceto as ações:

I – de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho;
II – sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho.
§ 1º Os autos não serão remetidos se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação.
§ 2º Na hipótese do § 1º, o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas.
§ 3º O juízo federal restituirá os autos ao juízo estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for excluído do processo”.

Comentário: durante a vigência do CPC/1973, a jurisprudência enfrentara, com certa frequência, uma interessante questão acerca da “perpetuatio jurisdictionis”. Com efeito, nas ações em que a União Federal interviesse, surgia a dúvida quanto à modificação ou não da competência, e o mesmo se podia questionar quando a União Federal fosse excluída da relação jurídico-processual. Daí o motivo de o CPC/2015 ter regulado de modo expresso esse tema, para fixar que, nas ações em que a União Federal intervém, a competência passa a ser da Justiça Federal, salvo naquelas ações expressamente previstas na norma em questão (recuperação judicial, falência, sujeitas à justiça eleitoral, etc…). E o mesmo se observará quando uma empresa pública sob controle da União, uma autarquia ou fundação federal, ou ainda um conselho de fiscalização de atividade profissional intervierem na ação, seja na qualidade de parte, seja na de terceiro interveniente. A “perpetuatio jurisdicticionis” não se aplica nesses casos, portanto.

Os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 45 regulam hipótese de cumulação de demandas, estabelecendo que a “perpetuatio jurisdictionis” será observada no caso em que o juiz exclua da demanda o pedido formulado contra a União Federal ou aqueles entes mencionados, de modo que, nessa hipótese, o juiz não admitirá a cumulação de pedidos, salvo se o litisconsórcio passivo for necessário, caso em que terá que aplicar o “caput” do artigo 45, com o deslocamento da competência à Justiça Federal.

Na hipótese em que a União Federal ou qualquer daqueles entes mencionados forem excluídos da relação jurídico-processual, a “perpetuatio jurisdictionis” prevalece, de modo que a competência do juízo originário será restaurada.

“Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
§ 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor.
§ 3º Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro de domicílio do autor, e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.
§ 4º Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
§ 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”.

Comentário: existindo vários órgãos jurisdicionais (juízes e tribunais), é natural que o legislador terá que repartir entre esses órgãos as diversas causas, devendo estabelecer por quais critérios essa repartição ocorrerá. É da tradição de nossa legislação processual civil adotarem-se três critérios para a definição da competência: o critério objetivo (fundado no valor da causa ou na matéria); o critério funcional (a separação, em um processo, de funções distintas atribuídas a juízes diversos); e o critério territorial. Como sintetiza magistralmente CHIOVENDA, “o critério objetivo é o critério de distribuição de causas entre tribunais de tipo diferente”; enquanto o “critério territorial é o critério de distribuição das causas entre tribunais do mesmo tipo”, e por fim, o “critério funcional é o critério de distribuição das causas tanto entre tribunais do mesmo tipo, quanto de tipo diferente”. (Instituições de Direito Processual Civil, v. II, p. 155).

A norma em questão trata da competência territorial, a qual para CARNELUTTI deve ser tratada como gênero, tanto quanto gênero também seria a competência hierárquica, compreendendo esta a competência material e a competência funcional.

Relacionada ao território está a noção de foro, que vem a ser o local onde a demanda é de ser promovida, considerados os critérios que a lei fixe, os quais, segundo CHIOVENDA (Instituições, v. II, p. 197), devem observar o princípio da igualdade (a dizer, devem esses critérios considerar, em uma mesma medida, os interesses do autor e do réu). Por essa razão é que a lei fixa que o réu deva ser demandado, em geral, no foro de seu domicílio, regra adotada em nosso CPC/2015, que ainda regulamenta os casos em que o réu tenha mais de um domicílio, ou não tenha nenhum como certo e definido, ou não for encontrado em qualquer de seus domicílios, ou ainda quando mantenha domicílio ou residência fora do Brasil. O CPC/2015, não definindo o que entende como domicílio para efeito processual, remete a matéria ao Código Civil (artigos 70-78).

O foro geral é, portanto, o foro do domicílio do réu. Havendo norma expressa prevendo outro foro, estaremos diante de uma hipótese de foro especial (por exemplo, o foro em que a coisa imóvel encontre-se, artigo 47).

EXECUÇÃO FISCAL: o CPC/2015, complementando a regra do artigo 5o. da Lei federal de número 6.830/1980 (a lei que regula a ação de execução fiscal), fixa o domicílio do executado como o foro geral para essa ação.

O CPC/2015, em seu artigo 63, estabelece a competência territorial como relativa, o que significa que ela pode ser modificada ou prorrogada.

COMPETÊNCIA DE FORO X COMPETÊNCIA DE JUÍZO: embora ambas estejam relacionadas a um determinado território e seja esse o elemento considerado pela legislação como critério de competência, há uma importante distinção entre a competência de foro e a competência de juízo. Na primeira, cuida-se de definir qual o lugar em que a demanda deva ser promovida, enquanto a competência de juízo refere-se a qual órgão judicial deva a demanda ser distribuída, quando em um determinado lugar exista mais de um juízo competente em face do critério do território. Por exemplo, se em um contrato tenha-se sido ajustado, como foro de eleição, a cidade de São Paulo, as partes desse contrato terão definido o foro competente – mas não o juízo competente. A partir daí, a dizer, depois que definido o foro, deve-se definir qual o juízo competente dentre todos aqueles juízos que tenham sede territorial na cidade de São Paulo, para o que se devem considerar os critérios que a lei tenha estabelecido para a competência de juízo (por matéria, valor, etc…). As partes podem escolher o foro, mas não podem escolher o juízo, por observância ao princípio do juiz natural, que é o juízo definido pela lei segundo os critérios que tenham sido fixados.

“Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.
§ 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.
§ 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta”.

Comentário:depois de fixar o foro comum (domicílio do réu, conforme artigo 46), o CPC/2015, a partir de seu artigo 47, estabelece os critérios que considerou para a definição de foros especiais. O primeiro desses critérios, tratado no artigo 47, refere-se tanto ao objeto da lide (se bem imóvel ou móvel), quanto ao tipo de relação jurídico-material que diz respeito a esse mesmo bem. Assim, em se tratando de bem imóvel e sendo a relação jurídico-material formulada acerca desse bem caracterizada como uma relação jurídica fundada em alegado direito real, então nessa hipótese prevalece o foro especial: o da situação do imóvel. É da tradição de nosso direito, e de códigos estrangeiros, e por motivos de conveniência prática, a fixação da competência no local em que o imóvel está localizado, quando se trata de ação que verse sobre esse mesmo imóvel e o suposto direito invocado seja de natureza real, tornando mais facilitada, por exemplo, a produção da prova pericial, que é um tipo de prova frequentemente produzida nesse tipo de demanda. Destarte, esses dois elementos devem estar presentes para que prevaleça o foro especial (da situação da coisa): o objeto da lide for um bem imóvel, e que o fundamento jurídico invocado radique em direito real. De forma que, em se cuidando de demanda acerca de bem móvel, o foro comum (do domicílio do réu) prevalece, assim como também prevalecerá quando se trata de demanda fundada em direito pessoal sobre bem imóvel (por exemplo, em uma ação fundada em contrato de comodato acerca de bem imóvel).

Ressalva o artigo 47, contudo, que, a despeito de a ação referir-se, como objeto, a um bem imóvel, e o suposto direito invocado for de natureza real, em se tratando de demanda na qual se controverta quanto a direito de propriedade, de vizinhança, de servidão, de divisão e de demarcação de terras, e ainda de nunciação de obra nova, em qualquer dessas hipóteses o autor poderá optar pelo foro comum (o do domicílio do réu), ou ainda pelo foro de eleição, se houver contrato com cláusula que o tenha fixado.

Cabe às normas de direito material (ao Código Civil e à legislação extravagante) definir a natureza do direito que tem por objeto bem imóvel, para o qualificar como um direito de natureza ou pessoal. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.225, enumera que direitos, em nosso ordenamento jurídico em vigor, são de natureza real

POSSE: aqui está a principal diferença entre a regulação do CPC/2015 e a do código de 1973, e que diz respeito às ações nas quais se controverte quanto à posse de bem imóvel. No código de 1973, com efeito, invocando o autor o direito de posse sobre bem imóvel, a competência, conforme previa o artigo 95, ficava à escolha do autor, que poderia ajuizar a ação no foro comum (do domicílio do réu), ou, em havendo cláusula de foro, no local eleito. No CPC/2015, a ação possessória sobre bem imóvel é de ser proposta no foro da situação da coisa, tal como se dá com a ação de reivindicação, fixando o artigo 47 que se trata de uma competência absoluta. Considerou o legislador que, tanto quanto é comum ocorrer na ação de reivindicação, motivos de ordem prática conduzem a que a ação seja promovida no local em que o bem imóvel encontre-se, em razão de haver ali mais facilidade para a produção de provas, como a prova pericial, prova também usual em ações possessórias.

LOCAÇÃO: quando a ação for disser respeito à locação de bem imóvel (ação de despejo, consignação em pagamento), a competência está fixada em lei especial (artigo 58, inciso II, da lei federal 8.245/1991), prevalecendo, pois, o foro da situação do imóvel, ou o foro previsto em cláusula no contrato.

“Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:
I – o foro de situação dos bens imóveis;
II – havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;
III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio”.

Comentário: em tendo previsto, no artigo 23, inciso II, do mesmo CPC/2015, a competênica da justiça brasileira para as ações de inventário e de partilha, era necessário definir, em termos de competência interna, qual o critério deveria ser adotado. Daí ter o artigo 48 fixado que será o foro do domicílio no Brasil do autor da herança o competente para a ação de inventário, de partilha, de arrecadação, e de outras ações que digam respeito à herança, omo, por exemplo, a de impugnação ou de anulação de partilha extrajudicial, hipótese agora expressamente prevista em norma legal. A regra em questão cuida do que a doutrina denomina usualmente denomina de “foro universal da herança”, no sentido de que há competência absoluta do juízo competente para conhecer de ações que digam respeito diretamente à herança, inclusive aquelas promovidas por credores do espólio, tal como estabelece o artigo 642 do CPC/2015, salvo quando se trata de ação de execução fiscal, hipótese prevista no artigo 5o. da Lei federal 6.830/1980, de modo que para esse tipo de ação a competência universal do juízo da partilha não prevalece.

Em se tratando de ação que não diga respeito diretamente à herança e à partilha, não se aplica a regra do artigo 48.

A norma ressalva a hipótese de o autor da herança não possuir domicílio certo, caso em que o foro competente será o da situação dos bens imóveis, ou da situação de qualquer deles, em havendo imóveis localizados em diversos locais. o foro do local dos bens móveis, para o caso de não possuir o autor da herança domicílio certo no Brasil, é o foro competente.

“Art. 49. A ação em que o ausente for réu será proposta no foro de seu último domicílio, também competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias”.

Comentário: declarada, por sentença, a ausência, com a nomeação do curador, nos termos do que prevê o artigo 744 do CPC/2015, passa a incidir o foro previsto na norma em questão: o foro do último domicílio daquele declarado ausente, de modo que, em sendo demandado o ausente, esse foro prevalecerá, porquanto se trata de regra de competência absoluta. De modo que apenas com a sentença declarando a ausência é que esse foro especial passa a ter aplicação, e apenas para as ações em que o ausente for réu.

Há que se considerar, contudo, a possibilidade de conflito entre esse foro especial e aquele, também especial, previsto no artigo 47, quando a ação ajuizada contra o ausente referir-se a bem imóvel e a direito real. Nesse caso, tem entendido a jurisprudência que deva prevalecer o foro da situação da coisa.

Se cotejarmos o artigo 49 com o artigo 97 do CPC/1973, verificaremos que houve um aperfeiçoamento na redação do enunciado, que em lugar de falar em “ações”, fala mais propriamente em ação, a abranger, pois, toda e qualquer ação, salvo a prevalência do foro previsto no artigo 47.

AUSENTE, AUTOR DA AÇÃO: nomeado curador, este pode promover em nome do ausente as ações em favor de seu curatelado. Nesse caso, o ausente não conta com o benefício do foro de seu último domicílio, devendo prevalecer o foro comum (do domicílio do réu), ou, se o caso, um foro especial, como, por exemplo, o foro da situação da coisa.

“Art. 50. A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente”.

Comentário: o Código Civil de 2002, em seu artigo 76 e parágrafo único, prevê que, para efeito das relações jurídicas reguladas por aquele Código, o domicílio do incapaz é o de seu representante ou assistente. E o CPC/2015 faz o mesmo para as relações jurídico-processuais, estabelecendo o foro especial em favor do incapaz, que é o foro do domicílio de seu representante ou assistente, onde o incapaz será demandado, pois. Mas esse foro especial somente tem aplicação quando o incapaz for réu, de modo que, em sendo autor, prevalecerá o foro geral (domicílio do réu), ou algum foro especial, como, por exemplo, o foro da situação do imóvel, se o caso.

Como o CPC/2015 não especifica o conceito de “incapaz”, entende a doutrina que se devam considerar abarcadas nesse conceito todas as hipóteses de incapacidade (por idade, absoluta e relativa, e também por doença mental).

“Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União.
Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal”.

Comentário: tendo a Constituição de 1988, em seu artigo 109, definido as matérias de competência da Justiça Federal (competência absoluta em razão da pessoa e da matéria), impunha-se ao Código de Processo Civil regulasse os critérios territoriais acerca dessa mesma competência. Daí ter o artigo 51 fixado que o foro competente para as causas em que a União Federal seja a autora é a do domicílio do réu. Mas se a União for a ré, surge uma concorrência de foros, podendo o autor, pois, optar por ajuizar a ação no foro de seu domicílio, ou ainda naquele em que tiver ocorrido o ato ou fato do qual a demanda (rectius: lide) tenha se originado, e também no foro em que a coisa objeto da lide esteja, ou mesmo no foro do Distrito Federal. Esses mesmos critérios de competência territorial aplicam-se quando se tratar de ação em que figure como parte (autor e réu), ou como assistente ou oponente entidade autárquica instituída pela União Federal ou empresa pública federal, dado o que prevê o artigo 109, inciso I, da CF/1988.

INTERVENÇÃO: naquela hipótese tratada pelo artigo 45 do CPC/2015, a dizer, quando a União Federal, empresa pública federal, autarquia ou fundação criada pela União Federal intervém na demanda, aplicam-se os critérios de competência territorial definidos pelo artigo 51 do CPC/2015, com o deslocamento da competência em favor da Justiça Federal. Assim, se em razão da intervenção a União Federal (ou qualquer daquelas entidades paraestatais) assume a posição de autora, o foro competente será o do domicílio do réu, adotando-se os foros concorrentes para o caso em que, em decorrência da intervenção, a União federal assuma a posição de parte passiva. No caso da assistência, o foro competente será definido conforme esteja a União a assistir o autor ou o réu. E no caso da oposição, o foro competente será o do domicílio dos réus (opostos), aplicando-se, por analogia, a regra do artigo 46, parágrafo 4o., do CPC/2015. Observe-se que o artigo 99 do CPC/1973, com uma melhor técnica, abarcava expressamente essas hipóteses de intervenção.

PREVIDÊNCIA SOCIAL: versando a lide sobre matéria de previdência social, a CF/1988, em seu artigo 109, parágrafo 3o., estabelece que, na ação ajuizada contra o INSS e que verse sobre previdência social, desde que não exista, no foro do domicílio do autor, vara da justiça federal, a ação poderá ser ajuizada no foro do domicílio do autor, com uma competência excepcional (por delegação) da justiça estadual para o julgamento da demanda em primeiro grau (o recurso, pois, será dirigido a um tribunal regional federal).

“Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado”.

Comentário: o CPC/2015 estendeu aos Estados-membros e ao Distrito Federal os critérios de competência territorial aplicados à União Federal (artigo 50), disciplinando de modo uniforme esses critérios para as pessoas jurídicas de direito público. Mas nada dispôs acerca dos municípios, de forma que, em se tratando de ação ajuizada por município, ou contra ele, prevalecem os critérios gerais de competência territorial previstos nos artigos 46-47 do CPC/2015.

INTERVENÇÃO: por analogia, quando o Estado-membro ou o Distrito Federal intervier como assistente ou opoente, deve-se aplicar o mesmo regime fixado para a União Federal e suas entidades paraestatais.

“Art. 53. É competente o foro:
I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
II – de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;
III – do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;
b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;
c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;
d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;
e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;
f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;
IV – do lugar do ato ou fato para a ação:
a) de reparação de dano;
b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;
V – de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves”.

Comentário: ao lado do foro geral (o do domicílio do réu), o CPC/2015, a exemplo do que fizera o CPC/1973 em seu artigo 100, previu, para determinadas ações um foro especial, e nalguns casos, mais de um foro especial, buscando com isso garantir proteção a determinadas situações processuais, conforme pareceu ao legislador conveniente fazer. Assim, por exemplo, para a ação de divórcio ou de anulação de casamento, o foro competente será o do domicílio do guardião do filho incapaz, ou ainda o foro do domicílio do réu, no caso da ação de alimentos, o foro do domicílio do alimentando, e quando se trata de ação ajuizada por idoso e que verse sobre direito subjetivo previsto no Estatuto do Idoso (Lei federal de número 10.741/2003), o foro competente será o da residência do autor.

Importante observar que, em se cuidando de competência relativa, os foros especiais fixados pelo legislador podem não prevalecer, se o réu, citado, não apresenta, em sua contestação, matéria preliminar arguindo a incompetência relativa, caso em que, segundo o que estatui o artigo 65 do CPC/2015, a competência prorroga-se (rectius: a competência surge, pois que a princípio o juízo não seria o competente, mas a inércia do réu faz surgir essa competência).

SEÇÃO II – DA MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA

“Art. 54. A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção”.

Comentário: este artigo deve ser interpretado em conjunto com os artigos 62 e 63 do mesmo CPC/2015, pois que o artigo 54 não explicita o que se há entender por “competência relativa” em nosso sistema processual, diversamente do que sucedia com o CPC/1973, que em seu artigo 102 fixava, expressamente, que a competência relativa é a competência que diz respeito a território e a valor, sendo absoluta a competência que tiver por critério a matéria da lide, ou a pessoa ou uma função que exerça, quando integre a relação jurídico-processual.

Destarte, sendo relativa, e não absoluta, a competência fixada com base nos critérios de território e valor, ela pode ser modificada pela conexão ou continência, o que significa dizer que, em existindo duas ou mais ações que mantenham entre si alguma vinculação que caracterize a conexão ou a continência (e os artigos 55 e 56 do CPC/2015 estabelecem os requisitos para que esse vínculo seja tal que configure a conexão ou a continência entre as demandas), a competência de um juízo abarcará também a demanda ou as demandas distribuídas a outro juízo, que também é competente, de forma que a competência de um dos juízes (do juiz prevento, conforme artigos 58 e 59 do CPC/2015) será modificada para abranger demanda distribuída a outro juiz competente. Como observou PONTES DE MIRANDA, ao comentar o artigo 102 do CPC/1973, o legislador brasileiro havia empregado corretamente o verbo “modificar” para traduzir o fenômeno ocorrido em virtude da conexão e continência de demandas distribuídas a juízes igualmente competentes, em lugar de, como ocorria no CPC/1939, referir-se à prorrogação de competência. Com efeito, em havendo competência relativa, e se configurando a conexão ou continência, a competência de um juiz modifica-se, por abranger uma demanda inicialmente distribuída a outro juiz, que perde essa competência.

Assim, em havendo possibilidade de reunirem-se as ações vinculadas por conexão ou continência (e o fato de tratar-se de competência relativa isso o permite), não havendo ainda julgamento de qualquer das demandas, a reunião dos processos deve ocorrer, de forma que um dos juízos torna-se competente para conhecer de todas as demandas conexas ou que mantenham entre si relação de continência, para as julgar a um só tempo, evitando julgamentos conflitantes.

“Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput:
I – à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;
II – às execuções fundadas no mesmo título executivo.
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.

Comentário: identificados os elementos de uma ação (partes, causa de pedir e pedido), é possível aferir se há entre duas ou mais ações algum vínculo jurídico que possa determinar a reunião delas, para que se evitem julgamentos conflitantes. A conexão surge nesse contexto, pois como define o artigo 55 do CPC/2015 (e como o fazia o artigo 103 do CPC/1973), a conexão existe quando, entre duas ou mais ações, for comum o objeto (o pedido), ou a causa de pedir. De modo que, em havendo conexão, os processos devem ser reunidos para que recebam uma decisão conjunto, salvo se um deles já houver sido sentenciado, conforme estatui expressamente o parágrafo 1o. do artigo 55, eliminando, assim, certa dúvida que havia na jurisprudência construída quando em vigor o CPC/1973.

O CPC/2015 abarcou em disposições relativas à conexão algumas matérias que a jurisprudência enfrentara com certa frequência, como a que diz respeito a existir ou não conexão entre a ação de execução fundada em título extrajudicial e a ação de conhecimento que discuta acerca o mesmo título, e também quanto a execuções fundadas no mesmo título executivo. Situações que agora estão expressamente previstas no CPC/2015, e para as quais se configura a conexão.

Interessante novidade apresenta o parágrafo 3o. do artigo 55. Com efeito, segundo esse dispositivo, “Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”. Assim, pode-se afirmar que, mesmo quando não for comum o pedido ou a causa de pedir (ou seja, ainda que não se configure a conexão segundo o “caput” do artigo 55), havendo risco de que surjam decisões conflitantes, então nessa hipótese o CPC/2015 obriga a que as ações sejam reunidas e recebam um só julgamento. Destarte, em face do parágrafo 3o. do artigo 55, pode-se dizer que ou o instituto da conexão foi ampliado, ou então que o legislador, a par da conexão, criou uma outra hipótese em que a reunião de processos impõe-se. De qualquer modo, independentemente desse aspecto de importância teórica, o mais relevante é que o CPC/2015 buscou prestigiar, tanto quanto possível, o princípio da segurança jurídica, o que justifica tenha previsto a obrigatoriedade de que as ações sejam reunidas e recebam um só julgamento, quando houver risco de julgamentos conflitantes. O parágrafo 3o. do artigo 55 deve ser aplicado, por exemplo, na hipótese em que exista uma ação de processo de conhecimento na qual se discuta matéria relativa a uma ação de execução, porque há o evidente risco de que o julgamento dessa ação possa conflitar com o vier a se decidir na ação de execução, ou mesmo nos embargos à execução. Isso deve ser observado inclusive quanto à ação de execução fiscal.

Normas de organização judiciária, caso do Estado de São Paulo, que instituíam hipótese de competência de juízo, prevendo que a ação de processo de conhecimento não poderia ser conhecida pelo juízo da ação de execução fiscal, não mais podem prevalecer, já que colidem com a norma do CPC/2015, que é uma norma de hierarquia superior.

“Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais”.

Comentário: tal como ocorre com a conexão, em se configurando a continência as ações devem ser reunidas para que recebam um só julgamento, o que significa dizer que o juiz competente (o juízo prevento) terá a sua competência ampliada para abarcar a demanda distribuída a outro juiz. Conforme foi observado quando tratamos do artigo 54, essa modificação de competência pela conexão ou continência somente ocorre quando o critério de competência foi o do valor da causa ou do território, o que significa dizer que a conexão e a continência não geram a reunião das causas quando a competência for absoluta (matéria, pessoa e função). Assim, embora possa existir conexão ou continência mesmo quando as ações tiverem sido distribuídas com base em critério de competência absoluta, o efeito determinado nos artigos 55 e 55, a dizer, a reunião de processos não ocorrerá em face da competência absoluta.

A continência caracteriza-se quando, entre duas ou mais ações, houver rigorosa identidade quanto às partes, e também quanto à causa de pedir. Enquanto na conexão não se exige a identidade de partes e de causa de pedir, isso deve obrigatoriamente ocorrer na continência.

OBJETO/PEDIDO: o artigo 104 do CPC/1973 referia-se ao objeto da ação, enquanto o artigo 56 fala em pedido, sem daí decorrer, contudo, qualquer modificação na regulação do instituto da continência. O objeto da ação é o pedido, e este pode ser mediato (o bem da vida que se quer obter), e imediato (o tipo de provimento jurisdicional que se quer obter).

LITISPENDÊNCIA: há que se atentar para a distinção de regime jurídico. Na continência, o pedido de uma ação é mais abrangente que o formulado noutra ação, existindo entre as ações identidade de partes e de causa de pedir. Na continência, o pedido (mediato ou imediato) é algo diverso, dado que em uma das ações o pedido é mais abrangente que o da outra. Já na litispendência, o pedido é idêntico.

“Art. 57. Quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução de mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas”.

Comentário: enquanto no CPC/1973 (artigo 105) a reunião das ações conexas e com relação de continência constitua regra sem qualquer exceção, no CPC/2015 surge uma exceção justificada por uma razão lógica e que atende à economia processual. Pois que, em havendo continência e a ação continente (a ação cujo pedido é mais abrangente do que o pedido formulado na ação contida) tiver sido ajuizada anteriormente, estatui o artigo 57 do CPC/2015 que a ação contida será extinta sem resolução do mérito (por ausência do interesse de agir), dado que o pedido nela formulado será apreciado no julgamento da ação continente. Note-se que o artigo 59 do CPC/2015 determina o momento do registro ou da distribuição como aquele em que se fixa a prevenção, o que é de ser considerado para efeito da regra aqui sob comentário.

“Art. 58. A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente”.

Comentário: em se caracterizando a conexão ou a continência, o juízo cuja competência será ampliada (para alcançar, pois, a ação distribuída a outro juiz) será o juiz “prevento”, que, nos termos do artigo 59 do CPC/2015, é aquele perante o qual a ação foi registrada ou distribuída com antecedência. Se no CPC/1973 o juízo prevento era o que havia despachado em primeiro lugar, conforme o artigo 106 daquele código, no código de 2015 a prevenção do juízo configura-se em momento anterior, que é o momento do registro ou da distribuição do processo.

Registre-se que havia colisão entre os artigos 106 e 215 do CPC/1973, o que criava certa divergência no entendimento jurisprudencial quanto ao momento em que a prevenção caracterizava-se. Daí o acerto do CPC/2015 em tornar expressa a regra pela qual se define a prevenção para todos os casos em que deva haver reunião de processos, inclusive quando se caracterizam a conexão e a continência.

“Art. 59. O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo”.

Comentário: dada a possibilidade de existir mais de uma ação com as mesmas partes e com a mesma causa de pedir, ou quando o pedido formulado em uma das ações é mais amplo do que o objeto de outra, ou ainda quando exista o risco de que surjam decisões conflitantes ou contraditórias, para essas hipóteses, nas quais a reunião do processos é medida que busca atender ao princípio da segurança jurídica, previu o legislador a figura do “juízo prevento”, que é aquele juízo cuja competência será modificada (ampliada) para abarcar todas as demandas vinculadas.

O que configura a prevenção do juízo é, no sistema do CPC/2015, o ato de registro do processo (quando na comarca houver apenas uma vara com competência, como ocorre com frequência em comarcas de cidades pequenas, em que há apenas uma vara), ou o ato de distribuição do processo (quando houver na comarca mais de uma vara com igual competência, de modo que o processo nesse caso deverá ser distribuído entre as varas).

No CPC/1973 havia certa dúvida quanto ao momento em que ocorria a prevenção, dado que o artigo 106 fixava a prevenção do juízo que havia despacho a demanda em primeiro lugar, enquanto o artigo 219 daquele mesmo código fixava outro momento: o da citação. Essa controvérsia foi eliminada no CPC/2015, que fixou apenas um ato como o que define a prevenção do juízo: o ato do registro ou da distribuição da demanda.

“Art. 60. Se o imóvel se achar situado em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, a competência territorial do juízo prevento estender-se-á sobre a totalidade do imóvel”.

Comentário: corrigindo um equívoco em que havia incidido o artigo 107 do CPC/1973, que afirmava ser a prevenção um critério de competência no caso de imóvel situado em mais de um Estado ou comarca, o artigo 60 do CPC/2015 trata corretamente a prevenção como sendo um critério de modificação da competência, e não um critério para a sua fixação. Com efeito, em havendo duas ou mais ações distribuída a juízes diferentes, é necessário que a legislação erija um critério pelo qual seja possível reunir as ações sob a presidência de um dos juízes competentes, para que sobrevenha um só julgamento das demandas. A prevenção não constitui, pois, critério de fixação da competência, porque por meio da prevenção não passa a ser competente um juiz, senão que a sua competência amplia-se para abarcar uma demanda distribuída a outro juiz, igualmente competente.

Esse critério de modificação da competência, a prevenção, é assim utilizado no caso em que um imóvel, por sua posição geográfica, estiver sob a competência territorial de mais de um juiz (de um outro estado-membro, ou de comarca, seção ou subseção judiciária), de forma que, existindo mais de uma ação proposta sobre o mesmo imóvel, e distribuída a demanda a juízes diferentes, será prevento aquele perante o qual terá ocorrido, com antecedência, o ato de registro ou de distribuição do processo.

“Art. 61. A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal”.

Comentário: os romanos fixaram um série de provérbios jurídicos cujo sentido é o de que o acessório deve seguir o principal, seja em sua natureza, seja em seu destino (“Acessorium sui principais naturam sequitur”, por exemplo). Assim também deve suceder no processo civil, por isso que uma ação acessória, a dizer, uma ação que mantém vínculo lógico-jurídico com outra, em uma relação que se estabelece entre acessório e principal, deve ser proposta no juízo competente para a ação principal, reunidas as ações em razão desse vínculo, prevento o juízo para o qual a ação acessória foi inicialmente distribuída, ou o juízo da ação principal, se esta antecedeu a acessória. De todo o modo, o critério de competência que se deve observar é quanto ao que forma ou formará a ação principal, sendo esta, pois, a ação em função do qual se fixará a competência, tanto para a própria principal, quanto para a ação acessória. Pode-se dizer, pois, que, ajuizada a ação acessória, está tornará prevento o juízo para a ação principal, salvo no caso de incompetência absoluta.

Embora o nosso CPC/2015 tenha extinto o processo cautelar como um processo autônomo (deslocando para o processo de conhecimento as tutelas de natureza cautelar), há ainda ações de natureza cautelar (ou seja, ações acessórias), como, por exemplo, a ação de produção antecipada de provas, regulada pelos artigos 381-383. Trata-se aí de uma ação tipicamente acessória, que, segundo a regra do artigo 61, deve ser proposta no juízo competente para a ação principal.

“Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes”.

Comentário: ao tratar das hipóteses em que pode ocorrer a modificação da competência, o legislador ressalva que, em tendo a competência sido fixada em razão da matéria, da pessoa e do cargo ou função pública que exerça, nesses casos a competência não se pode modificar, porque a competência é absoluta. E, em sendo absoluta, afirma-se no artigo 62 que ela é inderrogável por convenção das partes. Mas ela é inderrogável não apenas por convenção das partes, mas sobretudo por imposição da lei. De forma que ainda que as partes nada aleguem a respeito, o juiz terá que a declarar, conforme determina o artigo 64, parágrafo 1o., do CPC/2015.

O artigo 62 não se refere à competência hierárquica, diversamente do que fazia o artigo 111 do CPC/1973, tendo preferido utilizar a denominação hoje mais usual, que é a da competência em razão da pessoa, que diz respeito ao cargo ou a uma função pública que ela exerça, como, por exemplo, a de prefeito de São Paulo, situação que, segundo a Constituição de São Paulo, constitui hipótese de competência absoluta em razão da pessoa (a dizer, do cargo que ocupa), de modo que, em se impetrando mandado de segurança contra o prefeito de São Paulo, a competência originária é do Tribunal de Justiça, tendo-se aí, pois, um exemplo de competência absoluta em razão do cargo – e em sendo absoluta, uma competência que não pode ser modificada.

“Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
§ 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.
§ 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.
§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
§ 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão”.

Comentário: no sistema do nosso Código de Processo Civil de 2015, tal como sucedia no código anterior, é relativa a competência quando fixada com base nos critérios do território e do valor da causa, o que significa dizer que nessas hipóteses a competência pode ser modificada ou ampliada. Modificada quando o juiz, segundo os critérios legais, não teria competência para a ação, mas passa a ser competente porque as partes terão optado por não seguirem esses critérios, para escolherem um outro foro, definindo-o como competente. Ou quando o réu, citado, não arguiu a incompetência, caso em que o juiz passa a ser o competente para a ação.

A ampliação da competência dá-se quando um juiz é competente apenas para uma das ações, e passa a abarcar em sua competência uma ação distribuída a outro juízo, como ocorre nos casos de conexão ou continência, segundo vimos ao tratar desses institutos (artigos 55-56 do CPC-2015).

ELEIÇÃO DE FORO: o CPC/2015 contempla uma norma dispositiva, ao conceder às partes o direito de escolherem o foro competente, desde que essa escolha tenha sido materializada em um instrumento escrito (não necessariamente um contrato), e que a escolha do foro aluda expressamente a determinado negócio jurídico. Se a escolha do foro caracterizar-se-á como abusiva, conforme constate o juiz de ofício ou quando provocado pelo réu, a cláusula será invalidada, tornando-se assim ineficaz, o que conduz a que devam prevalecer as regras de competência do CPC/2015. Importante observar que como o CPC/2015 não fala em “contrato de adesão”, como ocorria no CPC/1973 (artigo 112, parágrafo único), a abusividade da cláusula de foro de eleição pode caracterizar-se não apenas nesse tipo de contrato, mas em qualquer contrato. O juiz, contudo, deve agir com prudência ao analisar a matéria, sobretudo quando não tenha havido ainda a citação, porque se há presumir que a cláusula terá sido firmada com a anuência das partes contratantes, e em havendo dúvida (ou seja, quando a abusividade não for patente), o juiz deverá deslocar o exame da matéria para que tenha lugar após a contestação, seja em obediência ao contraditório, seja pela presunção de legalidade da cláusula. A propósito, diante do que prevê o artigo 9o. do CPC/2015 (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), identifica-se um evidente conflito entre essa norma geral e a do artigo 63, parágrafo 3o., a tornar necessária a ponderação entre os interesses em conflito (aplicação do princípio da proporcionalidade), com a análise das circunstâncias do caso em concreto, devendo o juiz ponderar que, a rigor, é mais gravoso desconsiderar a cláusula de eleição de foro do que a observar. O autor não pode alegar a abusividade da cláusula, na medida em que dela se utiliza quando promove a ação perante o foro escolhido no contrato.

FORO X JUÍZO: as partes podem modificar a competência de foro, mas não a de juízo. De modo que podem, em um contrato, fixar como foro competente determinada comarca ou seção judiciária, mas não podem interferir na competência de juízo, que é uma competência absoluta, dado que fixada por lei. Assim, por exemplo, as partes podem, em um contrato, ajustar que eventual demanda que verse sobre o objeto contratado deva ser ajuizada no foro da cidade de São Paulo, mas não podem ajustar quanto ao juízo competente, não podendo fixar que uma determinada vara seja a competente para conhecer da ação.

HERDEIROS E SUCESSORES: o parágrafo 2o. do artigo 63 estatui que a cláusula de eleição de foro vincula os herdeiros e sucessores, e isso se aplica também no caso de sucessão da parte no processo (CPC/2015, artigo 110). Assim, em ocorrendo a morte do contratante, seus herdeiros e sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro ao ajuizarem a ação, e se o autor ou réu falece no curso da ação e são sucedidos no processo, seus sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro.

INCOMPETÊNCIA RELATIVA: a incompetência relativa não é mais objeto de exceção conforme ocorria no sistema do CPC/1973, porque o artigo 64 do CPC/2015 determina que o réu alegue a incompetência relativa (e também a absoluta) como questão preliminar em contestação.

SEÇÃO III – DA INCOMPETÊNCIA

“Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.
§ 1º A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício.
§ 2º Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência.
§ 3º Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente.
§ 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.

Comentário: com o objetivo de simplificar, tanto quanto possível, o nosso sistema processual geral, o CPC/2015 aboliu a figura da “exceção”, forma de resposta pela qual o réu, no sistema do CPC/1973, arguia a incompetência relativa (e também a suspeição e o impedimento do juiz). No atual sistema processual, tanto a incompetência relativa quanto a absoluta devem ser alegadas como “questão preliminar de contestação”, o que a doutrina tradicional denomina de “objeção”. O artigo 337 trata dos temas que devem ser alegados pelo réu em contestação, alguns sob o risco de preclusão (caso, pois, da incompetência relativa), outros sem esse risco (caso da incompetência absoluta, pois que esta pode ser conhecida de ofício pelo juiz).

Em se tratando de incompetência relativa, ou seja, a que diz respeito ao território e ao valor, deixando o réu de argui-la na contestação, caracteriza-se a preclusão do respectivo direito processual, de forma que o juiz, que não era competente para a ação, torna-se competente. Equivocado dizer-se que, nesse caso, ocorre a “prorrogação da competente”, porque não se pode prorrogar o que antes não se tinha.

No caso de incompetência absoluta (a que diz respeito à matéria, à pessoa e a um cargo, função ou atividade pública que a parte ocupe ou exerça), o juiz, segundo o princípio que vem do direito alemão (“kompetenz-kompetenz”), pode decidir acerca de sua própria competência, e assim, no caso da incompetência absoluta (e não da incompetência relativa), pode, de ofício, ou seja, sem provocação das partes, declarar a sua incompetência, remetendo o processo ao juiz que entenda competente, o qual, contudo, pode não reconhecer a competência, suscitando conflito negativo de competência, formando um incidente que será resolvido pelo respectivo tribunal.

CONTRADITÓRIO: seja em função dos artigos 9o. e 10 do CPC/2015, seja porque o parágrafo 2o. do artigo 64 isso obriga, o juiz terá que observar o contraditório, de modo que, arguida como matéria preliminar em contestação a incompetência (relativa ou absoluta), concederá prazo para que a parte contrária posicione-se a respeito do tema. O artigo 351 fixa um prazo de quinze dias para que o autor se manifeste sobre a alegada incompetência absoluta ou relativa.

PROTOCOLO DA CONTESTAÇÃO: o artigo 340 do CPC/2015 permite que o réu, quando for alegar incompetência relativa ou absoluta, protocole no foro de seu domicílio a contestação, peça que será submetida ao registro ou distribuição no do foro do domicílio do réu, caracterizando-se a prevenção do juízo na hipótese de se declarar a incompetência.

ATOS DECISÓRIOS: o parágrafo 4o. do artigo 64 estabelece que, “Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”. Adotou o CPC/2015 um princípio oposto ao que adotara o CPC/1973, que, em seu artigo 113, parágrafo 2o., fixava que, declarada a incompetência absoluta (e apenas no caso da incompetência absoluta), os atos decisórios reputam-se nulos. No CPC/2015, os atos decisórios proferidos por juiz incompetente presumem-se válidos e eficazes, até que uma decisão do juiz competente determine o contrário. Importante observar que o juiz que tenha se declarado incompetente não pode mais modificar a decisão que tenha proferido, dado que, em se tendo declarado incompetente, não mais pode exercer atividade jurisdicional naquele processo. Também é de relevo atentar para a modificação de regime no caso dos atos decisórios, porque no CPC/2015 não há mais distinção entre os efeitos dos atos decisórios em face da incompetência absoluta ou relativa, porque no sistema atual, tanto na incompetência absoluta quanto na relativa os atos decisórios proferidos por juiz que se declara incompetente presumem-se válidos e eficazes, salvo se sobrevier decisão do juiz competente declarando esses atos como inválidos e ineficazes.

“Art. 65. Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação.

Parágrafo único. A incompetência relativa pode ser alegada pelo Ministério Público nas causas em que atuar”

Comentário: somente se pode prorrogar algo que já exista. Assim, o artigo 65 incide no mesmo equívoco (lógico) do artigo 116 do CPC/1973, ao fixar que a competência relativa prorroga-se, quando o réu não a alega como matéria preliminar em contestação. O juiz, ou era competente e se mantém como tal, ou era incompetente e se torna competente en consequência de o réu não ter alegado a incompetência relativa (a competência que é fixada segundo os critérios de território ou de valor).

PRECLUSÃO: caracteriza-se a preclusão (perda de uma faculdade ou de um direito de natureza processual), quando o réu opta por não arguir a incompetência, ou deixa de a arguir no prazo fixado pelo CPC/2015 (em contestação, como matéria preliminar).

MINISTÉRIO PÚBLICO: o parágrafo único estabelece que o MINISTÉRIO PÚBLICO, nas causas em que atuar, pode arguir a incompetência relativa. Mas isso somente nos casos em que a sua atuação é como parte, e não como fiscal da lei.

“Art. 66. Há conflito de competência quando:
I – 2 (dois) ou mais juízes se declaram competentes;
II – 2 (dois) ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a competência;
III – entre 2 (dois) ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.
Parágrafo único. O juiz que não acolher a competência declinada deverá suscitar o conflito, salvo se a atribuir a outro juízo”.

Comentário: poderá ocorrer que, em face de um processo ou de mais de um processo, dois ou mais juízes declarem-se igualmente competentes, ou incompetentes, o que dá lugar a um incidente que será resolvido pelo tribunal a que pertençam esses mesmos juízes. O artigo 66 reproduz, em sua essência, o que artigo 115 do CPC/1973 fixava, apenas com a explicitação de duas hipóteses que, não expressas na norma do código de 1973, ensejavam alguma dúvida e controvérsia. É que pode suceder que um juiz se declare incompetente, mas atribua competência não em relação ao juiz que, em tendo se declarado incompetente, remeteu-lhe o processo, mas sim a um outro juiz. Nesse caso, segundo a regra do artigo 66, o juiz deverá encaminhar o processo àquele juiz que entende competente, e não suscitar conflito. Caberá ao juiz que receber o processo decidir sobre a sua competência, para a reconhecer, ou então para suscitar conflito entre todos os juízes envolvidos na questão. A outra hipótese, agora expressamente abarcada na norma, diz respeito a qual dos juízes deve suscitar o conflito, fixando o parágrafo único do artigo 66 que essa iniciativa caberá àquele que não acolhe a competência (salvo no caso acima mencionado, em que ele, em vez de suscitar conflito, remeterá o processo a um outro juiz).

JUÍZES DE TRIBUNAIS DIVERSOS: no caso em que a definição de competência diz respeito a juízes de tribunais diversos, a competência para a decisão é do Superior Tribunal de Justiça. Com certa frequência, tribunais locais, examinando recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que declina da competência para outra justiça (por exemplo, no caso em que um juiz estadual entende que a competência em razão da matéria é da Justiça do Trabalho), conhece do recurso, olvidando de que a matéria discutida refere-se a um conflito de competência entre juízes de tribunais diversos (no caso, entre um juiz da Justiça Comum Estadual e de um juiz da Justiça do Trabalho), e que essa matéria é da competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça, conforme determina o artigo 105, I, “d”, da Constituição da República de 1988.

SISTEMA PROCESSUAL X COMPETÊNCIA: há que se estabelecer uma importante distinção entre sistema processual e competência. Com efeito, antes de se definir acerca da competência, é necessário perscrutar se um determinado sistema processual está sendo adequadamente utilizado. Consideremos, a título de exemplo (exemplo que ora está a ocorrer com acentuada frequência em nossa jurisprudência), que um juiz de uma vara de fazenda pública, atento apenas ao valor da causa, decline da competência, entendendo como competente o juizado especial de fazenda pública, o qual, contudo, analisando, não a competência, mas o sistema processual, entenda que o sistema processual instituído pela lei federal de número 12.153/2009 não possa ser utilizado naquele caso (por haver a necessidade de uma perícia complexa, por exemplo); nesse caso o conflito não versa sobre competência, mas sobre sistemas processuais, de modo que o incidente não deve ser conhecido, devendo a matéria ser discutida em recurso de agravo por instrumento, ou por outro azado recurso. Há, pois, que se interpretar o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o conflito de competência não pode ser utilizado como sucedâneo processual, observando, pois, a necessária distinção entre sistema processual e competência, quando se está em face de um incidente de conflito de competência. (Conflito que, como o próprio nome indica, é de competência, e não de sistema processual.)

SEPARAÇÃO OU REUNIÃO DE PROCESSOS: de acordo com o inciso III do artigo 66, a definição quanto a se dever separar ou reunir processos é de competência, e por isso deve ser analisada em conflito de competência. Há que se ressalvar, contudo, o que ficou dito quanto à distinção entre sistema processual e competência, e que tem aplicação também nessa hipótese.

MEDIDAS URGENTES: havendo medida urgente por analisar, o tribunal designará um dos juízes envolvidos no conflito de competência para a análise da medida.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA: a matéria está regulada pelos artigos 951-959 do CPC/2015.

CAPÍTULO II – DA COOPERAÇÃO NACIONAL

“Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores”.

Comentário: em tendo o artigo 92 da Constituição da República de 1988 enumerado os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro, seria natural que o legislador, ao cuidar do processo civil como um sistema geral, e atento à regra constitucional que a todos os litigantes assegura uma duração razoável do processo (o que também é previsto no artigo 6o. do CPC/2015), estabelecesse um dever de cooperação entre esses órgãos, seja no exercício da atividade jurisdicional, seja também quando esses órgãos estejam a executar uma atividade administrativa. Daí prever o artigo 67 esse dever de cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário brasileiro. Destarte, se as partes devem colaborar, tanto quanto possível, para que se obtenha, em tempo razoável, a entrega da tutela jurisdicional, os órgãos do Poder Judiciário também devem colaborar entre si para esse mesmo objetivo, tal como determina o artigo 6o. do CPC/2015.

Quando a cooperação entre os órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro dá-se no campo da atividade jurisdicional, há um veículo próprio à materialização dos atos processuais, que é a carta: precatória, ou de ordem (esta utilizada quando expedida por um tribunal em relação a um juiz a esse mesmo tribunal vinculado, ou no caso de um tribunal superior em relação a um tribunal inferior, conforme prevê o artigo 236 do CPC/2015). O artigo 265 do CPC/2015 regula a forma pela qual a carta de ordem ou precatória deva ser expedida.

“Art. 68. Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual”.

Comentário: norma redundante, pois que seu conteúdo e alcance estão contemplados no artigo 67, e a rigor o conteúdo e alcance deste também estão contemplados pelo artigo 6o. do CPC/2015, que evidentemente se aplica ao juiz como sujeito do processo. Bastaria, pois, que o legislador enumerasse, de modo exemplificado como faz o artigo 69, a forma pela qual a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário pode se dar no campo da atividade jurisdicional, e a que atos no processo civil a cooperação será utilizada. Disso trataremos a seguir, ao comentarmos o artigo 69.

“Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:
I – auxílio direto;
II – reunião ou apensamento de processos;
III – prestação de informações;
IV – atos concertados entre os juízes cooperantes.
§ 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código.
§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:
I – a prática de citação, intimação ou notificação de ato;
II – a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos;
III – a efetivação de tutela provisória;
IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;
V – a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;
VI – a centralização de processos repetitivos;
VII – a execução de decisão jurisdicional.
§ 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário”.

Comentário: compondo-se o processo civil de uma série de atos, pode suceder, e frequentemente sucede que alguns atos devam ser praticados no território de outro juízo ou tribunal, ou, no caso em que o processo esteja a ser julgado em um tribunal superior, que algum ato tenha que ser executado em alguma parte do território nacional. Daí ter previsto o Código de Processo Civil de 2015, dentro do que denominou de “cooperação nacional”, que os tribunais e juízos devam colaborar entre si para que o processo possa receber decisão em tempo razoável, o que passa evidentemente pela execução dos atos processuais no menor tempo possível, pois como determina o “caput” do artigo 69 o pedido de cooperação jurisdicional deve ser “prontamente atendido”, sob qualquer dos atos enumerados de modo exemplificativo nos incisos desse artigo e de seus parágrafos, caso, por exemplo, dos atos de citação, de efetivação da tutela provisória de urgência, de colheitas de testemunhos, e de execução de qualquer ordem jurisdicional.

CARTAS: o CPC/2015 determina que, em geral, a cooperação entre tribunais e juízos deva ser solicitada por meio de carta precatória ou de ordem, conquanto se possa em determinados casos prescindir de uma forma específica, como autoriza o “caput” do artigo 69. No sistema da arbitragem, o CPC/2015 autoriza que seja utilizada a “carta arbitral”, quando a execução de um ato deva ocorrer em território diverso daquele em que o juízo ou tribunal arbitral atua.

Para a prática dos atos processuais realizados sob a forma de cooperação entre juízes e tribunais, deve-se observar o que estatui o artigo 189 do CPC/2015 quanto à forma e demais requisitos específicos à natureza e finalidade de cada ato.

LIVRO III – DOS SUJEITOS DO PROCESSO

TÍTULO I – DAS PARTES E DOS PROCURADORES

CAPÍTULO I – DA CAPACIDADE PROCESSUAL

“Art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.

Comentário: assim como o Código Civil de 2002 cuida, em seu artigo 1o., da capacidade de direito para a prática de atos na ordem civil, no campo do processo civil essa mesma capacidade é exigida para a prática de atos no processo. Trata-se da capacidade jurídica de ser parte, o que constitui um requisito processual para validez da relação jurídico-processual. Antigamente, era usual referir-se a essa capacidade como “legitimatio ad processum”, para a diferenciar da “legitimatio ad causam”, que constitui uma condição da ação. Assim, não se pode confundir a capacidade jurídica para ser parte no processo civil (que é um requisito para a validez do processo, logo um pressuposto processual), da legitimidade para ser parte (que é uma condição da parte), como ensina LIEBMAN:

“A capacidade processual é uma qualidade intrínseca, natural, da pessoa; dela deriva, no plano jurídico, a possibilidade de exercer validamente os direitos processuais que a pessoa tem. Essa possibilidae se chama, segundo uma antiga terminologia, legitimação formal (legitimatio ad processum), não devendo ser confundida com a legitimatio ad causam, que é a legitimação para agir. A distinção entre capacidade processual e legitimação formal torna-se relevante nos casos em que a parte carece de capacidade processual: o exercício dos seus direitos processuais é então confiado pela lei a terceiros, os quais, justamente em virtude de tal investidura, adquirem a legitimação formal e estão no processo, realizando todos os atos processuais em nome e por conta da parte que representam”. (“Manual de Direito Processual Civil”, v. I, trad. por Cândido Rangel Dinamarco, 2a. edição, p. 92, Forense).

PERSONALIDADE JURÍDICA E PERSONALIDADE JUDICIÁRIA (PERSONALIDADE PROCESSUAL): há determinados entes e órgãos que, conquanto não possuam personalidade jurídica (a capacidade de direito), possuem a personalidade judiciária (a capacidade de figurarem na relação jurídico-processual). A Lei é que determinará os casos excepcionais em que essa personalidade judiciária existe, situação, por exemplo, da câmara legislativa ou do tribunal de contas, os quais possuem a personalidade judiciária quando a ação versar sobre ato de prerrogativa ou do interesse direto desses entes públicos, os quais, contudo, não possuem a personalidade jurídica (a capacidade jurídica de ser parte), e por isso devem ser representados em Juízo conforme estabelecer a lei (confira-se o artigo 75 do CPC/2015). São denominados “partes formais” os entes e órgãos que possuem apenas a personalidade judiciária ou processual, como se dá com o espólio e a herança jacente.

EXTINÇÃO ANORMAL DO PROCESSO: constatando o juiz a ausência da capacidade jurídica da parte, e não sendo possível a sua regularização (confira-se o artigo 76 do CPC/2015), ocorrerá a extinção anormal do processo, sem resolução do mérito, tal como estabelece o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015.

“Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei”.

Comentário: na hipótese de a parte (autor, réu, interveniente) não poder exercer pessoalmente os atos no processo, por lhe faltar a capacidade jurídica para agir, ou seja, quando se caracteriza a incapacidade civil (absoluta e relativa), segundo o que preveem os artigos 3o. e 4o. do Código Civil de 2002 (com a redação que lhes foi dada pela Lei federal 13.146/2015), exige a lei processual civil que a parte seja representada (no caso da incapacidade absoluta), ou assistida (no caso da incapacidade relativa), o que ocorre, por exemplo, no caso dos menores de dezesseis anos, ou de alguém que esteja sob tutela ou curatela, sendo de se observar a forma de representação ou de assistência regulada pela lei civil, a qual pode exigir, a critério do legislador, além da representação no processo, a autorização judicial para a propositura da ação.

Importante observar que não se pode confundir a incapacidade para exercer pessoalmente atos no processo, de que trata o artigo 71, com a legitimidade para agir. Assim, o incapaz (e não seu representante) é parte no processo e como tal deve ser citado. Sua atuação no processo, a saber, a prática dos atos no processo é que deve se dar por representante ou assistente, tutor ou curador, na forma como a lei civil dispuser.

“Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
I – incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;
II – réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.
Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.

Comentário: com a finalidade de reforçar a proteção aos interesses do incapaz, ou do réu cuja especial situação especial isso também possa justificar (caso do réu preso, ou daquele citado por edital ou hora certa), a norma em questão determina que o juiz nomeie um “curador especial”, que obrigatoriamente (ou seja, sob pena de nulidade) atuará na defesa do incapaz, seja quando este estiver na posição jurídico-processual de autor, de réu ou de interveniente, na hipótese de o incapaz não contar com representante legal, ou quando os interesses desse representante puderem colidir com os do incapaz, curatela que perdurará enquanto durar a incapacidade. A norma não qualifica a natureza jurídica desse interesse, de modo que caberá ao juiz analisar, caso a caso, se existe interesse, e qual a sua natureza, para decidir se nomeará ou não o curador especial.

RÉU PRESO, RÉU CITADO POR EDITAL OU COM HORA CERTA: para essas hipóteses, a norma em questão também impõe a nomeação de curador, cuja atuação no processo perdurará enquanto o réu não constituir advogado.

DEFENSORIA PÚBLICA: com a implantação em todos os Estados-membros e no Distrito Federal da Defensoria Pública, o mesmo tendo sucedido no âmbito da Justiça Federal com a Defensoria Pública da União, prevê o artigo 72 que caberá a essa instituição exercer a curadoria especial, não impedindo, contudo, que a Defensoria Pública possa, mediante convênio administrativo, delegar a órgãos como a OAB a indicação de profissionais para que atuem como curador especial em processos judiciais.

CURADOR X CURADOR ESPECIAL: não se há confundir a figura do “curador”, que, nos termos do Código Civil, é aquele que, nos atos da vida civil e também no processo, representa ou assista o incapaz, da figura do “curador especial”, que é aquele que, no processo civil e apenas nele, representa a parte nas hipóteses previstas no artigo 72 do CPC/2015.

“Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III – fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos”.

Comentário: como desenvolvimento do princípio que deu origem ao instituto do litisconsórcio, segundo o qual devem integrar o processo civil todas as pessoas que podem ter a sua esfera jurídica atingida por efeitos do provimento jurisdicional, obriga o artigo 73 (em uma redação muito próxima a do artigo 10 do CPC/1973) que, na ação que verse sobre direito real imobiliário, os cônjuges, ou integrem como parte o processo, ou, então, que o cônjuge que propuser a ação terá que comprovar o consentimento de seu cônjuge. Todas as hipóteses tratadas pelos parágrafos 1o e 2o. referem-se a ações nas quais essa mesma situação está presente, ou seja, quando há o risco de que efeitos decorrentes do provimento jurisdicional possam atingir a esfera jurídica do cônjuge que não integra como parte o processo, caso, por exemplo, da ação que diga respeito a ônus sobre bem imóvel, ou da ação possessória. Essas hipóteses não são taxativas, podendo o juiz determinar que a citação do cônjuge ocorra em ação que, embora não esteja no rol legal, poderá acarretar o mesmo risco a que se referiu. De resto, as regras gerais do litisconsórcio podem ser aplicadas quando a hipótese não estiver expressa no rol do artigo 73.

SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS: ressalva o legislador que, adotado o regime jurídico de separação absoluta dos bens, em conformidade com o qual individualiza-se o patrimônio de cada cônjuge, como não há, em tese, o risco de que a esfera jurídica do terceiro (no caso, do cônjuge que não é parte no processo) seja atingida, é desnecessário o consentimento ou a citação do terceiro. Mas caberá ao juiz analisar se, a despeito de ter sido adotado o regime da separação absoluta de bens, poderá ou não surgir o risco de projeção de efeitos da demanda sobre a esfera jurídica do cônjuge.

UNIÃO ESTÁVEL: no texto original do CPC/2015, na redação final do anteprojeto, previu-se que à união estável, “comprovada nos autos”, deveria se aplicar o artigo 73. Era o que estabelecia o parágrafo 3o., o qual, contudo, não integrou a redação final. De qualquer modo, nada obsta que o juiz, aplicando a analogia, estenda à união estável o que se aplica ao casamento em termos de exigência quanto ao consentimento para a ação real imobiliária, ou para qualquer das hipóteses mencionadas nos parágrafos 1o. e 2o. do artigo 73. Quiçá a supressão do parágrafo 3o. do texto definitivo terá sido a melhor opção do legislação, que, assim não impede que o juiz, analisando as circunstâncias da demanda, atento sempre à existência de risco quanto à esfera jurídica de terceiro (no caso, do companheiro/a ou convivente), exija o consentimento para a propositura da ação, ou a citação.

CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE/COMPANHEIRO/CONVIVENTE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO: trata-se de pressuposto processual, de modo que se cuida de matéria de ordem pública, que deve ser pelo juiz pronunciada de ofício, caso inexista o consentimento do cônjuge/companheiro/convivente. Mas o juiz, em lugar de declarar de imediato a extinção anormal do processo, deverá conceder prazo que se regularize a falta do consentimento.

“Art. 74. O consentimento previsto no art. 73 pode ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo.
Parágrafo único. A falta de consentimento, quando necessário e não suprido pelo juiz, invalida o processo”.

Comentário: conforme o artigo 73, para determinados tipos de ação a lei exige que ambos os cônjuges (e também companheiros ou conviventes) integrem a relação jurídico-processual sob pena de nulidade do processo. Poderá suceder, contudo, que um dos cônjuges (ou companheiro ou convivente) recuse-se a participar do processo, o que faz instalar uma controvérsia a respeito, a ser dirimida em vara de família, que é competente (em razão da matéria) para analisar e decidir acerca das razões e motivos da recusa ao consentimento, para o suprir por decisão judicial, ou para ratificar a vontade do cônjuge. O Código Civil, em seu artigo 1.647, prevê para quais atos da vida civil o consentimento do cônjuge deverá ser dado, abarcando a prática de atos no processo civil (inciso II), a caracterizar que se trata de relação jurídico-material diretamente ligada ao regime de bens entre os cônjuges, de modo que a competência é da vara de família. O mesmo se deve concluir, em termos de competência, quando a recusa ao consentimento emanar de companheiro/a ou convivente.

JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: embora o CPC/2015 não preveja no artigo 725 a ação de suprimento de consentimento, é da tradição do direito brasileiro, formada quando em vigor o CPC/1939, que se adotem para essa ação as regras inerentes à jurisdição voluntária, nomeadamente a do artigo 723, parágrafo único, do CPC/2015, que permite o juiz não observe, em todo o seu rigor, a legalidade estrita, o que significa que possa julgar com base em critério de equidade, para decidir se deve suprir o consentimento, ou se devem prevalecer as razões de recusa do cônjuge, do companheiro/convivente.

Esse mesmo tipo de ação é de ser utilizada quando, por alguma situação, o cônjuge não possa emitir seu consentimento, quando, por exemplo, esteja em local incerto ou não sabido. Mas é de se ressaltar que, estando o cônjuge sob regime de curatela, e sendo seu curador o cônjuge (cf. artigo 1.775 do Código Civil), neste caso deve o juiz nomear ao cônjuge interdito curador especial, segundo o que prevê o artigo 72, inciso I, do CPC/2015.

NULIDADE DO PROCESSO: o consentimento do cônjuge, ou a tutela jurisdicional que o supra, é pressuposto indispensável ao processo, de modo que, em não havendo o consentimento, ou a tutela jurisdicional que o tenha suprido, o juiz declarará extinto o processo, sem resolução do mérito, segundo o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015. Mas o juiz deve sempre conceder prazo para que a falha seja regularizada, antes de declarar extinto o processo.

“Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I – a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II – o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III – o Município, por seu prefeito ou procurador;
IV – a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;
V – a massa falida, pelo administrador judicial;
VI – a herança jacente ou vacante, por seu curador;
VII – o espólio, pelo inventariante;
VIII – a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;
IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;
X – a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;
XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico.
§ 1º Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte.
§ 2º A sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada.
§ 3º O gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo.
§ 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias”.

Comentário: cabe à lei de natureza material (o Código Civil, por exemplo) regular acerca da personalidade jurídica, que é a capacidade (de direito e de fato) para a prática dos atos da vida civil. No caso dos entes públicos, a lei que cria determinado ente público disciplina a respeito constitução da respectiva personalidade jurídica. Assim, o Código de Processo Civil, ao cuidar da representação das partes no processo, utiliza-se da personalidade jurídica que é criada e definida pelas normas materiais. Daí ter o artigo 75 (em uma redação bastante semelhante à do artigo 12 do CPC/1973) estabelece a forma como serão representados, no processo civil, diversos entes e órgãos, dando azo a uma importante distinção no campo do processo entre “personalidade jurídica” e “personalidade judiciária”, sendo esta a capacidade da qual deve o órgão ser dotado para que possa, ele próprio como tal, ser parte em um processo. Pode suceder, portanto, que um determinado órgão, por exemplo, a assembleia legislativa de um Estado-membro, possua personalidade jurídica, mas não possua a personalidade judiciária exigida para determinado tipo de ação, caso em que será representada por outro órgão (no caso, pela fazenda pública do Estado-membro). Caberá tanto à lei material quanto a de natureza processual regularem acerca da constituição ou não da personalidade judiciária a determinado órgão ou ente público.

PRESENTAÇÃO – REPRESENTAÇÃO: é frequente que a doutrina atual empregue a distinção entre “presentação” e “representação” (cf., por exemplo, NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in “Código de Processo Civil Comentado). Essa distinção, que é de reduzidos efeitos práticos, é criação de PONTES DE MIRANDA, que ao comentar o artigo 12 do CPC/1973, dela cuida:

” (…) onde há órgão não há representação, nem procuração, nem mandato, nem qualquer outro outorga de poderes. O órgão é parte do ser, como acontece às entidades jurídicas, ao próprio homem e aos animais. Coração é órgão, fígado é órgão, olhos são órgãos; o Presidente da República é órgão; o Governador de Estado-membro e o Prefeito são órgãos. Quando uma entidade social, que se constitui, diz qual a pessoa que por ela figura nos negócios jurídicos e nas atividades com a Justiça, aponta-se como o seu órgão, que pode presentá-la (isto é, estar presente para dar presença à entidade de que é órgão), e, conforme a lei ou os estatutos, outorgas poderes a outrem, que então representa a entidade. Quando o art. 12 do Código de Processo do Código de Processo Civil diz que os seres sociais por ela apontados são ‘representados em juízo, ativa e passivamente’, pelas pessoas que menciona, erra, palmarmente, sempre que não houve outorga de podres e sim função de órgãos. Onde não se trata de órgão, caberia empregar a palavra ‘representação’, ‘representar’, ‘representante’, ‘representado’, não porém, onde a participação processual, ativa ou passiva, é de órgão”.

Importante observar que o artigo 75 cuida da representação processual, que é um pressuposto processual, e não da legitimidade para a causa, esta uma condição da ação.

ROL: o artigo 75 enumera a forma como os entes públicos (a União Federal, os Estados-membros, os Municípios), entes despersonalizados (como a massa falida, a herança, o condomínio), e pessoas jurídicas de direito privado são representadas no processo civil (ou, “presentadas” em certas hipóteses, se adotarmos a terminologia de PONTES DE MIRANDA.

CONVÊNIO: novidade trazida pelo CPC/2015 é a que diz respeito à possibilidade de os entes públicos firmarem convênio (que é um instrumento do direito administrativo) para a prática de atos compartilhados no processo civil. É o que está regulado no parágrafo 4o. do artigo 75.

“Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
§ 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária:
I – o processo será extinto, se a providência couber ao autor;
II – o réu será considerado revel, se a providência lhe couber;
III – o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre.
§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:
I – não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;
II – determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido”.

Comentário: em consonância com o regime de ônus que é adotado pelo CPC/2015, o artigo 76 prevê que consequências a parte e o interveniente sofrerão na hipótese em que não regularizem a sua incapacidade ou representação no processo. A consequência varia conforme se trate do autor ou do réu, e no caso do interveniente, segundo o polo em que esteja a atuar.

Assim, no caso de o autor não regularizar, no prazo fixado pelo juiz, a sua incapacidade ou a sua representação, suportará a extinção anormal do processo, por aplicação do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual). Se for o réu, será decretada a sua revelia, com os efeitos que dela ocorrem, ou podem ocorrer (artigos 344-346 do CPC/2015).

No caso do interveniente, a consequência que se lhe aplica como ônus no caso em que não regulariza a sua incapacidade ou representação no processo, será a extinção anormal do processo por ausência de pressuposto processual se estiver a ocupar o polo ativo da relação jurídico-processual, e a revelia, se estiver a ocupar o polo passivo. Note-se, pois, uma mudança significativa na regulação da matéria, pois que no CPC/1973 a consequência imposta ao interveniente era a sua exclusão da relação jurídico-processual.

O “caput” obriga o juiz (tratando-se, pois, de um dever, não de uma faculdade) a determinar a suspensão do trâmite do processo, se identifica irregularidade quanto à capacidade para a prática de atos no processo, ou quando a irregularidade disser respeito à representação da parte ou do interveniente, devendo fixar um prazo “razoável” para que seja sanado o vício, cabendo à discricionariedade do juiz, portanto, estipular o prazo, impondo-se ao juiz, outrossim, o dever de explicitar que circunstâncias terá considerado para a estipulação do prazo.

TRIBUNAL: se o processo estiver em grau de recurso, e houver incapacidade ou irregularidade na representação processual da parte que interpôs o recurso, não sanado o vício, o relator, em decisão monocrática, não conhecerá do recurso. Se a incapacidade ou a irregularidade na representação for da parte recorrida, então nesse caso, como consequência do ônus, o relator determinará o desentranhamento das contrarrazões de recurso, peça que assim não será conhecida no âmbito de cognição recursal.

CAPÍTULO II – DOS DEVERES DAS PARTES E DE SEUS PROCURADORES

SEÇÃO I – DOS DEVERES

“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.
§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.
§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”.

Comentário: dada a diversidade de temas que estão tratados no artigo 77 do CPC/2015 (artigo que constitui o núcleo para a compreensão do instituto da litigância de má-fé), dividiremos em cinco partes os comentários, iniciando-os por esta introdução que tem o objetivo de provocar o leitor a considerar uma distinção, muitas vezes olvidada pela doutrina, entre as figuras jurídicas do “abuso de direito” e da “litigância de má-fé”.

E para isso convidamos o leitor a conhecer uma pequena passagem de um romance (sim, de um romance) escrito em Portugal em 1862, aspecto temporal que é de grande relevo sublinhar porque àquela altura a doutrina civilista ainda não havia fixado a essência e os caracteres da figura do ato abusivo.

O que a seguir será reproduzido é do romancista português JÚLIO DINIZ, que é mais conhecido por ser o autor do romance “As Pupilas do senhor Reitor”, que no Brasil ganhou notoriedade depois de uma adaptação para uma conhecida novela.

Eis a passagem que o leitor encontrará no livro “Uma Família Inglesa”, de JÚLIO DINIZ, cuja formação era a medicina (e não Direito):

“Há certos homens, escrupulosos respeitadores da letra das leis, que praticarão desafogados qualquer ação averiguadamente ilícita, sempre que possam sofismar os artigos do Código de maneira que se ressalvem da pronúncia judicial, dando-se-lhes pouco que o espírito que os ditara ao legislador fique muito maltratado pelo sofisma”.

Surpreendentemente, neste trecho de pura ficção está, em resumo, tudo aquilo que formará a essência do que viria a configurar-se na doutrina germânica a figura do ato abusivo.

Na primeira parte dos comentários ao artigo 77, desenvolveremos a distinção entre o ato abusivo no processo e a litigância de má-fé, e o leitor poderá, por conta própria, confirmar se o romancista português não terá delineado a figura do ato abusivo, antes que os juristas a criassem.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ X ABUSO DE DIREITO.

A uma origem comum, baseada na intromissão no processo civil da reflexão valorativa, é que se pode creditar a confusão que desde o início se instalou, e que radica na indevida assimilação do instituto da litigância de má-fé ao do abuso de direito. As obras de doutrina, as mais conceituadas, a jurisprudência mais vetusta, inclusive aquela da lavra dos tribunais franceses, idealizadores, em verdade, do abuso de direito como categoria jurídica, enfim, todos fazem uso indistinto dessa consagrada expressão para, com ela, alcançar os casos de litigância de má-fé.

Diferentemente do que ocorre no ato ilícito, pois, em que se caracteriza a violação do dever jurídico, e com isso a estrutura jurídico-formal da norma é transgredida, no caso do abuso de direito tal estrutura é respeitada, e por esse motivo “o titular actua no seu direito, move-se dentro dele, mas, na realidade, comportamento e direito opõem-se pelo concreto sentido que um e outro possuem diferentemente”; e se a forma está presente, “o seu preciso valor está ausente, a realidade finge o direito”, como afirma Fernando Augusto Cunha de Sá, em importante obra que dedicou ao tema.

É dizer: o aspecto teleológico da norma jurídica é violado, à proporção que o titular do direito subjetivo age com um fim diverso daquele definido pelo comando legal, embora respeite a estrutura jurídico-formal da norma. Eis, em resumo, o que é a figura do abuso de direito.

No ato abusivo, por conseguinte, o titular do direito subjetivo, malgrado respeite o comando normativo (rectius: dever jurídico), atua, consciente ou inconscientemente, contra o valor que forma o conteúdo da norma jurídica, o que não quer significar que aja com dolo ou com culpa. De resto, assim não age no plano jurídico.

Mas no caso da litigância de má-fé, não há um abuso do direito de litigar, senão que a prática de um ato ilícito na prática dos atos processuais, exigindo o nosso CPC/2015 (tanto quanto o fazia o CPC/1973) o dolo como elemento subjetivo indispensável à caracterização da figura da litigância de má-fé.

Assim, se no abuso de direito há o exercício incorreto de um determinado direito subjetivo, avaliado sob o prisma do fim ou da finalidade (que se consubstancia no valor jurídico), na litigância de má-fé está presente a violação dolosa a um dever-jurídico-legal, configurando-se a figura do ato ilícito no processo.

As condutas que estão fixadas no artigo 77 do CPC/2015 configuram deveres jurídicos, e a sua violação dolosa caracteriza a litigância de má-fé. Não há aí abuso de direito, senão que a prática de um ato ilícito que é comumente designado como “litigância de má-fé”.

Depois de termos visto, na introdução aos comentários ao artigo 77, que o nosso CPC/2015 abandonou a índole marcadamente ética que fora adotada pelo CPC/1973, mitigando essa índole, e de termos estabelecido uma distinção doutrinária entre os institutos da litigância de má-fé e do abuso de direito, analisaremos, nesta segunda parte, o dever de dizer a verdade, que como tal, ou seja, como um dever jurídico-legal é imposto às partes, a seus procuradores e a todos os que intervém na relação jurídico-processual.

Se hoje não há uma consistente resistência da doutrina quanto a necessidade de a lei instituir o dever de dizer a verdade no processo, para que isso ocorresse foi necessário percorrer um longo trajeto. Entre nós, João Bonumá representava o pensamento contrário a se poder impor o dever de dizer a verdade no processo, como se colhe de sua mais conhecida obra, “Direito Processual Civil”, publicada em 1946, o que dá bem a noção de quão resistente, no tempo e na intensidade, mostrou-se a predita objeção:

“Certo é que as partes devem dizer a verdade, mesmo quando essa verdade as prejudica. Mas esse é um dever moral, não um dever jurídico. As mais das vezes, as partes ou se excedem no referir os fatos da demanda, ou os referem alterados inconscientemente e ao sabor de suas conveniências, ou simplesmente silenciam sobre circunstâncias que lhes parecem desfavoráveis. Moralmente esse procedimento é indesculpável, mas, juridicamente, é impossível evitá-lo. Desde que não se evidencie o dolo, a malícia, produtos de um prejuízo desnecessário à parte adversa, não há na lei possibilidade de sanções. Dar, em tais casos, ao juiz, poderes para punir desvios da consciência moral é afastá-lo de sua missão e transformá-lo em censor”.

Baseada no argumento de que se tratava apenas de um dever de conteúdo ético, cuja aplicação a estrutura dialética do processo obstava, entendia a doutrina, capitaneada por Carnelutti, que não era possível consagrá-lo em texto legal, porque embora se reconhece-se, no plano lógico, a obrigação de a parte dizer a verdade, no plano prático, obtemperava-se, havia um intransponível obstáculo: o princípio dispositivo e a liberdade que por sua aplicação concede-se aos litigantes.

Decorre basicamente de dois fatores o equívoco da doutrina que defendia a tese de que o dever de dizer a verdade é de matriz puramente subjetiva: de uma incorreta intelecção do que é a verdade, gerada a partir de uma inadequada leitura, ou ainda de uma açodada leitura dos textos filosóficos que cuidaram desse tormentoso tema, e ainda do desconsiderar que o elemento intencional não pode ser confundido com a verdade em si.

Mas o fato é que as legislações processuais deixaram de considerar a problemática filosófica acerca do conceito de “verdade”, e com uma finalidade puramente prática passaram a considerar esse dever circunscrito àqueles fatos que dizem respeito à conformação essencial da lide, fatos que, assim, não podem ser dolosamente subtraídos ao conhecimento do juiz, ou não podem ser manipulados artificialmente pela parte (alteração da verdade).

Incorre a doutrina em equívoco quando afirma que o dever de dizer a verdade aplica-se apenas aos fatos, e não ao direito, dado que aí prevaleceria o princípio do “iura novit curia”. Considere-se, a título de exemplo, a conduta da parte que, dolosamente, invoca uma norma inexistente, apenas para conduzir o juiz ao equívoco de subsumir os fatos alegados a essa norma inexistente. Poder-se-ia argumentar que o juiz terá o dever de apurar se a norma existe ou não, mas esse dever também lhe é imposto quanto aos fatos, sem o que, aliás, ele não poderia afirmar houvesse violação ao dever de dizer a verdade, se não cuidasse apurá-los.

O que o dever de dizer a verdade impõe à parte, a seus procuradores e a todos aqueles que intervém no processo é que não manipulem a verdade, seja quanto aos fatos essenciais que compõem a lide, seja quanto às normas que, na visão das partes, deveriam ser aplicadas a esses mesmos fatos, de modo que a atuação no processo revele-se de acordo com o que exige a probidade.

Prosseguindo na análise do artigo 77 do CPC/2015 – e para a concluir -, consideremos agora quais os deveres jurídico-legais que são impostos às partes, a seus procuradores, e àqueles que de qualquer modo participam do processo. São eles:

I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.

Note-se desde logo que o dever de proceder com lealdade e boa-fé, que o CPC/1973 previa em seu artigo 14, inciso II, desapareceu do rol dos deveres jurídico-legais, o que, como já comentamos, reflete o objetivo do nosso legislador de enfraquecer, ou mesmo abandonar a figura de um “processo ético”, para prestigiar apenas a efetividade. Tratava-se, como destacava a doutrina, do principal dever jurídico-legal ligado à litigância de má-fé, e a sua supressão no atual Código não pode ser justificada pelo argumento de que as condutas previstas nos demais incisos do artigo 77 colmatam a ausência do dever de lealdade processual. Essas condutas de certa maneira podem, é certo, ser abarcadas no conceito de lealdade processual, mas este, por ser mais amplo, concedia ao juiz a liberdade necessária para analisar com maior completude e segundo as circunstâncias do caso em concreto as condutas praticados no processo sob o enfoque de uma norma moral positivada, como era a do artigo 14, inciso II, do CPC/1973.

Poder-se-ia argumentar que como o artigo 5o. do CPC/2015 obriga todo aquele que participa do processo a comportar-se de acordo com a boa-fé, a lealdade processual, malgrado não prevista como dever-jurídico legal no regime do novo código, estaria ainda a incidir em nosso Código de Processo Civil, o que não nos parece ocorrer. Sobre os conceitos de boa-fé e de lealdade não se equivalerem em seu conteúdo, há também por se observar que o artigo 5o. veicula um princípio, e não propriamente um dever-jurídico legal, tanto assim que a boa-fé não aparece no texto do artigo 77, mas aparece noutros dispositivos, como nos artigos 323, parágrafo 2o., e 489, parágrafo 3o, do CPC/2015, a demonstrar que o atribuiu à boa-fé a natureza jurídica de um princípio, e não como um dever. Importante observar, nesse contexto, que como adscreve HABERMAS, o Direito positivo moderno utiliza-se de uma norma moral autônoma, a qual exige que diferenciemos entre normas, princípios explicativos e procedimentos (cf. “Direito e Moral”, p. 103, Instituto Piaget). De modo que, erigida a boa-fé como uma norma moral autônoma, ela impõe ao juiz considere a boa-fé como um princípio, e não como um dever, com todas as momentosas consequências que daí decorrem.

No mais, o CPC/2015 manteve os deveres que o nosso Código anterior fixava, a eles acrescentando o que impõe a obrigação de declinar-se o endereço residencial ou profissional em que se deva receber, e de manter atualizado esse endereço, e também o dever de não praticar inovação ilegal no estado de fato do bem ou do direito objeto do litigioso, o que no CPC/1973 (artigo 879, inciso III) caracterizava o suporte fático-jurídico para a caracterização do atentado, que naquele código ensejava a proteção por meio de ação cautelar.

Já tratamos, em comentário anterior, sobre o dever de dizer a verdade previsto no artigo 77, inciso I, de modo que remetemos o leitor àqueles comentários.

Importante observar, por fim, que o elemento subjetivo (o dolo) é conatural à figura da litigância de má-fé (embora não o seja em relação à figura do abuso de direito), de modo que em relação aos deveres fixados em todos os incisos do artigo 77, e também às hipóteses previstas no artigo 80, a comprovação do dolo é indispensável.

“Art. 78. É vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados.
§ 1º Quando expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra.
§ 2º De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada”.

Comentário: era comum na doutrina mais antiga comparar-se o processo a um jogo ou mesmo a tipo de duelo, porque se tinha a imagem do processo como um campo de batalha entre os interesses do autor e do réu. Essa feição do processo justificava a resistência que a doutrina e os códigos tinham quanto a impor às partes o dever de dizer a verdade, e mesmo o de lealdade, por se entender que era natural ao processo aceitar certos excessos, inclusive na linguagem utilizada. Mas com a compreensão de que o processo é uma técnica de que vale o Estado para a solução dos litígios, e que o interesse público é o valor a proteger-se, surgiu a necessidade de se fixarem determinados limites às condutas das partes no processo. Passou-se assim a controlar a linguagem que as partes podem empregar, linguagem que não pode ser ofensiva, deixando o legislador à interpretação do juiz a qualificação da linguagem como ofensiva ou não, o que é comum ocorrer quanto a conceitos cujo conteúdo é modificado conforme o tempo.

O artigo 15 do CPC/1973 previa que “É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las”. A novidade trazida pelo artigo 78 do CPC/2015 está na ampliação dos destinatários diretos dessa norma, porque além das partes e de seus procuradores, a norma em vigor impõe também aos juízes, aos membros do Ministério Público, aos da Defensoria Pública, e a todos aqueles que participam do processo o dever de não empregarem expressões ofensivas nos escritos que apresentem no processo. Como se vê, o juiz do processo foi incluído no rol dos destinatários diretos da norma, de forma que igualmente a ele se veda o emprego de expressões ofensivas, tanto quanto sucede às partes. Obviamente que, nesse caso, será o tribunal, quando estiver a analisar recurso ou mesmo em sede disciplinar, que analisará se a expressão utilizada pelo juiz sobre-excedeu ou não o limite da urbanidade (este também um conceito indeterminado) para, conforme o caso, determinar se faça suprimir ou riscar a expressão de que o juiz terá se utilizado e que caracterize ofensa.

Essa era, aliás, a única sanção que o artigo 15 do CPC/1973 previa, diversamente do que se dá no novel Código, que possibilita que o ofendido adote outras providências que entender adequadas, inclusive a busca de uma reparação por dano, o que justifica a ressalva que consta da parte final do parágrafo 2o. do artigo 78 quanto a expedição de certidão para a prova do fato.

Em se tratando de ato processual praticado em audiência, prevê o parágrafo 1o. do artigo 78 que o juiz advertirá o ofensor, antes de lhe cassar a palavra, se a conduta persistir. E se o ofensor for o juiz? A norma não cuida dessa hipótese, o que, contudo, não exclui a possibilidade de a parte levar ao tribunal o conhecimento da situação ocorrida em audiência, para análise da violação da norma em questão.

Em se tratando de um conceito indeterminado, como é que o envolve a dicção legal “expressão ofensiva”, é indispensável que o juiz (ou tribunal) fundamente de modo preciso e explícito o que considerou como limite de urbanidade, indicando com clareza o que, na expressão empregada, teria superado esse limite.

SEÇÃO II- DA RESPONSABILIDADE DAS PARTES POR DANO PROCESSUAL

“Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”.

Comentário: depois que o artigo 77 do CPC/2015 fixou quais os deveres que se impõem às partes e àqueles que de qualquer modo atuam no processo, era natural que o mesmo Código regulasse um específico regime jurídico de responsabilidade civil. É disso que trata o artigo 79, cuja redação é bastante próxima à do artigo 16 do CPC/1973, aperfeiçoado apenas na utilização do verbo “litigar”, que é mais abrangente do que o verbo “pleitear”, utilizado no Código de 1973. Com efeito, o dano causado no e processo civil, pela ocorrência de conduta que, violando dolosamente qualquer dos deveres fixados no rol do artigo 77, caracteriza a litigância de má-fé, pode não corresponder propriamente a um pleito da parte no sentido tradicional que se extrai desse termo, mas pode decorrer, por exemplo, de uma conduta de resistência a um pleito, de modo que o verbo “litigar” revela-se mais azado ao objetivo da norma.

O artigo 79, ao tratar das perdas e danos, não remete expressamente ao artigo 402 do Código Civil de 2002, embora o devesse ter feito. De qualquer modo, esse é o regime jurídico que deverá ser aplicado às perdas e danos gerados no e pelo processo civil, o que significa dizer que abrangem, além do que efetivamente se perdeu em virtude da litigância de má-fé, também o que razoavelmente se deixou de lucrar em razão dela. A reparação abrange os danos morais.

A reparação por perdas e danos decorrentes da litigância de má-fé pode ser pleiteada no mesmo processo em que a litigância terá se configurado, mas nada obsta que o prejudicado busque, noutra ação, a recomposição dos danos, se isso for de seu interesse. Com efeito, a apuração dos danos poderá consumir tempo e criar óbice ao julgamento da causa, e a parte prejudicada poderá ter interesse no célere julgamento da demanda, o mesmo devendo ser observado pelo juiz, que assim poderá, conforme as circunstâncias do caso em concreto, remeter a análise da litigância de má-fé às vias ordinárias, conquanto possa declarar a conduta como caracterizadora da litigância de má-fé, de modo que nessa hipótese, em se produzindo a coisa julgada material, remanescerá apenas a liquidação das perdas e danos.

Mas é importante observar que o Código de 2015 não fixa um regime de preclusão para a alegação de litigância de má-fé; assim, não obsta que o prejudicado pela litigância de má-fé venha a discutir essa matéria noutro processo, buscando ali a recomposição dos danos, mas devendo nesse caso comprovar a ocorrência de litigância de má-fé, dado que essa matéria não terá sido analisada e decidida com efeito de coisa julgada no processo em que a conduta foi praticada.

“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.

Comentário: o artigo 80 repete, quase que literalmente, o texto do artigo 17 do CPC/1973, com uma diminuta modificação de estilo no uso do verbo “considerar” em lugar do verbo “reputar” no “caput”. No mais, as condutas previstas são rigorosamente as mesmas que integravam o rol do artigo 17, o que permite concluir que não houve nenhuma significativa mudança entre o regime atual e aquele do CPC/1973.

Uma mudança bastante significativa, contudo, o leitor encontrará se cotejar o artigo 80 com a redação original do artigo 17 do CPC/1973, antes da entrada em vigor da lei federal 6.771/1980. Na redação original, o legislador cuidara enfatizar a intenção (o dolo) necessário à caracterização de cada uma das condutas previstas, além de atribuir à parte o dever de não omitir intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa, a bem demonstrar que o objetivo do CPC/1973, como fizera questão de ressaltar o autor do projeto, o processualista ALFREDO BUZAID, era o de instituir um código em que a ética fosse o valor nuclear. Esse objetivo perdeu-se rapidamente, pois que já em 1980, ou seja, seis anos após entrar em vigor, o CPC/1973 sofreu importantes modificações na redação do artigo 17, modificações que se mantiveram ao longo do tempo e que foram incorporadas no texto do CPC/2015, o que comprova que a preocupação do legislador modificou-se substancialmente, a ponto que não temos mais um processo ético, o que, aliás, explica o quão diminuto tem sido o número de condenações por litigância de má-fé em nossa jurisprudência.

DOLO: embora o legislador não tenha incorporado à descrição de cada uma das condutas do artigo 80 o advérbio que poderia enfatizar a necessidade de se configurar o elemento subjetivo (o dolo) – o que teria importância, como vimos -, há que se reconhecer que a presença do termo “má-fé”, quando se fala em uma determinada forma de litigar, significa que o dolo deve estar presente, e deve ser sempre aferido, sem o que a conduta poderá caracterizar o abuso de direito, mas não a da litigância de má-fé.

ROL TAXATIVO: quando se trata de condutas sancionadoras, não se admite a interpretação extensiva ou a aplicação da analogia, conforme vetusto princípio imanente ao Direito. Conclui-se daí que o rol fixado pelo artigo 80 é taxativo. Destarte, em se tratando de conduta que não se subsume ao tipo legal, não se caracteriza a litigância de má-fé, conquanto a mesma conduta possa caracterizar o abuso de direito. Observe-se, contudo, que os conceitos utilizados no artigo 80 são algo indeterminados, o que acaba concedendo ao juiz o poder de fixar o conceito conforme as circunstâncias do caso em concreto, mas isso não significa que o juiz esteja autorizado a aplicar a interpretação extensiva ou a analogia para estender a condutas não previstas pelo legislador a configuração da litigância de má-fé.

CONDUTAS: segundo o artigo 80, caracteriza-se a litigância de má-fé, quando o litigante: I – deduza pretensão ou defesa contra texto expresso de lei, ou de fato incontroverso; II – altere a verdade dos fatos; III – usa do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opor resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceda de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provoca incidentes manifestamente infundados; e, por fim, VII – interpõe recurso com intuito manifestamente protelatório. Cuida-se, portanto, de um rol que abarca diversas condutas que podem ocorrer no processo civil, o que concede ao juiz um expressivo controle sobre a forma pela qual se litiga no processo civil brasileiro. Na prática, todavia, esse poder não tem se materializado.

DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO: a Constituição de 1988 obriga o juiz a fundamentar todas as decisões que profira, e esse dever é marcadamente importante na litigância de má-fé, seja por envolver conceitos algo indeterminados, seja pela indispensável comprovação da presença do dolo na conduta do litigante, de modo que o juiz deve cuidar de bem explicitar qual a conduta que foi praticada, como ela se subsume ao texto da lei, e como se materializou o dolo.

“Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos”.

Comentário: em qualificando o CPC/2015 como ilícita a conduta praticada no processo civil que, violando os deveres que estão previstos no artigo 77, subsuma-se a qualquer daquelas condutas tipificadas no artigo 80, estabelece esse código um regime jurídico que abarca de um lado a imposição de sanção pecuniária (multa), e doutro a obrigação do litigante de má-fé a reparar os danos que a sua conduta tenha causado, inclusive o que a parte lesada tiver despendido a título de honorários de advogado e despesas processuais. Nesse específico regime de responsabilidade civil, distingue-se a sanção pecuniária da reparação por danos. No caso da multa, não se exige comprovação de dano, mas apenas a caracterização da litigância de má-fé.

DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO: tal como sucedia no CPC/1973, pode o juiz, no regime do CPC/2015, de ofício (independentemente de requerimento da parte lesada, pois) analisar se a conduta configura-se ou não como litigância de má-fé. Há que se observar que o juiz, agindo de ofício, o juiz somente pode aplicar a multa, nada podendo decidir sobre eventuais danos causados à parte contrária, pois que caberá à parte lesada comprovar os danos que tenha sofrido em decorrência da litigância de má-fé, e pleitear ao juiz a recomposição e quantificação desses danos. Essa quantificação pode se dar no próprio processo, se isso for possível e do interesse da parte lesada. Não sendo possível quantificar desde logo a extensão do dano, a parte lesada poderá buscar a recomposição noutra ação.

MULTA: o valor da multa está prefixado pelo legislador: deverá ser superior a um por cento, mas não poderá exceder a dez por cento, calculada a multa sobre o valor da causa, devidamente corrigido esse valor. Se o valor atribuído à causa for considerado como irrisório, então nessa hipótese permite o CPC/2015 que se modifique a base de cálculo, passando a ser o valor do salário mínimo. Em se tratando de ato atentatório à dignidade da justiça, que, segundo o artigo 77, parágrafo 2o., do CPC/2015, caracteriza-se como uma situação mais grave de litigância de má-fé, o valor da multa poderá chegar a vinte por cento. O valor da multa será revertido à parte lesada, conforme determina o artigo 96 do CPC/2015.

LITIGANTES DE MÁ-FÉ: em sendo dois ou mais os litigantes de má-fé, a condenação da multa deve se dar segundo a “proporção de seu respectivo interesse na causa”, tratando-se aí de uma imprecisão do legislador, porque a proporção no valor da multa e da recomposição dos danos deve ser calculada de acordo com a conduta praticada e seus efeitos, e não de acordo com o interesse do litigante na causa. Observando-se que, em nosso ordenamento jurídico em vigor, a solidariedade não se presume, pode o juiz impor um regime de solidariedade passiva aos litigantes de má-fé, de modo que a parte lesada possa exigir de qualquer um deles o todo da multa e da recomposição dos danos. Há, pois, a necessidade de uma decisão expressa que fixe a solidariedade passiva.

“BIS IN IDEM”: a vedação ao “bis in idem” é um princípio imanente a nosso ordenamento jurídico em vigor e se aplica também ao processo civil, inclusive à litigância de má-fé. Assim, se há entre as condutas que caracterizam a litigância de má-fé circunstâncias que caracterizem um vínculo entre as condutas, então nesse caso, vedado o “bis in idem”, o juiz deverá aplicar uma só pena de multa, embora possa considerar como critério para majoração do valor o número de condutas

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ X ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA: o ato atentatório à dignidade da justiça é uma espécie de litigância de má-fé, uma espécie qualificada pelo CPC/2015 como mais grave, o que repercute no valor da multa, que pode chegar a vinte por cento.

SEÇÃO III – DAS DESPESAS, DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E DAS MULTAS

“Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.
§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.
§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”.
Comentário: é da tradição do direito brasileiro adotar-se um regime de responsabilidade objetiva quanto aos encargos de sucumbência, o que significa dizer que a parte que sucumbe deve ser responsabilizada por esses encargos, independentemente de se perscrutar acerca de qualquer elemento subjetivo. Assim era em nosso CPC/1973 e se mantém no atual. Quem perde a demanda, paga os encargos de sucumbência.
Os encargos de sucumbência abrangem o que a parte vencedora despendeu com custas (que são uma taxa de natureza tributária, recolhida aos cofres do Estado ao tempo em que a ação é distribuída, incidindo também em determinados atos ocorridos no processo civil, como, por exemplo, quando da interposição de recurso). Abrangem também as despesas processuais, que são os valores gastos na prática de determinados atos, como, por exemplo, o valor da diligência para a citação e intimação, honorários periciais, etc… Abrangem, por fim, os honorários de advogado.
Destarte, a parte vencedora será reembolsada por tudo quanto terá despendido na movimentação do processo, o que quadra com o princípio que é imanente a nosso ordenamento jurídico em vigor e que foi firmado e enfatizado por CHIOVENDA no sentido de que o processo civil deve dar ao vencedor tudo aquilo a que ele teria direito, não tivesse havido o litígio e a necessidade do processo judicial, de modo que além do bem da vida objeto do processo, o litigante vencedor possui o direito a ser reembolsado de tudo quanto tenha gasto no e para o processo.
Se for o autor o vencedor da demanda, será ressarcido do que recolheu a título da taxa judiciária, transformado esse valor em uma espécie de despesa processual.
ANTECIPAÇÃO: as despesas processuais, conforme determina o “caput” do artigo 82, devem ser antecipadas pela parte à qual o ato interessa. Se o ato a ser praticado decorrer de ordem judicial ou de requerimento do MINISTÉRO PÚBLICO, o autor terá, nessas circunstâncias, que antecipar os valores previstos para a prática do ato processual.
GRATUIDADE: beneficiado pela gratuidade, o litigante sucumbente ficará isento tanto da obrigação de antecipar o pagamento de despesas processuais, quanto dos encargos de sucumbência. Observe-se que a gratuidade o não isenta de suportar condenação por litigância de má-fé.
MINISTÉRIO PÚBLICO: no processo civil brasileiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO pode atuar como “custos legis”, ou seja como “fiscal da lei”, intervindo naquelas ações em que se configura a presença do interesse público. Mas poderá suceder de o MINISTÉRIO PÚBLICO atuar como parte ativa ou passiva, e nesse caso se sujeitará à obrigatoriedade de antecipar as despesas processuais e, em sendo sucumbente, suportará os encargos de sucumbência.

“Art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.
§ 1º Não se exigirá a caução de que trata o caput:
I – quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte;
II – na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença;
III – na reconvenção.
§ 2º Verificando-se no trâmite do processo que se desfalcou a garantia, poderá o interessado exigir reforço da caução, justificando seu pedido com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter”.
Comentário: poderá suceder de o autor do processo ser estrangeiro, não manter no Brasil sequer residência, e nem possuir bens imóveis, de modo que para essa hipótese o artigo 83 exige uma caução para a satisfação dos encargos de sucumbência, caso o autor seja condenado nesses encargos. O mesmo sucede em relação ao autor que, embora brasileiro, não tenha residência, nem bens imóveis no Brasil.
No CPC/1973, a matéria vinha regulada no processo cautelar, entre as hipóteses de caução. Mas no atual CPC, que suprimiu o processo cautelar, a matéria vem regulada nas disposições que cuidam dos encargos de sucumbência.
Essa caução é dispensada apenas nas hipóteses que o legislador expressamente prevê, o que significa dizer que o juiz não pode ampliar essas hipóteses. A caução é dispensada, pois, na execução fundada em título executivo extrajudicial e no cumprimento de sentença, pressupondo o legislador que exista uma maior probabilidade de o autor não sucumbiu, dado que dispõe de título executivo, judicial ou extrajudicial.
A caução também é dispensada no caso de reconvenção, porque nessa hipótese o estrangeiro ou o autor não residente no Brasil não é o autor da ação, mas réu, embora tenha formulado reconvenção.
Havendo alguma modificação importante na caução firmada, que a torne inidônea ou insuficiente, o réu pode pleitear ao juiz que determine ao autor indique nova forma de garantia, ou que a reforce.
PROCEDIMENTO: não há nenhum procedimento específico para a implementação da caução como garantia a encargos de sucumbência. Assim, o juiz deverá receber a petição inicial, da qual deve constar a forma de caução ofertada pelo autor, e o juiz, ao determinar a citação, deverá fazer a observação de que o réu poderá impugnar a caução oferecida, se encontrar razões para isso, instalando-se um contraditório a respeito dessa matéria, como determina o artigo 9º. do CPC/2015.
EXTINÇÃO ANORMAL DO PROCESSO: no caso em que o autor não oferece caução na peça inicial, deve o juiz adverti-lo para a obrigação legal, concedendo-lhe prazo para que emende a peça inicial, suprindo a omissão. Não cumprida pelo autor essa providência, o processo será extinto anormalmente, ou seja, sem julgamento do mérito da demanda, por aplicação do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual).
A extinção também será declarada quando o juiz reconhece que a caução não é idônea ou é insuficiente. Necessário enfatizar que a extinção anormal do processo somente pode ser declarada após se garantir ao autor o contraditório, conforme exige o referido artigo 9º.
RECURSOS:
a) apelação – extinto o processo sem resolução do mérito, por ausência de caução, ou de caução idônea, proferindo-se nessa hipótese sentença, o autor poderá interpor contra ela recurso de apelação.
b) agravo – se a caução for aceita e homologada como tal, o réu poderá se insurgir contra a decisão interlocutória por meio de agravo em forma de instrumento. Observe-se que, embora a hipótese não esteja expressamente prevista no rol do artigo 1.015 do CPC/2015, há que se considerar que a decisão proferida sobre caução diz respeito a pressuposto processual de existência regular do processo, de modo que não há razão lógico-jurídica em impor ao réu que, interpondo agravo em forma retida, aguarde o exame de um tema tão importante, para que seja conhecido apenas quando o tribunal examinar recurso de apelação.
“Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha”.
Comentário: o ajuizamento e o desenvolvimento de um processo judicial geram despesas. O autor, no momento em que distribui a ação, tem que pagar as custas do processo (uma espécie de tributo, da modalidade taxa), como também tem que proceder ao depósito do valor da diligência de oficial de justiça para citação do réu, se essa citação se der por essa forma. Se for necessária a produção de perícia, o autor terá que pagar os honorários periciais, e se contratar assistente técnico, a sua remuneração. Lembre-se que os honorários periciais devem ser pagos pela parte que requereu a perícia, e pelo autor se a perícia foi determinada pelo juiz ou realizada a requerimento do Ministério Público. As testemunhas podem solicitar o reembolso do que gastaram com a locomoção até a sede do juízo, e esse valor terá que ser pago pela parte que as arrolou. O réu, por sua vez, terá que pagar os atos que tiver requerido, como os honorários do perito, assim como a remuneração de seu assistente técnico, se o tiver indicado. Em havendo recurso, o sucumbente tem que fazer o depósito do preparo (que constitui também uma taxa), e outros valores que o regimento do tribunal fixar, como por exemplo o “porte de retorno” (o que é gasto com a movimentação física do processo).
Daí o artigo 84 explicitar o que se deve entender, genericamente, por “despesa processual”, exemplificando com alguns dos atos mais comuns que envolvem o gasto de dinheiro no processo, sem excluir, contudo, outros que possam ocorrer em determinados processos (por exemplo, na ação de divisão e de demarcação de terras particulares, conforme artigos 571-572 do CPC/2015).
A parte vencedora na demanda possui o direito de ser reembolsada pelas despesas que tiver feito no processo.
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º:
I – os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;
II – não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
III – não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;
IV – será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.
§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
§ 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.
§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
§ 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77.
§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
§ 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto no § 14.
§ 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.
§ 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria.
§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
Comentários: trataremos agora do artigo 85, que cuida dos honorários de advogado, matéria que, no CPC/1973, estava regulada no artigo 20. Notará o leitor importantes modificações entre um código e outro, decorrentes sobretudo de o código de 2015 ter adotado entendimentos jurisprudenciais que ao longo do tempo em que vigeu o código de 1973 haviam se consolidado, tornando-os norma legal, o que constitui, sem dúvida, um avanço de nossa legislação processual civil.
O “caput” do artigo 85 adota a regra que é da tradição de nossa legislação processual civil, segundo a qual a parte sucumbente deve pagar honorários ao advogado da parte vencedora, conforme é inerente ao regime de sucumbência, um regime em que essa responsabilidade é objetiva, o que significa dizer que a responsabilidade prescinde da análise do elemento subjetivo (dolo ou culpa). Basta a sucumbência para gerar a condenação em honorários de advogado.
Cuidou o legislador de fixar critérios ao juiz para quantificar os honorários advocatícios, além de estabelecer regras mais precisas quanto a determinadas hipóteses que podem suceder no processo, quando, por exemplo, dá-se a perda de seu objeto. Buscou o legislador, pois, na medida do possível, em regular aquelas hipóteses mais comuns, tratando-as nos dezenove parágrafos do artigo 85, que formarão nossos comentários quanto aos temas mais importantes ali versados.
Antes de prosseguirmos com os comentários ao artigo 85 do CPC/2015, que trata dos honorários de advogado, é necessário registrar uma controvérsia que se instalou recentemente em nossa jurisprudência, sobretudo no STJ, acerca do tema.
Discute-se, pois, acerca do conteúdo e alcance do parágrafo 8o. do artigo 85, que tem a seguinte redação: “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.”. Com efeito, a controvérsia diz respeito a aplicar-se esse dispositivo nas condenações por sucumbência impostas à Fazenda Pública, e em que situações essa aplicação deve ocorrer, ou mais precisamente, se, condenada a Fazenda Pública, os honorários de advogado devem ser calculados de acordo com o valor da causa ou da condenação, ou por equidade.
No julgamento em curso no STJ, interrompido por um requerimento de vista, formaram-se duas correntes: uma no sentido de que em qualquer caso, quando se apura um valor exorbitante, é possível ao juiz determinar o cálculo dos honorários de advogado por equidade, a qual assim pode ser aplicada tanto na hipótese em que seja irrisório o valor que seria fixado, quanto na hipótese em que seja considerável o valor; a outra posição é no sentido de que a equidade somente pode ser aplicada nas hipóteses expressamente previstas no CPC/2015, não cabendo ao juiz aplicá-la fora dessas hipóteses, ainda que seja considerável o valor dos honorários de advogado, se fixados segundo os critérios que o mesmo CPC/2015 prevê (sobre o valor da causa ou da condenação).
PROVEITO ECONÔMICO
Constitui o parágrafo 2o. do artigo 85 seu núcleo essencial: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (…)”. Fonte, pois, de quase todas as divergências que vêm sendo suscitadas acerca do extenso artigo 85, formado por infindáveis dezenove parágrafos. (Isto porque o legislador do CPC/2015, segundo a “Exposição de Motivos”, quis fortalecer o valor da segurança jurídica.)
O parágrafo 2o. do artigo 85 é o resultado de uma confusa amalgama do conteúdo dos parágrafos 3o. e 4o. do artigo 20 do CPC/1973, o que é suficiente para se poder afirmar que seu texto (o do parágrafo 2o. do artigo 85) não trouxe nenhuma significativa melhoria em termos de precisão e objetividade da norma, sobretudo se acrescermos a esse contexto o parágrafo 8o. do artigo 85, que se refere àquelas hipóteses em que o proveito econômico envolvido no processo não tenha um valor quantificável ou se revele irrisório, ou ainda quando o valor da causa for muito baixo.
O primeiro grande problema que a abstrusa redação dada ao parágrafo 2o. do artigo 85 decorre de ter introduzido em nossa legislação processual civil o termo “proveito econômico”, sem contudo formar seu conteúdo, ou sem ao menos trazer elementos mínimos que permitam ao juiz, com certa objetividade, fixá-lo. E para agravar essa dificuldade, ao tratar do valor da causa, o artigo 292, parágrafo 3o., do CPC/2015 estabelece uma distinção entre “proveito econômico” e “conteúdo patrimonial em discussão”, de modo que deixa o juiz sem saber se proveito econômico equivale ao que é discutido na demanda, ou se o supera, dada a distinção que deva ser feita em relação ao conceito de “conteúdo patrimonial em discussão”. O mesmo vale dizer quando se considera o artigo 700, parágrafo 2o., do mesmo CPC/2015, que, ao cuidar da ação monitória, refere-se a “o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido”, ensejando séria dúvida sobre o que, de fato, significa e deva significar “proveito econômico”.
Melhor seria, por óbvio, que o artigo 85 explicitasse o que é de ser entendido por “proveito econômico”, porque esse conceito é fundamental para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado.
Destarte, a opção do legislador de criar um conceito indeterminado, deixando a critério do juiz determinar e quantificar o que entende por “proveito econômico” para fim de fixação dos honorários de advogado, além de não haver uma adequada razão que justificasse essa abertura tão extensa na norma, trouxe um problema que não tinha no CPC/1973 a dimensão que passou a ter no novo código. É que o terreno dos honorários de advogado tem sido entre nós um foco de renhidas controvérsias entre juízes e advogados. Estes reclamando de valores que são fixados em valores mui aquém do que envolve a demanda em termos de importância econômica e de relevância jurídica. Os juízes, por sua vez, entendendo que a lei lhes deu o papel de um árbitro com muitos poderes para quantificar os honorários de advogado, em função do que acabam por comparar seus vencimentos e de outros profissionais com os honorários de advogado, estabelecendo critérios que não guardam nenhuma relação lógica.
Há, como pano de fundo, nas controvérsias quanto aos honorários de advogado, componentes que interferem em grande medida, mas que são extrajurídicos, e que poderiam ser melhor explicados ou compreendidos no âmbito da Psicologia e da Sociologia, porque dizem respeito a idiossincrasias do ser humano e aos papeis que exercem no campo profissional, em que se caracteriza uma imanente relação de competitividade.
Indispensável seria que, em tendo o CPC/2015 considerado o “proveito econômico” de uma demanda como o mais importante critério para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado, que então fixasse o conteúdo desse conceito, tanto mais porque lhe era sabido que, no regime do CPC/1973, havia uma série de consistentes questionamentos nessa matéria. Se o objetivo do CPC/2015 era o de trazer segurança jurídica, falhou o legislador ao fazer indeterminado o conceito de “proveito econômico”, trazendo novas discussões na jurisprudência, além daquelas que existiam ao tempo em que estivera em vigor o código de 1973.
Se formos à jurisprudência, por exemplo à do STJ, encontraremos uma série de julgados que se limitam a reproduzir a dicção legal, referindo-se, pois, a “proveito econômico”, sem, todavia, dizer o que por esse termo se deva entender. Confira-se:
“No caso concreto, as instâncias de origem avaliaram a prova dos autos para concluir que o valor atribuído à causa guarda correspondência com o possível proveito econômico pretendido pela parte. O acolhimento do pedido de redução da quantia estimada pelo autor encontra óbice na referida súmula. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no Recurso Especial nº 1.346.772/RJ (2012/0205667-7), 4ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
” (…) O acórdão a quo não destoa do entendimento desse sodalício, segundo o qual os honorários advocatícios podem ser arbitrados por apreciação equitativa nas demandas envolvendo medicamentos, haja vista que, nesses casos, não é possível mensurar, em geral, o proveito econômico obtido com a ação. (…)”. (AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.211.983/PE 2017/0314695-9), 1ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
Poder-se-ia dizer que todos os operadores do Direito sabem o que é “proveito econômico, mas não peçam a eles que o definam, tal como sucedeu com SANTO AGOSTINHO acerca da definição de “tempo , quando, em suas famosas “As Confissões”, diz: “Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se perguntam, e quero explicar, não sei mais nada”. De modo que, quando lerem uma sentença ou um acórdão, e em seu texto encontrarem a expressão “proveito econômico”, terão a certeza de que o juiz ou o desembargador ou o ministro sabem o que entendem e entenderam por tal, mas se abstenham de lhes perguntar por seu conteúdo, que eles nada saberão …
Esse é o principal problema que o CPC/2015 nos trouxe no campo dos honorários de advogado, introduzindo um termo “proveito econômico”, que sobre não ser de nossa tradição no campo do direito positivo, tornou-se tão indeterminado a ponto de ninguém poderá dizer, com segurança, em que ele consiste, sobretudo naquelas ações para as quais o tipo de provimento jurisdicional emitido que pode ser emitido é meramente declaratório, constitutivo ou mandamental.
Pois que está exatamente na indefinição do termo “proveito econômico” a fonte de todas as controvérsias que se instalam em nossa jurisprudência, quando em questão a fixação de honorários de advogado.