Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
É comum pensar-se, entre os leigos, que o legislador possui um poder ilimitado, de modo que, ao elaborar a lei, poderia modificar a seu talante a realidade. O positivismo jurídico, desde AUSTIN, comunga com uma parte dessa ideia, embora aceite que existam e devam existir limites à liberdade do legislador.
Um importante limite à liberdade do legislador é imposto pela Lógica, sim pela Lógica formal.
É o que explica que determinados crimes não possam ter uma variante culposa em seu tipo legal, porque, a existir essa variante, haveria uma contradição em termos lógicos, de modo que o tipo como um todo passaria a apresentar um problema lógico insolúvel, o que conduziria, no plano da Lógica formal, à impossibilidade da existência como um todo do tipo legal penal, e assim dar-se-ia à descriminação do fato no âmbito do Direito Penal.
Daí a necessidade de se analisar, com atenção, o verbo que forma o núcleo da conduta tipificada, porque o sentido desse verbo, sobretudo quando ligado a uma determinada e precisa conduta e seu resultado acontecido na realidade, demarca limites impostos pela Lógica Formal, aos quais o legislador deve obedecer.
Consideremos, pois, o tipo legal do crime de estupro, previsto no artigo 213 de nosso Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
Ao utilizar o referido tipo legal do verbo “constranger”, e de o relacionar diretamente com a conduta de praticar o agente uma violência ou uma grave ameaça com o objetivo de obter, para si ou para outrem, a prática do ato de conjunção carnal, ou qualquer outro ato libidinoso, o tipo legal, tal como formado, torna impossível, no plano lógico-formal, que exista ou possa existir uma variante culposa da mesma conduta, pois haveria uma contradição em termos entre a conduta de constranger, que, como o tipo legal enuncia, decorre de uma violência ou de grave ameaça, e qualquer outra conduta em que o mesmo resultado poderia ser alcançado sem o emprego de violência ou de grave ameaça. O verbo nuclear “constranger”, ele próprio, impõe tais limites ao legislador.
Daí a fundamental razão para que, no caso do crime de estupro, não possa existir, ainda que o legislador quisesse, o crime de estupro em sua variante culposa.
E o mesmo raciocínio há que se aplicar, por óbvio, ao juiz, cuja liberdade no interpretar uma norma legal também deve observar as limitações impostas pela Lógica formal.
A interpretação de uma norma jurídica – a denominada “Hermenêutica Jurídica” – constitui sobretudo uma arte, além de ser uma técnica. Para bem exercitá-la, a “Heurística Jurídica” ministra indispensáveis conhecimentos teóricos, muitos dos quais fundados na Lógica formal. Os operadores do Direito devem obrigatoriamente ter sempre em conta tais conhecimentos.
Para rematar, lembrei-me de um episódio envolvendo o saudoso ministro NELSON HUNGRIA, um dos nossos maiores penalistas de todos os tempos. HUNGRIA, certa feita, deparara-se, no STF, com um caso julgado de modo bastante equivocado por um juiz, que havia demonstrado total desconhecimento da legislação e da arte e da técnica da interpretá-la. HUNGRIA, então, firmou inestimável conselho a todos os juízes, quando escreveu em seu voto que o juiz, quando não sabe a matéria que terá que julgar, deve precatar-se, buscando na doutrina as lições que o poderão ajudar, socorrendo-se também na jurisprudência, e se essas fontes não forem suficientes, deverá buscar o conselho de um juiz mais experiente, tudo de molde que não escreva disparates em sua sentença, que depois ficam associadas a seu nome, vexando-o para sempre.