Processo número 1001233-84.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Formulando embargos, questiona o embargante, (…), a utilização da ação monitória, controvertendo sobre vários aspectos que envolvem o contrato de prestação de serviços celebrado com a embargada, (…) e por ela utilizado como prova escrita, alegando o embargante que ocorreram diversas anomalias na execução dos serviços, inclusive com a caracterização da figura da inexecução contratual, situação que, segundo o embargante, está descrita em parecer técnico que apresenta, com base no qual está a controverter sobre a relação contratual nos autos de ação de obrigação de fazer, registrada sob número 1002817-89-2020.
Embargos recebidos e respondidos pela embargada, que defende estar caracterizada a presença de prova escrita, materializada em contrato de prestação de serviço celebrado com o embargante, pugnando por se dever desconsiderar o laudo técnico por ele apresentado, sustentando que os serviços contratados foram completamente executados, sem qualquer falha ou vício, e que o embargado efetuou o pagamento de apenas metade do valor avençado, fato que, segundo a embargada, não foi impugnado.
Conexão reconhecida com o saneamento deste processo as folhas 232/233.
Instalada a fase de instrução, produziu-se prova oral, e ao cabo dessa fase, as partes apresentaram memoriais.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Reconheceu-se a conexão destes embargos à ação monitória em face de ação de obrigação de fazer que o embargante ajuizou, de molde que a rigor se deveria julgar ambas as ações conjuntamente. Ocorre, entretanto, que como não há risco de decisões conflitantes, dado o destino que se dará a estes embargos, julgam-se apenas estes agora, deixando a ação de obrigação de fazer seguir seu curso natural.
Acolhem-se, com efeito, estes embargos visto que não se configura a existência de prova escrita nos moldes e sob o rigor que o Código de Processo Civil de 2015 exige para o cabimento da ação monitória.
Importante sublinhar que a ação monitória foi introduzida em nosso ordenamento jurídico em vigor em 1995, com a lei federal 9.079, e passou a integrar o rol de ações, procedimentos e tutelas que, em doutrina, são denominadas de técnica de tutela jurisdicional diferenciada, surgidas no bojo de um fenômeno que se instalou especialmente na Itália (a expressão “tutela jurisdicional diferenciada”, foi cunhada pelo processualista italiano, ANDREA PROTO PISANI). Buscava-se, pois, abreviar de algum modo razoável o tempo de duração do procedimento ordinário, engendrando-se assim técnicas antecipar ou o provimento jurisdicional ou seus efeitos, ou ainda a sua eficácia. A ação monitória surge exatamente com essa finalidade e dentro do fenômeno da “tutela jurisdicional diferenciada”.
O procedimento monitório, ou também denominado de procedimento injuntivo, caracteriza-se por ensejar a formação de um título executivo judicial em um procedimento mais célere, adotada uma cognição sumária, de forma que o autor não estaria obrigado a suportar o longo tempo de trâmite de um procedimento ordinário com sua cognição plena e exauriente, desde que possua uma “prova escrita”. Como afirma JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, em monografia sobre o tema:
“Este tipo de tutela jurisdicional diferenciada tem então por escopo (…) superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento simples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia”. (“Ação Monitória”, p. 23, RT).
Mas essa vantagem na posição do autor da ação monitoria deve justificar-se pela existência de um especial requisito: o da prova escrita, que, segundo Carnelutti, consiste em um “documento escrito do qual o juiz infere diretamente, ao cabo do decreto de injunção, a existência da relação jurídica correspondente à pretensão do recorrente”. (tradução nossa, apud JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI na obra mencionada, p. 41).
Destarte, a prova escrita constitui em nosso CPC/2015, como era também no CPC/1973, uma condição específica de admissibilidade da ação monitória, o que significa dizer que se não há essa condição específica, não há como justificar a vantagem processual em favor do autor, que deve suportar a anormal extinção da ação monitória, por ausência do interesse de agir, e remetido ao procedimento ordinário. É o que deve suceder no caso em questão.
Pois que há séria e consistente controvérsia fática acerca de aspectos substanciais da relação contratual que vincula embargante e embargada, dado que essa controvérsia radica na execução do contrato. A impugnação apresentada aos embargos comprova a extensão e importância que assumiu essa controvérsia fática, como, aliás, já se poderia lobrigar antes mesmo destes embargos, bastasse considerar que o embargante antes ajuizara uma ação de obrigação de fazer (a ação conexa), em que invoca a exceção substancial de contrato não cumprido, temática que cuidou renovar no conteúdo destes embargos, provocando uma controvérsia que a embargada reconheceu como tal, ao impugnar as alegações do embargante.
Havendo, pois, uma controvérsia que se instala em aspectos substanciais da relação contratual, como neste caso, não se pode juridicamente qualificar o contrato apresentado pela embargada como “prova escrita”, não certamente para legitimar o uso da ação monitória.
Diante do grau e da extensão da controvérsia fática, não se pode conferir à embargada uma vantagem processual, dispensando-a de se submeter a um procedimento ordinário, dotado de cognição plena e exauriente, procedimento que, a rigor, já existe na ação que o embargante ajuizou, no bojo do qual poderão as partes, embargante e embargada, ali produzir as provas adequadas à demonstração da realidade do objeto contrato e particularmente de sua execução.
Ou seja, não se pode aqui, nesta ação monitória, confirmar exista a relação jurídico-material nos moldes em que a afirma a embargada, havendo a imperiosa necessidade de se perscrutar, em cognição plena e exauriente, a dizer, em procedimento ordinário, acerca dessa relação contratual.
POSTO ISSO, acolho os embargos à ação monitória, por força de reconhecer e declarar a inexistência de prova escrita que autorize o manejo da ação monitória. Declaro a extinção destes embargos à ação monitória, com julgamento de seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e em consequência, por ausência de interesse específico de agir (prova escrita), julgo extinta a ação monitória em razão da aplicação subsidiária do artigo 485, inciso VI, do mesmo Código.
Condeno a embargada no reembolso à embargante do que este despendeu com a taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso. Condenado a embargada também em honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à ação monitória.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 2 de junho de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO