Processo número 1007907-78.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Alega o autor, (…), qualificado a folha 1, o fato de não ter autorizado que a sua imagem como atleta de futebol profissional fosse utilizada em jogos eletrônicos, como aqueles desenvolvidos e comercializados em 2011 pelas rés, (…) pessoas jurídicas domiciliadas no exterior, mas com representação no Brasil, objetivando o autor, pois que as rés sejam condenadas a repararem-lhe danos material e moral decorrentes do uso indevido de sua imagem. Adotado o procedimento comum.
Citadas, as rés contestaram, arguindo nomeadamente a prescrição, aduzindo que os jogos “FIFA Soccer” e “FIFA Manager”, nos quais a imagem do autor teria sido utilizada, foram esses jogos lançados no final de 2010, de modo que está prescrita a pretensão do autor (folhas 159/221).
O autor não apresentou réplica.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Pronuncio a prescrição, acolhendo a alegação das rés, de modo que este processo é extinto, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil.
Como observa AGNELO AMORIM FILHO, o nascimento da pretensão e início do prazo de prescrição são fatos correlatos, de modo que, em se tratando de um direito subjetivo centrado em uma prestação (como se dá no caso das ações cujo provimento jurisdicional pleiteado é o de natureza condenatória), nessa hipótese, surgida a pretensão de direito material, surge a compasso com ela o início do prazo prescricional.
O suposto direito subjetivo que o autor aqui invoca é um direito a uma prestação pecuniária, porque a sua pretensão (processual) é a de obter um provimento jurisdicional condenatório, pois que faça impor às rés a obrigação de repararem-lhe danos material e moral. Destarte, ao surgir a pretensão, com ela também se iniciou o prazo de prescrição.
Conforme comprovaram as rés, os jogos eletrônicos nos quais a imagem do autor teria sido veiculada foram lançados à comercialização no final do ano de 2010, de modo que, lançado o produto ao mercado naquela ocasião, surgiu ali a pretensão do autor a que pudesse ser indenizado por uso indevido de sua imagem, o que faz concluir que o prazo de prescrição também se iniciou naquele momento, ou seja, no final do ano de 2010.
Obtempera o autor que o produto em questão, os jogos eletrônicos, continuaram por longo tempo a ser comercializados, e esse aspecto fático deve ser considerado para efeito da prescrição, porque a relação jurídico-material em cujo bojo aparece caracterizada a pretensão tornara-se, segundo o autor, uma relação jurídico-material continuada, fazendo renovar e ressurgir com certa periodicidade a prescrição, contada do início desde cada um desses acontecimentos. Essa argumentação, contudo, não subsiste.
Com efeito, há que se considerar, conforme enfatizado, que a prescrição de direito material surge tão logo o respectivo direito subjetivo tenha sido violado, nascendo nesse momento a pretensão material e a compasso com ela o prazo de prescrição para o ajuizamento da ação, o que, aliás, justifica se trate a prescrição de um instituto bifronte, porque de natureza material e processual. Daí prever o artigo 189 do Código Civil de 2002 que, “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição (…). Assim, o termo inicial à pretensão de direito material coincide com o do momento inicial adotado também para a prescrição, no caso em que o direito subjetivo invocado diga respeito a uma prestação, como no caso presente.
Há, é certo, relações jurídicas de trato sucessivo, como se dá, por exemplo, quando em um contrato fixam-se cláusulas que levam em conta em seu núcleo um aspecto temporal. São as chamadas “cláusulas de prestações periódicas”. Nesse tipo de situação jurídica, conquanto o contrato deva ser considerado como uma totalidade no campo obrigacional, não se pode desconsiderar que ele enfeixe obrigações que devam ser consideradas de “per si”, dado que as circunstâncias fático-jurídicas que envolvem seu conteúdo residem no tempo, e esse aspecto é de ser considerado para efeito da prescrição, porque cada obrigação fixada no contrato tem um momento temporal para produzir efeitos jurídicos. Deve-se, pois, ter cautela quando se afirma que uma relação jurídica é continuada, porque se há perscrutar se essa relação jurídica é única, formada por um só ato, produzindo efeitos que se projetam no tempo, a ser distinguida de relações jurídicas estas sim continuadas, quando surgem e vão surgindo novos atos que produzem outras pretensões.
Mas a relação jurídico-material objeto desta demanda nada tem que a possa caracterizar como continuada no tempo para efeito de fixação do termo inicial de prescrição, porque não se trata de pretensões que foram surgindo ao tempo em que cada fato jurídico terá ocorrido. Trata-se, sim, de efeitos que estão diretamente ligados a um só fato, materializado no momento em que os jogos eletrônicos foram lançados e comercializados no final do ano de 2010, gerando a partir dali o direito subjetivo em favor do autor de demandar acerca do uso indevido de sua imagem nesses produtos. Ao longo do tempo, não se praticaram outros atos que fizessem nascer outra ou outras pretensões do autor, senão que apenas foram produzidos efeitos decorrentes daquele único ato, materializado no lançamento e comercialização do produto. A comprovar que assim seja, basta considerar o que forma a causa de pedir do autor nesta demanda, que diz respeito ao fato de as rés terem lançado e comercializado os jogos eletrônicos, ato que, segundo se comprova nos autos, ocorreu no final de 2010, sendo esse, pois, o termo inicial para a pretensão e nomeadamente para o cômputo da prescrição.
Prevê o Código Civil de 2002 que o prazo de prescrição para a ação de reparação civil em geral é de três anos, abrangendo a reparação por dano material e moral.
De maneira que, ajuizada esta ação em 2020, depois que de há muito superado o prazo de três anos previsto no Código Civil, configura-se a prescrição.
POSTO ISSO, pronuncio a prescrição, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso II, do Código de Processo Civil.
Condeno o autor a reembolsar as rés o que estas despenderam a título de despesas processuais, com atualização monetária a partir do respectivo desembolso. Condeno o autor também no pagamento de honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, devidamente corrigido.
São Paulo, em 17 de março de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO