DIREITO DE IMAGEM E SUA EXPLORAÇÃO COMERCIAL. COLISÃO ENTRE DIREITOS

DIREITO CIVIL. DIREITO FUNDAMENTAL À PROTEÇÃO DE IMAGEM. REPARAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL. AÇÃO AJUIZADA POR EX-ÁRBITRA ASSISTENTE DE FUTEBOL PROFISSIONAL QUE ALEGA NÃO TER AUTORIZADO EXPRESSAMENTE QUE SUA IMAGEM PUDESSE SER ASSOCIADA A MARCAS ESTAMPADAS NO UNIFORME DE QUE SE UTILIZAVA EM PARTIDAS DE FUTEBOL PROFISSIONAL DAS QUAIS PARTICIPOU. CONTRATO DE AUTORIZAÇÃO DE IMAGEM QUE, FIRMADO COM A CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL – CBF, POSSUI OBJETO GENÉRICO E QUE POR ISSO NÃO DISPENSA A NECESSIDADE DE SUA AUTORIZAÇÃO EXPRESSA. SENTENÇA QUE JULGOU IMPROCEDENTE OS PEDIDOS.

APELO DA AUTORA EM QUE DESTACA CLÁUSULAS CONTIDAS NOS CONTRATOS FIRMADOS PELAS RÉS, SEGUNDO AS QUAIS SE PREVÊ A NECESSIDADE DE PRÉVIA E EXPRESSA AUTORIZAÇÃO DOS ÁRBITROS E ASSISTENTES PARA USO DA IMAGEM ASSSOCIADA A MARCAS COMERCIAIS, CLÁUSULAS QUE, SEGUNDO A AUTORA-APELANTE, DEMONSTRAM QUE AS RÉS TINHAM PERFEITO CONHECIMENTO DE QUE UM LEGÍTIMO USO DE IMAGEM SOMENTE PODERIA OCORRER NOS CASOS EM QUE OS ÁRBITROS E OS ASSOCIADOS O TIVESSEM AUTORIZADO, O QUE NÃO OCORREU NO SEU CASO.

RECURSO ADESIVO DAS RÉS EM QUE RENOVAM A TEMÁTICA ACERCA DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE E PRESCRIÇÃO.

APELO DA AUTORA PROVIDO EM PARTE. DIREITO DE IMAGEM QUE, COMO DIREITO DE PERSONALIDADE E OBJETO DE ENUNCIADO DE DIREITO FUNDAMENTAL EM NOSSA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DEVE TER SEU CONTEÚDO E ALCANCE FIXADOS POR MEIO DOS TRADICIONAIS MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA, O QUE, CONTUDO, NÃO DISPENSA DO JULGADOR A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE, NOMEADAMENTE QUANDO HÁ, COMO NO CASO EM QUESTÃO, CONCORRÊNCIA ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL DA AUTORA À PROTEÇÃO JURÍDICA DE SUA IMAGEM E O DIREITO DE LIBERDADE DE INICIATIVA EMPRESARIAL INVOCADO PELAS RÉS QUANTO A EFEITOS QUE DECORREM DE CONTRATOS QUE, EM TESE, TERIAM AUTORIZADO O USO DA IMAGEM DA AUTORA.

DENUNCIAÇÃO DA LIDE QUE, IMPLEMENTADA, FARIA INTRODUZIR FATO E FUNDAMENTO JURÍDICO NOVOS, DISSOCIADOS DAQUELES QUE FORMAM A CAUSA DE PEDIR. DEMANDA QUE VERSA SOBRE COLISÃO ENTRE O DIREITO FUNDAMENTAL DE IMAGEM DA AUTORA E O DE LIVRE INICIATIVA DAS RÉS, NO CONTEXTO DO QUE SE DEVE PERSCRUTAR SE O USO DA IMAGEM FEITO PELAS RÉS VIOLOU OU NÃO LIMITES IMANENTES AO DIREITO FUNDAMENTAL DA TITULARIDADE DA AUTORA, EM QUE OS CONTRATOS DE AUTORIZAÇÃO DE IMAGEM CELEBRADOS PELA AUTORA COM A CBF ATUAM APENAS COMO MATERIAL HERMENÊUTICO.

PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL QUE SE DEVE FIXAR A PARTIR DO MOMENTO EM QUE O VÍNCULO CONTRATUAL DA AUTORA COM A CBF CESSOU, SURGINDO ENTÃO SURGIU O DIREITO DE AÇÃO NO PLANO PROCESSUAL, CONQUANTO EXISTISSE ANTES O DIREITO SUBJETIVO, MAS SEM AFETAR O INÍCIO DO PRAZO PRESCRICIONAL.

CONTRATOS DE AUTORIZADO FIRMADOS PELA AUTORA COM A CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE FUTEBOL – CBF QUE PERMITIAM, ALÉM DE UM JUSTO LIMITE, A UTILIZAÇÃO COMERCIAL DA IMAGEM DA AUTORA DE MANEIRA ASSAZ GENÉRICA, A CRIAR COM ISSO UMA INJUSTIFICADA RESTRIÇÃO AO ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA AUTORA. LIMITES IMANENTES AO DIREITO FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO À IMAGEM QUE FORAMD SENSIVELMENTE AFETADOS, A DESNATURAR NA PRÁTICA A PROTEÇÃO À IMAGEM, AFETANDO, OUTROSSIM, OUTRO DIREITO FUNDAMENTAL: O DA DIGNIDADE HUMANA, EM FUNÇÃO DO QUAL SE DEVE PENSAR OS DIREITOS DE PERSONALIDADE E DA MELHOR FORMA COMO SE OS DEVEM PROTEGER.

DANO MORAL, CONTUDO, NÃO CONFIGURADO. AMBAS AS POSIÇÕES JURÍDICAS, A DA AUTORA E AS DA RÉ, QUE SÃO RAZOÁVEIS NO CONTEXTO EM QUE SE INSTALA A COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS, NÃO HAVENDO, POIS, ATO ILÍCITO, SENÃO QUE APENAS A PREVALÊNCIA DE UM DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, CONFORME AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO EM CONCRETO.

SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO, DESPROVIDO O RECURSO ADESIVO QUE AS RÉS INTERPUSERAM. INVERSÃO DOS ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, SEM A MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

RELATÓRIO
Sustentando ter exercido a função de árbitra assistente de futebol como integrante dos quadros da CBF – Confederação Brasileira de Futebol e da FPF – Federação Paulista de Futebol desde o ano de 2006 e que, no exercício dessa função, participando de diversos eventos futebolísticos oficiais com ampla divulgação na mídia geral e especializada, foi compelida a usar vestimentas (uniformes) que continham a logomarca das rés, mas sem receber qualquer contrapartida financeira para tanto, ajuíza a autora (…) a presente ação contra as rés (…), visando, em síntese, sejam essas condenadas ao pagamento de indenização por dano material e moral pela exploração indevida de sua imagem nas condições relatadas.
A r. sentença de fls. 633/639, rejeitando as preliminares arguidas pelas rés e o pedido de denunciação da lide à CBF – Confederação Brasileira de Futebol, julgou improcedentes os pedidos sob o fundamento de que, ao contrário do que afirmara, a autora expressamente consentira junto à Confederação Brasileira de Futebol fosse sua imagem explorada, seja diretamente pela própria CBF, seja por meio da cessão desse direito a terceiros, incluindo parceiros ou patrocinadores do órgão máximo do futebol brasileiro.
Recurso de apelação interposto pela autora, em que, obtemperando que a documentação que levou à improcedência dos seus pedidos, além de impugnada, não abarca todo o período de uso de imagem discutido nos autos, como também não faz prova da cessão da exploração desse direito entre ela, autora, e as rés; e, por fim, que por tais documentos apenas terem previsto a exibição do logotipo das rés nos uniformes dos árbitros, não podem esses documentos ser considerados como autorizativos quanto ao uso de sua imagem, inclusive porque, segundo cláusulas contratuais que aponta, o próprio contrato expressamente não só continha previsão de que sua abrangência não autorizava a exploração da imagem e da voz individual dos árbitros, como também que isso só poderia ocorrer mediante prévia e expressa aprovação dos árbitros de futebol e seus auxiliares, pugna a apelante, salientando ainda o caráter fundamental do direito que invoca e a previsão constitucional de indenização na hipótese em que violado, com base, pois, nesse contexto fático-jurídico, pela reforma da r. sentença para que os seus pedidos sejam todos julgados procedentes, condenando-se as rés ao pagamento de indenização por dano material e moral relacionada a todo o período em que afirma ter sido por elas indevidamente utilizada sua imagem ou, ao menos, para que essa condenação recaia sobre os períodos não abarcados pelos contratos juntados aos autos. Para a hipótese de manutenção da r. sentença objurgada, pleiteia, ainda, sejam reduzidos os honorários advocatícios fixados pelo juízo de origem em favor das rés.
Já as rés, em recurso adesivo, pugnam pelo deferimento da denunciação da lide à Confederação Brasileira de Futebol e o acolhimento da preliminar de prescrição da pretensão da autora – pois, segundo sustentam, o termo inicial para o cômputo de referido prazo prescricional, ao contrário do que entendeu o magistrado de origem, não corresponde à data do término do contrato de patrocínio firmado entre as rés e a Confederação Brasileira de Futebol, mas sim ao tempo em teria se iniciado a suposta violação ao direito alegado pela autora, ou seja, quando da data do início dessa relação contratual.
Ambos os recursos são tempestivos e foram respondidos. E indeferidos os benefícios da gratuidade da justiça à autora, com o posterior recolhimento e complementação do valor do preparo de seu recurso, tem-se, portanto, que tanto o recurso de apelação interposto pela autora, quanto o adesivo, interposto pelas rés, encontram-se preparados.

FUNDAMENTAÇÃO

Dá-se parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, reformando, em parte, a r. sentença, com o reconhecimento, no contexto de uma colisão entre direitos fundamentais, do direito fundamental da autora. Dano moral, contudo, não caracterizado. Desprovido, outrossim, o recurso adesivo que as rés interpuseram.
Dois registros iniciais são necessários e eles se prendem ao recurso adesivo que as rés interpuseram. Referem-se, pois, à denunciação da lide e à prescrição, matérias que a r. sentença bem analisou.
Quanto à denunciação da lide, se tivesse sido admitida, ela faria introduzir na demanda fatos e fundamentos jurídicos novos, bastante dissociados daquilo sobre o que forma a demanda, o que não se pode admitir. Os contratos de autorização que a autora firmou com a CBF devem ser analisados como importante material hermenêutico, porque se deve perscrutar, no contexto de uma colisão entre direitos fundamentais, se a autorização não terá sobre-excedido os limites imanentes ao direito fundamental de proteção à imagem à autora, o que, em tendo ocorrido, poderá ter afetado um outro direito fundamental: o da dignidade humana, em cujo conteúdo estão abarcados os direitos de personalidade, como o direito à imagem. Corretamente, pois, o juízo de origem indeferiu a denunciação da lide à CBF.
E também o fez com acerto ao fixar o termo inicial da prescrição exatamente no momento em que os contratos celebrados pela autora com a CBF findaram, quando então surgiu o direito de ação no plano processual, conquanto o direito subjetivo material já existisse, sem afetar, contudo, o prazo prescricional.
De maneira que o recurso adesivo é desprovido, e sua análise antecedeu ao da autora por questões lógica e jurídica.
Analisemos então o recurso de apelo da autora.
Enfatizando aspectos de relevo, como a natureza do vínculo jurídico que os árbitros e os assistentes de arbitragem firmam com a Confederação Brasileira de Futebol – CBF, destacando, pois, que a profissão é objeto de uma regulação legal relativamente recente no Brasil, e que está nesta demanda a invocar o direito subjetivo à proteção de sua imagem, questiona a autora a solução que foi dada à lide pelo juízo de origem, que, em resumo, considerou o fato de a autora ter, por meio de contratos, cedido à CBF o uso de sua imagem em diversas mídias, autorizando-a, pois, a que pudesse celebrar contratos com empresas privadas para que a marca dessas empresas pudesse ser estampada no uniforme que a autora usou nas partidas de futebol em que atuou como assistente de arbitragem, de maneira que, segundo o pensar do juízo de origem, a autora, “ao assinar os termos, concordou com o uso da imagem e a vinculação da imagem a marca de eventuais patrocinadores da CBF”. (cf. folha 638).
O juízo de origem levou a cabo, contudo, uma análise algo incompleta do que forma em essência os direitos subjetivos em colisão, ao deixar de observar que, em sendo o direito fundamental de proteção à imagem um direito de personalidade que a Constituição de 1988 consagra como tal, é imperioso considerar que o conteúdo e o alcance dos direitos fundamentais são extraídos por meio daqueles tradicionais meios de interpretação jurídica, mas havendo ainda a necessidade de o juiz aplicar o princípio da proporcionalidade como único instrumento jurídico azado a determinar, segundo as circunstâncias do caso em concreto, o que constitui o direito fundamental em questão.
Com efeito, sem a aplicação do princípio da proporcionalidade, é impossível perscrutar nas circunstâncias do caso em concreto se foram ou não respeitados os limites imanentes a cada um dos direitos fundamentais sob colisão. A técnica de que o juízo de origem utilizou-se, limitada àqueles meios tradicionais de interpretação, demonstra quão necessária é no Brasil que os operadores do Direito, sobretudo os juízes, vejam sob outra perspectiva os direitos fundamentais, como a Alemanha e Portugal de há muito os veem como mandamentos de otimização como observa Robert Alexy, cuja obra é de dispensável leitura. No Brasil, ainda hoje se veem os direitos fundamentais como se veem os direitos subjetivos em geral, sem a necessária compreensão do quid que os diferencia, e que exige a aplicação do princípio da proporcionalidade. Pois que o desacerto em que incidiu o juízo de origem na valoração dos fatos radica precisamente no ter deixado de aplicar o princípio da proporcionalidade.
Com efeito, é bastante visível, pela intelecção da r. sentença, que o juízo de origem fez aplicar apenas a interpretação pelos meios usuais da interpretação jurídica, olvidando de que, em se cuidando de direitos fundamentais, não se pode prescindir do princípio da proporcionalidade, sobretudo quando se instala uma concorrência entre direitos fundamentais, como neste caso. Lembremos de CANOTILHO:
“(…) considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. (…)”. (“Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 4ª. edição, p. 1229).
E a aplicação do princípio da proporcionalidade revela-se ainda mais necessária quando a colisão entre direitos fundamentais é colocada no contexto em que pode ter havido uma desproporcional restrição ao direito da autora à proteção de sua imagem, a ponto mesmo de eliminar na prática essa proteção, o que ocorreu quando os limites imanentes de um direito fundamental são sobre-excedidos em um grau tão considerável que resta apenas uma ficção jurídica de proteção.
Aplicar o princípio da proporcionalidade impõe a necessidade de se ponderarem as posições jurídicas em conflito no caso em concreto, com o que se pode e se deve definir o âmbito de proteção do direito da autora, de modo que se possa decidir se, a autorização que a autora havia concedido por contratos à CBF, se essa autorização não acabou por restringir o espaço de proteção jurídica da autora aquém de um mínimo que se possa considerar razoável, ou seja, se os limites imanentes ao direito fundamental de imagem da autora não foram sobre-excedidos além do que se pode considerável como aceitável.
Destarte, a técnica que se aplica neste caso é precisamente aquela que constitucionalistas como ROBERT ALEXY, CANOTILHO e JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE defendem, qual seja, a que se faça aplicar o princípio da proporcionalidade, sobretudo por sua máxima de ponderação, aferindo-se nas circunstâncias do caso em concreto o que constitui um proporcional âmbito de proteção à esfera jurídica da autora.
A autora de fato cedera o uso de sua imagem à CBF, como se constata pelo documento produzido as folhas 394/395. Trata-se de um instrumento que foi denominado “Termo de Compromisso e de Autorização de Uso de Nome, Imagem e Voz”, segundo o qual a autora receberia uma remuneração por cada partida de futebol profissional de que participasse como auxiliar de arbitragem, autorizando a CBF em contrapartida a poder divulgar a imagem da autora e explorá-la comercialmente, como veio a fazer por meio dos contratos que celebrou com as requeridas desta demanda. As provas apresentadas pela autora comprovam que a marca comercial das rés foi estampada no uniforme que a autora usou em diversas partidas em que atuou como assistente de arbitragem.
A questão que se coloca nesse contexto diz respeito a analisar se a autorização que a CBF obteve da autora não terá sido acentuadamente genérica, a ponto mesmo de por meio dela a autora ter aberto mão de toda a proteção de sua imagem em quaisquer contratos que a CBF viesse a firmar com terceiros. Ou seja, os efeitos dessa autorização, nos moldes em que firmada, teriam feito restringir em grau elevado, elevadíssimo o âmbito de proteção jurídica da imagem da autora, eliminando na prática esse direito fundamental, visto que a autora não poderia reclamar proteção jurídica ou reparação por qualquer uso futuro de sua imagem que a CBF resolvesse fazer por meio de contrato com terceiros. A autora teria então suportado uma restrição no espaço de um outro importante direito fundamental, que é o de proteção à sua dignidade enquanto pessoa humana, cujo conteúdo, como dito, abrange a proteção a direitos de personalidade, dentre os quais está o direito à imagem.
Constata-se, pois, que os termos dessa autorização eliminaram a praticamente zero o âmbito de proteção jurídica da autora, avançando indevidamente sobre o que se deve considerar como limite imanente do direito fundamental à imagem como direito de personalidade, e é exatamente esse aspecto que dá guarida à argumentação da autora.
Importante adscrever que as rés em determinado momento se deram conta de que não podiam se valer da autorização genérica que a CBF possuía, e por isso passaram a prever nos contratos que com ela firmaram que aquela autorização não supria e não dispensava a “negociação individual específica para esse fim, de forma prévia e expressa, com cada retratado”. É o que está na cláusula de número 3.2 a que a autora cuidou fazer destaque em seu recurso de apelação, e que de fato não merecera do juízo de origem uma detida valoração. Esse contrato, importante assinalar, é de 2019 (cf. folha 437).
Em se tratando de direitos fundamentais de personalidade, como o direito à proteção da imagem, não se admite que, nas relações de ordem privada, estabeleçam-se cláusulas contratuais que interfiram diretamente sobre os limites imanentes a esses direitos fundamentais, como que retirando na prática todo o âmbito de proteção jurídica do titular desse direito, como sucede no caso dos contratos de autorização celebrados pela autora com a CBF. É por isso que, ponderando os interesses em conflito, há que se concluir pela prevalência da posição jurídica da ré, restaurando-lhe um justo âmbito de proteção a seu direito de imagem, com a reparação que lhe é devida pelo uso não autorizado que as rés fizeram uso de sua imagem, considerando o tempo em que esse uso ocorreu de acordo com os limites do pedido formulado nesta ação.
No que toca ao pedido de reparação por dano moral, não se configura a ocorrência de um ato ilícito, porque o direito fundamental das rés – o da liberdade de iniciativa, materializado na exploração de sua marca comercial dentro daquilo que o Direito positivo brasileiro admite – existe, e as razões que as rés invocam são legítimas, conquanto não sejam prevalecentes em face da proteção que se deve conferir ao direito fundamental da autora. Ambas as posições jurídicas, a da autora e a das rés, são razoáveis e isso descaracteriza o ato ilícito.
Por tais razões é que se deve reformar em parte a r. sentença, reconhecendo o direito subjetivo de matriz fundamental da titularidade da autora a ser reparada pelo uso indevido de sua imagem feito pela ré, apurando-se em liquidação por arbitramento os valores que envolvem essa reparação patrimonial, que será quantificada com base em critérios objetivos, como são os que dizem respeito aos valores dos contratos em questão, o grau alcançado pela exposição da imagem da autora nas diversas mídias em que essa imagem foi veiculada, o resultado em termos de divulgação da imagem das rés, obtido com a exposição de sua marca nos uniforme da autora e a captação de clientela por meio dessa forma de propaganda. Caberá ao juízo de origem, em azado momento, nomear perito especializado na matéria, para que a liquidação por arbitramento tenha regular curso.
Por meu voto, dá-se parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, reformada a r. sentença, reconhecendo-se, pois, no contexto de uma colisão entre direitos fundamentais, a prevalência do direito fundamental da titularidade da autora à proteção jurídica de sua imagem, condenando-se as rés a repararem o uso indevido dessa imagem, apurando-se em liquidação por arbitramento o montante dessa reparação patrimonial. Pedido de reparação por dano moral declarado como improcedente. Desprovido, outrossim, o recurso adesivo interposto pelas rés.
Invertem-se os encargos de sucumbência, que passam assim a ser exclusivamente atribuídos às rés. Não se aplica a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015 quando se invertem os encargos de sucumbência.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *