APELAÇÃO. DIREITO DE IMAGEM. ALEGAÇÃO DA AUTORA DE QUE TIVERA A SUA IMAGEM UTILIZADA SEM SUA AUTORIZAÇÃO, CAPTADA POR UMA AGÊNCIA DE IMAGENS QUE DELA FEZ USO COMERCIAL, VENDENDO-A POR CONSIDERÁVEL VALOR.
ALEGAÇÃO DA AUTORA, OUTROSSIM, DE QUE SE HÁ CONSIDERAR O OBJETO DA FOTOGRAFIA (O “REFERENTE”), QUE CONDUZ O ESPECTADOR A ASSOCIAR A PESSOA DA AUTORA À ATIVIDADE DE CATADORA DE LIXO, ATIVIDADE QUE, EM REALIDADE, NÃO EXERCIA, DE MANEIRA QUE A IMAGEM, COMO CONSTRUÍDA, CRIA UM AMBIENTE IMAGINÁRIO NO ESPECTADOR, O QUE FAZ A AUTORA SUBMETIDA A UMA SITUAÇÃO DE HUMILHAÇÃO E DE VERGONHA FRENTE À SUA FAMÍLIA E AMIGOS.
SENTENÇA QUE, APLICANDO O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE E A PONDERAÇÃO ENTRE OS INTERESSES EM CONFLITO COMO FORMA DE CONTROLE DO CONFLITO INSTALADO ENTRE O DIREITO À PROTEÇÃO DA IMAGEM E O DIREITO À LIBERDADE DE INFORMAÇÃO, DECIDIU PELA PREVALÊNCIA DESTE ÚLTIMO DIREITO SUBJETIVO DE MATRIZ CONSTITUCIONAL, POR RECONHECER O CARÁTER INFORMATIVO DA FOTOGRAFIA, CAPTADA EM LOCAL PÚBLICO, JULGANDO, ASSIM, IMPROCEDENTE O PEDIDO.
APELAÇÃO DA AUTORA, ENFATIZANDO QUE SE HÁ RECONHECER A EXPLORAÇÃO COMERCIAL DA IMAGEM, TENDO EM VISTA A VENDA PELA RÉ DOS DIREITOS AUTORAIS SOBRE A IMAGEM.
APELAÇÃO INSUBSISTENTE. CORRETA VALORAÇÃO PELO JUÍZO DE ORIGEM DOS INTERESSES JURÍDICOS EM COLISÃO, E A AZADA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PROPORCIONALIDADE DIANTE DESSE TIPO DE CONFLITO.
DIREITO À IMAGEM QUE, DE FATO, ESTÁ A COLIDIR COM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, NÃO SENDO POSSÍVEL HARMONIZÁ-LOS NAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO EM CONCRETO. FOTOGRAFIA QUE FOI CAPTADA EM LOCAL PÚBLICO E QUE TEM FINALIDADE EXCLUSIVAMENTE INFORMATIVA, SEM QUALQUER INTENÇÃO DE COLOCAR A AUTORA-APELANTE EM SITUAÇÃO DE MENOSCABO OU DE HUMILHAÇÃO.
DIREITO À LIBERDADE DE INFORMAÇÃO QUE, COMO BEM VALOROU O JUÍZO DE ORIGEM, DEVE PREVALECER NO CASO EM CONCRETO, NÃO SENDO DE MOLDE QUE INFIRME A PROTEÇÃO AO DIREITO À INFORMAÇÃO O FATO DE SE TRATAR DE UMA EMPRESA MUNDIAL DE BANCO DE IMAGENS E QUE AS COMERCIALIZA A EMPRESAS E CONSUMIDORES EM GERAL.
RECURSO DE APELAÇÃO DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA.
RELATÓRIO
Cuida-se de demanda ajuizada por (…) contra (…), pela qual, alegando que a requerida, ao menos desde 2018, vem publicando e comercializando, sem prévia autorização, uma foto sua capturada enquanto trabalhava em uma cooperativa de reciclagem situada (…), na comarca do Rio de Janeiro, pelo valor aproximado de 175 dólares, e que tal circunstância, a conotação da sua imagem como “catadora de lixo”, além de permitir o enriquecimento ilícito da requerida decorrente da violação do seu direito de imagem, lhe ocasiona dor, humilhação e vergonha perante familiares e terceiros, pretende a responsabilização civil da requerida, mediante a condenação desta ao pagamento de indenização arbitrada em R$ 200.000,00, à título de reparação por danos morais, bem como à remoção da publicação hospedada em seu sítio eletrônico.
A r. sentença, contudo, aplicando a técnica da ponderação entre os direitos fundamentais subjacentes ao caso e concluindo como prevalecente o caráter informacional do contexto em que inserida a imagem, julgou improcedente o pedido (fls. 328/331).
Interpondo recurso de apelação, sustenta a autora desacerto na conclusão alcançada pela r. sentença, pois que, segundo argumenta, a requerida não utiliza imagens com a finalidade de informar, mas sim com o manifesto propósito de comercialização de imagens, alegando, outrossim, que a prova documental produzida nos autos, nomeadamente aquela juntada a folha 21, revela que a fotografia em questão permite a fácil identificação do seu rosto. Destarte, reiterando a suposta lesão ao seu direito de imagem, pugna pela reversão do julgado, mediante a procedência dos seus pedidos (fls. 336/339).
Recurso tempestivo, dispensado de preparo por ser a autora-apelante beneficiária da gratuidade processual (fls. 35) e contra-arrazoado (fls. 343/414).
FUNDAMENTAÇÃO.
Há que ser desprovido o recurso de apelação que a autora interpôs.
Deve-se, pois, manter a r. sentença que fez correta utilização do princípio constitucional da proporcionalidade, mais especificamente de uma de suas formas de controle enfeixadas no conteúdo desse princípio, que é a técnica da ponderação entre os interesses em conflito, aferidos segundo as circunstâncias do caso em concreto.
Há, com efeito, uma evidente colisão entre o direito de proteção à imagem da autora e o direito à liberdade de informação, de que é titular a ré. Ambos os direitos subjetivos são de matriz constitucional e radicam na proteção à liberdade, a qual está a colidir constantemente com outros direitos, como sucede no caso em questão, em que a ré captara a imagem da autora em um local situado na cidade do Rio de Janeiro, em que se instalou um centro de reciclagem, cujas inadequadas condições, aliás, determinaram a interdição do local logo após a captura da imagem, captada pelo fotógrafo da ré-apelada com uma intenção puramente informativa, que era a de retratar as péssimas condições de trabalho a que estavam expostos os trabalhadores daquele local, inclusive da autora, que ali laborava. A fotografia revela, portanto, um propósito marcadamente de informação.
Diante, pois, da colisão entre esses dois direitos subjetivos de matriz constitucional, e da impossibilidade de os harmonizar, não cabia ao juízo de origem senão que, ponderando os interesses em conflito, decidir pela prevalência de um deles, aplicando-se o método defendido pelo conhecido jurista alemão, ROBERT ALEXY, que considera os direitos subjetivos de natureza de direitos fundamentais como princípios, ou seja, como mandamentos de otimização, no sentido de que seu conteúdo e alcance devem ser extraídos das circunstâncias do caso em concreto, o que permite que se pondere sobre os direitos que estejam a colidir, com a utilização de critérios racionais, ou seja, com o apoio de uma teoria da argumentação racional.
Pois bem, identifica-se o núcleo essencial da proteção à liberdade informação na atividade que é realizada pelos diversos meios de comunicação, inclusive agências internacionais de fotografias, caso da ré-apelada, que, por meio de seus fotógrafos e utilizando da linguagem fotográfica como meio de expressar a mensagem de cunho informativo, captura imagens que tenham, em si, elementos de interesse do público, como sucedeu no caso em questão, em que a fotografia registrou as péssimas condições em que operava um “lixão” na cidade do Rio de Janeiro, levando ao conhecimento do público em geral as degradantes condições de trabalho a que estavam submetidas as diversas pessoas que ali laboravam, inclusive a autora. A fotografia, de resto, cumpriu sua finalidade, tanto assim que fez sensibilizar os governantes, que de imediato interditaram o local.
Desde SUSAN SONTAG sabe-se bem do poder da imagem, como ocorreu com a Guerra do Vietnã, cujo fim se deve essencialmente às fotografias publicadas em grandes jornais norte-americanos, o que permitiu que o leitor norte-americano tomasse conhecimento, por meio das imagens, das atrocidades que seu país estava a praticar naquele país. Descobriu-se ali o grande poder da fotografia, e o caso dos autos comprova esse poder, na medida em que foram as imagens fotográficas que, levadas ao conhecimento do público, fizeram com que o “lixão” a certo aberto fosse interditado.
A ré é uma empresa mundial de comunicação, dedicando-se à captura de fotografias nos locais mais distantes do planeta, registrando por meio de seus inúmeros fotógrafos as imagens que tenham, em si, o poder de prender a atenção do espectador. Para manter-se como uma empresa que é, a ré obviamente comercializa as fotografias que compõem seus bancos de dados, e as comercializa com jornais, revistas e com todas as empresas de comunicação. O fato de comercializar as fotografias não suprime o fato de que as imagens fotográficas que são captadas têm a finalidade de informação.
O juízo de origem valorou acertadamente todos esses aspectos, quando, aplicando a técnica da ponderação entre os interesses em conflito, reconhecendo em favor da autora o direito à proteção de sua imagem, e o cotejando com o direito à liberdade de informação que se reconhece em favor da ré, ponderando, pois, esses interesses, decidiu com justa razão pela prevalência do direito subjetivo da ré-apelada nas circunstâncias do caso em concreto, com o que julgou improcedente o pedido, devendo ser mantida essa solução – essa justa solução.
Por meu voto, nega-se provimento ao recurso de apelação interposto pela autora, mantida a r. sentença.
Mantém-se o regime de sucumbência, tal como fixada a r. sentença. Majoram-se, contudo, os honorários de advogado em função do que determina o artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015, de maneira que os honorários passam a corresponder a 11% (onze por cento) sobre o valor atribuído à causa, devidamente corrigido.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
RELATOR