DESPACHOS VIRTUAIS

COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

PARTE GERAL.
LIVRO I. DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS (ARTIGOS 1º. a 15).

“Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”.

Comentário: trata-se de uma norma daquelas que a doutrina denomina de “normas de super-direito”, no sentido de que são normas que se referem ao conteúdo e forma de outras normas. Não havia no CPC/1973 norma semelhante. A importância desse dispositivo radica no fixar que as normas de nosso sistema processual civil (e não apenas as normas do CPC/2015) devem ser interpretadas e também aplicadas “conforme os valores e as normas fundamentais” da Constituição de 1988, o que significa dizer que os operadores do direito, sobretudo o juiz, devem sempre levar em consideração o que forma o princípio constitucional do devido processo legal “formal” e “substancial”. A proteção ao contraditório e à ampla defesa no processo civil recebem agora, em nosso sistema processual civil, especial proteção (confira-se, por exemplo, os artigos 9o. e 10 do CPC/2015), como deve o juiz também operar com o juízo de ponderação (cf. artigo 489, par. 2o., CPC/2015). Aos sistemas processuais específicos, caso do Juizado Especial de Fazenda Pública, regulado pela Lei federal de número 12.153/2009, também se deve aplicar a norma em questão.

“Art. 2o. O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”.

Comentário: em razão de o nosso Código de Processo Civil adotar o princípio dispositivo, daí decorre que estabeleça, quanto à formação do processo civil, como condição indispensável, a iniciativa do autor. No CPC/1973, esse mesmo princípio dispositivo estava previsto no art. 262, com uma redação muito próxima da do CPC/2015. Acrescentou-se agora que a Lei poderá prever exceções, de modo que, nalgumas situações (como, por exemplo, no inventário), o juiz poderá determinar, de ofício, a instauração desse tipo de processo. O Ministério Público, naquelas hipóteses previstas em Lei, como, por exemplo, na curadoria de bens de ausente (Código Civil, art. 22), possui a legitimidade para ajuizar a ação. Especial atenção deve ser dada à determinação do legislador no sentido de que, quanto ao desenvolvimento do processo, o juiz deve cuidar para que o processo receba, em tempo razoável, sentença, conforme se lhe impõem os deveres previstos no art. 139 do CPC/2015.

“Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

Comentário: norma que, em essência, limita-se a reproduzir, com pequena modificação de estilo, o que a CF/1988, em seu art. 5o., inciso XXXV, fixa como princípio nuclear de nossos sistemas processuais (civil, penal, trabalhista, etc…). O objetivo de reproduzir, dentre as normas do CPC/2015 o que a Constituição estabelece como princípio, é de impor ao juiz a obrigatoriedade de sempre pensar o acesso à tutela jurisdicional como um direito fundamental, algo de que, por ror vezes, olvida-se. A novidade está em o CPC/2015 prever o uso da arbitragem, embora sem haver aí qualquer efeito prático, porque o instituto já fora regulado pela Lei federal 9.307/1996, e que desde então convive ao lado do processo civil como meio de solução de litígios, inclusive daqueles de que fazem parte o Estado, o que, aliás, justifica a ênfase dada nos parágrafos 2o. e 3o. a que se busque, sempre que possível, obter a solução consensual dos conflitos, entendendo-se por “Estado” tanto o Poder Judiciário como órgão julgador, quanto o Poder Executivo, quando parte integrante de uma demanda.

“Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Comentário: objetivando garantir a todos os litigantes o direito a um processo “justo”, o CPC/2015, repetindo o que prevê a norma constitucional do artigo 5o., inciso LXXVIII, determina que a tutela jurisdicional deva ser entregue em “prazo razoável”, embora sem estabelecer o que se deve entender como tal. De toda a forma, o que o Legislador não quer é que se tenha precipitação a ponto de enfraquecer as garantias processuais formais, como o direito ao contraditório e a ampla de defesa. Vale recordar o que dizia SARAMAGO, que perfeitamente se ajusta ao objetivo do legislador: “Não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”. Daí impor o CPC/2015 ao juiz, por seu artigo 139, que faça velar pela duração razoável do processo, mas sem deixar de assegurar às partes igualdade de tratamento. Recomendável seria que o CPC/2015, em lugar de, simplesmente, repetir a norma constitucional, tivesse, para algumas específicas situações processuais, fixado prazo, como no caso de tutelas provisórias de urgência (cautelar, antecipada, preventiva), estabelecendo um prazo máximo de eficácia.

“Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé”.

Comentário: A boa-fé, como princípio ou dever jurídico, revela-se presente no CPC/2015 em três artigos: 5o., 322, par. 2o., e 489, par. 3o.. No CPC/1973, havia apenas uma referência: art. 14, II. Poder-se-ia supor, a partir do número de referências, que a boa-fé teria no CPC/2015 aumentado sua importância, o que, contudo, não sucede. A supressão ao dever de lealdade processual do rol dos deveres jurídicos impostos às partes e a todos àqueles que participam no processo, como se vê do artigo 77, enfraqueceu o sistema de proteção a um processo ético, que era a grande marca do CPC de 1973. Fala-se apenas em “boa-fé”, e não mais em lealdade processual, o que demonstra a intenção do Legislador de não mais considerar relevante a proteção a um processo ético. Protege-se apenas a boa-fé, o que é menos abrangente do que se proteger apenas a boa-fé, e não mais a lealdade no processo, como ocorria durante a vigência do artigo 14, II, do CPC/1973. De resto, o artigo 5o. não apresenta importância prática, dado que o artigo 77, ao enumerar os deveres legais que são impostos às partes e a todos aqueles que participam do processo, abarca a boa-fé (mas não abrange a lealdade).

“Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

Comentário: trata-se de uma norma de valor muito mais simbólico que prático, dado que a falta de cooperação somente pode ser sancionada se ocorrer qualquer daquelas hipóteses previstas no artigo 77 do CPC/2015, ou naquelas específicas hipóteses que esse mesmo Código regula, caso, por exemplo, dos artigos 772 e 774. Por óbvio, envolvendo o processo interesses em conflito, a cooperação entre as partes é de ser sempre analisada nesse ambiente que lhe é natural. E nomeadamente a boa-fé deve ser avaliada nesse contexto. A norma em questão reproduz, em grande medida, o que dizia CALAMANDREI:
“Quem se ponha a observar o modo pelo qual se desenvolve um processo judicial, civil ou penal, vê, com efeito, que ele consiste em uma série de atividades realizadas por homens, que colaboram para a consecução do objeto comum que consiste em um pronunciamento de uma sentença ou em por em prática uma medida executiva, de modo que as várias atividades que devem ser realizadas pelas diversas pessoas que tomam parte no processo, distribuem-se no tempo e no espaço seguindo um certa ordem lógica, quase com em um drama teatral as intervenções dos atores sucedem-se não por causalidade, senão seguindo o fio da ação, de modo que a fase sucessiva está justificada pela precedente, e, por sua vez, dá ocasião a que vem depois. (…). Em realidade, para o espectador estranho que assiste em audiência a um debate público, o processo se assemelha muito a um drama com suas personagens e seus episódios, cujo epílogo está representada pelo pronunciamento da providência jurisdicional”. (tradução nossa, Instituciones de Derecho Procesal Civil, p. 242/243).

“Art. 7º É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.

Comentário: tanto quanto a regra do artigo 139, I, do mesmo Código, trata-se de um desenvolvimento, no campo do Direito Processual Civil, do princípio constitucional da igualdade, impondo ao juiz que, nas relações jurídico-processuais, cuide observar e assegurar às partes uma “paridade de tratamento”, tanto em relação a direitos e faculdades processuais, quanto a meios de defesa, ônus, deveres e sanções processuais. Essa “paridade de tratamento” obsta, por exemplo, que o juiz profira uma decisão sem antes conceder a outra parte o direito de ser ouvida, ou que profira uma decisão com base em um fundamento (fático ou jurídico) a respeito do qual não se tenha a oportunidade de uma manifestação (“decisão-surpresa”), situações específicas que estão tratadas nos artigos 9o. e 10 do CPC/2015. Uma outra situação específica está regulada pelo artigo 933 do CPC/2015. Aprimorando nesse aspecto o CPC/1973, buscou o CPC/2015 garantir, tanto quanto possível, a igualdade das partes em diversas situações que ocorrem no processo, como, por exemplo, nos embargos declaratórios, os quais agora devem ser processados com a intimação da parte contrária para a resposta a esse recurso (art. 1023, par. 2o.). Não há dúvida de que o direito a um processo justo, tal como está garantido pelo princípio constitucional do devido processo legal, exige um contraditório equilibrado.

“Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.
Comentário: esta é mais uma das regras do CPC/2015 em que apenas se expressa o que outras normas, algumas de matriz constitucional, fixam como princípio, caso, por exemplo, da proteção à dignidade humana (CF/1988, art. 1o., III). Assim também sucedendo com a proporcionalidade, que em nosso sistema jurídico constitui um princípio, tanto quanto a razoabilidade, a publicidade e a eficiência. Quanto a obrigar o juiz a atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, lembrará o leitor que o artigo 5o. da Lei de Introdução às Normas de Direito Pública assim o determina. De modo que nada de novo o artigo 8o. traz ao nosso sistema jurídico-processual, nem utilidade prática terá, além do que já se podia extrair do conteúdo e do alcance daquelas normas mencionadas. Nota-se que o objetivo do Legislador do CPC/2015, nesse tipo de norma, foi de caráter simbólico, como a dizer e a lembrar ao juiz que aqueles princípios constitucionais e normas de “super-direito” devem ser observadas e aplicadas no processo civil.

“Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica:
I – à tutela provisória de urgência;
II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III;
III – à decisão prevista no art. 701”.
Comentário: cunhou a doutrina a denominação de “proibição de uma decisão-surpresa”, para se referir ao conteúdo da norma em questão, que não tinha no texto do CPC/1973 uma norma equivalente. Trata-se do desenvolvimento do princípio constitucional do devido processo legal “formal”, que busca garantir, na medida do possível e do razoável, o direito a um processo justo, o que significa garantir aos litigantes uma igualdade de tratamento e de oportunidades no processo civil, pelo que o juiz deve zelar (art. 139, I). Para que se possa implementar e garantir no processo civil um contraditório real e efetivo, não pode a parte ser tomada de surpresa por uma decisão que lhe cause algum prejuízo, sem antes poder levar ao juiz a análise das razões e motivos que alicerçam a sua posição jurídica no processo. É natural que, nalgumas situações, o contraditório deva ser diferido, quando houver concreto risco de ineficácia da tutela jurisdicional. Nesses casos, que devem ser excepcionais, o juiz profere a decisão, concedendo à parte contrária o direito de, posteriormente à decisão, apresentar suas razões, para uma análise quanto a subsistir a decisão. Daí o motivo de a norma em questão estabelecer expressamente os casos em que o contraditório será diferido: quando se examina a concessão de tutela provisória de urgência, ou de tutela de evidência (salvo quando pleiteada com base na alegação de abuso de direito de defesa), e ainda no caso do mandado de pagamento na ação monitória (art. 701). Do que se pode concluir que, salvo nessas restritas hipóteses, o juiz não pode proferir uma decisão sem antes observar e garantir um efetivo contraditório.

“Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Comentário: Com a mesma finalidade da norma anterior, o Legislador veda a que a parte seja surpreendida por uma decisão sem que lhe tenha sido dado o direito de previamente posicionar-se a respeito do tema nela envolvido. Por um “processo justo”, deve-se entender um processo que seja transparente, no sentido de que as decisões que nele venham a ser proferidas contem com a participação efetiva das partes, cuja igualdade de tratamento deve ser rigorosamente observada. Importante a ressalva de que ainda que se cuide de uma matéria acerca da qual o juiz possa decidir de ofício, mesmo nesse caso deve ser reconhecido à parte o direito a uma manifestação prévia. Assim, por exemplo, documentos que venham a ser apresentados, por exemplo com os memoriais, obrigam o juiz a assegurar à parte contrária o direito de manifestação, antes que a sentença seja proferida, sob pena de sua nulidade, se a norma em questão não tiver sido observada. A rigor, diante da garantia constitucional ao devido processo legal “formal”, e da norma processual que assegura a igualdade de tratamento às partes, não haveria necessidade de uma norma como a do artigo 10. Mas pareceu conveniente ao Legislador enunciá-la, como a lembrar ao juiz de que deve zelar por um “processo justo”.

“Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
“Parágrafo único. Nos casos de segredo de justiça, pode ser autorizada a presença somente das partes, de seus advogados, de defensores públicos ou do Ministério Público”.
Comentário: aqui mais uma norma de todo desnecessária, pois que se limita a reproduzir o que a Constituição de 1988, por seu artigo 93, inciso IX, estabelece: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.
O dispositivo em questão limita-se, pois, a desdobrar, em dois períodos (“caput” e parágrafo único), por mero aspecto estilístico, o que a norma constitucional já estabelece como princípio a ser aplicado em todos os tipos de processos judiciais.

“Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão.
§ 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores.
§ 2º Estão excluídos da regra do caput:
I – as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido;
II – o julgamento de processos em bloco para aplicação de tese jurídica firmada em julgamento de casos repetitivos;
III – o julgamento de recursos repetitivos ou de incidente de resolução de demandas repetitivas;
IV – as decisões proferidas com base nos arts. 485 e 932;
V – o julgamento de embargos de declaração;
VI – o julgamento de agravo interno;
VII – as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça;
VIII – os processos criminais, nos órgãos jurisdicionais que tenham competência penal;
IX – a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada.
§ 3º Após elaboração de lista própria, respeitar-se-á a ordem cronológica das conclusões entre as preferências legais.
§ 4º Após a inclusão do processo na lista de que trata o § 1º, o requerimento formulado pela parte não altera a ordem cronológica para a decisão, exceto quando implicar a reabertura da instrução ou a conversão do julgamento em diligência.
§ 5º Decidido o requerimento previsto no § 4º, o processo retornará à mesma posição em que anteriormente se encontrava na lista.
§ 6º Ocupará o primeiro lugar na lista prevista no § 1º ou, conforme o caso, no § 3º, o processo que:
I – tiver sua sentença ou acórdão anulado, salvo quando houver necessidade de realização de diligência ou de complementação da instrução;
II – se enquadrar na hipótese do art. 1.040, inciso II”.
Comentário: andou bem o legislador ao fazer acrescentar, por meio da Lei 12.256/2016, o advérbio “preferencialmente” ao texto do “caput” do artigo 12, de modo que ao entrar em vigor o CPC/2015 o texto do artigo 12 já contemplava essa espécie de ressalva, cuja finalidade é a de não impor uma organização de trabalho única aos juízes, deixando-os com a liberdade necessária para que estabeleçam e adotem os critérios de organização que lhes pareçam mais adequados, conforme as peculiaridades de cada unidade judiciária. Obviamente que há processos em que a nota de urgência está presente, a impor ao juiz observe uma relação de preferência. Como também há uma relação de prioridade entre os processos urgentes, do que o juiz não pode olvidar. O extenso rol de hipóteses do parágrafo 2o. acaba por ensejar que o juiz, por seu critério, defina a ordem de preferência dos processos que deva julgar. De resto, o Conselho Nacional de Justiça, as ouvidorias e corregedorias dos tribunais podem fazer – e fazem – um controle adequado quanto à identificação de alguma específica situação de atraso injustificado. A publicidade da informação quanto a processos judiciais que aguardam julgamento, imposta pelo CPC/2015, constitui uma medida que, de fato, pode propiciar um efetivo controle da celeridade, permitindo um controle social acerca do trabalho dos juízes.

“Art. 13. A jurisdição civil será regida pelas normas processuais brasileiras, ressalvadas as disposições específicas previstas em tratados, convenções ou acordos internacionais de que o Brasil seja parte”.
Comentário: por ser a jurisdição expressão de poder, nenhum país abre mão de sua soberania, o que determina, por consequência, que, em se tratando de norma processual, a dizer, da norma que regula a jurisdição, a lei aplicável será a do país perante o qual o processo foi instaurado e se desenvolve. De modo que o processo civil, quando instaurado no Brasil, reger-se-á pelas normas gerais do Código de Processo Civil de 2015, e conforme o caso, por outras normas que compõem o nosso ordenamento jurídico em vigor (no caso, por exemplo, da Lei federal de número 12.153/2009, lei que regula o sistema do juizado especial de fazenda pública). Poderá suceder que, em um determinado processo, aplique-se lei material estrangeira (caso, por exemplo, de sucessão ou de regime de bens), mas as normas processuais a serem aplicadas serão aquelas que compõem a legislação processual brasileira. A norma em questão, contudo, ressalva que, em havendo disposição específica que tenha sido prevista em tratado, convenção ou acordo internacional de que o Brasil faça parte, então, em um caso específico, a norma processual prevista nessas regulações prevalecerá, afastando a norma prevista na legislação brasileira. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por seu artigo 12, já havia afirmado a competência da justiça brasileira em processos nos quais o réu tenha domicílio no Brasil, ou quando a obrigação tiver aqui que ser cumprida. A norma do artigo 13 do CPC/2015 vem reafirmar a prevalência das normas processuais brasileiras, quando se trata de processo civil aqui instaurado.

“Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.
Comentário: o jurista alemão, ERNEST ZITELMAN (1852-1923) foi o primeiro a denominar de “normas de superdireito” as normas que dispõem sobre outras normas, e não sobre fatos. Essa denominação tornou-se clássica e até hoje é adotada. O artigo 14 do CPC/2015 é um exemplo de uma norma de superdireito, porque regula acerca da aplicabilidade no tempo das normas processuais civis.
Em geral, as normas legais projetam seus efeitos para o futuro, e por isso não retroagem, nem podem retroagir para alcançar situações ocorridas antes de sua entrada em vigor. É o que estabelece a Constituição de 1988, em seu artigo 5o., inciso XXXVI: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Esse é o princípio geral (o da irretroatividade), que também se deve observar quanto às normas processuais civis.
Há, contudo, uma particular característica das normas processuais civis que durante algum tempo ensejou a que uma pequena parte da doutrina afirmasse que as normas de natureza processual seriam de aplicação retroativa, porque alcançariam os processos instaurados antes de sua entrada em vigor. Hoje, esse equívoco constitui apenas um registro na longa história do processo civil, porque se passou a compreender que a lei processual civil é de aplicação para o futuro, tanto quanto sucede com qualquer outra norma legal, e que o aplicar-se a um processo já existente não configura uma aplicação retroativa.
Quanto à aplicação de uma nova norma a um processo civil já existente, não se trata de uma aplicação retroativa, porque embora o processo civil constitua, em essência, uma relação jurídico-processual (que envolve o juiz, o autor e o réu, e quando houver, os demais intervenientes, como, por exemplo, o litisconsorte, o denunciado à lide, etc…), essa mesma relação jurídico-processual é integrada por um conjunto de atos que vão se sucedendo no tempo e no espaço, atos que devem ser isolados e separados para o fim de se considerar a lei aplicável no tempo, o que significa dizer que a lei a aplicar-se será aquela vigente ao tempo em que o ato processual esteja a ocorrer dentro de um processo já existente.
Surgem, é certo, algumas situações específicas, que por serem específicas reclamam um tratamento particular. É o que ocorre, por exemplo, com o recurso, pois poderá suceder que uma nova lei suprima um recurso que existia ao tempo em que o ato processual (o ato contra o qual se podia recorrer), de modo que, se aplicada a nova lei, a parte não teria mais direito ao recurso (já não mais existente segundo a lei em vigor ao tempo em que o recurso poderia ser interposto). São questões de direito intertemporal que, em geral, surgem quanto a recursos, provas e prazos, e para as quais o legislador quase sempre opta por deixar à doutrina a elaboração de critérios que orientarão o juiz, tantas são as questões que podem surgir.
Quando estava em vigor o CPC/1973, o conhecido processualista GALENO LACERDA analisou, com percuciência, uma série de situações que dizem respeito a questões de direito intertemporal que podem surgir no processo civil, sistematizando alguns critérios que depois foram adotados por nossos juízes e tribunais, e que certamente continuarão a ser observados e adotados em face do CPC/2015.
“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
Comentário: como reconhecimento ao grau de cientificidade e de rigor sistemático que a Ciência do Direito Processual Civil alcançou entre nós (refletido sobretudo no Código de Processo Civil de 1973 e da acentuada influência dos ensinamentos do jurista italiano, ENRICO TULLIO LIEBMAN, que esteve no Brasil entre 1939/1946), o legislador estatui que as normas do Código de Processo Civil de 2015 passam ao status de “normas gerais” do processo, e como tal devem ser aplicadas aos processos eleitoral, trabalhista e administrativo. A norma em questão apenas consolida o que de fato ocorria em nossa jurisprudência, que abonava a aplicação subsidiária do CPC àqueles ramos do processo, de modo que agora, diante de norma legal expressa, essa aplicação não pode mais ser objeto de questionamento, ou recusada.
Mas há que se sublinhar que o intérprete deve sempre perscrutar se há mesmo uma omissão legislativa que legitime a aplicação subsidiária das normas gerais do CPC, e principalmente se há compatibilidade entre o sistema processual específico e o geral fixado pelo CPC/2015, porque deve haver sempre um acentuado grau de cautela quando se está a transportar normas que compõem um sistema processual a outro, por ser necessário considerar as peculiaridades que formam cada sistema.
Vale recordar que, como defendia parte considerável da doutrina, há uma visão metodológica do processo que compreende o que se pode denominar de uma “teoria geral do processo”, como natural consequência de o processo fundar-se em quatro institutos que são os pilares de qualquer processo: jurisdição, ação, processo e defesa, e que há, portanto, aspectos em comum, o que justifica que se tenha uma aplicação subsidiária ou supletiva entre as normas de regulação. A escolha do processo civil como sendo o conjunto das normas gerais decorre, como dito, do grau de cientificidade alcançado por esse ramo do processo, o que não exclui que também ao processo civil se possam aplicar normas e instrumentos dos outros ramos do processo, como sucedeu com a penhora por meio eletrônico, surgida na justiça do trabalho.
LIVRO II – DA FUNÇÃO JURISDICIONAL.
“Art. 16. A jurisdição civil é exercida pelos juízes e pelos tribunais em todo o território nacional, conforme as disposições deste Código”.
Comentário: aperfeiçoando o texto do artigo 1o. do CPC/1973 (“A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este Código estabelece”), dele eliminando uma distinção desnecessária nesse contexto entre a jurisdição contenciosa e voluntária, o CPC/2015 expressa o princípio da “unidade de jurisdição”, o que significa dizer que, conforme a nossa Constituição de 1988 (artigo 5o., inciso XXXV), a jurisdição é um poder estatal e exercido, em essência, pelos integrantes da carreira da magistratura (juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores), a enfatizar que esse poder – o jurisdicional – não é exercido por outros órgãos que não aqueles que integram os juízos e tribunais. De modo que embora contem tradicionalmente com a denominação de “tribunais”, outros órgãos que não integram a estrutura do Poder Judiciário, caso, por exemplo, dos tribunais de contas, tributos de impostos ou conselhos de regulação, não exercem jurisdição, e a atividade que desenvolvem é uma atividade administrativa, e como tal sujeita ao controle jurisdicional.
Mas é necessário observar que a norma não exclui que a Lei (no caso, a Constituição de 1988) possa dotar de uma atividade semelhante à da jurisdição determinados órgãos, como ocorre com o Senado Federal para o julgamento de crime de responsabilidade atribuído ao presidente da república, ou para que faça instituir a arbitragem, como sucedeu com a Lei federal de número 9.307/1996, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. São atividades semelhantes à jurisdicional, as quais se beneficiam de seu maior predicado, que é o de impor uma decisão definitiva (passada em julgado) a um determinada situação, expressamente prevista em Lei.
Importante não confundir “jurisdição” com “competência”, pois como enfatiza LIEBMAN a competência é a “quantidade de jurisdição agregada ao exercício de qualquer órgão”, a qual torna claro que é inadequado dizer, como era da tradição de nossa doutrina anterior ao mestre italiano, que a competência seria “uma medida da jurisdição”. Conforme foi dito acima, o princípio adotado em nosso ordenamento jurídico em vigor é o da unidade da jurisdição, de modo que, como poder a jurisdição é una e não contém limites. Há, sim, limites, mas se trata aí daqueles limites que incidem sobre a atividade que cada juiz e cada tribunal exerce concretamente em processos judiciais, segundo os critérios legais de competência, nomeadamente aqueles fixados pelo mesmo CPC/2015.

“Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”. Comentário: adotando, tanto quanto o fizera o CPC de 1973, a teoria da ação de LIEBMAN, exposta em sua famosa aula proferida em 1949 na Universidade de Turim, sob o título “L’azione nella teoria del processo civile”, no sentido de que a ação é um direito subjetivo de natureza abstrata, cuja existência no campo do processo está submetida a condições (às condições da ação, pois), o artigo 17 cuidou apenas de modificar o verbo, empregando, em vez de “propor” ou “contestar”, como constava no artigo 3o. do CPC/1973, do verbo “postular”, mais azado para abranger todas as hipóteses nas quais se deve aferir se o autor, réu ou qualquer interveniente (o litisconsorte, por exemplo) possui a legitimidade para agir, ou seja, se atende à condição exigida para que possa obter um pronunciamento jurisdicional sobre o mérito de sua pretensão, ou de sua defesa, e ainda se lhe pode ser reconhecido o interesse de agir, o que significa que o juiz deverá perscrutar se a forma pela qual ocorre a postulação (a ação, pelo autor; a defesa, pelo réu, ou a forma pela qual o interveniente está agir), se essa forma é adequada ao fim a que se pretende, e ainda se, nas circunstâncias concretas em que a lide encontra-se no processo, a postulação é, de fato, necessária e útil à proteção da posição jurídica invocada. Ausente a legitimidade, ou não caracterizado o interesse de agir, o juiz declarará a carência de ação, decidindo nesse caso que não há o direito subjetivo da ação naquele específico processo, sem obstar que, em uma nova ação, postule-se novamente, já que a sentença que reconhece a carência de ação, por se tratar de uma sentença terminativa, não produz coisa julgada material.
Um dado histórico importante: note-se que a norma em questão, tal como a do artigo 3o. do CPC/1973, não se refere à possibilidade jurídica do pedido como condição da ação, acolhendo, também aí, a posição de LIEBMAN, que a partir da 3a. edição de sua “Manual de Direito Processual Civil” havia, em 1973, abjurado, por entender que a possibilidade jurídica do pedido está abarcada no exame do interesse de agir.

“Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.
Parágrafo único. Havendo substituição processual, o substituído poderá intervir como assistente litisconsorcial”.
Comentário: com pequena modificação de estilo, o artigo 18 repete a norma do artigo 6o. do CPC/1973, regulando a legitimação ordinária e extraordinária, para enfatizar que, em nossos sistemas processuais, deve haver, como regra geral, a coincidência de titularidade, ativa e passiva, entre a relação jurídico-material objeto do litígio e a condição de parte, sem o que o juiz deve reconhecer a carência de ação por ilegitimidade de parte. A norma ressalva que, nalguns casos, desde que previstos expressamente em lei, poder-se-á reconhecer a legitimação, sem que haja aquela correspondência com a titularidade extraída da relação jurídico-material objeto do litígio, configurando-se aí o que a nossa doutrina denomina de “legitimação extraordinária”. Justifica-se que a Lei permita que um direito alheio seja invocado em juízo por quem não é seu titular em atenção a circunstâncias estranhas ao processo, como destaca PONTES DE MIRANDA em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, p. 200. Isso sucede, por exemplo, quando a Lei reconhece a legitimação extraordinária ao autor de uma ação popular, que vai a juízo para defender um direito que não é seu, mas de uma coletividade abstrata. Aliás, para a defesa em juízo de interesses coletivos e difusos confere a Lei legitimidade extraordinária ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a associações e sindicatos, havendo também aí uma relação de pertinência entre a titularidade do direito subjetivo invocado, extraída essa titularidade da relação jurídico-material invocada na ação coletiva. Não houvesse essa relação de pertinência, a legitimidade não se caracterizaria. Como a legitimidade é extraída essencialmente (mas não unicamente) da relação jurídico-material, há sempre de se aferir se ela existe, mesmo quando se trata da legitimidade extraordinária. A causa de pedir, com efeito, é formada a partir do direito subjetivo (material) que se invoca; assim, se o direito subjetivo invocado é um direito coletivo ou difuso, a relação de pertinência é aferida segundo a Lei autorizar ou não que esse direito seja invocado em juízo por quem promove a ação coletiva. Como a substituição processual é uma espécie de legitimação extraordinária, integrou-se ao “caput” do artigo 18 regra específica desse instituto, prevendo-se que, em havendo substituição processual, o substituído pode intervir como assistente litisconsorcial. Destaque-se que a norma refere-se à “substituição das partes”, instituto que não se confunde com o da “sucessão das partes”, este tratado autonomamente nos artigos 108/112. Na sucessão das partes, não há legitimação extraordinária, mas ordinária, dado que o sucessor invoca direito de sua titularidade, quando assume o lugar do litigante originário.

“Art. 19. O interesse do autor pode limitar-se à declaração:
I – da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica;
II – da autenticidade ou da falsidade de documento”
Comentário: trata-se da norma que estatui o direito a obter-se um provimento puramente declaratório, quando o autor quer que se declare que uma determinada relação jurídica existe ou não existe, ou quando há uma dúvida objetiva quanto ao modo de ser dessa mesma relação jurídica. O objetivo da ação de provimento meramente declaratório é a obtenção da certeza jurídica, e, portanto, não havendo incerteza jurídica, a carência de ação, por ausência do interesse de agir, deve ser reconhecida. Como ensina CHIOVENDA: “Objeto da sentença de declaração não pode ser um simples fato, ainda que juridicamente seja importante. Não se pode declarar que foi celebrado um contrato, senão que existe um contrato válido;não que Tício terá cometido um delito, senão que ele é responsável pelos danos; não que uma mercadoria seja defeituosa, senão que se tem direito a devolvê-la. (…)”. (“Instituciones de Derecho Procesal Civil, volume II, p. 239, tradução nossa).
Quanto às condições da ação para que se possa obter o provimento meramente declaratório, não há, a rigor, nenhuma particularidade que distingue esse tipo de ação das ações nas quais se quer obter um provimento condenatório ou constitutivo. A legitimidade para agir é extraída, pois, da relação jurídica cuja existência ou inexistência busca-se declarar, de modo que o autor deve integrar essa mesma relação jurídica, no sentido de que sua esfera jurídica está a ser afetada ou pode vir a ser afetada pela relação jurídica ou por algum de seus efeitos. O mesmo se pode dizer quanto à legitimação passiva. A análise do que está a produzir a incerteza jurídica é que constituirá o principal critério para aferir da legitimidade ativa e passiva. E também quanto ao interesse de agir, porque o existir a incerteza jurídica sobre uma relação jurídica específica é que caracterizará a a necessidade de se pleitear a tutela jurisdicional.
Ainda quanto ao interesse de agir, durante algum tempo questionou-se quanto a poder o autor ajuizar a ação de provimento meramente declaratório, quando já poderia buscar a condenação do réu em relação ao mesmo objeto. Mas essa questão hoje constitui apenas uma informação de natureza histórica, porque a doutrina e a jurisprudência consolidaram o entendimento de que o interesse de agir quanto à ação de provimento declaratório pode ser ajuizada, ainda que já exista a compasso a violação ao direito. Vários códigos passaram a conter regra expressa quanto a essa situação, e o nosso CPC/2015 assim também o fez, como se verá ao comentarmos o artigo 20.
Quanto ao objeto da ação declaratória, qualquer relação jurídica pode ser discutida nesse tipo de ação. Assim, uma relação jurídica de direito privado ou de direito público, uma relação de direito administrativo ou de natureza fiscal. Basta, pois, que exista uma relação jurídica, e que se tenha uma incerteza jurídica quanto a existir ou inexistir essa mesma relação jurídica, ou uma incerteza quanto ao modo de ser dessa relação jurídica.
Um mero fato não pode ser objeto da relação jurídica. A exceção está prevista no inciso II do artigo 19, quando se autoriza que a ação de provimento declaratório seja utilizada para por meio dela se declarar que um documento é verdadeiro ou é falso. A autenticidade ou falsidade desse documento, embora constitua um fato, pode ser objeto da ação de provimento declaratório. Trata-se, contudo, de uma exceção, porque exceptuada essa hipótese o objeto da ação de provimento declaratório deverá ser uma relação jurídica. Há aqui por se destacar a importância da descrição da causa de pedir na ação de provimento declaratório, porque se deve demonstrar que exista essa relação jurídica, e não apenas um mero fato, ainda que extraído de uma relação jurídica. A formulação da causa de pedir na ação de provimento declaratório merece, portanto, especial destaque.
A incerteza jurídica, diz a doutrina, deve ser objetiva e atual. Destarte, não basta que exista uma dúvida acerca de uma norma legal, ou mesmo de uma cláusula contratual, a não que ser demonstre que para a solução do litígio é necessário que se declare existir ou inexistência uma específica e concreta relação jurídica, ou que o modo de existir dessa relação jurídica esteja sob controvérsia entre os integrantes dessa mesma relação. Há uma exceção no direito brasileiro: a ação de declaração de inconstitucionalidade e de constitucionalidade de uma norma legal abstrata. O provimento jurisdicional que é emitido nesse tipo de ação é meramente declaratório e busca eliminar a incerteza jurídica quanto à constitucionalidade de uma determinada norma legal, abstratamente considerada nesse tipo de ação.
A incerteza jurídica deve ser atual, o que significa dizer que o litígio acerca de uma relação jurídica já deve estar configurado e a produzir efeitos, ou na iminência de que assim suceda. A propósito, durante muito tempo se afirmou na doutrina e na jurisprudência que a ação de provimento declaratório é um tipo de ação preventiva, no sentido de que, eliminando a incerteza jurídica, desapareceria o litígio. Olvidava-se, contudo, que para a ação de provimento declaratório possa ser utilizada, a dizer, para que o autor possua o interesse de agir, é necessário que ele demonstre que a tutela jurisdicional lhe é necessária, e isso somente ocorre quando o litígio existe, o que no caso da ação declaratória pode ser descrito tal como fazia CARNELUTTI, ao dizer que a lide é um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. No caso da ação de provimento declaratório, pois, o conflito decorre da incerteza jurídica, constituindo a incerteza jurídica o que caracteriza o objeto da ação. Assim, por exemplo, no caso em que o autor ajuíza a ação para que o juiz declare que, ao tempo em que o autor vier a aposentar-se, poderá obter determinado benefício em um determinado regime jurídico de aposentação. Nesse caso não há litígio, porque a relação jurídica (a dizer, a relação jurídica da qual nascerá a condição de aposentado) ainda não existe ao tempo em que a ação está a ser proposta, e o juiz deve, nesse tipo de caso, reconhecer a ausência do interesse de agir. Esse exemplo, de resto, bem ilustra que a ação de provimento declaratório não é uma ação preventiva, não ao menos no sentido de que inexiste o litígio e que a ação é ajuizada para prevenir que ele viesse a existir.
No que concerne à coisa julgada material, na ação de provimento declaratório, tanto quanto sucede nas demais ações de processo de conheciento (condenatória e constitutiva), a coisa julgada material produz seus regulares efeitos, quando a pretensão é julgada em seu mérito. Há que se observar que a certeza jurídica pode produzir efeitos contra terceiro (contra quem não foi parte no processo em que o provimento jurisdicional foi concedido). A análise do caso em concreto é que permitirá definir se essa extensão ocorrerá ou não. Poderá suceder que a extensão da coisa julgada material produza efeitos contra as mesmas partes do processo, mas ainda assim em uma extensão maior do que o objeto do processo, como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que o sujeito passivo de um tributo obtenha um provimento jurisdicional que declare a inexistência da relação jurídico-tributária, com efeitos que a coisa julgada material fará projetar para além do exercício fiscal objeto do processo.

“Art. 20. É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”.
Comentário: optou o CPC/2015 por erigir em dispositivo autônomo a regra que reconhece o direito à utilização da ação meramente declaratória, mesmo quando tenha ocorrido a violação ao direito. No CPC/1973, esse enunciado compunha o parágrafo único ao artigo 4o., o que atendia a certa lógica, porque se cuida de um aspecto diretamente relacionado à ação declaratória, de que o artigo 4o. tratava.
O que enunciado do artigo 20 estabelece é que não há relação entre a violação a um direito e o direito a pugnar pela declaração de existência ou de inexistência desse mesmo direito, reconhecida pelo Legislador a presença do interesse de agir quanto à utilização da ação declaratória. Haveria, contudo, por se objetar (e processualistas alemães e austríacos o fizeram, como registrou CHIOVENDA), que uma razão de economia deveria conduzir a se reconhecer a ausência do interesse de agir, porquanto o autor do direito violado poderia pugnar desde logo pela condenação do réu. Sucede, contudo, como observa CHIOVENDA, que o princípio dispositivo deve prevalecer, para não se negar ao autor o exercitar o tipo de ação que tiver escolhido conforme seu interesse, de modo que se lhe basta que se declare a existência ou inexistência do direito, deve-se-lhe reconhecer o direito a que esse pedido seja examinado pelo juiz.
Além disso, e como bem argumenta CHIOVENDA, diante de um provimento que declara a existência do direito, o devedor, que até então recusava a cumpri-lo em razão de alguma incerteza, com o provimento jurisdicional declaratório pode ser convencido de que o terá que cumprir (cf. CHIOVENDA, Instituciones de Derecho Procesal Civil, v. I, p. 237, Editorial REvista de Derecho Privado, Madrid, 1948).

TÍTULO II
– DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL E DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL
CAPÍTULO I
– DOS LIMITES DA JURISDIÇÃO NACIONAL
“Art. 21. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações em que:
I – o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil;
II – no Brasil tiver de ser cumprida a obrigação;
III – o fundamento seja fato ocorrido ou ato praticado no Brasil.
Parágrafo único. Para o fim do disposto no inciso I, considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que nele tiver agência, filial ou sucursal”.
Comentário: primeiro artigo que compõe o título II (“Dos Limites da Jurisdição Nacional e da Cooperação Internacional”), repete, com pequena modificação de estilo, a regra do artigo 88 do CPC/1973, estabelecendo a competência dos juízes brasileiros de acordo com os critérios que utiliza para esse fim. Assim é que, em tendo o réu domicílio no Brasil, a ação será de competência da Justiça brasileira, assim como sucederá quando no Brasil uma obrigação contratual tiver que se cumprida, ou ainda quando o fundamento da demanda radicar em fato ou ato praticado no Brasil. Nesses casos, contudo, há uma competência concorrente da Justiça brasileira, e não uma competência exclusiva (que está tratada no artigo 22 do CPC/2015), porque, como observa DINAMARCO, não são causas que sejam de “primeiríssima relevância para a vida do país” (Instituições de Direito Processual Civil, v. I, p. 363). Destarte, como se cuida de competência concorrente entre países, será válido o processo instaurado em país estrangeiro, e o Brasil reconhecerá e cumprirá a sentença estrangeira, salvo se houver previsão em contrário em tratados e acordos internacionais. O artigo 24 prevê que, nos casos de competência internacional concorrente, não se configura a litispendência em face da justiça brasileira.

“Art. 22. Compete, ainda, à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações:
I – de alimentos, quando:
a) o credor tiver domicílio ou residência no Brasil;
b) o réu mantiver vínculos no Brasil, tais como posse ou propriedade de bens, recebimento de renda ou obtenção de benefícios econômicos;
II – decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil;
III – em que as partes, expressa ou tacitamente, se submeterem à jurisdição nacional”.
Comentário: o CPC/1973, ao tratar da competência da justiça brasileira, não havia regulado de modo específico a ação de alimentos, de modo que a definição da competência era dada pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (artigo 12). O mesmo se pode dizer das relações jurídico-materiais de consumo. Com o fenômeno da globalização, em que as relações jurídico-materiais expandiram-se, não se limitando a um só país, abarcando as relações familiares (pais que, separados, passam a residir em países diferentes), e as relações de consumo (as empresas que, sediadas em um país, utilizam-se do mercado da “Internet”, para manter relações de comércio com clientes em quase todos os países), o Legislador do CPC/2015 entendeu conveniente fixar regras específicas para a definição da competência da justiça brasileira. Esses dois tipos de ação, de alimentos e de relação de consumo, são agora objeto de regulação específica, prevendo o artigo 22 que, em possuindo o credor (rectius: o autor) da ação de alimentos domicílio ou residência no Brasil, ou no caso em que o réu possuir algum vínculo jurídico no Brasil, decorrente, por exemplo, da condição de possuir ou de proprietário de bens que aqui estejam, a competência será da justiça brasileira, o mesmo ocorrendo em face de uma relação de consumo, quando o consumidor possuir domicílio em nosso país. Trata-se, importante assinalar, de uma competência concorrente, tal como sucede com as ações previstas no artigo 21 do CPC/2015.
A Justiça brasileira também será competente quando as partes, expressa ou tacitamente, aceitarem se submeter à sua competência, embora a competência fosse de país estrangeiro.
A matéria também está regulada, de forma mais genérica, pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei federal de número 4.657/1942 e Lei 12.036/2009).

“Art. 23. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:
I – conhecer de ações relativas a imóveis situados no Brasil;
II – em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional;
III – em divórcio, separação judicial ou dissolução de união estável, proceder à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o titular seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional”.
Comentário: quando a ação diz respeito a bens imóveis que se localizam no território brasileiro, estabelece o artigo 23 que a competência é exclusiva da Justiça brasileira, o que significa que o Brasil não reconhecerá validez a sentença ou a qualquer ato decisório emanado de justiça estrangeira, independentemente do tipo de ação, ainda que de cunho meramente declaratório como pode ocorrer, por exemplo, no caso em que acerca de um bem imóvel localizado no Brasil tenha sido firmado um contrato de compra e venda e desfeito esse contrato por decisão em ação ajuizada em país estrangeiro. Tratando-se de bem imóvel, não importa o tipo de ação ou de provimento jurisdicional que se busca obter ou que se tenha obtido, pois que a competência exclusiva da Justiça brasileira prevalecerá, conforme determina o artigo em questão, e também como já o afirmava a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657/1942, artigo 12, parágrafo 1o).
Ainda que se cuide de bem imóvel objeto de partilha em testamento, inventário ou arrolamento, ou que decorra de partilha em separação judicial ou divórcio, a competência é exclusiva da Justiça brasileira. A inserção de regras específicas quanto a esse tipo de ação decorre de o Legislador querer enfatizar o que se deve entender, para fim de competência, quanto à expressão “ações relativas a imóveis no Brasil”, que consta do inciso I. Há que se recordar que houvera certa divergência quanto ao conteúdo dessa expressão ao tempo em que entrou em vigor o CPC/1973 (artigo 89), e a jurisprudência ao longo do tempo consolidou-se no sentido de que essa expressão deve ser interpretada no sentido de abarcar todo tipo de ação.

“Art. 24. A ação proposta perante tribunal estrangeiro não induz litispendência e não obsta a que a autoridade judiciária brasileira conheça da mesma causa e das que lhe são conexas, ressalvadas as disposições em contrário de tratados internacionais e acordos bilaterais em vigor no Brasil.
“Parágrafo único. A pendência de causa perante a jurisdição brasileira não impede a homologação de sentença judicial estrangeira quando exigida para produzir efeitos no Brasil”.
Comentário: com alguma mudança de estilo (substituição, por exemplo, do verbo, hoje menos frequente, “intentar”, pelo verbo “propor”), a regra do artigo 24 mantém, na essência, o mesmo conteúdo do artigo 90 do CPC/1973, mas com uma importante ressalva quanto à prevalência de tratados internacionais e acordos biliterais de que o Brasil seja signatário, caso em que a litispendência deverá ser reconhecida, com a extinção anormal (sem exame do mérito da pretensão) do processo ajuizado no Brasil. Fora dessa hipótese, determina a norma em questão que se deva desconsiderar a litispendência, quando a competência da Justiça brasileira esteja firmada com base nos critérios fixados nos artigos 22 e 23. Aliás, a rigor a regra seria desnecessária se considerássemos tão somente a competência exclusiva da Justiça brasileira (artigo 23), porque não haveria mesmo por se cogitar de litispendência, dado que a competência da Justiça brasileira prevalecerá, exista ou não ação ajuizada no estrangeiro. Mas existindo situações nas quais a competência da Justiça brasileira é concorrente (e não exclusiva), justifica-se a existência da regra.
Embora a norma refira-se apenas à litispendência, pela mesma razão se a deve aplicar no caso em que se configure a coisa julgada.
O parágrafo único, cuja regra não existia no CPC/1973, prevê a homologação da sentença judicial estrangeira mesmo em face da existência de ação na Justiça brasileira, salvo quando se tratar de competência exclusiva, naquelas hipóteses, portanto, do artigo 23 do CPC/2015. Com a reforma do Poder Judiciário realizada pela emenda constitucional de número 45/2004, modificou-se a competência originária para a homologação da sentença estrangeira, que assim passou a ser do Superior Tribunal de Justiça.

“Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.
§ 1º Não se aplica o disposto no caput às hipóteses de competência internacional exclusiva previstas neste Capítulo.
§ 2º Aplica-se à hipótese do caput o art. 63, §§ 1º a 4º.”
Comentário: em face do avanço do comércio internacional, resultava necessário que as normas processuais fossem adaptadas a essa realidade, o que justifica que o CPC/2015 tenha previsto, como critério de competência internacional, a prevalência da cláusula de eleição de foro no estrangeiro em contratos internacionais, salvo se a competência da justiça brasileira for exclusiva (artigo 23), caso em que a eleição de foro não poderá afastar a competência da justiça brasileira.
As regras do CPC/2015 quanto à eleição de foro, previstas no artigo 63, devem ser consideradas tanto quanto à forma e conteúdo da cláusula que tiver sido formulada em contrato internacional. Não atendida essa forma, ou quando o conteúdo da cláusula não observar as normas processuais brasileiras, a cláusula de foro de eleição em contrato internacional não prevalecerá, e a competência reger-se-á pelos critérios fixados no artigo 22 do CPC/2015.

CAPÍTULO II – DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL.
SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS.
“Art. 26. A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará:
I – o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;
II – a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados;
III – a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;
IV – a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação;
V – a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.
§ 1º Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.
§ 2º Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1º para homologação de sentença estrangeira.
§ 3º Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.
§ 4º O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica”.
Comentários: iniciando o capítulo II, que cuida da cooperação internacional, e inovando em nossa legislação processual civil (o CPC de 1973 havia se preocupado apenas com a homologação de sentença estrangeira e com regras acerca da carta rogatória), o Código de 2015 estabelece disposições gerais que devem ser observadas nas relações que o Poder Judiciário brasileiro houver de manter com a justiça estrangeira, estabelecendo, por exemplo, que aquelas garantias de natureza processual que são reconhecidas em favor dos brasileiros também são estendidas aos estrangeiros, quando estiverem a atuar como parte em processo instaurado por país estrangeiro e algum ato processual tiver que ser praticado em nosso país. Daí a ênfase no parágrafo 3o. ao artigo 26, no sentido de que “Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro” – a demonstrar a preocupação do legislador brasileiro em garantir, sempre que possível, o devido processo legal, também nas relações jurídico-processuais que o Brasil mantiver com a justiça estrangeira.
Dentro de um fenômeno político-jurídico que se convencionou denominar de “estado transnacional”, relações econômicas e de outra natureza tendem cada vez mais a vincular países, empresas e particulares estrangeiros, o que obviamente passa a ser de interesse do processo civil quando surge, nessas relações jurídicas, uma lide.
Se antes a cooperação entre os países limitava-se, em geral, à homologação de sentença estrangeira e a cartas rogatórias, agora há um conjunto de atos que são abarcados no que o CPC/2013 denomina de “cooperação internacional”, cujas regras aplicam-se ao processo civil, não alcançando diretamente o processo penal, embora, por analogia, a esse campo do direito também se as possa aplicar, sobretudo quanto à garantia ao devido processo legal.
O CPC/2015 confere especial destaque aos tratados de que o Brasil faça parte, embora não exclua a possibilidade de haver cooperação jurídica internacional com país que reconheça reciprocidade em favor do Brasil. Essa reciprocidade, contudo, não é exigida para efeito de homologação de sentença estrangeira.
As normas de cooperação internacional, fixadas pelo Código de Processo Civil 2015, quiçá caminhem em direção ao que o insigne jurista uruguaio, EDUARDO JUAN COUTURE, havia idealizado quando sugeriu a elaboração de um código de processo civil “modelo” para aplicação na América latina.

“Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:
I – citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;
II – colheita de provas e obtenção de informações;
III – homologação e cumprimento de decisão;
IV – concessão de medida judicial de urgência;
V – assistência jurídica internacional;
VI – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”.
Comentário: ao comentarmos o artigo 26, fizemos observar que, diversamente do que sucedia com o Código de 1973, que se limitava a regular a homologação da sentença estrangeira e a forma pela qual se devia cumprir a carta rogatória como únicos atos processuais que caracterizavam as relações entre a Justiça brasileira e a estrangeira, o CPC/2015 ampliou consideravelmente o elenco dos atos processuais em que a cooperação da Justiça brasileira à justiça estrangeira ocorrerá, como, por exemplo, nos meios de comunicação de atos emanados de processos em trâmite em país estrangeiro, ou na colheita de provas no Brasil para que possam ser aproveitadas no país de origem do processo. É meramente exemplificativo o rol dos incisos do artigo 27, pois que, segundo o inciso VI, “qualquer outra medica judicial ou extrajudicial”, que não seja proibida pela lei brasileira, pode ser objeto de cooperação da Justiça brasileira. De qualquer modo, pareceu ao legislador necessário destacar alguns dos principais atos em que essa cooperação pode ocorrer, de modo que se evite qualquer dúvida a respeito.
O instrumento para que esses atos sejam produzidos no Brasil é a carta rogatória, cujo processamento está regulado pelo CPC/2015 em seu artigo 36 (o artigo 35 foi vetado). Ao tratarmos do artigo 28, veremos em que hipóteses a carta rogatória é dispensada, prevalecendo o que o CPC/2015 denomina de “auxílio direto”.

SEÇÃO II – DO AUXÍLIO DIRETO.
“Art. 28. Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil”.
Comentário: em face de atos que, requeridos por país estrangeiro, devam ser praticados no Brasil e que não digam respeito diretamente à atividade jurisdicional, esses atos não devem ser submetidos a um juízo de delibação no Brasil, conforme prevê o artigo 28, de modo que não haverá a necessidade da expedição de carta rogatória, caracterizando-se aí o que a Lei processual civil brasileira denomina de “auxílio direto”. Destarte, em nosso ordenamento jurídico em vigor, existem duas modalidades de cooperação internacional: aquela que deva ser objeto de juízo de delibação pelo Poder Judiciário brasileiro, requerida por meio de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, e o auxílio direto, este circunscrito a casos em que não houver ato diretamente relacionado à jurisdição.
O STJ, segundo estabelece seu regimento interno (artigo 216-O, parágrafo 2o.), encaminhará ao Ministério da Justiça, a quem cabe a autorização para que esses atos sejam executados no Brasil, a carta rogatória, quando seu objeto não seja ato que deva ser submetido a juízo de delibação.
Quando a providência requerida depender de juízo de delibação, ou seja, quando se trata de ato de jurisdição, e não tiver sido expedida a necessária carta rogatória, o STJ negará o auxílio direto, como ocorreu em algumas situações (Precedentes: SEC 8.639/EX, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 02.05.2013, SEC 5.543/EX, Rel. Min. ARI PARGENDLER, DJe 15.03.2013, SEC 113/DF, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO NORONHA, DJ de 04.08.2008).

“Art. 29. A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido”.
Comentário: é da atribuição legal do Ministério da Justiça – que atua, pois, como a “autoridade central” de que fala o artigo 29 – a autorização para a execução no Brasil de atos requeridos por país estrangeiro, quando se caracterizada a cooperação internacional por meio do auxílio direto. O Ministério da Justiça deve examinar se o requerimento é autêntico e analisar se o caso pode ser requerido por meio do auxílio direto, ou se haverá a necessidade de carta rogatória.

“Art. 30. Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:
I – obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;
II – colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;
III – qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira”.
Comentário: ao prever que qualquer medida judicial ou extrajudicial que não seja proibida pela lei pode ser objeto do auxílio direito, e de ter, no artigo 28, sublinhado que a medida não pode dizer respeito diretamente à atividade de jurisdição, não haveria necessidade de o CPC/2015 enumerar qualquer ato. Mas ainda assim pareceu conveniente ao legislador indicar alguns desses atos, como o que envolve informações sobre as características de nosso sistema processual ou de justiça, ou sobre processos judiciais ou procedimento administrativos, estejam ou não em curso, e ainda o ato de colheita de provas, ressalvando-se quanto a este que, em se tratando de provas a serem produzidas em processo judicial, o juízo de delibação deve ser realizado pelo Poder Judiciário, o que significa dizer que o auxílio direto não poderá ser utilizado como modalidade de cooperação internacional, exigindo-se nesse caso carta rogatória e a ordem para a sua execução (“exequatur”), de parte do STJ.

“Art. 31. A autoridade central brasileira comunicar-se-á diretamente com suas congêneres e, se necessário, com outros órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e pela execução de pedidos de cooperação enviados e recebidos pelo Estado brasileiro, respeitadas disposições específicas constantes de tratado”.
Comentário: a bem caracterizar que, em se tratando de ato que possibilite o auxílio direto, não há a participação do Poder Judiciário brasileiro, prevê o artigo 31 que o Ministério da Justiça estabelecerá comunicação com o órgão de país estrangeiro que tiver solicitado a providência, ou ao qual a providência for requerida.
“Art. 32. No caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento”.
Comentário: norma totalmente despicienda, porque, definido nas normas anteriores que tipo de ato pode ser objeto do auxílio direto (a dizer, quando não se trate de ato diretamente relacionado à jurisdição), não haveria a necessidade de se prever que a autoridade central (o Ministério da Justiça brasileiro) “adotará as providências necessárias para seu cumprimento”, porque isso decorre da atribuição que a Lei lhe confere para tanto. Tratando-se um instituto novo em nosso ordenamento jurídico em vigor, é usual que o legislador peque no excesso de regulação.
“Art. 33. Recebido o pedido de auxílio direto passivo, a autoridade central o encaminhará à Advocacia-Geral da União, que requererá em juízo a medida solicitada.
Parágrafo único. O Ministério Público requererá em juízo a medida solicitada quando for autoridade central”.
Comentário: dentre os atos que, segundo o artigo 30, inciso I, do CPC/2015, podem ser objeto de auxílio direto, está a coleta de informações acerca do estágio de processo judicial. Para essa hipótese, prevê o artigo 33 que caberá à Advocacia-Geral da União requerer em juízo a medida solicitada pelo Ministério da Justiça. Como órgão governamental destituído de personalidade judiciária, não pode o Ministério da Justiça atuar como parte em processo judicial, devendo ser representado em juízo pela Advocacia-Geral da União.
O parágrafo único prevê a possibilidade de o Ministério Público ter interesse na medida objeto do auxílio direto, caso em que a poderá requerer judicialmente.

“Art. 34. Compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande prestação de atividade jurisdicional”.
Comentário: a defeituosa redação desse dispositivo pode levar a equívoco, se o intérprete não considerar o artigo 28 do mesmo CPC/2015, que prevê a utilização do auxílio direto apenas no caso em que o ato requerido não decorrer diretamente da atividade de jurisdição. Deve-se entender, pois, a parte final do artigo 34 (“que demande prestação de atividade jurisdicional”) no sentido de que será da competência do juízo federal que estiver a presidir determinado processo judicial (ou que o tiver presidido, quando se tratar de processo findo) a análise do requerimento formulado pela Advocacia-Geral da União (ou pelo Ministério Público, no caso de seu interesse), quando o ato objeto do auxílio direto for informação referente a processo judicial. Mas se a informação referir-se a processo da competência da Justiça Estadual ou da Justiça do Trabalho, a AGU solicitará a essa justiça a análise do requerimento. Tratando-se de ato que não possa ser objeto de auxílio direto, por se relacionar diretamente à atividade de jurisdição, o juízo declinará da competência em favor do STJ.

SEÇÃO III – DA CARTA ROGATÓRIA.
“Artigo 35 – VETADO. Dar-se-á por meio de carta rogatória o pedido de cooperação entre órgão jurisdicional brasileiro e órgão jurisdicional estrangeiro para prática de ato de citação, intimação, notificação judicial, colheita de provas, obtenção de informações e cumprimento de decisão interlocutória, sempre que o ato estrangeiro constituir decisão a ser executada no Brasil.”
Comentário: esse artigo foi vetado porque se argumentou que a exigência de carta rogatória para a prática daqueles atos que o mesmo artigo 35 enumerava (citação, intimação, colheita de provas, etc…) afetaria a necessária celeridade que deve ser observada quando se utiliza do auxílio direto como meio de cooperação internacional. Sucede, entretanto, que o veto a esse artigo não produziu na prática o efeito pretendido, porque devem prevalecer as regras do CPC/2015 quanto ao auxílio direto, que, como enfatizamos, não pode ter objeto a prática de ato que diga respeito diretamente à atividade de jurisdição. Assim, pode-se concluir pelo desacerto do veto governamental, porque os atos mencionados no artigo 35 dizem respeito, todos, à atividade de jurisdição, de maneira que, segundo as regras do ordenamento jurídico em vigor, não podem ser objeto de auxílio direto, impondo a necessidade de carta rogatória submetida ao “exequatur” pelo STF.

“Art. 36. O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.
§ 1º A defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.
§ 2º Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira”.
Comentário: enfatiza o CPC/2015 que embora a decisão proferida em face de carta rogatória seja homologatória, o procedimento é de jurisdição contenciosa, o que ao legislador pareceu necessário fixar para garantir o devido processo legal “formal”, especialmente quanto ao contraditório, embora limitada a defesa a aspectos formais da carta, dado que, segundo o parágrafo 2o. da norma em questão, “é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira”.
Competência: a emenda constitucional de número 45 modificou a competência para o processamento da carta rogatória, estabelecendo que cabe ao Superior Tribuna de Justiça (e não mais ao Supremo Tribunal Federal) seu julgamento. O regimento interno desse tribunal, em seus artigos 216-O a 216-X, regula aspectos do procedimento que deve ser adotado para a obtenção do “exequatur” a carta rogatória.

SEÇÃO IV- DISPOSIÇÕES COMUNS ÀS SEÇÕES ANTERIORES
“Art. 37. O pedido de cooperação jurídica internacional oriundo de autoridade brasileira competente será encaminhado à autoridade central para posterior envio ao Estado requerido para lhe dar andamento”.
Comentário: depois de, no artigo 29, ter tratado de solicitação recebida de país estrangeiro, o artigo 37 cuida de hipótese em que o Brasil formula o requerimento de cooperação jurídica internacional a país estrangeiro. Em ambos os casos, ou seja, quando o Brasil recebe ou quando solicita a cooperação jurídica internacional, estabelece o CPC/2015 que caberá à autoridade central (ao Ministério da Justiça) a atribuição para providenciar o andamento da solicitação. Mais adequado seria que o legislador tivesse concentrado, em um só regra, a regulação dessa matéria.

“Art. 38. O pedido de cooperação oriundo de autoridade brasileira competente e os documentos anexos que o instruem serão encaminhados à autoridade central, acompanhados de tradução para a língua oficial do Estado requerido”.
Comentário: a rigor, um código de processo civil não deve regular minúcias de um procedimento, deixando a regulamentos mais específicos o cuidado desse tipo de matéria, sobretudo quando, como no caso do artigo 38, regula apenas o óbvio, demonstrando o pouco cuidado que se teve na revisão e discussão de um código tão importante quanto o de processo civil, revelando um açodamento injustificado em substituir-se um monumento legislativo como era o CPC/1973, por um texto legal que, quando se sai bem, está tão somente a repetir o que aquele código com adequada técnica legislativa fixara.

“Art. 39. O pedido passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública”.
Comentário: repete-se aqui o que a regra do artigo 26 já regula e aliás com maior amplitude. Outra norma desnecessária, pois.

“Art. 40. A cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960”.
Comentário: conforme vimos, a cooperação jurídica internacional materializa-se por meio de carta rogatória/cumprimento de sentença estrangeira, e pelo auxílio direto, este sendo circunscrito a providências que não digam respeito diretamente à atividade jurisdicional. O artigo 40 cuida da primeira modalidade de cooperação internacional (carta rogatória e cumprimento de sentença estrangeira), remetendo ao artigo 960 do mesmo CPC/2015 a regulação do procedimento no que se refere à homologação de sentença estrangeira (o procedimento da carta rogatória está regulado no regimento interno do STJ).
“Art. 41. Considera-se autêntico o documento que instruir pedido de cooperação jurídica internacional, inclusive tradução para a língua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se ajuramentação, autenticação ou qualquer procedimento de legalização.
Parágrafo único. O disposto no caput não impede, quando necessária, a aplicação pelo Estado brasileiro do princípio da reciprocidade de tratamento”.
Comentário: com o objetivo de simplificar a forma pela qual deva ocorrer a cooperação jurídica internacional, a norma em questão dispensa a ajuramentação ou autenticação formal dos documentos que instruem a solicitação, quando emana de autoridade pública ou diplomática de pais estrangeiro, salvo quando não houver reciprocidade de tratamento, caso em que o Brasil poderá impor tal exigência.

TÍTULO III – DA COMPETÊNCIA INTERNA
CAPÍTULO I – DA COMPETÊNCIA
SEÇÃO I – DISPOSIÇÕES GERAIS
“Art. 42. As causas cíveis serão processadas e decididas pelo juiz nos limites de sua competência, ressalvado às partes o direito de instituir juízo arbitral, na forma da lei”.
Comentário: o CPC/2015, a partir do artigo 42, passa a cuidar da competência interna, a dizer, da competência dos órgãos que compõem o Poder Judiciário e que exercem a atividade jurisdicional. A competência, como enfatiza a doutrina, é o limite da jurisdição, assim distribuída entre todos os órgãos do Poder Judiciário brasileiro.
Com pequena modificação de estilo, o artigo 42 reproduz o artigo 86 do CPC/1973, tornando a regra mais precisa (suprimiu-se a expressão “ou simplesmente decididas”, que havia ensejado alguma dúvida na doutrina quanto a seu alcance), ao afirmar que as causas cíveis, ou seja, as causas que, por exclusão, não digam respeito à matéria penal, trabalhista ou eleitoral serão processadas e decididas segundo as regras de competência, as quais fixam esses limites, o que é sobremodo importante analisar em função do princípio do juiz natural (a competência de qualquer órgão jurisdicional deve ser prevista expressamente na lei, e a lei deve ser anterior ao objeto do processo, pois que, conforme a Constituição de 1988, é vedado o juiz de exceção).
É da tradição de nosso direito, formada quando aqui tiveram vigência as ordenações de Portugal, referir-se a lei processual civil à “causa” no sentido de demanda ou de ação.
ARBITRAGEM: a lei federal 9.307/1996 instituiu a arbitragem, e sua constitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal como atividade assemelhada à da jurisdição, de modo que o CPC/2015, como sói deveria suceder, reconhece o direito subjetivo de as partes se utilizarem da arbitragem, desde que se cuidem de direitos patrimoniais disponíveis.

“Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta”.
Comentário: tanto quanto sucedia no CPC/1973, adota o CPC/2015 um princípio que, como observou CHIOVENDA (“Instituições de Direito Processual Civil”, v. II, p. 332), remonta às fontes romanas. Trata-se do princípio da “perpetuatio jurisdictionis”, segundo o qual a demanda, uma vez ajuizada, determina, no tempo, a produção de importantes efeitos, relacionados sobretudo aos pressupostos processuais. Conforme esclarece CHIOVENDA na obra mencionada, o princípio da “perpetuatio jurisdictionis” atende à necessidade de se evitarem danos aos litigantes, que poderiam surgir se houvesse a modificação de aspectos essenciais da demanda ao tempo em que o processo está em trâmite, por exemplo, se há modificação da competência. Daí que é frequente que os códigos de processo estabeleçam que a competência é definida ao tempo em que a ação é ajuizada, mantendo-se essa competência ainda que se modifique o estado fático da lide, ou mesmo quando surgem alterações legislativas, como, por exemplo, a entrada em vigor de uma lei que modifique um critério da competência.
A lei processual define o momento em que se deve considerar ajuizada uma ação, podendo ser o momento em que ocorre a citação, ou antes mesmo desse ato, como ocorria no CPC/1973, que considerava proposta a ação no momento em que a petição inicial tivesse sido despachada, conforme a regra do artigo 263 daquele código. O CPC/2015 modificou esse aspecto temporal, ao determinar, em seu artigo 59, que se deve considerar proposta a ação no momento em que ocorre o registro ou a distribuição da peça inicial. Modificado o termo inicial para a produção de efeitos da propositura da demanda, alterou-se, em consequência, o momento em que se fixa a competência, que é agora aquele em que a petição inicial é levada a registro.
Quanto aos limites fixados pelo CPC/2015 quanto à “perpetuatio jurisdictionis”, prevê o artigo 43 que modificações fáticas da lide não alteram a competência, fixada no momento em que a petição inicial levada registro. O mesmo deve suceder em face de lei superveniente que tenha alterado critério de competência (modificação do valor de alçada, por exemplo). Mas há duas hipóteses nas quais a competência original será modificada: quando a lei nova suprime um determinado órgão judiciário, ou, então, quando se modifica critério de competência absoluta. Nessas duas hipóteses, que configuram exceção à “perpetuatio jurisdictionis”, a competência é modificada no curso da lide. Tem-se entendido, contudo, que, proferida a sentença de mérito, a modificação legislativa quanto a critério de competência absoluta não produz efeitos sobre o processo.
“Art. 44. Obedecidos os limites estabelecidos pela Constituição Federal, a competência é determinada pelas normas previstas neste Código ou em legislação especial, pelas normas de organização judiciária e, ainda, no que couber, pelas constituições dos Estados”.
Comentário: foi o jurista alemão, ERNST ZITELMAN, quem cunhou a expressão “normas de superdireito”, para referir-se àquelas normas cujo objeto são outras normas legais. É o direito a regular, por exemplo, a forma pela qual se deva interpretar uma outra norma. É o caso do artigo 44 do CPC/2015, que regula a ordem que o intérprete deve observar quando esteja a analisar a competência em processo civil.
Segundo essa ordem (que é obrigatória), o intérprete deve partir das normas previstas na Constituição de 1988, para determinar a competência quanto a uma causa cível, apurando se há ou não competência originária ou derivada (no caso de recurso) fixada para algum tribunal superior, para então prosseguir, se o caso, na análise das normas que compõem o CPC/2015, ou de legislação especial, analisando, se o caso, as normas de organização judiciária, e, por fim, as constituições dos Estados-membros (a Constituição de São Paulo, por exemplo, regula competência originária do tribunal de justiça no caso de mandado de segurança impetrado contra ato do governador do estado).
COMPETÊNCIA FUNCIONAL: o CPC/2015 não tratou de modo particular da competência funcional, diversamente do que ocorria com o CPC/1973 (artigo 93). A competência funcional é critério de atribuição de competência conforme uma função específica que o juiz venha a realizar em um processo. A divisão de funções entre o primeiro e segundo grau de jurisdição é um exemplo de competência funcional (vertical). Quando se cuidam de juízes que estejam em um mesmo grau de jurisdição, e que venham a exercer funções diferentes segundo a Lei assim dispuser, a competência funcional é horizontal. (O “juiz de garantia”, cuja implementação anuncia-se para breve no campo do processo penal, é um exemplo de competência funcional horizontal). Como o CPC/2015 não ressalva a aplicação das normas desse código em caso da competência funcional (diversamente, pois, do que ocorria no CPC/1973), há que se entender que outras normas, que não as do CPC, possam regular a competência funcional dos juízes.

“Art. 45. Tramitando o processo perante outro juízo, os autos serão remetidos ao juízo federal competente se nele intervier a União, suas empresas públicas, entidades autárquicas e fundações, ou conselho de fiscalização de atividade profissional, na qualidade de parte ou de terceiro interveniente, exceto as ações:
I – de recuperação judicial, falência, insolvência civil e acidente de trabalho;
II – sujeitas à justiça eleitoral e à justiça do trabalho.
§ 1º Os autos não serão remetidos se houver pedido cuja apreciação seja de competência do juízo perante o qual foi proposta a ação.
§ 2º Na hipótese do § 1º, o juiz, ao não admitir a cumulação de pedidos em razão da incompetência para apreciar qualquer deles, não examinará o mérito daquele em que exista interesse da União, de suas entidades autárquicas ou de suas empresas públicas.
§ 3º O juízo federal restituirá os autos ao juízo estadual sem suscitar conflito se o ente federal cuja presença ensejou a remessa for excluído do processo”.
Comentário: durante a vigência do CPC/1973, a jurisprudência enfrentara, com certa frequência, uma interessante questão acerca da “perpetuatio jurisdictionis”. Com efeito, nas ações em que a União Federal interviesse, surgia a dúvida quanto à modificação ou não da competência, e o mesmo se podia questionar quando a União Federal fosse excluída da relação jurídico-processual. Daí o motivo de o CPC/2015 ter regulado de modo expresso esse tema, para fixar que, nas ações em que a União Federal intervém, a competência passa a ser da Justiça Federal, salvo naquelas ações expressamente previstas na norma em questão (recuperação judicial, falência, sujeitas à justiça eleitoral, etc…). E o mesmo se observará quando uma empresa pública sob controle da União, uma autarquia ou fundação federal, ou ainda um conselho de fiscalização de atividade profissional intervierem na ação, seja na qualidade de parte, seja na de terceiro interveniente. A “perpetuatio jurisdicticionis” não se aplica nesses casos, portanto.
Os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 45 regulam hipótese de cumulação de demandas, estabelecendo que a “perpetuatio jurisdictionis” será observada no caso em que o juiz exclua da demanda o pedido formulado contra a União Federal ou aqueles entes mencionados, de modo que, nessa hipótese, o juiz não admitirá a cumulação de pedidos, salvo se o litisconsórcio passivo for necessário, caso em que terá que aplicar o “caput” do artigo 45, com o deslocamento da competência à Justiça Federal.
Na hipótese em que a União Federal ou qualquer daqueles entes mencionados forem excluídos da relação jurídico-processual, a “perpetuatio jurisdictionis” prevalece, de modo que a competência do juízo originário será restaurada.

“Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.
§ 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.
§ 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor.
§ 3º Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro de domicílio do autor, e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.
§ 4º Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.
§ 5º A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”.
Comentário: existindo vários órgãos jurisdicionais (juízes e tribunais), é natural que o legislador terá que repartir entre esses órgãos as diversas causas, devendo estabelecer por quais critérios essa repartição ocorrerá. É da tradição de nossa legislação processual civil adotarem-se três critérios para a definição da competência: o critério objetivo (fundado no valor da causa ou na matéria); o critério funcional (a separação, em um processo, de funções distintas atribuídas a juízes diversos); e o critério territorial. Como sintetiza magistralmente CHIOVENDA, “o critério objetivo é o critério de distribuição de causas entre tribunais de tipo diferente”; enquanto o “critério territorial é o critério de distribuição das causas entre tribunais do mesmo tipo”, e por fim, o “critério funcional é o critério de distribuição das causas tanto entre tribunais do mesmo tipo, quanto de tipo diferente”. (Instituições de Direito Processual Civil, v. II, p. 155).
A norma em questão trata da competência territorial, a qual para CARNELUTTI deve ser tratada como gênero, tanto quanto gênero também seria a competência hierárquica, compreendendo esta a competência material e a competência funcional.
Relacionada ao território está a noção de foro, que vem a ser o local onde a demanda é de ser promovida, considerados os critérios que a lei fixe, os quais, segundo CHIOVENDA (Instituições, v. II, p. 197), devem observar o princípio da igualdade (a dizer, devem esses critérios considerar, em uma mesma medida, os interesses do autor e do réu). Por essa razão é que a lei fixa que o réu deva ser demandado, em geral, no foro de seu domicílio, regra adotada em nosso CPC/2015, que ainda regulamenta os casos em que o réu tenha mais de um domicílio, ou não tenha nenhum como certo e definido, ou não for encontrado em qualquer de seus domicílios, ou ainda quando mantenha domicílio ou residência fora do Brasil. O CPC/2015, não definindo o que entende como domicílio para efeito processual, remete a matéria ao Código Civil (artigos 70-78).
O foro geral é, portanto, o foro do domicílio do réu. Havendo norma expressa prevendo outro foro, estaremos diante de uma hipótese de foro especial (por exemplo, o foro em que a coisa imóvel encontre-se, artigo 47).
EXECUÇÃO FISCAL: o CPC/2015, complementando a regra do artigo 5o. da Lei federal de número 6.830/1980 (a lei que regula a ação de execução fiscal), fixa o domicílio do executado como o foro geral para essa ação.
O CPC/2015, em seu artigo 63, estabelece a competência territorial como relativa, o que significa que ela pode ser modificada ou prorrogada.
COMPETÊNCIA DE FORO X COMPETÊNCIA DE JUÍZO: embora ambas estejam relacionadas a um determinado território e seja esse o elemento considerado pela legislação como critério de competência, há uma importante distinção entre a competência de foro e a competência de juízo. Na primeira, cuida-se de definir qual o lugar em que a demanda deva ser promovida, enquanto a competência de juízo refere-se a qual órgão judicial deva a demanda ser distribuída, quando em um determinado lugar exista mais de um juízo competente em face do critério do território. Por exemplo, se em um contrato tenha-se sido ajustado, como foro de eleição, a cidade de São Paulo, as partes desse contrato terão definido o foro competente – mas não o juízo competente. A partir daí, a dizer, depois que definido o foro, deve-se definir qual o juízo competente dentre todos aqueles juízos que tenham sede territorial na cidade de São Paulo, para o que se devem considerar os critérios que a lei tenha estabelecido para a competência de juízo (por matéria, valor, etc…). As partes podem escolher o foro, mas não podem escolher o juízo, por observância ao princípio do juiz natural, que é o juízo definido pela lei segundo os critérios que tenham sido fixados.

“Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.
§ 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.
§ 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta”.
Comentário:depois de fixar o foro comum (domicílio do réu, conforme artigo 46), o CPC/2015, a partir de seu artigo 47, estabelece os critérios que considerou para a definição de foros especiais. O primeiro desses critérios, tratado no artigo 47, refere-se tanto ao objeto da lide (se bem imóvel ou móvel), quanto ao tipo de relação jurídico-material que diz respeito a esse mesmo bem. Assim, em se tratando de bem imóvel e sendo a relação jurídico-material formulada acerca desse bem caracterizada como uma relação jurídica fundada em alegado direito real, então nessa hipótese prevalece o foro especial: o da situação do imóvel. É da tradição de nosso direito, e de códigos estrangeiros, e por motivos de conveniência prática, a fixação da competência no local em que o imóvel está localizado, quando se trata de ação que verse sobre esse mesmo imóvel e o suposto direito invocado seja de natureza real, tornando mais facilitada, por exemplo, a produção da prova pericial, que é um tipo de prova frequentemente produzida nesse tipo de demanda. Destarte, esses dois elementos devem estar presentes para que prevaleça o foro especial (da situação da coisa): o objeto da lide for um bem imóvel, e que o fundamento jurídico invocado radique em direito real. De forma que, em se cuidando de demanda acerca de bem móvel, o foro comum (do domicílio do réu) prevalece, assim como também prevalecerá quando se trata de demanda fundada em direito pessoal sobre bem imóvel (por exemplo, em uma ação fundada em contrato de comodato acerca de bem imóvel).
Ressalva o artigo 47, contudo, que, a despeito de a ação referir-se, como objeto, a um bem imóvel, e o suposto direito invocado for de natureza real, em se tratando de demanda na qual se controverta quanto a direito de propriedade, de vizinhança, de servidão, de divisão e de demarcação de terras, e ainda de nunciação de obra nova, em qualquer dessas hipóteses o autor poderá optar pelo foro comum (o do domicílio do réu), ou ainda pelo foro de eleição, se houver contrato com cláusula que o tenha fixado.
Cabe às normas de direito material (ao Código Civil e à legislação extravagante) definir a natureza do direito que tem por objeto bem imóvel, para o qualificar como um direito de natureza ou pessoal. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.225, enumera que direitos, em nosso ordenamento jurídico em vigor, são de natureza real
POSSE: aqui está a principal diferença entre a regulação do CPC/2015 e a do código de 1973, e que diz respeito às ações nas quais se controverte quanto à posse de bem imóvel. No código de 1973, com efeito, invocando o autor o direito de posse sobre bem imóvel, a competência, conforme previa o artigo 95, ficava à escolha do autor, que poderia ajuizar a ação no foro comum (do domicílio do réu), ou, em havendo cláusula de foro, no local eleito. No CPC/2015, a ação possessória sobre bem imóvel é de ser proposta no foro da situação da coisa, tal como se dá com a ação de reivindicação, fixando o artigo 47 que se trata de uma competência absoluta. Considerou o legislador que, tanto quanto é comum ocorrer na ação de reivindicação, motivos de ordem prática conduzem a que a ação seja promovida no local em que o bem imóvel encontre-se, em razão de haver ali mais facilidade para a produção de provas, como a prova pericial, prova também usual em ações possessórias.
LOCAÇÃO: quando a ação for disser respeito à locação de bem imóvel (ação de despejo, consignação em pagamento), a competência está fixada em lei especial (artigo 58, inciso II, da lei federal 8.245/1991), prevalecendo, pois, o foro da situação do imóvel, ou o foro previsto em cláusula no contrato.

“Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.
Parágrafo único. Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:
I – o foro de situação dos bens imóveis;
II – havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;
III – não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio”.
Comentário: em tendo previsto, no artigo 23, inciso II, do mesmo CPC/2015, a competênica da justiça brasileira para as ações de inventário e de partilha, era necessário definir, em termos de competência interna, qual o critério deveria ser adotado. Daí ter o artigo 48 fixado que será o foro do domicílio no Brasil do autor da herança o competente para a ação de inventário, de partilha, de arrecadação, e de outras ações que digam respeito à herança, omo, por exemplo, a de impugnação ou de anulação de partilha extrajudicial, hipótese agora expressamente prevista em norma legal. A regra em questão cuida do que a doutrina denomina usualmente denomina de “foro universal da herança”, no sentido de que há competência absoluta do juízo competente para conhecer de ações que digam respeito diretamente à herança, inclusive aquelas promovidas por credores do espólio, tal como estabelece o artigo 642 do CPC/2015, salvo quando se trata de ação de execução fiscal, hipótese prevista no artigo 5o. da Lei federal 6.830/1980, de modo que para esse tipo de ação a competência universal do juízo da partilha não prevalece.
Em se tratando de ação que não diga respeito diretamente à herança e à partilha, não se aplica a regra do artigo 48.
A norma ressalva a hipótese de o autor da herança não possuir domicílio certo, caso em que o foro competente será o da situação dos bens imóveis, ou da situação de qualquer deles, em havendo imóveis localizados em diversos locais. o foro do local dos bens móveis, para o caso de não possuir o autor da herança domicílio certo no Brasil, é o foro competente.

“Art. 49. A ação em que o ausente for réu será proposta no foro de seu último domicílio, também competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias”.
Comentário: declarada, por sentença, a ausência, com a nomeação do curador, nos termos do que prevê o artigo 744 do CPC/2015, passa a incidir o foro previsto na norma em questão: o foro do último domicílio daquele declarado ausente, de modo que, em sendo demandado o ausente, esse foro prevalecerá, porquanto se trata de regra de competência absoluta. De modo que apenas com a sentença declarando a ausência é que esse foro especial passa a ter aplicação, e apenas para as ações em que o ausente for réu.
Há que se considerar, contudo, a possibilidade de conflito entre esse foro especial e aquele, também especial, previsto no artigo 47, quando a ação ajuizada contra o ausente referir-se a bem imóvel e a direito real. Nesse caso, tem entendido a jurisprudência que deva prevalecer o foro da situação da coisa.
Se cotejarmos o artigo 49 com o artigo 97 do CPC/1973, verificaremos que houve um aperfeiçoamento na redação do enunciado, que em lugar de falar em “ações”, fala mais propriamente em ação, a abranger, pois, toda e qualquer ação, salvo a prevalência do foro previsto no artigo 47.
AUSENTE, AUTOR DA AÇÃO: nomeado curador, este pode promover em nome do ausente as ações em favor de seu curatelado. Nesse caso, o ausente não conta com o benefício do foro de seu último domicílio, devendo prevalecer o foro comum (do domicílio do réu), ou, se o caso, um foro especial, como, por exemplo, o foro da situação da coisa.

“Art. 50. A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente”.
Comentário: o Código Civil de 2002, em seu artigo 76 e parágrafo único, prevê que, para efeito das relações jurídicas reguladas por aquele Código, o domicílio do incapaz é o de seu representante ou assistente. E o CPC/2015 faz o mesmo para as relações jurídico-processuais, estabelecendo o foro especial em favor do incapaz, que é o foro do domicílio de seu representante ou assistente, onde o incapaz será demandado, pois. Mas esse foro especial somente tem aplicação quando o incapaz for réu, de modo que, em sendo autor, prevalecerá o foro geral (domicílio do réu), ou algum foro especial, como, por exemplo, o foro da situação do imóvel, se o caso.
Como o CPC/2015 não especifica o conceito de “incapaz”, entende a doutrina que se devam considerar abarcadas nesse conceito todas as hipóteses de incapacidade (por idade, absoluta e relativa, e também por doença mental).

“Art. 51. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União.
Parágrafo único. Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal”.
Comentário: tendo a Constituição de 1988, em seu artigo 109, definido as matérias de competência da Justiça Federal (competência absoluta em razão da pessoa e da matéria), impunha-se ao Código de Processo Civil regulasse os critérios territoriais acerca dessa mesma competência. Daí ter o artigo 51 fixado que o foro competente para as causas em que a União Federal seja a autora é a do domicílio do réu. Mas se a União for a ré, surge uma concorrência de foros, podendo o autor, pois, optar por ajuizar a ação no foro de seu domicílio, ou ainda naquele em que tiver ocorrido o ato ou fato do qual a demanda (rectius: lide) tenha se originado, e também no foro em que a coisa objeto da lide esteja, ou mesmo no foro do Distrito Federal. Esses mesmos critérios de competência territorial aplicam-se quando se tratar de ação em que figure como parte (autor e réu), ou como assistente ou oponente entidade autárquica instituída pela União Federal ou empresa pública federal, dado o que prevê o artigo 109, inciso I, da CF/1988.
INTERVENÇÃO: naquela hipótese tratada pelo artigo 45 do CPC/2015, a dizer, quando a União Federal, empresa pública federal, autarquia ou fundação criada pela União Federal intervém na demanda, aplicam-se os critérios de competência territorial definidos pelo artigo 51 do CPC/2015, com o deslocamento da competência em favor da Justiça Federal. Assim, se em razão da intervenção a União Federal (ou qualquer daquelas entidades paraestatais) assume a posição de autora, o foro competente será o do domicílio do réu, adotando-se os foros concorrentes para o caso em que, em decorrência da intervenção, a União federal assuma a posição de parte passiva. No caso da assistência, o foro competente será definido conforme esteja a União a assistir o autor ou o réu. E no caso da oposição, o foro competente será o do domicílio dos réus (opostos), aplicando-se, por analogia, a regra do artigo 46, parágrafo 4o., do CPC/2015. Observe-se que o artigo 99 do CPC/1973, com uma melhor técnica, abarcava expressamente essas hipóteses de intervenção.
PREVIDÊNCIA SOCIAL: versando a lide sobre matéria de previdência social, a CF/1988, em seu artigo 109, parágrafo 3o., estabelece que, na ação ajuizada contra o INSS e que verse sobre previdência social, desde que não exista, no foro do domicílio do autor, vara da justiça federal, a ação poderá ser ajuizada no foro do domicílio do autor, com uma competência excepcional (por delegação) da justiça estadual para o julgamento da demanda em primeiro grau (o recurso, pois, será dirigido a um tribunal regional federal).

“Art. 52. É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.
Parágrafo único. Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado”.
Comentário: o CPC/2015 estendeu aos Estados-membros e ao Distrito Federal os critérios de competência territorial aplicados à União Federal (artigo 50), disciplinando de modo uniforme esses critérios para as pessoas jurídicas de direito público. Mas nada dispôs acerca dos municípios, de forma que, em se tratando de ação ajuizada por município, ou contra ele, prevalecem os critérios gerais de competência territorial previstos nos artigos 46-47 do CPC/2015.
INTERVENÇÃO: por analogia, quando o Estado-membro ou o Distrito Federal intervier como assistente ou opoente, deve-se aplicar o mesmo regime fixado para a União Federal e suas entidades paraestatais.

“Art. 53. É competente o foro:
I – para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:
a) de domicílio do guardião de filho incapaz;
b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;
c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;
II – de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;
III – do lugar:
a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;
b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;
c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;
d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;
e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;
f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;
IV – do lugar do ato ou fato para a ação:
a) de reparação de dano;
b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;
V – de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves”.
Comentário: ao lado do foro geral (o do domicílio do réu), o CPC/2015, a exemplo do que fizera o CPC/1973 em seu artigo 100, previu, para determinadas ações um foro especial, e nalguns casos, mais de um foro especial, buscando com isso garantir proteção a determinadas situações processuais, conforme pareceu ao legislador conveniente fazer. Assim, por exemplo, para a ação de divórcio ou de anulação de casamento, o foro competente será o do domicílio do guardião do filho incapaz, ou ainda o foro do domicílio do réu, no caso da ação de alimentos, o foro do domicílio do alimentando, e quando se trata de ação ajuizada por idoso e que verse sobre direito subjetivo previsto no Estatuto do Idoso (Lei federal de número 10.741/2003), o foro competente será o da residência do autor.
Importante observar que, em se cuidando de competência relativa, os foros especiais fixados pelo legislador podem não prevalecer, se o réu, citado, não apresenta, em sua contestação, matéria preliminar arguindo a incompetência relativa, caso em que, segundo o que estatui o artigo 65 do CPC/2015, a competência prorroga-se (rectius: a competência surge, pois que a princípio o juízo não seria o competente, mas a inércia do réu faz surgir essa competência).

SEÇÃO II – DA MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA
“Art. 54. A competência relativa poderá modificar-se pela conexão ou pela continência, observado o disposto nesta Seção”.
Comentário: este artigo deve ser interpretado em conjunto com os artigos 62 e 63 do mesmo CPC/2015, pois que o artigo 54 não explicita o que se há entender por “competência relativa” em nosso sistema processual, diversamente do que sucedia com o CPC/1973, que em seu artigo 102 fixava, expressamente, que a competência relativa é a competência que diz respeito a território e a valor, sendo absoluta a competência que tiver por critério a matéria da lide, ou a pessoa ou uma função que exerça, quando integre a relação jurídico-processual.
Destarte, sendo relativa, e não absoluta, a competência fixada com base nos critérios de território e valor, ela pode ser modificada pela conexão ou continência, o que significa dizer que, em existindo duas ou mais ações que mantenham entre si alguma vinculação que caracterize a conexão ou a continência (e os artigos 55 e 56 do CPC/2015 estabelecem os requisitos para que esse vínculo seja tal que configure a conexão ou a continência entre as demandas), a competência de um juízo abarcará também a demanda ou as demandas distribuídas a outro juízo, que também é competente, de forma que a competência de um dos juízes (do juiz prevento, conforme artigos 58 e 59 do CPC/2015) será modificada para abranger demanda distribuída a outro juiz competente. Como observou PONTES DE MIRANDA, ao comentar o artigo 102 do CPC/1973, o legislador brasileiro havia empregado corretamente o verbo “modificar” para traduzir o fenômeno ocorrido em virtude da conexão e continência de demandas distribuídas a juízes igualmente competentes, em lugar de, como ocorria no CPC/1939, referir-se à prorrogação de competência. Com efeito, em havendo competência relativa, e se configurando a conexão ou continência, a competência de um juiz modifica-se, por abranger uma demanda inicialmente distribuída a outro juiz, que perde essa competência.
Assim, em havendo possibilidade de reunirem-se as ações vinculadas por conexão ou continência (e o fato de tratar-se de competência relativa isso o permite), não havendo ainda julgamento de qualquer das demandas, a reunião dos processos deve ocorrer, de forma que um dos juízos torna-se competente para conhecer de todas as demandas conexas ou que mantenham entre si relação de continência, para as julgar a um só tempo, evitando julgamentos conflitantes.

“Art. 55. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir.
§ 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já houver sido sentenciado.
§ 2º Aplica-se o disposto no caput:
I – à execução de título extrajudicial e à ação de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico;
II – às execuções fundadas no mesmo título executivo.
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”.
Comentário: identificados os elementos de uma ação (partes, causa de pedir e pedido), é possível aferir se há entre duas ou mais ações algum vínculo jurídico que possa determinar a reunião delas, para que se evitem julgamentos conflitantes. A conexão surge nesse contexto, pois como define o artigo 55 do CPC/2015 (e como o fazia o artigo 103 do CPC/1973), a conexão existe quando, entre duas ou mais ações, for comum o objeto (o pedido), ou a causa de pedir. De modo que, em havendo conexão, os processos devem ser reunidos para que recebam uma decisão conjunto, salvo se um deles já houver sido sentenciado, conforme estatui expressamente o parágrafo 1o. do artigo 55, eliminando, assim, certa dúvida que havia na jurisprudência construída quando em vigor o CPC/1973.
O CPC/2015 abarcou em disposições relativas à conexão algumas matérias que a jurisprudência enfrentara com certa frequência, como a que diz respeito a existir ou não conexão entre a ação de execução fundada em título extrajudicial e a ação de conhecimento que discuta acerca o mesmo título, e também quanto a execuções fundadas no mesmo título executivo. Situações que agora estão expressamente previstas no CPC/2015, e para as quais se configura a conexão.
Interessante novidade apresenta o parágrafo 3o. do artigo 55. Com efeito, segundo esse dispositivo, “Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles”. Assim, pode-se afirmar que, mesmo quando não for comum o pedido ou a causa de pedir (ou seja, ainda que não se configure a conexão segundo o “caput” do artigo 55), havendo risco de que surjam decisões conflitantes, então nessa hipótese o CPC/2015 obriga a que as ações sejam reunidas e recebam um só julgamento. Destarte, em face do parágrafo 3o. do artigo 55, pode-se dizer que ou o instituto da conexão foi ampliado, ou então que o legislador, a par da conexão, criou uma outra hipótese em que a reunião de processos impõe-se. De qualquer modo, independentemente desse aspecto de importância teórica, o mais relevante é que o CPC/2015 buscou prestigiar, tanto quanto possível, o princípio da segurança jurídica, o que justifica tenha previsto a obrigatoriedade de que as ações sejam reunidas e recebam um só julgamento, quando houver risco de julgamentos conflitantes. O parágrafo 3o. do artigo 55 deve ser aplicado, por exemplo, na hipótese em que exista uma ação de processo de conhecimento na qual se discuta matéria relativa a uma ação de execução, porque há o evidente risco de que o julgamento dessa ação possa conflitar com o vier a se decidir na ação de execução, ou mesmo nos embargos à execução. Isso deve ser observado inclusive quanto à ação de execução fiscal.
Normas de organização judiciária, caso do Estado de São Paulo, que instituíam hipótese de competência de juízo, prevendo que a ação de processo de conhecimento não poderia ser conhecida pelo juízo da ação de execução fiscal, não mais podem prevalecer, já que colidem com a norma do CPC/2015, que é uma norma de hierarquia superior.

“Art. 56. Dá-se a continência entre 2 (duas) ou mais ações quando houver identidade quanto às partes e à causa de pedir, mas o pedido de uma, por ser mais amplo, abrange o das demais”.
Comentário: tal como ocorre com a conexão, em se configurando a continência as ações devem ser reunidas para que recebam um só julgamento, o que significa dizer que o juiz competente (o juízo prevento) terá a sua competência ampliada para abarcar a demanda distribuída a outro juiz. Conforme foi observado quando tratamos do artigo 54, essa modificação de competência pela conexão ou continência somente ocorre quando o critério de competência foi o do valor da causa ou do território, o que significa dizer que a conexão e a continência não geram a reunião das causas quando a competência for absoluta (matéria, pessoa e função). Assim, embora possa existir conexão ou continência mesmo quando as ações tiverem sido distribuídas com base em critério de competência absoluta, o efeito determinado nos artigos 55 e 55, a dizer, a reunião de processos não ocorrerá em face da competência absoluta.
A continência caracteriza-se quando, entre duas ou mais ações, houver rigorosa identidade quanto às partes, e também quanto à causa de pedir. Enquanto na conexão não se exige a identidade de partes e de causa de pedir, isso deve obrigatoriamente ocorrer na continência.
OBJETO/PEDIDO: o artigo 104 do CPC/1973 referia-se ao objeto da ação, enquanto o artigo 56 fala em pedido, sem daí decorrer, contudo, qualquer modificação na regulação do instituto da continência. O objeto da ação é o pedido, e este pode ser mediato (o bem da vida que se quer obter), e imediato (o tipo de provimento jurisdicional que se quer obter).
LITISPENDÊNCIA: há que se atentar para a distinção de regime jurídico. Na continência, o pedido de uma ação é mais abrangente que o formulado noutra ação, existindo entre as ações identidade de partes e de causa de pedir. Na continência, o pedido (mediato ou imediato) é algo diverso, dado que em uma das ações o pedido é mais abrangente que o da outra. Já na litispendência, o pedido é idêntico.

“Art. 57. Quando houver continência e a ação continente tiver sido proposta anteriormente, no processo relativo à ação contida será proferida sentença sem resolução de mérito, caso contrário, as ações serão necessariamente reunidas”.
Comentário: enquanto no CPC/1973 (artigo 105) a reunião das ações conexas e com relação de continência constitua regra sem qualquer exceção, no CPC/2015 surge uma exceção justificada por uma razão lógica e que atende à economia processual. Pois que, em havendo continência e a ação continente (a ação cujo pedido é mais abrangente do que o pedido formulado na ação contida) tiver sido ajuizada anteriormente, estatui o artigo 57 do CPC/2015 que a ação contida será extinta sem resolução do mérito (por ausência do interesse de agir), dado que o pedido nela formulado será apreciado no julgamento da ação continente. Note-se que o artigo 59 do CPC/2015 determina o momento do registro ou da distribuição como aquele em que se fixa a prevenção, o que é de ser considerado para efeito da regra aqui sob comentário.

“Art. 58. A reunião das ações propostas em separado far-se-á no juízo prevento, onde serão decididas simultaneamente”.
Comentário: em se caracterizando a conexão ou a continência, o juízo cuja competência será ampliada (para alcançar, pois, a ação distribuída a outro juiz) será o juiz “prevento”, que, nos termos do artigo 59 do CPC/2015, é aquele perante o qual a ação foi registrada ou distribuída com antecedência. Se no CPC/1973 o juízo prevento era o que havia despachado em primeiro lugar, conforme o artigo 106 daquele código, no código de 2015 a prevenção do juízo configura-se em momento anterior, que é o momento do registro ou da distribuição do processo.
Registre-se que havia colisão entre os artigos 106 e 215 do CPC/1973, o que criava certa divergência no entendimento jurisprudencial quanto ao momento em que a prevenção caracterizava-se. Daí o acerto do CPC/2015 em tornar expressa a regra pela qual se define a prevenção para todos os casos em que deva haver reunião de processos, inclusive quando se caracterizam a conexão e a continência.

“Art. 59. O registro ou a distribuição da petição inicial torna prevento o juízo”.
Comentário: dada a possibilidade de existir mais de uma ação com as mesmas partes e com a mesma causa de pedir, ou quando o pedido formulado em uma das ações é mais amplo do que o objeto de outra, ou ainda quando exista o risco de que surjam decisões conflitantes ou contraditórias, para essas hipóteses, nas quais a reunião do processos é medida que busca atender ao princípio da segurança jurídica, previu o legislador a figura do “juízo prevento”, que é aquele juízo cuja competência será modificada (ampliada) para abarcar todas as demandas vinculadas.
O que configura a prevenção do juízo é, no sistema do CPC/2015, o ato de registro do processo (quando na comarca houver apenas uma vara com competência, como ocorre com frequência em comarcas de cidades pequenas, em que há apenas uma vara), ou o ato de distribuição do processo (quando houver na comarca mais de uma vara com igual competência, de modo que o processo nesse caso deverá ser distribuído entre as varas).
No CPC/1973 havia certa dúvida quanto ao momento em que ocorria a prevenção, dado que o artigo 106 fixava a prevenção do juízo que havia despacho a demanda em primeiro lugar, enquanto o artigo 219 daquele mesmo código fixava outro momento: o da citação. Essa controvérsia foi eliminada no CPC/2015, que fixou apenas um ato como o que define a prevenção do juízo: o ato do registro ou da distribuição da demanda.

“Art. 60. Se o imóvel se achar situado em mais de um Estado, comarca, seção ou subseção judiciária, a competência territorial do juízo prevento estender-se-á sobre a totalidade do imóvel”.
Comentário: corrigindo um equívoco em que havia incidido o artigo 107 do CPC/1973, que afirmava ser a prevenção um critério de competência no caso de imóvel situado em mais de um Estado ou comarca, o artigo 60 do CPC/2015 trata corretamente a prevenção como sendo um critério de modificação da competência, e não um critério para a sua fixação. Com efeito, em havendo duas ou mais ações distribuída a juízes diferentes, é necessário que a legislação erija um critério pelo qual seja possível reunir as ações sob a presidência de um dos juízes competentes, para que sobrevenha um só julgamento das demandas. A prevenção não constitui, pois, critério de fixação da competência, porque por meio da prevenção não passa a ser competente um juiz, senão que a sua competência amplia-se para abarcar uma demanda distribuída a outro juiz, igualmente competente.
Esse critério de modificação da competência, a prevenção, é assim utilizado no caso em que um imóvel, por sua posição geográfica, estiver sob a competência territorial de mais de um juiz (de um outro estado-membro, ou de comarca, seção ou subseção judiciária), de forma que, existindo mais de uma ação proposta sobre o mesmo imóvel, e distribuída a demanda a juízes diferentes, será prevento aquele perante o qual terá ocorrido, com antecedência, o ato de registro ou de distribuição do processo.

“Art. 61. A ação acessória será proposta no juízo competente para a ação principal”.
Comentário: os romanos fixaram um série de provérbios jurídicos cujo sentido é o de que o acessório deve seguir o principal, seja em sua natureza, seja em seu destino (“Acessorium sui principais naturam sequitur”, por exemplo). Assim também deve suceder no processo civil, por isso que uma ação acessória, a dizer, uma ação que mantém vínculo lógico-jurídico com outra, em uma relação que se estabelece entre acessório e principal, deve ser proposta no juízo competente para a ação principal, reunidas as ações em razão desse vínculo, prevento o juízo para o qual a ação acessória foi inicialmente distribuída, ou o juízo da ação principal, se esta antecedeu a acessória. De todo o modo, o critério de competência que se deve observar é quanto ao que forma ou formará a ação principal, sendo esta, pois, a ação em função do qual se fixará a competência, tanto para a própria principal, quanto para a ação acessória. Pode-se dizer, pois, que, ajuizada a ação acessória, está tornará prevento o juízo para a ação principal, salvo no caso de incompetência absoluta.
Embora o nosso CPC/2015 tenha extinto o processo cautelar como um processo autônomo (deslocando para o processo de conhecimento as tutelas de natureza cautelar), há ainda ações de natureza cautelar (ou seja, ações acessórias), como, por exemplo, a ação de produção antecipada de provas, regulada pelos artigos 381-383. Trata-se aí de uma ação tipicamente acessória, que, segundo a regra do artigo 61, deve ser proposta no juízo competente para a ação principal.

“Art. 62. A competência determinada em razão da matéria, da pessoa ou da função é inderrogável por convenção das partes”.
Comentário: ao tratar das hipóteses em que pode ocorrer a modificação da competência, o legislador ressalva que, em tendo a competência sido fixada em razão da matéria, da pessoa e do cargo ou função pública que exerça, nesses casos a competência não se pode modificar, porque a competência é absoluta. E, em sendo absoluta, afirma-se no artigo 62 que ela é inderrogável por convenção das partes. Mas ela é inderrogável não apenas por convenção das partes, mas sobretudo por imposição da lei. De forma que ainda que as partes nada aleguem a respeito, o juiz terá que a declarar, conforme determina o artigo 64, parágrafo 1o., do CPC/2015.
O artigo 62 não se refere à competência hierárquica, diversamente do que fazia o artigo 111 do CPC/1973, tendo preferido utilizar a denominação hoje mais usual, que é a da competência em razão da pessoa, que diz respeito ao cargo ou a uma função pública que ela exerça, como, por exemplo, a de prefeito de São Paulo, situação que, segundo a Constituição de São Paulo, constitui hipótese de competência absoluta em razão da pessoa (a dizer, do cargo que ocupa), de modo que, em se impetrando mandado de segurança contra o prefeito de São Paulo, a competência originária é do Tribunal de Justiça, tendo-se aí, pois, um exemplo de competência absoluta em razão do cargo – e em sendo absoluta, uma competência que não pode ser modificada.

“Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.
§ 1º A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.
§ 2º O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores das partes.
§ 3º Antes da citação, a cláusula de eleição de foro, se abusiva, pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz, que determinará a remessa dos autos ao juízo do foro de domicílio do réu.
§ 4º Citado, incumbe ao réu alegar a abusividade da cláusula de eleição de foro na contestação, sob pena de preclusão”.
Comentário: no sistema do nosso Código de Processo Civil de 2015, tal como sucedia no código anterior, é relativa a competência quando fixada com base nos critérios do território e do valor da causa, o que significa dizer que nessas hipóteses a competência pode ser modificada ou ampliada. Modificada quando o juiz, segundo os critérios legais, não teria competência para a ação, mas passa a ser competente porque as partes terão optado por não seguirem esses critérios, para escolherem um outro foro, definindo-o como competente. Ou quando o réu, citado, não arguiu a incompetência, caso em que o juiz passa a ser o competente para a ação.
A ampliação da competência dá-se quando um juiz é competente apenas para uma das ações, e passa a abarcar em sua competência uma ação distribuída a outro juízo, como ocorre nos casos de conexão ou continência, segundo vimos ao tratar desses institutos (artigos 55-56 do CPC-2015).
ELEIÇÃO DE FORO: o CPC/2015 contempla uma norma dispositiva, ao conceder às partes o direito de escolherem o foro competente, desde que essa escolha tenha sido materializada em um instrumento escrito (não necessariamente um contrato), e que a escolha do foro aluda expressamente a determinado negócio jurídico. Se a escolha do foro caracterizar-se-á como abusiva, conforme constate o juiz de ofício ou quando provocado pelo réu, a cláusula será invalidada, tornando-se assim ineficaz, o que conduz a que devam prevalecer as regras de competência do CPC/2015. Importante observar que como o CPC/2015 não fala em “contrato de adesão”, como ocorria no CPC/1973 (artigo 112, parágrafo único), a abusividade da cláusula de foro de eleição pode caracterizar-se não apenas nesse tipo de contrato, mas em qualquer contrato. O juiz, contudo, deve agir com prudência ao analisar a matéria, sobretudo quando não tenha havido ainda a citação, porque se há presumir que a cláusula terá sido firmada com a anuência das partes contratantes, e em havendo dúvida (ou seja, quando a abusividade não for patente), o juiz deverá deslocar o exame da matéria para que tenha lugar após a contestação, seja em obediência ao contraditório, seja pela presunção de legalidade da cláusula. A propósito, diante do que prevê o artigo 9o. do CPC/2015 (“Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida”), identifica-se um evidente conflito entre essa norma geral e a do artigo 63, parágrafo 3o., a tornar necessária a ponderação entre os interesses em conflito (aplicação do princípio da proporcionalidade), com a análise das circunstâncias do caso em concreto, devendo o juiz ponderar que, a rigor, é mais gravoso desconsiderar a cláusula de eleição de foro do que a observar. O autor não pode alegar a abusividade da cláusula, na medida em que dela se utiliza quando promove a ação perante o foro escolhido no contrato.
FORO X JUÍZO: as partes podem modificar a competência de foro, mas não a de juízo. De modo que podem, em um contrato, fixar como foro competente determinada comarca ou seção judiciária, mas não podem interferir na competência de juízo, que é uma competência absoluta, dado que fixada por lei. Assim, por exemplo, as partes podem, em um contrato, ajustar que eventual demanda que verse sobre o objeto contratado deva ser ajuizada no foro da cidade de São Paulo, mas não podem ajustar quanto ao juízo competente, não podendo fixar que uma determinada vara seja a competente para conhecer da ação.
HERDEIROS E SUCESSORES: o parágrafo 2o. do artigo 63 estatui que a cláusula de eleição de foro vincula os herdeiros e sucessores, e isso se aplica também no caso de sucessão da parte no processo (CPC/2015, artigo 110). Assim, em ocorrendo a morte do contratante, seus herdeiros e sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro ao ajuizarem a ação, e se o autor ou réu falece no curso da ação e são sucedidos no processo, seus sucessores devem observar a cláusula de eleição de foro.
INCOMPETÊNCIA RELATIVA: a incompetência relativa não é mais objeto de exceção conforme ocorria no sistema do CPC/1973, porque o artigo 64 do CPC/2015 determina que o réu alegue a incompetência relativa (e também a absoluta) como questão preliminar em contestação.

SEÇÃO III – DA INCOMPETÊNCIA
“Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.
§ 1º A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício.
§ 2º Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência.
§ 3º Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente.
§ 4º Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”.
Comentário: com o objetivo de simplificar, tanto quanto possível, o nosso sistema processual geral, o CPC/2015 aboliu a figura da “exceção”, forma de resposta pela qual o réu, no sistema do CPC/1973, arguia a incompetência relativa (e também a suspeição e o impedimento do juiz). No atual sistema processual, tanto a incompetência relativa quanto a absoluta devem ser alegadas como “questão preliminar de contestação”, o que a doutrina tradicional denomina de “objeção”. O artigo 337 trata dos temas que devem ser alegados pelo réu em contestação, alguns sob o risco de preclusão (caso, pois, da incompetência relativa), outros sem esse risco (caso da incompetência absoluta, pois que esta pode ser conhecida de ofício pelo juiz).
Em se tratando de incompetência relativa, ou seja, a que diz respeito ao território e ao valor, deixando o réu de argui-la na contestação, caracteriza-se a preclusão do respectivo direito processual, de forma que o juiz, que não era competente para a ação, torna-se competente. Equivocado dizer-se que, nesse caso, ocorre a “prorrogação da competente”, porque não se pode prorrogar o que antes não se tinha.
No caso de incompetência absoluta (a que diz respeito à matéria, à pessoa e a um cargo, função ou atividade pública que a parte ocupe ou exerça), o juiz, segundo o princípio que vem do direito alemão (“kompetenz-kompetenz”), pode decidir acerca de sua própria competência, e assim, no caso da incompetência absoluta (e não da incompetência relativa), pode, de ofício, ou seja, sem provocação das partes, declarar a sua incompetência, remetendo o processo ao juiz que entenda competente, o qual, contudo, pode não reconhecer a competência, suscitando conflito negativo de competência, formando um incidente que será resolvido pelo respectivo tribunal.
CONTRADITÓRIO: seja em função dos artigos 9o. e 10 do CPC/2015, seja porque o parágrafo 2o. do artigo 64 isso obriga, o juiz terá que observar o contraditório, de modo que, arguida como matéria preliminar em contestação a incompetência (relativa ou absoluta), concederá prazo para que a parte contrária posicione-se a respeito do tema. O artigo 351 fixa um prazo de quinze dias para que o autor se manifeste sobre a alegada incompetência absoluta ou relativa.
PROTOCOLO DA CONTESTAÇÃO: o artigo 340 do CPC/2015 permite que o réu, quando for alegar incompetência relativa ou absoluta, protocole no foro de seu domicílio a contestação, peça que será submetida ao registro ou distribuição no do foro do domicílio do réu, caracterizando-se a prevenção do juízo na hipótese de se declarar a incompetência.
ATOS DECISÓRIOS: o parágrafo 4o. do artigo 64 estabelece que, “Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente”. Adotou o CPC/2015 um princípio oposto ao que adotara o CPC/1973, que, em seu artigo 113, parágrafo 2o., fixava que, declarada a incompetência absoluta (e apenas no caso da incompetência absoluta), os atos decisórios reputam-se nulos. No CPC/2015, os atos decisórios proferidos por juiz incompetente presumem-se válidos e eficazes, até que uma decisão do juiz competente determine o contrário. Importante observar que o juiz que tenha se declarado incompetente não pode mais modificar a decisão que tenha proferido, dado que, em se tendo declarado incompetente, não mais pode exercer atividade jurisdicional naquele processo. Também é de relevo atentar para a modificação de regime no caso dos atos decisórios, porque no CPC/2015 não há mais distinção entre os efeitos dos atos decisórios em face da incompetência absoluta ou relativa, porque no sistema atual, tanto na incompetência absoluta quanto na relativa os atos decisórios proferidos por juiz que se declara incompetente presumem-se válidos e eficazes, salvo se sobrevier decisão do juiz competente declarando esses atos como inválidos e ineficazes.

“Art. 65. Prorrogar-se-á a competência relativa se o réu não alegar a incompetência em preliminar de contestação.
Parágrafo único. A incompetência relativa pode ser alegada pelo Ministério Público nas causas em que atuar”
Comentário: somente se pode prorrogar algo que já exista. Assim, o artigo 65 incide no mesmo equívoco (lógico) do artigo 116 do CPC/1973, ao fixar que a competência relativa prorroga-se, quando o réu não a alega como matéria preliminar em contestação. O juiz, ou era competente e se mantém como tal, ou era incompetente e se torna competente en consequência de o réu não ter alegado a incompetência relativa (a competência que é fixada segundo os critérios de território ou de valor).
PRECLUSÃO: caracteriza-se a preclusão (perda de uma faculdade ou de um direito de natureza processual), quando o réu opta por não arguir a incompetência, ou deixa de a arguir no prazo fixado pelo CPC/2015 (em contestação, como matéria preliminar).
MINISTÉRIO PÚBLICO: o parágrafo único estabelece que o MINISTÉRIO PÚBLICO, nas causas em que atuar, pode arguir a incompetência relativa. Mas isso somente nos casos em que a sua atuação é como parte, e não como fiscal da lei.

“Art. 66. Há conflito de competência quando:
I – 2 (dois) ou mais juízes se declaram competentes;
II – 2 (dois) ou mais juízes se consideram incompetentes, atribuindo um ao outro a competência;
III – entre 2 (dois) ou mais juízes surge controvérsia acerca da reunião ou separação de processos.
Parágrafo único. O juiz que não acolher a competência declinada deverá suscitar o conflito, salvo se a atribuir a outro juízo”.
Comentário: poderá ocorrer que, em face de um processo ou de mais de um processo, dois ou mais juízes declarem-se igualmente competentes, ou incompetentes, o que dá lugar a um incidente que será resolvido pelo tribunal a que pertençam esses mesmos juízes. O artigo 66 reproduz, em sua essência, o que artigo 115 do CPC/1973 fixava, apenas com a explicitação de duas hipóteses que, não expressas na norma do código de 1973, ensejavam alguma dúvida e controvérsia. É que pode suceder que um juiz se declare incompetente, mas atribua competência não em relação ao juiz que, em tendo se declarado incompetente, remeteu-lhe o processo, mas sim a um outro juiz. Nesse caso, segundo a regra do artigo 66, o juiz deverá encaminhar o processo àquele juiz que entende competente, e não suscitar conflito. Caberá ao juiz que receber o processo decidir sobre a sua competência, para a reconhecer, ou então para suscitar conflito entre todos os juízes envolvidos na questão. A outra hipótese, agora expressamente abarcada na norma, diz respeito a qual dos juízes deve suscitar o conflito, fixando o parágrafo único do artigo 66 que essa iniciativa caberá àquele que não acolhe a competência (salvo no caso acima mencionado, em que ele, em vez de suscitar conflito, remeterá o processo a um outro juiz).
JUÍZES DE TRIBUNAIS DIVERSOS: no caso em que a definição de competência diz respeito a juízes de tribunais diversos, a competência para a decisão é do Superior Tribunal de Justiça. Com certa frequência, tribunais locais, examinando recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que declina da competência para outra justiça (por exemplo, no caso em que um juiz estadual entende que a competência em razão da matéria é da Justiça do Trabalho), conhece do recurso, olvidando de que a matéria discutida refere-se a um conflito de competência entre juízes de tribunais diversos (no caso, entre um juiz da Justiça Comum Estadual e de um juiz da Justiça do Trabalho), e que essa matéria é da competência exclusiva do Superior Tribunal de Justiça, conforme determina o artigo 105, I, “d”, da Constituição da República de 1988.
SISTEMA PROCESSUAL X COMPETÊNCIA: há que se estabelecer uma importante distinção entre sistema processual e competência. Com efeito, antes de se definir acerca da competência, é necessário perscrutar se um determinado sistema processual está sendo adequadamente utilizado. Consideremos, a título de exemplo (exemplo que ora está a ocorrer com acentuada frequência em nossa jurisprudência), que um juiz de uma vara de fazenda pública, atento apenas ao valor da causa, decline da competência, entendendo como competente o juizado especial de fazenda pública, o qual, contudo, analisando, não a competência, mas o sistema processual, entenda que o sistema processual instituído pela lei federal de número 12.153/2009 não possa ser utilizado naquele caso (por haver a necessidade de uma perícia complexa, por exemplo); nesse caso o conflito não versa sobre competência, mas sobre sistemas processuais, de modo que o incidente não deve ser conhecido, devendo a matéria ser discutida em recurso de agravo por instrumento, ou por outro azado recurso. Há, pois, que se interpretar o entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o conflito de competência não pode ser utilizado como sucedâneo processual, observando, pois, a necessária distinção entre sistema processual e competência, quando se está em face de um incidente de conflito de competência. (Conflito que, como o próprio nome indica, é de competência, e não de sistema processual.)
SEPARAÇÃO OU REUNIÃO DE PROCESSOS: de acordo com o inciso III do artigo 66, a definição quanto a se dever separar ou reunir processos é de competência, e por isso deve ser analisada em conflito de competência. Há que se ressalvar, contudo, o que ficou dito quanto à distinção entre sistema processual e competência, e que tem aplicação também nessa hipótese.
MEDIDAS URGENTES: havendo medida urgente por analisar, o tribunal designará um dos juízes envolvidos no conflito de competência para a análise da medida.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA: a matéria está regulada pelos artigos 951-959 do CPC/2015.

CAPÍTULO II – DA COOPERAÇÃO NACIONAL
“Art. 67. Aos órgãos do Poder Judiciário, estadual ou federal, especializado ou comum, em todas as instâncias e graus de jurisdição, inclusive aos tribunais superiores, incumbe o dever de recíproca cooperação, por meio de seus magistrados e servidores”.
Comentário: em tendo o artigo 92 da Constituição da República de 1988 enumerado os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro, seria natural que o legislador, ao cuidar do processo civil como um sistema geral, e atento à regra constitucional que a todos os litigantes assegura uma duração razoável do processo (o que também é previsto no artigo 6o. do CPC/2015), estabelecesse um dever de cooperação entre esses órgãos, seja no exercício da atividade jurisdicional, seja também quando esses órgãos estejam a executar uma atividade administrativa. Daí prever o artigo 67 esse dever de cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário brasileiro. Destarte, se as partes devem colaborar, tanto quanto possível, para que se obtenha, em tempo razoável, a entrega da tutela jurisdicional, os órgãos do Poder Judiciário também devem colaborar entre si para esse mesmo objetivo, tal como determina o artigo 6o. do CPC/2015.
Quando a cooperação entre os órgãos que compõem o Poder Judiciário brasileiro dá-se no campo da atividade jurisdicional, há um veículo próprio à materialização dos atos processuais, que é a carta: precatória, ou de ordem (esta utilizada quando expedida por um tribunal em relação a um juiz a esse mesmo tribunal vinculado, ou no caso de um tribunal superior em relação a um tribunal inferior, conforme prevê o artigo 236 do CPC/2015). O artigo 265 do CPC/2015 regula a forma pela qual a carta de ordem ou precatória deva ser expedida.

“Art. 68. Os juízos poderão formular entre si pedido de cooperação para prática de qualquer ato processual”.
Comentário: norma redundante, pois que seu conteúdo e alcance estão contemplados no artigo 67, e a rigor o conteúdo e alcance deste também estão contemplados pelo artigo 6o. do CPC/2015, que evidentemente se aplica ao juiz como sujeito do processo. Bastaria, pois, que o legislador enumerasse, de modo exemplificado como faz o artigo 69, a forma pela qual a cooperação entre os órgãos do Poder Judiciário pode se dar no campo da atividade jurisdicional, e a que atos no processo civil a cooperação será utilizada. Disso trataremos a seguir, ao comentarmos o artigo 69.

“Art. 69. O pedido de cooperação jurisdicional deve ser prontamente atendido, prescinde de forma específica e pode ser executado como:
I – auxílio direto;
II – reunião ou apensamento de processos;
III – prestação de informações;
IV – atos concertados entre os juízes cooperantes.
§ 1º As cartas de ordem, precatória e arbitral seguirão o regime previsto neste Código.
§ 2º Os atos concertados entre os juízes cooperantes poderão consistir, além de outros, no estabelecimento de procedimento para:
I – a prática de citação, intimação ou notificação de ato;
II – a obtenção e apresentação de provas e a coleta de depoimentos;
III – a efetivação de tutela provisória;
IV – a efetivação de medidas e providências para recuperação e preservação de empresas;
V – a facilitação de habilitação de créditos na falência e na recuperação judicial;
VI – a centralização de processos repetitivos;
VII – a execução de decisão jurisdicional.
§ 3º O pedido de cooperação judiciária pode ser realizado entre órgãos jurisdicionais de diferentes ramos do Poder Judiciário”.
Comentário: compondo-se o processo civil de uma série de atos, pode suceder, e frequentemente sucede que alguns atos devam ser praticados no território de outro juízo ou tribunal, ou, no caso em que o processo esteja a ser julgado em um tribunal superior, que algum ato tenha que ser executado em alguma parte do território nacional. Daí ter previsto o Código de Processo Civil de 2015, dentro do que denominou de “cooperação nacional”, que os tribunais e juízos devam colaborar entre si para que o processo possa receber decisão em tempo razoável, o que passa evidentemente pela execução dos atos processuais no menor tempo possível, pois como determina o “caput” do artigo 69 o pedido de cooperação jurisdicional deve ser “prontamente atendido”, sob qualquer dos atos enumerados de modo exemplificativo nos incisos desse artigo e de seus parágrafos, caso, por exemplo, dos atos de citação, de efetivação da tutela provisória de urgência, de colheitas de testemunhos, e de execução de qualquer ordem jurisdicional.
CARTAS: o CPC/2015 determina que, em geral, a cooperação entre tribunais e juízos deva ser solicitada por meio de carta precatória ou de ordem, conquanto se possa em determinados casos prescindir de uma forma específica, como autoriza o “caput” do artigo 69. No sistema da arbitragem, o CPC/2015 autoriza que seja utilizada a “carta arbitral”, quando a execução de um ato deva ocorrer em território diverso daquele em que o juízo ou tribunal arbitral atua.
Para a prática dos atos processuais realizados sob a forma de cooperação entre juízes e tribunais, deve-se observar o que estatui o artigo 189 do CPC/2015 quanto à forma e demais requisitos específicos à natureza e finalidade de cada ato.

LIVRO III – DOS SUJEITOS DO PROCESSO
TÍTULO I – DAS PARTES E DOS PROCURADORES
CAPÍTULO I – DA CAPACIDADE PROCESSUAL
“Art. 70. Toda pessoa que se encontre no exercício de seus direitos tem capacidade para estar em juízo”.
Comentário: assim como o Código Civil de 2002 cuida, em seu artigo 1o., da capacidade de direito para a prática de atos na ordem civil, no campo do processo civil essa mesma capacidade é exigida para a prática de atos no processo. Trata-se da capacidade jurídica de ser parte, o que constitui um requisito processual para validez da relação jurídico-processual. Antigamente, era usual referir-se a essa capacidade como “legitimatio ad processum”, para a diferenciar da “legitimatio ad causam”, que constitui uma condição da ação. Assim, não se pode confundir a capacidade jurídica para ser parte no processo civil (que é um requisito para a validez do processo, logo um pressuposto processual), da legitimidade para ser parte (que é uma condição da parte), como ensina LIEBMAN:
“A capacidade processual é uma qualidade intrínseca, natural, da pessoa; dela deriva, no plano jurídico, a possibilidade de exercer validamente os direitos processuais que a pessoa tem. Essa possibilidae se chama, segundo uma antiga terminologia, legitimação formal (legitimatio ad processum), não devendo ser confundida com a legitimatio ad causam, que é a legitimação para agir. A distinção entre capacidade processual e legitimação formal torna-se relevante nos casos em que a parte carece de capacidade processual: o exercício dos seus direitos processuais é então confiado pela lei a terceiros, os quais, justamente em virtude de tal investidura, adquirem a legitimação formal e estão no processo, realizando todos os atos processuais em nome e por conta da parte que representam”. (“Manual de Direito Processual Civil”, v. I, trad. por Cândido Rangel Dinamarco, 2a. edição, p. 92, Forense).
PERSONALIDADE JURÍDICA E PERSONALIDADE JUDICIÁRIA (PERSONALIDADE PROCESSUAL): há determinados entes e órgãos que, conquanto não possuam personalidade jurídica (a capacidade de direito), possuem a personalidade judiciária (a capacidade de figurarem na relação jurídico-processual). A Lei é que determinará os casos excepcionais em que essa personalidade judiciária existe, situação, por exemplo, da câmara legislativa ou do tribunal de contas, os quais possuem a personalidade judiciária quando a ação versar sobre ato de prerrogativa ou do interesse direto desses entes públicos, os quais, contudo, não possuem a personalidade jurídica (a capacidade jurídica de ser parte), e por isso devem ser representados em Juízo conforme estabelecer a lei (confira-se o artigo 75 do CPC/2015). São denominados “partes formais” os entes e órgãos que possuem apenas a personalidade judiciária ou processual, como se dá com o espólio e a herança jacente.
EXTINÇÃO ANORMAL DO PROCESSO: constatando o juiz a ausência da capacidade jurídica da parte, e não sendo possível a sua regularização (confira-se o artigo 76 do CPC/2015), ocorrerá a extinção anormal do processo, sem resolução do mérito, tal como estabelece o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015.

“Art. 71. O incapaz será representado ou assistido por seus pais, por tutor ou por curador, na forma da lei”.
Comentário: na hipótese de a parte (autor, réu, interveniente) não poder exercer pessoalmente os atos no processo, por lhe faltar a capacidade jurídica para agir, ou seja, quando se caracteriza a incapacidade civil (absoluta e relativa), segundo o que preveem os artigos 3o. e 4o. do Código Civil de 2002 (com a redação que lhes foi dada pela Lei federal 13.146/2015), exige a lei processual civil que a parte seja representada (no caso da incapacidade absoluta), ou assistida (no caso da incapacidade relativa), o que ocorre, por exemplo, no caso dos menores de dezesseis anos, ou de alguém que esteja sob tutela ou curatela, sendo de se observar a forma de representação ou de assistência regulada pela lei civil, a qual pode exigir, a critério do legislador, além da representação no processo, a autorização judicial para a propositura da ação.
Importante observar que não se pode confundir a incapacidade para exercer pessoalmente atos no processo, de que trata o artigo 71, com a legitimidade para agir. Assim, o incapaz (e não seu representante) é parte no processo e como tal deve ser citado. Sua atuação no processo, a saber, a prática dos atos no processo é que deve se dar por representante ou assistente, tutor ou curador, na forma como a lei civil dispuser.

“Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
I – incapaz, se não tiver representante legal ou se os interesses deste colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade;
II – réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.
Parágrafo único. A curatela especial será exercida pela Defensoria Pública, nos termos da lei”.
Comentário: com a finalidade de reforçar a proteção aos interesses do incapaz, ou do réu cuja especial situação especial isso também possa justificar (caso do réu preso, ou daquele citado por edital ou hora certa), a norma em questão determina que o juiz nomeie um “curador especial”, que obrigatoriamente (ou seja, sob pena de nulidade) atuará na defesa do incapaz, seja quando este estiver na posição jurídico-processual de autor, de réu ou de interveniente, na hipótese de o incapaz não contar com representante legal, ou quando os interesses desse representante puderem colidir com os do incapaz, curatela que perdurará enquanto durar a incapacidade. A norma não qualifica a natureza jurídica desse interesse, de modo que caberá ao juiz analisar, caso a caso, se existe interesse, e qual a sua natureza, para decidir se nomeará ou não o curador especial.
RÉU PRESO, RÉU CITADO POR EDITAL OU COM HORA CERTA: para essas hipóteses, a norma em questão também impõe a nomeação de curador, cuja atuação no processo perdurará enquanto o réu não constituir advogado.
DEFENSORIA PÚBLICA: com a implantação em todos os Estados-membros e no Distrito Federal da Defensoria Pública, o mesmo tendo sucedido no âmbito da Justiça Federal com a Defensoria Pública da União, prevê o artigo 72 que caberá a essa instituição exercer a curadoria especial, não impedindo, contudo, que a Defensoria Pública possa, mediante convênio administrativo, delegar a órgãos como a OAB a indicação de profissionais para que atuem como curador especial em processos judiciais.
CURADOR X CURADOR ESPECIAL: não se há confundir a figura do “curador”, que, nos termos do Código Civil, é aquele que, nos atos da vida civil e também no processo, representa ou assista o incapaz, da figura do “curador especial”, que é aquele que, no processo civil e apenas nele, representa a parte nas hipóteses previstas no artigo 72 do CPC/2015.

“Art. 73. O cônjuge necessitará do consentimento do outro para propor ação que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens.
§ 1º Ambos os cônjuges serão necessariamente citados para a ação:
I – que verse sobre direito real imobiliário, salvo quando casados sob o regime de separação absoluta de bens;
II – resultante de fato que diga respeito a ambos os cônjuges ou de ato praticado por eles;
III – fundada em dívida contraída por um dos cônjuges a bem da família;
IV – que tenha por objeto o reconhecimento, a constituição ou a extinção de ônus sobre imóvel de um ou de ambos os cônjuges.
§ 2º Nas ações possessórias, a participação do cônjuge do autor ou do réu somente é indispensável nas hipóteses de composse ou de ato por ambos praticado.
§ 3º Aplica-se o disposto neste artigo à união estável comprovada nos autos”.
Comentário: como desenvolvimento do princípio que deu origem ao instituto do litisconsórcio, segundo o qual devem integrar o processo civil todas as pessoas que podem ter a sua esfera jurídica atingida por efeitos do provimento jurisdicional, obriga o artigo 73 (em uma redação muito próxima a do artigo 10 do CPC/1973) que, na ação que verse sobre direito real imobiliário, os cônjuges, ou integrem como parte o processo, ou, então, que o cônjuge que propuser a ação terá que comprovar o consentimento de seu cônjuge. Todas as hipóteses tratadas pelos parágrafos 1o e 2o. referem-se a ações nas quais essa mesma situação está presente, ou seja, quando há o risco de que efeitos decorrentes do provimento jurisdicional possam atingir a esfera jurídica do cônjuge que não integra como parte o processo, caso, por exemplo, da ação que diga respeito a ônus sobre bem imóvel, ou da ação possessória. Essas hipóteses não são taxativas, podendo o juiz determinar que a citação do cônjuge ocorra em ação que, embora não esteja no rol legal, poderá acarretar o mesmo risco a que se referiu. De resto, as regras gerais do litisconsórcio podem ser aplicadas quando a hipótese não estiver expressa no rol do artigo 73.
SEPARAÇÃO ABSOLUTA DE BENS: ressalva o legislador que, adotado o regime jurídico de separação absoluta dos bens, em conformidade com o qual individualiza-se o patrimônio de cada cônjuge, como não há, em tese, o risco de que a esfera jurídica do terceiro (no caso, do cônjuge que não é parte no processo) seja atingida, é desnecessário o consentimento ou a citação do terceiro. Mas caberá ao juiz analisar se, a despeito de ter sido adotado o regime da separação absoluta de bens, poderá ou não surgir o risco de projeção de efeitos da demanda sobre a esfera jurídica do cônjuge.
UNIÃO ESTÁVEL: no texto original do CPC/2015, na redação final do anteprojeto, previu-se que à união estável, “comprovada nos autos”, deveria se aplicar o artigo 73. Era o que estabelecia o parágrafo 3o., o qual, contudo, não integrou a redação final. De qualquer modo, nada obsta que o juiz, aplicando a analogia, estenda à união estável o que se aplica ao casamento em termos de exigência quanto ao consentimento para a ação real imobiliária, ou para qualquer das hipóteses mencionadas nos parágrafos 1o. e 2o. do artigo 73. Quiçá a supressão do parágrafo 3o. do texto definitivo terá sido a melhor opção do legislação, que, assim não impede que o juiz, analisando as circunstâncias da demanda, atento sempre à existência de risco quanto à esfera jurídica de terceiro (no caso, do companheiro/a ou convivente), exija o consentimento para a propositura da ação, ou a citação.
CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE/COMPANHEIRO/CONVIVENTE PARA PROPOSITURA DA AÇÃO: trata-se de pressuposto processual, de modo que se cuida de matéria de ordem pública, que deve ser pelo juiz pronunciada de ofício, caso inexista o consentimento do cônjuge/companheiro/convivente. Mas o juiz, em lugar de declarar de imediato a extinção anormal do processo, deverá conceder prazo que se regularize a falta do consentimento.

“Art. 74. O consentimento previsto no art. 73 pode ser suprido judicialmente quando for negado por um dos cônjuges sem justo motivo, ou quando lhe seja impossível concedê-lo.
Parágrafo único. A falta de consentimento, quando necessário e não suprido pelo juiz, invalida o processo”.
Comentário: conforme o artigo 73, para determinados tipos de ação a lei exige que ambos os cônjuges (e também companheiros ou conviventes) integrem a relação jurídico-processual sob pena de nulidade do processo. Poderá suceder, contudo, que um dos cônjuges (ou companheiro ou convivente) recuse-se a participar do processo, o que faz instalar uma controvérsia a respeito, a ser dirimida em vara de família, que é competente (em razão da matéria) para analisar e decidir acerca das razões e motivos da recusa ao consentimento, para o suprir por decisão judicial, ou para ratificar a vontade do cônjuge. O Código Civil, em seu artigo 1.647, prevê para quais atos da vida civil o consentimento do cônjuge deverá ser dado, abarcando a prática de atos no processo civil (inciso II), a caracterizar que se trata de relação jurídico-material diretamente ligada ao regime de bens entre os cônjuges, de modo que a competência é da vara de família. O mesmo se deve concluir, em termos de competência, quando a recusa ao consentimento emanar de companheiro/a ou convivente.
JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA: embora o CPC/2015 não preveja no artigo 725 a ação de suprimento de consentimento, é da tradição do direito brasileiro, formada quando em vigor o CPC/1939, que se adotem para essa ação as regras inerentes à jurisdição voluntária, nomeadamente a do artigo 723, parágrafo único, do CPC/2015, que permite o juiz não observe, em todo o seu rigor, a legalidade estrita, o que significa que possa julgar com base em critério de equidade, para decidir se deve suprir o consentimento, ou se devem prevalecer as razões de recusa do cônjuge, do companheiro/convivente.
Esse mesmo tipo de ação é de ser utilizada quando, por alguma situação, o cônjuge não possa emitir seu consentimento, quando, por exemplo, esteja em local incerto ou não sabido. Mas é de se ressaltar que, estando o cônjuge sob regime de curatela, e sendo seu curador o cônjuge (cf. artigo 1.775 do Código Civil), neste caso deve o juiz nomear ao cônjuge interdito curador especial, segundo o que prevê o artigo 72, inciso I, do CPC/2015.
NULIDADE DO PROCESSO: o consentimento do cônjuge, ou a tutela jurisdicional que o supra, é pressuposto indispensável ao processo, de modo que, em não havendo o consentimento, ou a tutela jurisdicional que o tenha suprido, o juiz declarará extinto o processo, sem resolução do mérito, segundo o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015. Mas o juiz deve sempre conceder prazo para que a falha seja regularizada, antes de declarar extinto o processo.

“Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I – a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado;
II – o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores;
III – o Município, por seu prefeito ou procurador;
IV – a autarquia e a fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar;
V – a massa falida, pelo administrador judicial;
VI – a herança jacente ou vacante, por seu curador;
VII – o espólio, pelo inventariante;
VIII – a pessoa jurídica, por quem os respectivos atos constitutivos designarem ou, não havendo essa designação, por seus diretores;
IX – a sociedade e a associação irregulares e outros entes organizados sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração de seus bens;
X – a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;
XI – o condomínio, pelo administrador ou síndico.
§ 1º Quando o inventariante for dativo, os sucessores do falecido serão intimados no processo no qual o espólio seja parte.
§ 2º A sociedade ou associação sem personalidade jurídica não poderá opor a irregularidade de sua constituição quando demandada.
§ 3º O gerente de filial ou agência presume-se autorizado pela pessoa jurídica estrangeira a receber citação para qualquer processo.
§ 4º Os Estados e o Distrito Federal poderão ajustar compromisso recíproco para prática de ato processual por seus procuradores em favor de outro ente federado, mediante convênio firmado pelas respectivas procuradorias”.
Comentário: cabe à lei de natureza material (o Código Civil, por exemplo) regular acerca da personalidade jurídica, que é a capacidade (de direito e de fato) para a prática dos atos da vida civil. No caso dos entes públicos, a lei que cria determinado ente público disciplina a respeito constitução da respectiva personalidade jurídica. Assim, o Código de Processo Civil, ao cuidar da representação das partes no processo, utiliza-se da personalidade jurídica que é criada e definida pelas normas materiais. Daí ter o artigo 75 (em uma redação bastante semelhante à do artigo 12 do CPC/1973) estabelece a forma como serão representados, no processo civil, diversos entes e órgãos, dando azo a uma importante distinção no campo do processo entre “personalidade jurídica” e “personalidade judiciária”, sendo esta a capacidade da qual deve o órgão ser dotado para que possa, ele próprio como tal, ser parte em um processo. Pode suceder, portanto, que um determinado órgão, por exemplo, a assembleia legislativa de um Estado-membro, possua personalidade jurídica, mas não possua a personalidade judiciária exigida para determinado tipo de ação, caso em que será representada por outro órgão (no caso, pela fazenda pública do Estado-membro). Caberá tanto à lei material quanto a de natureza processual regularem acerca da constituição ou não da personalidade judiciária a determinado órgão ou ente público.
PRESENTAÇÃO – REPRESENTAÇÃO: é frequente que a doutrina atual empregue a distinção entre “presentação” e “representação” (cf., por exemplo, NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, in “Código de Processo Civil Comentado). Essa distinção, que é de reduzidos efeitos práticos, é criação de PONTES DE MIRANDA, que ao comentar o artigo 12 do CPC/1973, dela cuida:
” (…) onde há órgão não há representação, nem procuração, nem mandato, nem qualquer outro outorga de poderes. O órgão é parte do ser, como acontece às entidades jurídicas, ao próprio homem e aos animais. Coração é órgão, fígado é órgão, olhos são órgãos; o Presidente da República é órgão; o Governador de Estado-membro e o Prefeito são órgãos. Quando uma entidade social, que se constitui, diz qual a pessoa que por ela figura nos negócios jurídicos e nas atividades com a Justiça, aponta-se como o seu órgão, que pode presentá-la (isto é, estar presente para dar presença à entidade de que é órgão), e, conforme a lei ou os estatutos, outorgas poderes a outrem, que então representa a entidade. Quando o art. 12 do Código de Processo do Código de Processo Civil diz que os seres sociais por ela apontados são ‘representados em juízo, ativa e passivamente’, pelas pessoas que menciona, erra, palmarmente, sempre que não houve outorga de podres e sim função de órgãos. Onde não se trata de órgão, caberia empregar a palavra ‘representação’, ‘representar’, ‘representante’, ‘representado’, não porém, onde a participação processual, ativa ou passiva, é de órgão”.
Importante observar que o artigo 75 cuida da representação processual, que é um pressuposto processual, e não da legitimidade para a causa, esta uma condição da ação.
ROL: o artigo 75 enumera a forma como os entes públicos (a União Federal, os Estados-membros, os Municípios), entes despersonalizados (como a massa falida, a herança, o condomínio), e pessoas jurídicas de direito privado são representadas no processo civil (ou, “presentadas” em certas hipóteses, se adotarmos a terminologia de PONTES DE MIRANDA.
CONVÊNIO: novidade trazida pelo CPC/2015 é a que diz respeito à possibilidade de os entes públicos firmarem convênio (que é um instrumento do direito administrativo) para a prática de atos compartilhados no processo civil. É o que está regulado no parágrafo 4o. do artigo 75.

“Art. 76. Verificada a incapacidade processual ou a irregularidade da representação da parte, o juiz suspenderá o processo e designará prazo razoável para que seja sanado o vício.
§ 1º Descumprida a determinação, caso o processo esteja na instância originária:
I – o processo será extinto, se a providência couber ao autor;
II – o réu será considerado revel, se a providência lhe couber;
III – o terceiro será considerado revel ou excluído do processo, dependendo do polo em que se encontre.
§ 2º Descumprida a determinação em fase recursal perante tribunal de justiça, tribunal regional federal ou tribunal superior, o relator:
I – não conhecerá do recurso, se a providência couber ao recorrente;
II – determinará o desentranhamento das contrarrazões, se a providência couber ao recorrido”.
Comentário: em consonância com o regime de ônus que é adotado pelo CPC/2015, o artigo 76 prevê que consequências a parte e o interveniente sofrerão na hipótese em que não regularizem a sua incapacidade ou representação no processo. A consequência varia conforme se trate do autor ou do réu, e no caso do interveniente, segundo o polo em que esteja a atuar.
Assim, no caso de o autor não regularizar, no prazo fixado pelo juiz, a sua incapacidade ou a sua representação, suportará a extinção anormal do processo, por aplicação do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual). Se for o réu, será decretada a sua revelia, com os efeitos que dela ocorrem, ou podem ocorrer (artigos 344-346 do CPC/2015).
No caso do interveniente, a consequência que se lhe aplica como ônus no caso em que não regulariza a sua incapacidade ou representação no processo, será a extinção anormal do processo por ausência de pressuposto processual se estiver a ocupar o polo ativo da relação jurídico-processual, e a revelia, se estiver a ocupar o polo passivo. Note-se, pois, uma mudança significativa na regulação da matéria, pois que no CPC/1973 a consequência imposta ao interveniente era a sua exclusão da relação jurídico-processual.
O “caput” obriga o juiz (tratando-se, pois, de um dever, não de uma faculdade) a determinar a suspensão do trâmite do processo, se identifica irregularidade quanto à capacidade para a prática de atos no processo, ou quando a irregularidade disser respeito à representação da parte ou do interveniente, devendo fixar um prazo “razoável” para que seja sanado o vício, cabendo à discricionariedade do juiz, portanto, estipular o prazo, impondo-se ao juiz, outrossim, o dever de explicitar que circunstâncias terá considerado para a estipulação do prazo.
TRIBUNAL: se o processo estiver em grau de recurso, e houver incapacidade ou irregularidade na representação processual da parte que interpôs o recurso, não sanado o vício, o relator, em decisão monocrática, não conhecerá do recurso. Se a incapacidade ou a irregularidade na representação for da parte recorrida, então nesse caso, como consequência do ônus, o relator determinará o desentranhamento das contrarrazões de recurso, peça que assim não será conhecida no âmbito de cognição recursal.

CAPÍTULO II – DOS DEVERES DAS PARTES E DE SEUS PROCURADORES
SEÇÃO I – DOS DEVERES
“Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
§ 3º Não sendo paga no prazo a ser fixado pelo juiz, a multa prevista no § 2º será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou, e sua execução observará o procedimento da execução fiscal, revertendo-se aos fundos previstos no art. 97.
§ 4º A multa estabelecida no § 2º poderá ser fixada independentemente da incidência das previstas nos arts. 523, § 1º, e 536, § 1º.
§ 5º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa prevista no § 2º poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 6º Aos advogados públicos ou privados e aos membros da Defensoria Pública e do Ministério Público não se aplica o disposto nos §§ 2º a 5º, devendo eventual responsabilidade disciplinar ser apurada pelo respectivo órgão de classe ou corregedoria, ao qual o juiz oficiará.
§ 7º Reconhecida violação ao disposto no inciso VI, o juiz determinará o restabelecimento do estado anterior, podendo, ainda, proibir a parte de falar nos autos até a purgação do atentado, sem prejuízo da aplicação do § 2º.
§ 8º O representante judicial da parte não pode ser compelido a cumprir decisão em seu lugar”.
Comentário: dada a diversidade de temas que estão tratados no artigo 77 do CPC/2015 (artigo que constitui o núcleo para a compreensão do instituto da litigância de má-fé), dividiremos em cinco partes os comentários, iniciando-os por esta introdução que tem o objetivo de provocar o leitor a considerar uma distinção, muitas vezes olvidada pela doutrina, entre as figuras jurídicas do “abuso de direito” e da “litigância de má-fé”.
E para isso convidamos o leitor a conhecer uma pequena passagem de um romance (sim, de um romance) escrito em Portugal em 1862, aspecto temporal que é de grande relevo sublinhar porque àquela altura a doutrina civilista ainda não havia fixado a essência e os caracteres da figura do ato abusivo.
O que a seguir será reproduzido é do romancista português JÚLIO DINIZ, que é mais conhecido por ser o autor do romance “As Pupilas do senhor Reitor”, que no Brasil ganhou notoriedade depois de uma adaptação para uma conhecida novela.
Eis a passagem que o leitor encontrará no livro “Uma Família Inglesa”, de JÚLIO DINIZ, cuja formação era a medicina (e não Direito):
“Há certos homens, escrupulosos respeitadores da letra das leis, que praticarão desafogados qualquer ação averiguadamente ilícita, sempre que possam sofismar os artigos do Código de maneira que se ressalvem da pronúncia judicial, dando-se-lhes pouco que o espírito que os ditara ao legislador fique muito maltratado pelo sofisma”.
Surpreendentemente, neste trecho de pura ficção está, em resumo, tudo aquilo que formará a essência do que viria a configurar-se na doutrina germânica a figura do ato abusivo.
Na primeira parte dos comentários ao artigo 77, desenvolveremos a distinção entre o ato abusivo no processo e a litigância de má-fé, e o leitor poderá, por conta própria, confirmar se o romancista português não terá delineado a figura do ato abusivo, antes que os juristas a criassem.

LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ X ABUSO DE DIREITO.
A uma origem comum, baseada na intromissão no processo civil da reflexão valorativa, é que se pode creditar a confusão que desde o início se instalou, e que radica na indevida assimilação do instituto da litigância de má-fé ao do abuso de direito. As obras de doutrina, as mais conceituadas, a jurisprudência mais vetusta, inclusive aquela da lavra dos tribunais franceses, idealizadores, em verdade, do abuso de direito como categoria jurídica, enfim, todos fazem uso indistinto dessa consagrada expressão para, com ela, alcançar os casos de litigância de má-fé.
Diferentemente do que ocorre no ato ilícito, pois, em que se caracteriza a violação do dever jurídico, e com isso a estrutura jurídico-formal da norma é transgredida, no caso do abuso de direito tal estrutura é respeitada, e por esse motivo “o titular actua no seu direito, move-se dentro dele, mas, na realidade, comportamento e direito opõem-se pelo concreto sentido que um e outro possuem diferentemente”; e se a forma está presente, “o seu preciso valor está ausente, a realidade finge o direito”, como afirma Fernando Augusto Cunha de Sá, em importante obra que dedicou ao tema.
É dizer: o aspecto teleológico da norma jurídica é violado, à proporção que o titular do direito subjetivo age com um fim diverso daquele definido pelo comando legal, embora respeite a estrutura jurídico-formal da norma. Eis, em resumo, o que é a figura do abuso de direito.
No ato abusivo, por conseguinte, o titular do direito subjetivo, malgrado respeite o comando normativo (rectius: dever jurídico), atua, consciente ou inconscientemente, contra o valor que forma o conteúdo da norma jurídica, o que não quer significar que aja com dolo ou com culpa. De resto, assim não age no plano jurídico.
Mas no caso da litigância de má-fé, não há um abuso do direito de litigar, senão que a prática de um ato ilícito na prática dos atos processuais, exigindo o nosso CPC/2015 (tanto quanto o fazia o CPC/1973) o dolo como elemento subjetivo indispensável à caracterização da figura da litigância de má-fé.
Assim, se no abuso de direito há o exercício incorreto de um determinado direito subjetivo, avaliado sob o prisma do fim ou da finalidade (que se consubstancia no valor jurídico), na litigância de má-fé está presente a violação dolosa a um dever-jurídico-legal, configurando-se a figura do ato ilícito no processo.
As condutas que estão fixadas no artigo 77 do CPC/2015 configuram deveres jurídicos, e a sua violação dolosa caracteriza a litigância de má-fé. Não há aí abuso de direito, senão que a prática de um ato ilícito que é comumente designado como “litigância de má-fé”.

Depois de termos visto, na introdução aos comentários ao artigo 77, que o nosso CPC/2015 abandonou a índole marcadamente ética que fora adotada pelo CPC/1973, mitigando essa índole, e de termos estabelecido uma distinção doutrinária entre os institutos da litigância de má-fé e do abuso de direito, analisaremos, nesta segunda parte, o dever de dizer a verdade, que como tal, ou seja, como um dever jurídico-legal é imposto às partes, a seus procuradores e a todos os que intervém na relação jurídico-processual.
Se hoje não há uma consistente resistência da doutrina quanto a necessidade de a lei instituir o dever de dizer a verdade no processo, para que isso ocorresse foi necessário percorrer um longo trajeto. Entre nós, João Bonumá representava o pensamento contrário a se poder impor o dever de dizer a verdade no processo, como se colhe de sua mais conhecida obra, “Direito Processual Civil”, publicada em 1946, o que dá bem a noção de quão resistente, no tempo e na intensidade, mostrou-se a predita objeção:
“Certo é que as partes devem dizer a verdade, mesmo quando essa verdade as prejudica. Mas esse é um dever moral, não um dever jurídico. As mais das vezes, as partes ou se excedem no referir os fatos da demanda, ou os referem alterados inconscientemente e ao sabor de suas conveniências, ou simplesmente silenciam sobre circunstâncias que lhes parecem desfavoráveis. Moralmente esse procedimento é indesculpável, mas, juridicamente, é impossível evitá-lo. Desde que não se evidencie o dolo, a malícia, produtos de um prejuízo desnecessário à parte adversa, não há na lei possibilidade de sanções. Dar, em tais casos, ao juiz, poderes para punir desvios da consciência moral é afastá-lo de sua missão e transformá-lo em censor”.
Baseada no argumento de que se tratava apenas de um dever de conteúdo ético, cuja aplicação a estrutura dialética do processo obstava, entendia a doutrina, capitaneada por Carnelutti, que não era possível consagrá-lo em texto legal, porque embora se reconhece-se, no plano lógico, a obrigação de a parte dizer a verdade, no plano prático, obtemperava-se, havia um intransponível obstáculo: o princípio dispositivo e a liberdade que por sua aplicação concede-se aos litigantes.
Decorre basicamente de dois fatores o equívoco da doutrina que defendia a tese de que o dever de dizer a verdade é de matriz puramente subjetiva: de uma incorreta intelecção do que é a verdade, gerada a partir de uma inadequada leitura, ou ainda de uma açodada leitura dos textos filosóficos que cuidaram desse tormentoso tema, e ainda do desconsiderar que o elemento intencional não pode ser confundido com a verdade em si.
Mas o fato é que as legislações processuais deixaram de considerar a problemática filosófica acerca do conceito de “verdade”, e com uma finalidade puramente prática passaram a considerar esse dever circunscrito àqueles fatos que dizem respeito à conformação essencial da lide, fatos que, assim, não podem ser dolosamente subtraídos ao conhecimento do juiz, ou não podem ser manipulados artificialmente pela parte (alteração da verdade).
Incorre a doutrina em equívoco quando afirma que o dever de dizer a verdade aplica-se apenas aos fatos, e não ao direito, dado que aí prevaleceria o princípio do “iura novit curia”. Considere-se, a título de exemplo, a conduta da parte que, dolosamente, invoca uma norma inexistente, apenas para conduzir o juiz ao equívoco de subsumir os fatos alegados a essa norma inexistente. Poder-se-ia argumentar que o juiz terá o dever de apurar se a norma existe ou não, mas esse dever também lhe é imposto quanto aos fatos, sem o que, aliás, ele não poderia afirmar houvesse violação ao dever de dizer a verdade, se não cuidasse apurá-los.
O que o dever de dizer a verdade impõe à parte, a seus procuradores e a todos aqueles que intervém no processo é que não manipulem a verdade, seja quanto aos fatos essenciais que compõem a lide, seja quanto às normas que, na visão das partes, deveriam ser aplicadas a esses mesmos fatos, de modo que a atuação no processo revele-se de acordo com o que exige a probidade.

Prosseguindo na análise do artigo 77 do CPC/2015 – e para a concluir -, consideremos agora quais os deveres jurídico-legais que são impostos às partes, a seus procuradores, e àqueles que de qualquer modo participam do processo. São eles:
I – expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II – não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V – declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
Note-se desde logo que o dever de proceder com lealdade e boa-fé, que o CPC/1973 previa em seu artigo 14, inciso II, desapareceu do rol dos deveres jurídico-legais, o que, como já comentamos, reflete o objetivo do nosso legislador de enfraquecer, ou mesmo abandonar a figura de um “processo ético”, para prestigiar apenas a efetividade. Tratava-se, como destacava a doutrina, do principal dever jurídico-legal ligado à litigância de má-fé, e a sua supressão no atual Código não pode ser justificada pelo argumento de que as condutas previstas nos demais incisos do artigo 77 colmatam a ausência do dever de lealdade processual. Essas condutas de certa maneira podem, é certo, ser abarcadas no conceito de lealdade processual, mas este, por ser mais amplo, concedia ao juiz a liberdade necessária para analisar com maior completude e segundo as circunstâncias do caso em concreto as condutas praticados no processo sob o enfoque de uma norma moral positivada, como era a do artigo 14, inciso II, do CPC/1973.
Poder-se-ia argumentar que como o artigo 5o. do CPC/2015 obriga todo aquele que participa do processo a comportar-se de acordo com a boa-fé, a lealdade processual, malgrado não prevista como dever-jurídico legal no regime do novo código, estaria ainda a incidir em nosso Código de Processo Civil, o que não nos parece ocorrer. Sobre os conceitos de boa-fé e de lealdade não se equivalerem em seu conteúdo, há também por se observar que o artigo 5o. veicula um princípio, e não propriamente um dever-jurídico legal, tanto assim que a boa-fé não aparece no texto do artigo 77, mas aparece noutros dispositivos, como nos artigos 323, parágrafo 2o., e 489, parágrafo 3o, do CPC/2015, a demonstrar que o atribuiu à boa-fé a natureza jurídica de um princípio, e não como um dever. Importante observar, nesse contexto, que como adscreve HABERMAS, o Direito positivo moderno utiliza-se de uma norma moral autônoma, a qual exige que diferenciemos entre normas, princípios explicativos e procedimentos (cf. “Direito e Moral”, p. 103, Instituto Piaget). De modo que, erigida a boa-fé como uma norma moral autônoma, ela impõe ao juiz considere a boa-fé como um princípio, e não como um dever, com todas as momentosas consequências que daí decorrem.
No mais, o CPC/2015 manteve os deveres que o nosso Código anterior fixava, a eles acrescentando o que impõe a obrigação de declinar-se o endereço residencial ou profissional em que se deva receber, e de manter atualizado esse endereço, e também o dever de não praticar inovação ilegal no estado de fato do bem ou do direito objeto do litigioso, o que no CPC/1973 (artigo 879, inciso III) caracterizava o suporte fático-jurídico para a caracterização do atentado, que naquele código ensejava a proteção por meio de ação cautelar.
Já tratamos, em comentário anterior, sobre o dever de dizer a verdade previsto no artigo 77, inciso I, de modo que remetemos o leitor àqueles comentários.
Importante observar, por fim, que o elemento subjetivo (o dolo) é conatural à figura da litigância de má-fé (embora não o seja em relação à figura do abuso de direito), de modo que em relação aos deveres fixados em todos os incisos do artigo 77, e também às hipóteses previstas no artigo 80, a comprovação do dolo é indispensável.

“Art. 78. É vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados.
§ 1º Quando expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra.
§ 2º De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada”.
Comentário: era comum na doutrina mais antiga comparar-se o processo a um jogo ou mesmo a tipo de duelo, porque se tinha a imagem do processo como um campo de batalha entre os interesses do autor e do réu. Essa feição do processo justificava a resistência que a doutrina e os códigos tinham quanto a impor às partes o dever de dizer a verdade, e mesmo o de lealdade, por se entender que era natural ao processo aceitar certos excessos, inclusive na linguagem utilizada. Mas com a compreensão de que o processo é uma técnica de que vale o Estado para a solução dos litígios, e que o interesse público é o valor a proteger-se, surgiu a necessidade de se fixarem determinados limites às condutas das partes no processo. Passou-se assim a controlar a linguagem que as partes podem empregar, linguagem que não pode ser ofensiva, deixando o legislador à interpretação do juiz a qualificação da linguagem como ofensiva ou não, o que é comum ocorrer quanto a conceitos cujo conteúdo é modificado conforme o tempo.
O artigo 15 do CPC/1973 previa que “É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las”. A novidade trazida pelo artigo 78 do CPC/2015 está na ampliação dos destinatários diretos dessa norma, porque além das partes e de seus procuradores, a norma em vigor impõe também aos juízes, aos membros do Ministério Público, aos da Defensoria Pública, e a todos aqueles que participam do processo o dever de não empregarem expressões ofensivas nos escritos que apresentem no processo. Como se vê, o juiz do processo foi incluído no rol dos destinatários diretos da norma, de forma que igualmente a ele se veda o emprego de expressões ofensivas, tanto quanto sucede às partes. Obviamente que, nesse caso, será o tribunal, quando estiver a analisar recurso ou mesmo em sede disciplinar, que analisará se a expressão utilizada pelo juiz sobre-excedeu ou não o limite da urbanidade (este também um conceito indeterminado) para, conforme o caso, determinar se faça suprimir ou riscar a expressão de que o juiz terá se utilizado e que caracterize ofensa.
Essa era, aliás, a única sanção que o artigo 15 do CPC/1973 previa, diversamente do que se dá no novel Código, que possibilita que o ofendido adote outras providências que entender adequadas, inclusive a busca de uma reparação por dano, o que justifica a ressalva que consta da parte final do parágrafo 2o. do artigo 78 quanto a expedição de certidão para a prova do fato.
Em se tratando de ato processual praticado em audiência, prevê o parágrafo 1o. do artigo 78 que o juiz advertirá o ofensor, antes de lhe cassar a palavra, se a conduta persistir. E se o ofensor for o juiz? A norma não cuida dessa hipótese, o que, contudo, não exclui a possibilidade de a parte levar ao tribunal o conhecimento da situação ocorrida em audiência, para análise da violação da norma em questão.
Em se tratando de um conceito indeterminado, como é que o envolve a dicção legal “expressão ofensiva”, é indispensável que o juiz (ou tribunal) fundamente de modo preciso e explícito o que considerou como limite de urbanidade, indicando com clareza o que, na expressão empregada, teria superado esse limite.

SEÇÃO II- DA RESPONSABILIDADE DAS PARTES POR DANO PROCESSUAL
“Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente”.
Comentário: depois que o artigo 77 do CPC/2015 fixou quais os deveres que se impõem às partes e àqueles que de qualquer modo atuam no processo, era natural que o mesmo Código regulasse um específico regime jurídico de responsabilidade civil. É disso que trata o artigo 79, cuja redação é bastante próxima à do artigo 16 do CPC/1973, aperfeiçoado apenas na utilização do verbo “litigar”, que é mais abrangente do que o verbo “pleitear”, utilizado no Código de 1973. Com efeito, o dano causado no e processo civil, pela ocorrência de conduta que, violando dolosamente qualquer dos deveres fixados no rol do artigo 77, caracteriza a litigância de má-fé, pode não corresponder propriamente a um pleito da parte no sentido tradicional que se extrai desse termo, mas pode decorrer, por exemplo, de uma conduta de resistência a um pleito, de modo que o verbo “litigar” revela-se mais azado ao objetivo da norma.
O artigo 79, ao tratar das perdas e danos, não remete expressamente ao artigo 402 do Código Civil de 2002, embora o devesse ter feito. De qualquer modo, esse é o regime jurídico que deverá ser aplicado às perdas e danos gerados no e pelo processo civil, o que significa dizer que abrangem, além do que efetivamente se perdeu em virtude da litigância de má-fé, também o que razoavelmente se deixou de lucrar em razão dela. A reparação abrange os danos morais.
A reparação por perdas e danos decorrentes da litigância de má-fé pode ser pleiteada no mesmo processo em que a litigância terá se configurado, mas nada obsta que o prejudicado busque, noutra ação, a recomposição dos danos, se isso for de seu interesse. Com efeito, a apuração dos danos poderá consumir tempo e criar óbice ao julgamento da causa, e a parte prejudicada poderá ter interesse no célere julgamento da demanda, o mesmo devendo ser observado pelo juiz, que assim poderá, conforme as circunstâncias do caso em concreto, remeter a análise da litigância de má-fé às vias ordinárias, conquanto possa declarar a conduta como caracterizadora da litigância de má-fé, de modo que nessa hipótese, em se produzindo a coisa julgada material, remanescerá apenas a liquidação das perdas e danos.
Mas é importante observar que o Código de 2015 não fixa um regime de preclusão para a alegação de litigância de má-fé; assim, não obsta que o prejudicado pela litigância de má-fé venha a discutir essa matéria noutro processo, buscando ali a recomposição dos danos, mas devendo nesse caso comprovar a ocorrência de litigância de má-fé, dado que essa matéria não terá sido analisada e decidida com efeito de coisa julgada no processo em que a conduta foi praticada.

“Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II – alterar a verdade dos fatos;
III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI – provocar incidente manifestamente infundado;
VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”.
Comentário: o artigo 80 repete, quase que literalmente, o texto do artigo 17 do CPC/1973, com uma diminuta modificação de estilo no uso do verbo “considerar” em lugar do verbo “reputar” no “caput”. No mais, as condutas previstas são rigorosamente as mesmas que integravam o rol do artigo 17, o que permite concluir que não houve nenhuma significativa mudança entre o regime atual e aquele do CPC/1973.
Uma mudança bastante significativa, contudo, o leitor encontrará se cotejar o artigo 80 com a redação original do artigo 17 do CPC/1973, antes da entrada em vigor da lei federal 6.771/1980. Na redação original, o legislador cuidara enfatizar a intenção (o dolo) necessário à caracterização de cada uma das condutas previstas, além de atribuir à parte o dever de não omitir intencionalmente fatos essenciais ao julgamento da causa, a bem demonstrar que o objetivo do CPC/1973, como fizera questão de ressaltar o autor do projeto, o processualista ALFREDO BUZAID, era o de instituir um código em que a ética fosse o valor nuclear. Esse objetivo perdeu-se rapidamente, pois que já em 1980, ou seja, seis anos após entrar em vigor, o CPC/1973 sofreu importantes modificações na redação do artigo 17, modificações que se mantiveram ao longo do tempo e que foram incorporadas no texto do CPC/2015, o que comprova que a preocupação do legislador modificou-se substancialmente, a ponto que não temos mais um processo ético, o que, aliás, explica o quão diminuto tem sido o número de condenações por litigância de má-fé em nossa jurisprudência.
DOLO: embora o legislador não tenha incorporado à descrição de cada uma das condutas do artigo 80 o advérbio que poderia enfatizar a necessidade de se configurar o elemento subjetivo (o dolo) – o que teria importância, como vimos -, há que se reconhecer que a presença do termo “má-fé”, quando se fala em uma determinada forma de litigar, significa que o dolo deve estar presente, e deve ser sempre aferido, sem o que a conduta poderá caracterizar o abuso de direito, mas não a da litigância de má-fé.
ROL TAXATIVO: quando se trata de condutas sancionadoras, não se admite a interpretação extensiva ou a aplicação da analogia, conforme vetusto princípio imanente ao Direito. Conclui-se daí que o rol fixado pelo artigo 80 é taxativo. Destarte, em se tratando de conduta que não se subsume ao tipo legal, não se caracteriza a litigância de má-fé, conquanto a mesma conduta possa caracterizar o abuso de direito. Observe-se, contudo, que os conceitos utilizados no artigo 80 são algo indeterminados, o que acaba concedendo ao juiz o poder de fixar o conceito conforme as circunstâncias do caso em concreto, mas isso não significa que o juiz esteja autorizado a aplicar a interpretação extensiva ou a analogia para estender a condutas não previstas pelo legislador a configuração da litigância de má-fé.
CONDUTAS: segundo o artigo 80, caracteriza-se a litigância de má-fé, quando o litigante: I – deduza pretensão ou defesa contra texto expresso de lei, ou de fato incontroverso; II – altere a verdade dos fatos; III – usa do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opor resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceda de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provoca incidentes manifestamente infundados; e, por fim, VII – interpõe recurso com intuito manifestamente protelatório. Cuida-se, portanto, de um rol que abarca diversas condutas que podem ocorrer no processo civil, o que concede ao juiz um expressivo controle sobre a forma pela qual se litiga no processo civil brasileiro. Na prática, todavia, esse poder não tem se materializado.
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO: a Constituição de 1988 obriga o juiz a fundamentar todas as decisões que profira, e esse dever é marcadamente importante na litigância de má-fé, seja por envolver conceitos algo indeterminados, seja pela indispensável comprovação da presença do dolo na conduta do litigante, de modo que o juiz deve cuidar de bem explicitar qual a conduta que foi praticada, como ela se subsume ao texto da lei, e como se materializou o dolo.

“Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou.
§ 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.
§ 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo.
§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos”.
Comentário: em qualificando o CPC/2015 como ilícita a conduta praticada no processo civil que, violando os deveres que estão previstos no artigo 77, subsuma-se a qualquer daquelas condutas tipificadas no artigo 80, estabelece esse código um regime jurídico que abarca de um lado a imposição de sanção pecuniária (multa), e doutro a obrigação do litigante de má-fé a reparar os danos que a sua conduta tenha causado, inclusive o que a parte lesada tiver despendido a título de honorários de advogado e despesas processuais. Nesse específico regime de responsabilidade civil, distingue-se a sanção pecuniária da reparação por danos. No caso da multa, não se exige comprovação de dano, mas apenas a caracterização da litigância de má-fé.
DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO: tal como sucedia no CPC/1973, pode o juiz, no regime do CPC/2015, de ofício (independentemente de requerimento da parte lesada, pois) analisar se a conduta configura-se ou não como litigância de má-fé. Há que se observar que o juiz, agindo de ofício, o juiz somente pode aplicar a multa, nada podendo decidir sobre eventuais danos causados à parte contrária, pois que caberá à parte lesada comprovar os danos que tenha sofrido em decorrência da litigância de má-fé, e pleitear ao juiz a recomposição e quantificação desses danos. Essa quantificação pode se dar no próprio processo, se isso for possível e do interesse da parte lesada. Não sendo possível quantificar desde logo a extensão do dano, a parte lesada poderá buscar a recomposição noutra ação.
MULTA: o valor da multa está prefixado pelo legislador: deverá ser superior a um por cento, mas não poderá exceder a dez por cento, calculada a multa sobre o valor da causa, devidamente corrigido esse valor. Se o valor atribuído à causa for considerado como irrisório, então nessa hipótese permite o CPC/2015 que se modifique a base de cálculo, passando a ser o valor do salário mínimo. Em se tratando de ato atentatório à dignidade da justiça, que, segundo o artigo 77, parágrafo 2o., do CPC/2015, caracteriza-se como uma situação mais grave de litigância de má-fé, o valor da multa poderá chegar a vinte por cento. O valor da multa será revertido à parte lesada, conforme determina o artigo 96 do CPC/2015.
LITIGANTES DE MÁ-FÉ: em sendo dois ou mais os litigantes de má-fé, a condenação da multa deve se dar segundo a “proporção de seu respectivo interesse na causa”, tratando-se aí de uma imprecisão do legislador, porque a proporção no valor da multa e da recomposição dos danos deve ser calculada de acordo com a conduta praticada e seus efeitos, e não de acordo com o interesse do litigante na causa. Observando-se que, em nosso ordenamento jurídico em vigor, a solidariedade não se presume, pode o juiz impor um regime de solidariedade passiva aos litigantes de má-fé, de modo que a parte lesada possa exigir de qualquer um deles o todo da multa e da recomposição dos danos. Há, pois, a necessidade de uma decisão expressa que fixe a solidariedade passiva.
“BIS IN IDEM”: a vedação ao “bis in idem” é um princípio imanente a nosso ordenamento jurídico em vigor e se aplica também ao processo civil, inclusive à litigância de má-fé. Assim, se há entre as condutas que caracterizam a litigância de má-fé circunstâncias que caracterizem um vínculo entre as condutas, então nesse caso, vedado o “bis in idem”, o juiz deverá aplicar uma só pena de multa, embora possa considerar como critério para majoração do valor o número de condutas
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ X ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA: o ato atentatório à dignidade da justiça é uma espécie de litigância de má-fé, uma espécie qualificada pelo CPC/2015 como mais grave, o que repercute no valor da multa, que pode chegar a vinte por cento.
SEÇÃO III – DAS DESPESAS, DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E DAS MULTAS
“Art. 82. Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título.
§ 1º Incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público, quando sua intervenção ocorrer como fiscal da ordem jurídica.
§ 2º A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou”.
Comentário: é da tradição do direito brasileiro adotar-se um regime de responsabilidade objetiva quanto aos encargos de sucumbência, o que significa dizer que a parte que sucumbe deve ser responsabilizada por esses encargos, independentemente de se perscrutar acerca de qualquer elemento subjetivo. Assim era em nosso CPC/1973 e se mantém no atual. Quem perde a demanda, paga os encargos de sucumbência.
Os encargos de sucumbência abrangem o que a parte vencedora despendeu com custas (que são uma taxa de natureza tributária, recolhida aos cofres do Estado ao tempo em que a ação é distribuída, incidindo também em determinados atos ocorridos no processo civil, como, por exemplo, quando da interposição de recurso). Abrangem também as despesas processuais, que são os valores gastos na prática de determinados atos, como, por exemplo, o valor da diligência para a citação e intimação, honorários periciais, etc… Abrangem, por fim, os honorários de advogado.
Destarte, a parte vencedora será reembolsada por tudo quanto terá despendido na movimentação do processo, o que quadra com o princípio que é imanente a nosso ordenamento jurídico em vigor e que foi firmado e enfatizado por CHIOVENDA no sentido de que o processo civil deve dar ao vencedor tudo aquilo a que ele teria direito, não tivesse havido o litígio e a necessidade do processo judicial, de modo que além do bem da vida objeto do processo, o litigante vencedor possui o direito a ser reembolsado de tudo quanto tenha gasto no e para o processo.
Se for o autor o vencedor da demanda, será ressarcido do que recolheu a título da taxa judiciária, transformado esse valor em uma espécie de despesa processual.
ANTECIPAÇÃO: as despesas processuais, conforme determina o “caput” do artigo 82, devem ser antecipadas pela parte à qual o ato interessa. Se o ato a ser praticado decorrer de ordem judicial ou de requerimento do MINISTÉRO PÚBLICO, o autor terá, nessas circunstâncias, que antecipar os valores previstos para a prática do ato processual.
GRATUIDADE: beneficiado pela gratuidade, o litigante sucumbente ficará isento tanto da obrigação de antecipar o pagamento de despesas processuais, quanto dos encargos de sucumbência. Observe-se que a gratuidade o não isenta de suportar condenação por litigância de má-fé.
MINISTÉRIO PÚBLICO: no processo civil brasileiro, o MINISTÉRIO PÚBLICO pode atuar como “custos legis”, ou seja como “fiscal da lei”, intervindo naquelas ações em que se configura a presença do interesse público. Mas poderá suceder de o MINISTÉRIO PÚBLICO atuar como parte ativa ou passiva, e nesse caso se sujeitará à obrigatoriedade de antecipar as despesas processuais e, em sendo sucumbente, suportará os encargos de sucumbência.

“Art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.
§ 1º Não se exigirá a caução de que trata o caput:
I – quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte;
II – na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença;
III – na reconvenção.
§ 2º Verificando-se no trâmite do processo que se desfalcou a garantia, poderá o interessado exigir reforço da caução, justificando seu pedido com a indicação da depreciação do bem dado em garantia e a importância do reforço que pretende obter”.
Comentário: poderá suceder de o autor do processo ser estrangeiro, não manter no Brasil sequer residência, e nem possuir bens imóveis, de modo que para essa hipótese o artigo 83 exige uma caução para a satisfação dos encargos de sucumbência, caso o autor seja condenado nesses encargos. O mesmo sucede em relação ao autor que, embora brasileiro, não tenha residência, nem bens imóveis no Brasil.
No CPC/1973, a matéria vinha regulada no processo cautelar, entre as hipóteses de caução. Mas no atual CPC, que suprimiu o processo cautelar, a matéria vem regulada nas disposições que cuidam dos encargos de sucumbência.
Essa caução é dispensada apenas nas hipóteses que o legislador expressamente prevê, o que significa dizer que o juiz não pode ampliar essas hipóteses. A caução é dispensada, pois, na execução fundada em título executivo extrajudicial e no cumprimento de sentença, pressupondo o legislador que exista uma maior probabilidade de o autor não sucumbiu, dado que dispõe de título executivo, judicial ou extrajudicial.
A caução também é dispensada no caso de reconvenção, porque nessa hipótese o estrangeiro ou o autor não residente no Brasil não é o autor da ação, mas réu, embora tenha formulado reconvenção.
Havendo alguma modificação importante na caução firmada, que a torne inidônea ou insuficiente, o réu pode pleitear ao juiz que determine ao autor indique nova forma de garantia, ou que a reforce.
PROCEDIMENTO: não há nenhum procedimento específico para a implementação da caução como garantia a encargos de sucumbência. Assim, o juiz deverá receber a petição inicial, da qual deve constar a forma de caução ofertada pelo autor, e o juiz, ao determinar a citação, deverá fazer a observação de que o réu poderá impugnar a caução oferecida, se encontrar razões para isso, instalando-se um contraditório a respeito dessa matéria, como determina o artigo 9º. do CPC/2015.
EXTINÇÃO ANORMAL DO PROCESSO: no caso em que o autor não oferece caução na peça inicial, deve o juiz adverti-lo para a obrigação legal, concedendo-lhe prazo para que emende a peça inicial, suprindo a omissão. Não cumprida pelo autor essa providência, o processo será extinto anormalmente, ou seja, sem julgamento do mérito da demanda, por aplicação do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual).
A extinção também será declarada quando o juiz reconhece que a caução não é idônea ou é insuficiente. Necessário enfatizar que a extinção anormal do processo somente pode ser declarada após se garantir ao autor o contraditório, conforme exige o referido artigo 9º.
RECURSOS:
a) apelação – extinto o processo sem resolução do mérito, por ausência de caução, ou de caução idônea, proferindo-se nessa hipótese sentença, o autor poderá interpor contra ela recurso de apelação.
b) agravo – se a caução for aceita e homologada como tal, o réu poderá se insurgir contra a decisão interlocutória por meio de agravo em forma de instrumento. Observe-se que, embora a hipótese não esteja expressamente prevista no rol do artigo 1.015 do CPC/2015, há que se considerar que a decisão proferida sobre caução diz respeito a pressuposto processual de existência regular do processo, de modo que não há razão lógico-jurídica em impor ao réu que, interpondo agravo em forma retida, aguarde o exame de um tema tão importante, para que seja conhecido apenas quando o tribunal examinar recurso de apelação.
“Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha”.
Comentário: o ajuizamento e o desenvolvimento de um processo judicial geram despesas. O autor, no momento em que distribui a ação, tem que pagar as custas do processo (uma espécie de tributo, da modalidade taxa), como também tem que proceder ao depósito do valor da diligência de oficial de justiça para citação do réu, se essa citação se der por essa forma. Se for necessária a produção de perícia, o autor terá que pagar os honorários periciais, e se contratar assistente técnico, a sua remuneração. Lembre-se que os honorários periciais devem ser pagos pela parte que requereu a perícia, e pelo autor se a perícia foi determinada pelo juiz ou realizada a requerimento do Ministério Público. As testemunhas podem solicitar o reembolso do que gastaram com a locomoção até a sede do juízo, e esse valor terá que ser pago pela parte que as arrolou. O réu, por sua vez, terá que pagar os atos que tiver requerido, como os honorários do perito, assim como a remuneração de seu assistente técnico, se o tiver indicado. Em havendo recurso, o sucumbente tem que fazer o depósito do preparo (que constitui também uma taxa), e outros valores que o regimento do tribunal fixar, como por exemplo o “porte de retorno” (o que é gasto com a movimentação física do processo).
Daí o artigo 84 explicitar o que se deve entender, genericamente, por “despesa processual”, exemplificando com alguns dos atos mais comuns que envolvem o gasto de dinheiro no processo, sem excluir, contudo, outros que possam ocorrer em determinados processos (por exemplo, na ação de divisão e de demarcação de terras particulares, conforme artigos 571-572 do CPC/2015).
A parte vencedora na demanda possui o direito de ser reembolsada pelas despesas que tiver feito no processo.
“Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I – o grau de zelo do profissional;
II – o lugar de prestação do serviço;
III – a natureza e a importância da causa;
IV – o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I – mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II – mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III – mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV – mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V – mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
§ 4º Em qualquer das hipóteses do § 3º:
I – os percentuais previstos nos incisos I a V devem ser aplicados desde logo, quando for líquida a sentença;
II – não sendo líquida a sentença, a definição do percentual, nos termos previstos nos incisos I a V, somente ocorrerá quando liquidado o julgado;
III – não havendo condenação principal ou não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, a condenação em honorários dar-se-á sobre o valor atualizado da causa;
IV – será considerado o salário-mínimo vigente quando prolatada sentença líquida ou o que estiver em vigor na data da decisão de liquidação.
§ 5º Quando, conforme o caso, a condenação contra a Fazenda Pública ou o benefício econômico obtido pelo vencedor ou o valor da causa for superior ao valor previsto no inciso I do § 3º, a fixação do percentual de honorários deve observar a faixa inicial e, naquilo que a exceder, a faixa subsequente, e assim sucessivamente.
§ 6º Os limites e critérios previstos nos §§ 2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito.
§ 7º Não serão devidos honorários no cumprimento de sentença contra a Fazenda Pública que enseje expedição de precatório, desde que não tenha sido impugnada.
§ 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
§ 9º Na ação de indenização por ato ilícito contra pessoa, o percentual de honorários incidirá sobre a soma das prestações vencidas acrescida de 12 (doze) prestações vincendas.
§ 10. Nos casos de perda do objeto, os honorários serão devidos por quem deu causa ao processo.
§ 11. O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º, sendo vedado ao tribunal, no cômputo geral da fixação de honorários devidos ao advogado do vencedor, ultrapassar os respectivos limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º para a fase de conhecimento.
§ 12. Os honorários referidos no § 11 são cumuláveis com multas e outras sanções processuais, inclusive as previstas no art. 77.
§ 13. As verbas de sucumbência arbitradas em embargos à execução rejeitados ou julgados improcedentes e em fase de cumprimento de sentença serão acrescidas no valor do débito principal, para todos os efeitos legais.
§ 14. Os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial.
§ 15. O advogado pode requerer que o pagamento dos honorários que lhe caibam seja efetuado em favor da sociedade de advogados que integra na qualidade de sócio, aplicando-se à hipótese o disposto no § 14.
§ 16. Quando os honorários forem fixados em quantia certa, os juros moratórios incidirão a partir da data do trânsito em julgado da decisão.
§ 17. Os honorários serão devidos quando o advogado atuar em causa própria.
§ 18. Caso a decisão transitada em julgado seja omissa quanto ao direito aos honorários ou ao seu valor, é cabível ação autônoma para sua definição e cobrança.
§ 19. Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”.
Comentários: trataremos agora do artigo 85, que cuida dos honorários de advogado, matéria que, no CPC/1973, estava regulada no artigo 20. Notará o leitor importantes modificações entre um código e outro, decorrentes sobretudo de o código de 2015 ter adotado entendimentos jurisprudenciais que ao longo do tempo em que vigeu o código de 1973 haviam se consolidado, tornando-os norma legal, o que constitui, sem dúvida, um avanço de nossa legislação processual civil.
O “caput” do artigo 85 adota a regra que é da tradição de nossa legislação processual civil, segundo a qual a parte sucumbente deve pagar honorários ao advogado da parte vencedora, conforme é inerente ao regime de sucumbência, um regime em que essa responsabilidade é objetiva, o que significa dizer que a responsabilidade prescinde da análise do elemento subjetivo (dolo ou culpa). Basta a sucumbência para gerar a condenação em honorários de advogado.
Cuidou o legislador de fixar critérios ao juiz para quantificar os honorários advocatícios, além de estabelecer regras mais precisas quanto a determinadas hipóteses que podem suceder no processo, quando, por exemplo, dá-se a perda de seu objeto. Buscou o legislador, pois, na medida do possível, em regular aquelas hipóteses mais comuns, tratando-as nos dezenove parágrafos do artigo 85, que formarão nossos comentários quanto aos temas mais importantes ali versados.
Antes de prosseguirmos com os comentários ao artigo 85 do CPC/2015, que trata dos honorários de advogado, é necessário registrar uma controvérsia que se instalou recentemente em nossa jurisprudência, sobretudo no STJ, acerca do tema.
Discute-se, pois, acerca do conteúdo e alcance do parágrafo 8o. do artigo 85, que tem a seguinte redação: “Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.”. Com efeito, a controvérsia diz respeito a aplicar-se esse dispositivo nas condenações por sucumbência impostas à Fazenda Pública, e em que situações essa aplicação deve ocorrer, ou mais precisamente, se, condenada a Fazenda Pública, os honorários de advogado devem ser calculados de acordo com o valor da causa ou da condenação, ou por equidade.
No julgamento em curso no STJ, interrompido por um requerimento de vista, formaram-se duas correntes: uma no sentido de que em qualquer caso, quando se apura um valor exorbitante, é possível ao juiz determinar o cálculo dos honorários de advogado por equidade, a qual assim pode ser aplicada tanto na hipótese em que seja irrisório o valor que seria fixado, quanto na hipótese em que seja considerável o valor; a outra posição é no sentido de que a equidade somente pode ser aplicada nas hipóteses expressamente previstas no CPC/2015, não cabendo ao juiz aplicá-la fora dessas hipóteses, ainda que seja considerável o valor dos honorários de advogado, se fixados segundo os critérios que o mesmo CPC/2015 prevê (sobre o valor da causa ou da condenação).
PROVEITO ECONÔMICO
Constitui o parágrafo 2o. do artigo 85 seu núcleo essencial: “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (…)”. Fonte, pois, de quase todas as divergências que vêm sendo suscitadas acerca do extenso artigo 85, formado por infindáveis dezenove parágrafos. (Isto porque o legislador do CPC/2015, segundo a “Exposição de Motivos”, quis fortalecer o valor da segurança jurídica.)
O parágrafo 2o. do artigo 85 é o resultado de uma confusa amalgama do conteúdo dos parágrafos 3o. e 4o. do artigo 20 do CPC/1973, o que é suficiente para se poder afirmar que seu texto (o do parágrafo 2o. do artigo 85) não trouxe nenhuma significativa melhoria em termos de precisão e objetividade da norma, sobretudo se acrescermos a esse contexto o parágrafo 8o. do artigo 85, que se refere àquelas hipóteses em que o proveito econômico envolvido no processo não tenha um valor quantificável ou se revele irrisório, ou ainda quando o valor da causa for muito baixo.
O primeiro grande problema que a abstrusa redação dada ao parágrafo 2o. do artigo 85 decorre de ter introduzido em nossa legislação processual civil o termo “proveito econômico”, sem contudo formar seu conteúdo, ou sem ao menos trazer elementos mínimos que permitam ao juiz, com certa objetividade, fixá-lo. E para agravar essa dificuldade, ao tratar do valor da causa, o artigo 292, parágrafo 3o., do CPC/2015 estabelece uma distinção entre “proveito econômico” e “conteúdo patrimonial em discussão”, de modo que deixa o juiz sem saber se proveito econômico equivale ao que é discutido na demanda, ou se o supera, dada a distinção que deva ser feita em relação ao conceito de “conteúdo patrimonial em discussão”. O mesmo vale dizer quando se considera o artigo 700, parágrafo 2o., do mesmo CPC/2015, que, ao cuidar da ação monitória, refere-se a “o conteúdo patrimonial em discussão ou o proveito econômico perseguido”, ensejando séria dúvida sobre o que, de fato, significa e deva significar “proveito econômico”.
Melhor seria, por óbvio, que o artigo 85 explicitasse o que é de ser entendido por “proveito econômico”, porque esse conceito é fundamental para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado.
Destarte, a opção do legislador de criar um conceito indeterminado, deixando a critério do juiz determinar e quantificar o que entende por “proveito econômico” para fim de fixação dos honorários de advogado, além de não haver uma adequada razão que justificasse essa abertura tão extensa na norma, trouxe um problema que não tinha no CPC/1973 a dimensão que passou a ter no novo código. É que o terreno dos honorários de advogado tem sido entre nós um foco de renhidas controvérsias entre juízes e advogados. Estes reclamando de valores que são fixados em valores mui aquém do que envolve a demanda em termos de importância econômica e de relevância jurídica. Os juízes, por sua vez, entendendo que a lei lhes deu o papel de um árbitro com muitos poderes para quantificar os honorários de advogado, em função do que acabam por comparar seus vencimentos e de outros profissionais com os honorários de advogado, estabelecendo critérios que não guardam nenhuma relação lógica.
Há, como pano de fundo, nas controvérsias quanto aos honorários de advogado, componentes que interferem em grande medida, mas que são extrajurídicos, e que poderiam ser melhor explicados ou compreendidos no âmbito da Psicologia e da Sociologia, porque dizem respeito a idiossincrasias do ser humano e aos papeis que exercem no campo profissional, em que se caracteriza uma imanente relação de competitividade.
Indispensável seria que, em tendo o CPC/2015 considerado o “proveito econômico” de uma demanda como o mais importante critério para a formação da base de cálculo dos honorários de advogado, que então fixasse o conteúdo desse conceito, tanto mais porque lhe era sabido que, no regime do CPC/1973, havia uma série de consistentes questionamentos nessa matéria. Se o objetivo do CPC/2015 era o de trazer segurança jurídica, falhou o legislador ao fazer indeterminado o conceito de “proveito econômico”, trazendo novas discussões na jurisprudência, além daquelas que existiam ao tempo em que estivera em vigor o código de 1973.
Se formos à jurisprudência, por exemplo à do STJ, encontraremos uma série de julgados que se limitam a reproduzir a dicção legal, referindo-se, pois, a “proveito econômico”, sem, todavia, dizer o que por esse termo se deva entender. Confira-se:
“No caso concreto, as instâncias de origem avaliaram a prova dos autos para concluir que o valor atribuído à causa guarda correspondência com o possível proveito econômico pretendido pela parte. O acolhimento do pedido de redução da quantia estimada pelo autor encontra óbice na referida súmula. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no Recurso Especial nº 1.346.772/RJ (2012/0205667-7), 4ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
” (…) O acórdão a quo não destoa do entendimento desse sodalício, segundo o qual os honorários advocatícios podem ser arbitrados por apreciação equitativa nas demandas envolvendo medicamentos, haja vista que, nesses casos, não é possível mensurar, em geral, o proveito econômico obtido com a ação. (…)”. (AgInt nos EDcl no Agravo em Recurso Especial nº 1.211.983/PE 2017/0314695-9), 1ª Turma do STJ, j. 17.12.2019, DJe 19.12.2019)”.
Poder-se-ia dizer que todos os operadores do Direito sabem o que é “proveito econômico, mas não peçam a eles que o definam, tal como sucedeu com SANTO AGOSTINHO acerca da definição de “tempo , quando, em suas famosas “As Confissões”, diz: “Se ninguém me pergunta, eu o sei; mas se perguntam, e quero explicar, não sei mais nada”. De modo que, quando lerem uma sentença ou um acórdão, e em seu texto encontrarem a expressão “proveito econômico”, terão a certeza de que o juiz ou o desembargador ou o ministro sabem o que entendem e entenderam por tal, mas se abstenham de lhes perguntar por seu conteúdo, que eles nada saberão …
Esse é o principal problema que o CPC/2015 nos trouxe no campo dos honorários de advogado, introduzindo um termo “proveito econômico”, que sobre não ser de nossa tradição no campo do direito positivo, tornou-se tão indeterminado a ponto de ninguém poderá dizer, com segurança, em que ele consiste, sobretudo naquelas ações para as quais o tipo de provimento jurisdicional emitido que pode ser emitido é meramente declaratório, constitutivo ou mandamental.
Pois que está exatamente na indefinição do termo “proveito econômico” a fonte de todas as controvérsias que se instalam em nossa jurisprudência, quando em questão a fixação de honorários de advogado.

PEDIDO
Determina o “caput” do artigo 85 do CPC/2015 que a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor, o que constitui uma decorrência da regra do artigo 322, parágrafo 1o., do mesmo Código, que fez incorporar ao pedido os honorários de advogado, ainda que não constem da peça inicial. No CPC/1973, apenas os juros moratórios eram considerados incorporados por lei ao pedido, mas agora, com a regra do artigo 322, parágrafo 1o., os honorários de advogado também passam a integrar o pedido.
Há equívoco, pois, quando se afirma que o juiz deve, de ofício (ou seja, quando não existe pedido da parte), impor a condenação em honorários de advogado. Isso era exato em face do CPC/1973, mas não diante do Código em vigor, porque este estatui que os honorários de advogado integram, por lei e para todos os finas, o pedido para todos os efeitos. Destarte, se os honorários de advogado integram o pedido, quando o juiz deles conhece, está a conhecer do pedido como um todo, abarcando aquilo que a parte pleiteou e também aquilo que a lei incorpora ao pedido.
Portanto, também é incorreto dizer-se que os honorários de advogado equivalem a mais do que algo compreendido no pedido, porque se trataria de uma imposição da lei ao juiz. Com efeito, constituíssem os honorários de advogado uma espécie de “plus” ao pedido, sobre-excedendo-o, não poderia o juiz deles conhecer em virtude do que estabelece o artigo 492 do CPC/2015, que fixa o princípio da congruência entre a sentença e o pedido. É exatamente porque os honorários de advogado consideram-se abarcados no pedido, tenha o autor os pleiteado ou não, que pode e deve o juiz desse pedido conhecer, sobre ele decidindo, tanto quanto ocorre quanto a tudo que corresponde ao pedido. Importante observar que a terminologia jurídico-legal em muitas situações não coincide no todo com o sentido comum que os dicionários dão a um mesmo termo ou expressão. É o que ocorre com a expressão “pedido”, que, nos dicionários, tem o sentido de “aquilo que foi pedido”, como registra o Dicionário Houais. Mas no caso da específica terminologia jurídico-processual, o pedido não é apenas aquilo que o autor pede, mas é sobretudo o que forma o objeto da pretensão, seja o bem da vida (objeto mediato), seja o tipo de provimento jurisdicional que se quer obter (objeto imediato), e ainda aquilo que a lei estabelece como incorporado ao pedido, caso em especial dos honorários de advogado. Portanto, há que se compreender como pedido não apenas aquilo que o autor expressamente quer obter e que pleiteou na peça inicial, mas também aquilo que a lei lhe garanta pleiteie, ainda que não o tenha feito na peça inicial.
Como registro histórico, convém observar que ao tempo em que estivera em vigor o Código de Processo Civil de 1939, a condenação em honorários era tratada em, praticamente, dois artigos (um dos quais o artigo 64), e com a entrada em 1963 da Lei federal 4.215 (o “Estatuto da OAB”), a regulação da matéria passou a concentrar-se nessa lei, que, em seu artigo 102, fixava que “os honorários serão fixados na própria sentença, que os arbitrará com moderação e motivadamente”. Surgindo o Código de Processo Civil de 1973, a matéria voltou a ser tratada de modo mais importante em um código de processo, o que se manteve mesmo com a Lei 8.906/1994 (“Estatuto da OAB”), que se limitou a reforçar o direito de o advogado a receber honorários em virtude de sua atuação em processo judicial. Com o CPC/2015, a matéria ganhou uma regulação bastante exaustiva, e quase que exauriente.

FAZENDA PÚBLICA
No CPC/1973, a matéria relativa à condenação em honorários advocatícios quando sucumbente a Fazenda Pública era tratada apenas no parágrafo 4o. do artigo 20, em uma regulação conjunta com a que se aplicava às causas de pequeno valor ou de valor inestimável, sendo ainda de se observar que os critérios de quantificação eram exatamente os mesmos aplicados a todos os tipos de demanda, regulados no parágrafo 3o. do mesmo artigo 20.
A matéria com o tempo ganhou uma relevância proporcional ao número de processos ajuizados contra a Fazenda Pública, que aumentaram consideravelmente nos últimos anos, com reflexos em nossa jurisprudência, sempre às voltas com a problemática que envolve a fixação de honorários de advogado, seja em favor de quem demanda contra a Fazenda Pública, seja em favor desta, quando vencedora no processo.
O expressivo número de processos, portanto, justifica que o CPC/2015 decidisse criar critérios de quantificação específicos para as causas em que a Fazenda Pública é sucumbente. Esses critérios compõem o parágrafo 3o. do artigo 85 e se aplicam a todas as causas nas quais seja parte a Fazenda Pública, e não mais apenas naquelas ações em que o ente público seja a parte sucumbente. Aqui, pois, uma importante novidade do CPC/2015, que trata de critérios que se devem aplicar tanto quanto a Fazenda Pública seja sucumbente, quanto nas ações em que vence.
Com efeito, durante o tempo em que esteve em vigor o CPC/1973, era algo frequente a queixa de advogados em face de valores bastante diminutos fixados a título de honorários de advogado, nas demandas em que a Fazenda Pública fosse a sucumbente. De fato, como o legislador adotava como único critério o da fixação equitativa dos honorários de advogado, na prática não havia critério, nem um guia seguro que pudesse conduzir o juiz a fixar uma justa remuneração ao advogado da parte vencedora, nas demandas contra a Fazenda Pública. E sem estar adstrito a nenhum critério legal, o juiz acabava muitas vezes fixando honorários de advogado em valores que não remuneravam dignamente o trabalho do advogado da parte vencedora, quando menos desprestigiando esse trabalho.
Mas também ocorria um outro fenômeno, também relacionado à falta da fixação de um critério legal, pois que em alguns casos a condenação imposta à Fazenda Pública chegava a valores estratosféricos, com grande prejuízos aos cofres públicos.
Para resolver ambos os problemas, que decorriam da falta de critérios objetivos, o CPC cuidou fixar limites, como se vê dos incisos I a V, que integram o parágrafo 3o. do artigo 85. Pode-se dizer, portanto, que temos hoje parâmetros objetivos e que quadram com uma adequada regulação da matéria.
Assim, se no CPC/1973 tínhamos apenas um curto parágrafo para abarcar toda a problemática que envolve a fixação de honorários de advogado a favor ou contra a Fazenda Pública, no novo código são cinco os parágrafos, com seus extensos incisos, os dispositivos legais que regulam a matéria. E conquanto essa extensão legislativa não tenha eliminado algumas controvérsias que envolvem a fixação de honorários de advogado nas demandas em que a Fazenda Pública é parte, pode-se dizer que já se constata em nossa atual jurisprudência uma consistente diminuição no número de controvérsias a respeito dessa matéria.
E ainda como novidade em nossa legislação processual civil, o parágrafo 19 cuidou reconhecer a titularidade dos advogados públicos quanto aos honorários de sucumbência fixados nas ações em que a Fazenda Pública seja a vencedora.

HIPÓTESES DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS DE ADVOGADO

Diversamente do que ocorria no CPC/1973, que não continha regra que fixasse as hipóteses nas quais haveria condenação em honorários de advogado (o parágrafo 1o. do artigo 20 daquele código, com efeito, referia-se apenas a despesas processuais, enquanto o “caput” desse artigo referia-se genericamente à sentença), o CPC/2015, por seu artigo 85, parágrafo 1o., estabelece as hipóteses em que haverá condenação em honorários de advogado. São elas: na reconvenção; no cumprimento provisório ou definitivo da sentença; na execução, resistida ou não; e ainda nos recursos interpostos cumulativamente, além de, obviamente, na sentença (“caput do artigo 85).
A enumeração dessas hipóteses legais objetiva diminuir o grau de controvérsia instalado na jurisprudência ao tempo em que vigia o código de 1973. Quem percorre os repositórios de jurisprudência da época, constatará quão variada e extensa era a controvérsia acerca dos honorários de advogado em nosso processo civil. Discutia-se, por exemplo, se deveria haver ou não condenação em honorários de advogado no caso de reconvenção.
No CPC/2015, essa hipótese – a que diz respeito à reconvenção – é expressamente prevista, de modo que, em havendo reconvenção, os honorários de advogado devem ser fixados tanto em relação a ela, quanto à ação, e de resto não há óbice a que sejam fixados valores distintos, uma para a ação, outra para a reconvenção, conforme resultar da aplicação dos critérios previstos nos parágrafos 2o., 3o. e 3o., do artigo 85. Um grau maior de complexidade jurídica pode, com efeito, ser maior na ação ou na reconvenção, justificando uma quantificação específica para a ação e para a reconvenção.
Importante observar que é meramente exemplificativa a relação que está no parágrafo 1o. do artigo 85, como vem entendendo uma parte considerável de nossa jurisprudência, de modo que, segundo essa posição, além daquelas hipóteses expressamente previstas pelo legislador, não se exclui que existam outras hipóteses, nas quais se deva impor a condenação em honorários de advogado.
Mas se há certo consenso em reconhecer-se o caráter meramente exemplificativo quanto ao número das hipóteses legais, o mesmo não ocorre quanto a algumas específicas situações, como no caso do incidente de desconsideração de personalidade jurídica. O STJ, por sua corte especial, esteado no argumento de que apenas em casos excepcionais pode-se ampliar o rol das hipóteses legais previstas no parágrafo 1o. do artigo 85, vem decidindo que, no incidente de desconsideração de personalidade jurídica, não cabe a fixação de honorários de advogado (4ª Turma do STJ, Rel. Raul Araújo. j. 12.11.2019, DJe 06.12.2019). Note-se que o emprego de uma expressão tão indeterminada como “casos excepcionais” equivale, na prática, a não erigir critério objetivo para a interpretação da norma legal.
Parece-nos que exigir a presença de uma situação em que se caracteriza alguma espécie de sucumbência identificada no contexto de uma específica posição processual constitui um critério objetivo para definir se deve ou não haver condenação em honorários de advogado. Quando o juiz, por exemplo, decide excluir anormalmente o processo (sem julgar o mérito, pois) em relação a um réu, de modo o processo deva prosseguir contra contra o litisconsorte, nessa hipótese configura-se a sucumbência do autor em relação ao réu que é excluído da relação jurídico-processual, o que caracteriza a sucumbência da posição processual do autor em face dessa específica situação processual, justificando sejam fixados honorários de advogado, impondo-se sua condenação ao autor.
Destarte, havendo uma situação em que se configure a sucumbência em face de uma específica posição processual, deve haver condenação em honorários de advogado, quando, instalado o contraditório, a parte vencedora tenha contado com defesa técnica.
Há que se aplicar, portanto, a interpretação extensiva para preencher o espaço intencionalmente vazio deixado pelo legislador na redação do parágrafo 1o. do artigo 85, a qual contempla apenas algumas das hipóteses mais recorrentes (caso da reconvenção), sem excluir a ampliação dessas hipóteses legais. A propósito, é a interpretação extensiva, aplicada ao “caput” do artigo 85 que autoriza o juiz a fixar honorários de advogado em decisão interlocutória, e não apenas em sentença.

AÇÕES ESPECÍFICAS: há em nosso ordenamento jurídico em vigor ações em que, por opção do legislador, não existe condenação em honorários de advogado, como é o caso da ação popular e da ações dos juizados especiais. Mas em constituindo os honorários de advogado um direito subjetivo da titularidade exclusiva do advogado, conforme previsto tanto na lei federal 8.906/1994, quanto no CPC/2015, há que se analisar se o princípio da proporcionalidade está ou não atendido nas normas legais que excluem a condenação em honorários de advogado. Parece-nos que não.

CRITÉRIOS
Concluindo os comentários acerca do artigo 85 do CPC/2015, falaremos dos critérios que devem orientar o juiz na fixação dos honorários advocatícios. Esses critérios gerais estão previstos no parágrafo 2o. do artigo 85, em quatro incisos, em uma redação idêntica àquela que constava do parágrafo 3o. do artigo 20 do CPC/1973, apenas com uma modificação de estilo e que envolve a transformação em dois incisos III e IV do enunciado que, no CPC/1973, figurava em uma só alínea (a alínea “c” do parágrafo 2o. do artigo 20), mas sem qualquer modificação no conteúdo e alcance desse enunciado.
Estabelece o CPC/2015, que o juiz analisará “o grau de zelo do profissional” (rectius: do advogado ou procurador); “o lugar de prestação do serviço”; “a natureza e a importância da causa”, e, por fim, “o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço”. São critérios que abarcam de modo bastante adequado todas as principais características que envolvem o trabalho do advogado no processo civil.
Ao se referir ao zelo que o advogado/procurador demonstrou na condução da causa, deve-se extrair dessa palavra “zelo” o mesmo conteúdo que é dado pelos dicionários, no sentido de cuidado, empenho, preocupação na realização de algo. O juiz deve, portanto, considerar esses aspectos no momento em que está a quantificar o valor dos honorários.
Como também deverá analisar o lugar da prestação do serviço. Mas quanto a esse critério, há que se observar que o enunciado da norma revela-se indeterminado além de um limite razoável, por não propiciar ao juiz uma referência segura, sobretudo se considerarmos as atuais condições do exercício da advocacia em um processo judicial no Brasil, as quais são muito diversas daquelas que existiam em 1974, momento da entrada em vigor do CPC/1973, quando as formas de comunicação eram precaríssimas, bastando lembrar que, mesmo no Estado de São Paulo, convencionou-se conceder um prazo suplementar para a manifestação dos advogados em processo judicial, contado do momento em que a publicação da decisão era feita no diário oficial, então um jornal impresso. Em 1974, havia também grande dificuldade na questão de transportes no Brasil, e o acesso a comarcas mais distantes era difícil, quase que impossível. Quiçá naquele momento histórico justificasse-se um critério baseado no lugar em que ocorria a prestação do serviço do advogado, mas hoje esse critério não mais guarda sentido.
O juiz deve também considerar a natureza a importância da causa, além do trabalho nela realizado pelo advogado. Há aqui algo que coincide com o inciso I, porquanto ao analisar o zelo do advogado, ou seja, seu desempenho, estará o juiz a analisar o trabalho realizado, de modo que essa parte do inciso III (“trabalho do advogado”) já integra o texto do inciso I, revelando-se por isso uma disposição desnecessária.
A natureza e a importância da causa constituem os critérios nucleares na quantificação dos honorários de advogado, mas infelizmente, na prática, quase que olvidados. Com grande frequência, há, na sentença ou no acórdão, uma referência genérica à natureza e à importância da causa, de modo que se pode dizer que esses critérios constituem quase que “letra morta” em nosso sistema judicial atual, não se tendo aliás modificado a situação que existia enquanto esteve em vigor o CPC/1973.
O objetivo do legislador em adotar uma variação de percentuais (de 10% a 20%), e de associá-los aos critérios que estamos aqui analisando, é o de conceder ao juiz uma conjunto de elementos que são azados a fixar uma remuneração justa ao advogado. Uma causa juridicamente mais complexa deve ensejar uma remuneração justa em proporção ao grau de complexidade, o mesmo sucedendo quando o tempo nela consumido sobre-excedeu o que se poderia ter lobrigado no início da causa.
São, portanto, aspectos que devem ser considerados no momento em que se quantificam os honorários, sobretudo quanto à definição do percentual que remunera de forma justa o trabalho do advogado no processo. E o juiz deve necessariamente explicitar os critérios que adotou, ou que não adotou, fundamentando essa parte da sentença ou do acórdão.

“Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.
Parágrafo único. Se um litigante sucumbir em parte mínima do pedido, o outro responderá, por inteiro, pelas despesas e pelos honorários”.
Comentários: além de uma pequena modificação de estilo, o artigo 86 traz uma significativa modificação no regime dos encargos de sucumbência na hipótese de sucumbência recíproca, fenômeno que ocorre no processo civil quando as partes não obtêm tudo o que pretendiam. É equivocado afirmar-se, no plano lógico, que há sucumbência recíproca quando uma das partes não obteve tudo o que o processo civil lhe poderia ter dado. Com efeito, quando uma das partes não obtêm tudo o que queria, é porque em relação à parte contrária ocorreu o mesmo fenômeno. Assim, quando o autor queria, por exemplo, a condenação do réu no pagamento de mil reais e o juiz, emitindo a sentença, fixa a condenação em quinhentos reais, autor e réu sucumbiram reciprocamente, porque o autor deixou de ganhar metade do valor que pleiteava, enquanto o réu foi condenado, ainda que em menor valor do que o poderia ter sido. Ou seja, quando há sucumbência recíproca é porque ambas as partes sucumbiram ao mesmo tempo, e não apenas uma delas. De resto, não fosse assim e não seria recíproca a sucumbência.
A importante modificação de conteúdo que o artigo 86 do CPC/2015 traz em face do que previa o artigo 21 do CPC/1973 está no circunscrever os efeitos da sucumbência recíproca ao reembolso de despesas processuais, não mais abrangendo, como fazia o código anterior, os honorários de advogado, o que significa dizer que, em se configurando a sucumbência recíproca, seus efeitos alcançam apenas o reembolso de despesas processuais, e não mais os honorários de advogado, que devem ser fixados em favor dos advogados de ambas as partes, ainda que reciprocamente sucumbentes, o que corrige uma injustiça que o código de 1973 gerava, na medida em que suprimia o direito dos advogados a honorários quando reciprocamente sucumbentes as partes, pois que somente pode haver sucumbência recíproca quando há também vitória parcial, e em vitória parcial, justo que o advogado receba honorários.
Configurada a sucumbência recíproca, deve o juiz fixar o grau de proporção em que essa sucumbia caracteriza-se, estabelecendo uma relação de metade para menos ou para mais, com base no que deve quantificar o reembolso de despesas processuais. Pode suceder, por exemplo, que a sucumbência recíproca deva corresponder ao reembolso de 60% das despesas processuais, considerando o grau de proporção em que se configura a sucumbência recíproca.
O parágrafo único do artigo 86 afasta a caracterização da sucumbência recíproca na hipótese em que o litigante tenha “decaído” de parte mínima do pedido. Perceba o leitor que o legislador empregou o verbo “decair” em lugar de “sucumbir”, com a finalidade de estabelecer distinção entre a sucumbência propriamente dita e aquilo que, embora se configure também como uma perda, envolve algo tão irrisório ou insignificante que não será justo impor à parte a condenação, inclusive em honorários de advogado, por não se caracterizar nessa hipótese a sucumbência recíproca. Será necessário analisar o pedido em todas as suas especificações para definir se o que o litigante não obteve pode ou não ser considerado como uma “parte mínima do pedido”. É de relevo observar que a norma fala em “parte mínima do pedido”, como a enfatizar que se deve examinar o pedido em si com as suas especificações, situação diversa da que ocorre quando, em face de uma cumulação de pedidos, um pedido é acolhido, enquanto outro não. Nessa situação, não se trata de decair do pedido, mas de reciprocamente sucumbir, hipótese alcançada pelo que está previsto no “caput” do artigo 86.
“Art. 87. Concorrendo diversos autores ou diversos réus, os vencidos respondem proporcionalmente pelas despesas e pelos honorários.
§ 1º A sentença deverá distribuir entre os litisconsortes, de forma expressa, a responsabilidade proporcional pelo pagamento das verbas previstas no caput.
§ 2º Se a distribuição de que trata o § 1º não for feita, os vencidos responderão solidariamente pelas despesas e pelos honorários”.
Comentários: o CPC/2015, por seu artigo 87, não aplica como regra geral no regime de encargos de sucumbência a solidariedade passiva, o que significa dizer que a responsabilidade por tais encargos é, em regra, proporcional, aferida segundo o grau de sucumbência que exista entre autores e réus, quando vencidos na demanda. A solidariedade, de resto, não se presume, como regra geral em nosso direito positivo.
Havendo, pois, cumulação subjetiva (ativa, passiva ou mista), os encargos de sucumbência devem ser aferidos individualmente, ou seja, proporcionalmente para cada litigante sucumbente. Mas há exceção, prevista no parágrafo 2o. do artigo 87, que incide na hipótese em que o juiz deixa de fixar a proporção de encargos de sucumbência entre os litisconsortes sucumbentes, caso em que se deve adotar a solidariedade passiva, situação que não estava prevista no CPC/1973, como havia observado PONTES DE MIRANDA: “Para que a solidariedade existisse, seria preciso regra jurídica expressa, como acontece noutros sistemas jurídicos, ou que resultasse de situação processual específica”. (“Comentários ao Código de Processo Civil”, tomo I, p. 424). Agora, em nosso CPC/2015, existe regra prevendo a solidariedade passiva, prevista no parágrafo único do artigo 87, que abre à possibilidade de o juiz decidir se adota ou não a solidariedade passiva quanto aos encargos de sucumbência. Assim, toda a jurisprudência que fora construída quando em vigor o CPC/1973, e que vedava a adoção da solidariedade passiva em encargos de sucumbência, está agora superada.
Embargos declaratórios: como o CPC/2015 não fixa nenhum critério para o caso em que o juiz decida adotar a solidariedade passiva aos litigantes vencidos na demanda, pode suceder que, na sentença, ele tenha simplesmente deixado, por esquecimento, de fixar o regime de proporção, e para essa hipótese, segundo o parágrafo 2o. do artigo 87, deve-se considerar adotada a solidariedade passiva. No caso em que o juiz não tenha fixado qualquer regime (o da proporção ou da solidariedade), qualquer das partes pode interpor embargos declaratórios para que a omissão seja superada, sob pena de, passando em julgado a sentença, prevalecer o regime da solidariedade passiva. Tanto os litigantes vencidos quanto os vencedores possuem interesse em que a sentença seja aclarada diante desse tipo de omissão, considerando que os efeitos da solidariedade passiva projetam-se também sobre a esfera dos litigantes vencedores.
Se um regime de proporção é de ser fixado aos sucumbentes, também o deve ser, em contrapartida, adotado em relação aos vencedores na demanda, de modo que o juiz deve, na sentença, fixar a cota da titularidade de cada litigante vencedor, quando há cumulação subjetiva entre os litigantes que ganharam a demanda.
Portanto, a grande modificação trazida pelo artigo 87 está em prever a aplicação da solidariedade passiva no regime de encargos de sucumbência, o que não ocorria no CPC/1973.
“Art. 88. Nos procedimentos de jurisdição voluntária, as despesas serão adiantadas pelo requerente e rateadas entre os interessados”.
Comentários: em 1952, FREDERICO MARQUES escrevia: “A impropriamente denominada jurisdição voluntária, que não é voluntária nem jurisdição, constitui função estatal de administração pública de direitos de ordem privada, que o Estado exerce, preventivamente, através de órgãos judiciários, com o fito e objetivo de constituir relações jurídicas, ou de modificar e desenvolver relações já existentes”. (“Ensaio sobre a Jurisdição Voluntária”). O artigo 88 refere-se exatamente às despesas processuais geradas em procedimentos de jurisdição voluntária, nos quais não há lide (conflito de interesses), sendo esse o aspecto que exigiu do legislador cuidasse, em regra específica, acerca das despesas processuais.
Com efeito, quando há sucumbência no processo civil, a parte sucumbente deve arcar com o pagamento da taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado, de modo que o regime dos encargos de sucumbência é centrado na lide e na aferição de quem nela sucumbiu (princípio da causalidade). Mas como nos procedimentos de jurisdição voluntária não há lide (conflito de interesses), outro deve ser o critério, que é aquele fixado pelo artigo 88, ao estabelecer que as despesas processuais devem ser adiantadas pelo requerente (nos procedimentos de jurisdição voluntária é mais adequado chamar de “requerente” aquele que inicia o procedimento, reservando-se o termo “autor” para a jurisdição contenciosa), de modo que, aquele que busca obter a tutela jurisdicional, deve adiantar o pagamento das despesas necessárias ao desenvolvimento do procedimento, despesas que, ao final, são rateadas entre todos os interessados. Se o Ministério Público for o requerente (artigo 720 do CPC/2015), não há adiantamento de despesas processuais, mas estas devem ser suportadas ao final por todos os interessados, conforme a sua quota-parte.
Os procedimentos de jurisdição voluntário estão regulados no CPC/2015 entre os artigos 719/770.
Importante salientar que o artigo 88 refere-se apenas a despesas processuais, porque não há condenação em honorários de advogado nos procedimentos de jurisdição voluntária. Há, uma exceção, de que trataremos ao final destes comentários.
Quanto à taxa judiciária (tributo), a União Federal e os Estados-membros possuem competência legislativa para a prever nos processos de sua competência. Pode ocorrer, pois, que, determinada lei a exclua do fato gerador desse tributo. Em São Paulo, a lei federal 11.608/2003 – a lei que regula a taxa judiciária nos processos de competência da justiça paulista – prevê, em seu artigo 1o., que incidirá a taxa judiciária nos procedimentos de jurisdição voluntária. Assim, o requerente deve recolher a taxa judiciária, mas esse valor configura despesa processual, de maneira que os demais interessados no procedimento de jurisdição voluntária reembolsarão o requerente do que ele tiver despendido com a taxa judiciária, proporcionalmente de acordo com a quota-parte de cada um dos interessados.
CONFLITO DE INTERESSES: pode suceder que, no procedimento de jurisdição voluntária, revele-se, no curso do procedimento, a presença de um conflito de interesses, como ocorre, com certa frequência, no procedimento de extinção de condomínio em coisa indivisível. Nessa hipótese, como observa OVÍDIO BAPTISTA, desaparecendo aquela identidade de interesses que caracteriza posição dos interessados nos procedimentos de jurisdição voluntária, não há razão para se aplicar a regra do artigo 88, dado que, existindo lide, a parte sucumbente deve arcar não apenas com as despesas processuais, mas também os honorários de advogado. A rigor, o procedimento deixa de ser de jurisdição voluntária para se transformar em um procedimento de jurisdição contenciosa, com a aplicação da regra geral de sucumbência.
“Art. 89. Nos juízos divisórios, não havendo litígio, os interessados pagarão as despesas proporcionalmente a seus quinhões”.
Comentários: depois de fixar a regra geral, consubstanciada no princípio da causalidade, segundo a qual os encargos de sucumbência devem ser suportados pela parte sucumbente, aferida essa sucumbência em face do que forma a lide (conflito de interesses), o legislador deparou-se com situações específicas, nas quais não há propriamente lide, em que o objeto do processo é da titularidade de todos aqueles daqueles que dele participam, como vimos nos comentários ao artigo 88, que trata dos procedimentos de jurisdição voluntária. Situação idêntica sucede nos juízos divisórios e em todas as ações nas quais o provimento jurisdicional impõe uma divisão de coisas que sejam comuns às partes do processo, como se dá na ação de inventário e de partilha. Em sendo a coisa comum, e querendo as partes dividi-la, não há propriamente lide, senão que interesses que podem não ser inteiramente coincidentes, mas que confluem em um aspecto de relevo, que é o de quererem que a coisa objeto do processo seja dividida. Importante observar que como essas ações referem-se a procedimentos de jurisdição contenciosa, não se lhes poderia aplicar a regra do artigo 88.
Donde a necessidade de se fixar uma regra própria quanto às despesas processuais, que leve em conta o fato de a rigor não haver lide nas ações divisórias, nos inventários e partilhas, e mesmo na ação demarcatória, quando abarque o pedido de partilha da área demarcada. Assim, segundo a regra do artigo 89 (que reproduz textualmente a do artigo 25 do CPC/1973), nos juízos divisórios (e em todas as ações que tenham essa mesma finalidade), como não há litígio, os interessados pagaram as despesas proporcionalmente, de acordo com os seus respectivos quinhões.

AÇAÕ DIVISÓRIA: nas ações de divisão e demarcação (CPC/2015, artigos 569/598), o procedimento é composto por duas fases, e é na segunda fase que se trata de dividir ou demarcar o objeto do processo, de modo que é apenas nessa segunda fase que tem aplicação a regra do artigo 89. Na primeira fase dessas ações, aplica-se a regra geral dos artigos 82 e 85, especialmente quanto à fixação de honorários de advogado. É que na primeira fase dessas ações, pode existir lide que justifique a aplicação do princípio da causalidade.
“Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.
§ 1º Sendo parcial a desistência, a renúncia ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu.
§ 2º Havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente.
§ 3º Se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se houver.
§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade”.
Comentários: o artigo 90 trata dos encargos de sucumbência quando há extinção anormal do processo (sem julgamento do mérito), como se dá no caso da desistência da ação, e noutras duas situações nas quais, conquanto exista extinção do processo com resolução do mérito, casos da renúncia ou reconhecimento jurídico do pedido formulado na ação ou na reconvenção, o processo tem seu curso abreviado, na medida em que não há propriamente sentença de mérito. Prevê também o que deverá suceder em termos de taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado na hipótese de transação, outra forma de extinção abreviada do processo, mas com julgamento do mérito. O artigo 90 reproduz parte do que formava o artigo 26 do CPC/1973, mas regula de modo mais amplo e adequado essas situações processuais. Vale lembrar que uma outra causa de extinção do processo sem resolução do mérito – por perda de seu objeto – não está abarcada no artigo 90, mas diretamente no parágrafo 10 do artigo 85. Para outras hipóteses em que há extinção do processo, sem resolução do mérito, caso, por exemplo, do abandono processual, previsto no artigo 485, inciso II, a matéria relativa aos encargos de sucumbência está tratada expressamente no parágrafo 2o. do artigo 485.
DESISTÊNCIA: prevê o artigo 90 que, extinguindo-se o processo, sem julgamento do mérito da pretensão, por força da desistência manifestada pelo autor, nesse caso o autor, que deu causa à extinção do processo, deve suportar o reembolso ao réu das despesas processuais, além de ser condenado em honorários de advogado, cuja base de cálculo apresenta uma importante modificação em relação à regulamentação que era dada a essa matéria no CPC/1973. Com efeito, no código de 1973, o artigo 20, parágrafo 4o., previa que, em não havendo condenação (caso, pois, em que ocorria a desistência da ação), os honorários de advogado deveriam ser fixados por apreciação equitativa do juiz. Mas no CPC/2015, o artigo 85, parágrafo 6o., determina que, mesmo nos casos em que se homologue a desistência da ação, os limites e critérios fixados nos parágrafos 2o. e 3o. do artigo 85, devam ser observados, não havendo mais, portanto, poder de o juiz fixar por apreciação equitativa os honorários de advogado no caso de desistência da ação. Sendo parcial a desistência, prevê o parágrafo 1o. do artigo 90 deva ser proporcional a condenação do autor no reembolso de despesas processuais e na condenação em honorários de advogado. Importante assinalar que, a desistência pode ser apresentada a qualquer momento no processo, mas, tendo sido apresentada contestação, há a necessidade da concordância do réu, segundo o que prevê o artigo 485, parágrafo 4o., do CPC/2015. Assim, quando a desistência da ação é manifestada antes da citação, não há condenação do autor no reembolso de despesas processuais ou em honorários de advogado, mas, em tendo sido apresentada contestação, o autor deve ser condenado em encargos de sucumbência, aplicando-se o que está previsto no “caput” do artigo 90.
RENÚNCIA AO DIREITO E RECONHECIMENTO JURÍDICO DO PEDIDO: o processo pode terminar por renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção, como também pode terminar em virtude do reconhecimento da procedência do pedido formulado na ação ou na reconvenção. São hipóteses previstas no artigo 487, incisos III, alínea “a” e “c”, em que ocorre o julgamento do mérito da pretensão. Nessas hipóteses, aquele que renuncia, ou reconhece a procedência do pedido, deve suportar os encargos de sucumbência, o que de resto harmoniza-se com o princípio da causalidade, regra geral adotada pelo legislador brasileiro quanto ao regime jurídico desses encargos. Sendo parcial a renúncia ou o reconhecimento jurídico do pedido, tal como sucede na desistência parcial, a condenação em encargos de sucumbência deve ser proporcional, aferida segundo aquilo a que se renunciou ou ao que se reconheceu em termos de pedido. A novidade que o CPC/2015 traz em relação ao CPC/1973 diz respeito ao reconhecimento jurídico do pedido, quando o réu, a compasso com o reconhecer, implementa na prática os efeitos decorrentes desse reconhecimento, ensejando que se beneficie com a redução, em metade, do valor de honorários de advogado.
TRANSAÇÃO: de acordo com o parágrafo 3o. do artigo 90, ocorrendo transação, e sendo ela homologada por sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento de custas remanescentes, obviamente se existirem essas custas. Observe-se que ao se referir a “custas”, o dispositivo em questão está a considerar apenas a taxa judiciária, tributo que é regulado por cada Estado-membro, de modo que a lei local deve obrigatoriamente observar a isenção tributária prevista no CPC/2015.

“Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido.
§ 1º As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova.
§ 2º Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público”.
Comentários: há, no processo civil brasileiro, partes “especiais”, como podem ser chamados entes públicos que nele figuram como parte (como autor, réu, litisconsorte ativo ou passivo, litisdenunciado, etc…). Trata-se da FAZENDA PÚBLICA, do MINISTÉRIO PÚBLICO e da DEFENSORIA PÚBLICA. Vale lembrar que, no processo civil brasileiro, as lides de direito público também são reguladas pelo direito processual civil, o que justifica que se regule, quanto a despesas processuais, o regime jurídico-legal a aplicar-se a esses entes públicos.
Assim, quando se tratar de despesa processual decorrente de ato processual que tenha sido praticado pela FAZENDA PÚBLICA, MINISTÉRIO PÚBLICO ou DEFENSORIA PÚBLICA, como parte no processo civil, essa despesa deverá ser paga apenas ao final pela parte sucumbente, o que significa dizer que não haverá adiantamento dessa despesa processual, tratando-se, pois, de uma exceção à regra geral do artigo 82 do CPC/2015 (“Salvo as disposições concernentes à gratuidade da justiça, incumbe às partes prover as despesas dos atos que realizarem ou requererem no processo, antecipando-lhes o pagamento, desde o início até a sentença final ou, na execução, até a plena satisfação do direito reconhecido no título”).
Há que se considerar, contudo, duas ordens de particularidade. A primeira diz respeito ao MINISTÉRIO PÚBLICO, porque, segundo o parágrafo 1o. do artigo 82, incumbe ao autor adiantar as despesas relativas a ato que tenha sido requerido pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Mas importante destacar que, nesse caso, o MINISTÉRIO PÚBLICO não atua como parte, mas como “custos legis”, ou seja, como “fiscal da ordem jurídica”, como o CPC/2015 o denomina (artigo 82, parágrafo 1o.). Assim, quando o MINISTÉRIO PÚBLICO atua como parte, a regra a aplicar-se é a do artigo 91, de modo que as despesas processuais não são adiantadas, senão que pagas somente ao final pela parte vencida.
Uma outra particularidade que envolve o artigo 91 surge exatamente quanto se trata do adiantamento de despesas processuais pela FAZENDA PÚBLICA, MINISTÉRIO PÚBLICO e DEFENSORIA PÚBLICA, porque há atos processuais cuja consecução material é feita pelos auxiliares da Justiça, como são os peritos e oficiais de justiça, os quais não podem e não são obrigados a desembolsar as despesas que seu trabalho envolva ou exija. A remuneração ao perito constitui, no plano do processo civil, uma despesa processual, mas é ao mesmo tempo a remuneração pelo trabalho que o perito executa. De modo que seria impor-lhe um sacrífico além de um justo limite o ter que aguardar o final do processo, para que pudesse receber seus honorários. A Súmula 232 do Superior Tribunal de Justiça fixou o entendimento de que a Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito. O mesmo se deve entender em relação ao MINISTÉRIO PÚBLICO e à DEFENSORIA PÚBLICA quando atuam como parte e lhes caiba a antecipação dos honorários periciais. Vale enfatizar que o adiantamento pelo autor dos honorários periciais, quando a perícia tiver sido requerida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, somente deve ocorrer quando o MINISTÉRIO PÚBLICO estiver a atuar como fiscal da lei, segundo o que prevê o artigo 82, parágrafo 1o., do CPC/2015.
FAZENDA PÚBLICA: o conceito jurídico-legal utilizado no artigo 91 quanto à “Fazenda Pública” é amplo, o que significa dizer que abarca todos os entes públicos, caso, por exemplo, da União Federal, Estados-membros, Distrito Federal, municípios, autarquias, fundações de direito público, e as sociedades de economia mista, quando seu controle acionário estiver nas mãos do Poder Público.
“Art. 92. Quando, a requerimento do réu, o juiz proferir sentença sem resolver o mérito, o autor não poderá propor novamente a ação sem pagar ou depositar em cartório as despesas e os honorários a que foi condenado”.
Comentários: nas hipóteses em que o processo é extinto sem resolução do mérito por abandono processual (CPC/2015, artigo 485, inciso III), ou porque o processo permaneceu parado por negligência das partes (CPC/2015, artigo 485, inciso II), e desde que a extinção do processo tenha decorrido de requerimento formulado pelo réu, nesse caso o autor não poderá outra ajuizar uma outra ação, sem que tenha comprovado o prévio pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios a que tenha sido condenado no processo extinto. O artigo 92 reproduz o teor do artigo 28 do CPC/2015, de modo que se deve se considerar o aspecto de lógica formal destacado por OVÍDIO BAPTISTA em seus comentários ao artigo 28, quando aponta uma imprecisão lógica ao referir a norma a “propor novamente a ação”, quando, a rigor, não se trata de propor novamente a ação, senão que ajuizar uma nova ação, depois que a primeira foi extinta sem resolução de seu mérito.
Observe-se que para as hipóteses de extinção do processo, sem resolução do mérito, por abandono ou negligência, o juiz pode agir de ofício como decorre da conclusão a que se deve chegar diante do que prevê o artigo 485, parágrafo 6o.. Assim, conquanto o parágrafo 3o. do artigo 485 não tenha inserido no rol das matérias que podem ser conhecidas de ofício pelo juiz as hipóteses do abandono e negligência, como o parágrafo 6o. estabelece que apenas na hipótese em que tenha sido oferecida a contestação a concordância do réu é exigida, daí se pode concluir que, antes de oferecida a contestação, o juiz pode, de ofício, declarar extinto o processo, se identificar situação de abandono ou negligência quanto ao andamento regular do processo.
A comprovação do depósito prévio de despesas processuais e honorários de advogado gerados na anterior ação caracteriza-se como pressuposto processual, de modo que o autor deve comprovar, já na peça inicial, tenha feito esse depósito, sem o qual suportará a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 485, inciso IV, do CPC/2015.
“Art. 93. As despesas de atos adiados ou cuja repetição for necessária ficarão a cargo da parte, do auxiliar da justiça, do órgão do Ministério Público ou da Defensoria Pública ou do juiz que, sem justo motivo, houver dado causa ao adiamento ou à repetição”.
Comentários: os atos processuais devem, por óbvio, ocorrer a tempo e modo, e quando isso não sucede, seja porque devam ser adiados, ou refeitos, então nessas situações (adiamento ou refazimento do ato), novas despesas podem ser necessárias. É disso que trata o artigo em questão, que faz incumbir à parte responsável pelo adiamento ou pelo refazimento do ato a obrigação de custear as novas despesas, quando necessárias. Essa incumbência, contudo, depende de se comprovar que a parte, ela própria, tenha dado causa ao adiamento ou à repetição do ato processual, conforme ressalva a parte final do artigo 93. A propósito, o artigo 93 reproduz, com pequena variação de estilo, a redação do artigo 29 do CPC/1973.
E quando o retardamento na realização de um ato processual o torna já impossível de ocorrer? Essa hipótese, segundo PONTES DE MIRANDA, estaria abarcada na finalidade da norma, que é a de fixar a responsabilidade pelo pagamento de despesas processuais. Assim, quando um ato processual não pode mais ocorrer em razão de retardamento ou negligência imputada à parte, esta deve ser responsabilizada pelo pagamento das despesas processuais, ou de seu reembolso à parte que as tiver custeado.
“Art. 94. Se o assistido for vencido, o assistente será condenado ao pagamento das custas em proporção à atividade que houver exercido no processo”.
Comentários: são duas as modalidades de assistência acolhidas no CPC/2015: a assistência simples, tratada no artigo 121, e a assistência litisconsorcial ou qualificada, tratada no artigo 124, e a distinção entre uma e outra dessas figuras corresponde, segundo DINAMARCO, à projeção de um grau maior ou menor que os efeitos do julgamento produzirá sobre a esfera jurídica do assistente. Ou seja, são os reflexos jurídicos emanados do julgamento da causa que definem se a assistência é simples ou deve ser qualificada. Se esses efeitos são de molde que a esfera jurídica do assistente possa, de fato e de direito, influir na relação jurídica estabelecida entre o assistente e o adversário do assistido, então nesse caso a assistência será qualificada.
Essa mesma diferença de grau foi levada em consideração pelo legislador para efeito de fixar-se o regime de responsabilidade por encargos de sucumbência. Destarte, quando a assistência é simples, sucumbindo a parte assistida, o assistente será também condenado no pagamento da taxa judiciária, calculada proporcionalmente à atividade que o assistente terá exercido no processo. Tenha-se em conta, porque de relevo, que o artigo 94 não se refere à sucumbência em si, mas àquelas atividades que o assistente terá realizado no processo, como critério para se estabelecer a proporção no pagamento das custas.
Quando se trata da assistência qualificada, o assistente é de ser considerado como litisconsorte da parte assistida, como determina o artigo 124 do CPC/2015. De maneira que, como litisconsorte, deve suportar os encargos de sucumbência como sucede a qualquer litisconsorte sucumbente, tal como estatui o artigo 87.
O que nos conduz à conclusão de que o artigo 94 regula apenas a situação do assistente simples.
Importante observar, por derradeiro, que o artigo 94 refere-se apenas às custas, e não a honorários de advogado.

“Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.
§ 1º O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente.
§ 2º A quantia recolhida em depósito bancário à ordem do juízo será corrigida monetariamente e paga de acordo com o art. 465, § 4º.
§ 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:
I – custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;
II – paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.
§ 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2º.
§ 5º Para fins de aplicação do § 3º, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública”.
Comentários: cuida o artigo 95 de duas específicas despesas processuais: as que se referem aos honorários periciais e à remuneração do assistente técnico. Determinada a produção da prova pericial, surge a necessidade de definir a qual parte cabe adiantar o pagamento dos honorários periciais. Note o leitor que o artigo 95 utiliza-se do verbo “adiantar”, em lugar do verbo “pagar”, que era empregado no artigo 33 do CPC/1973, tratando-se aí de um aperfeiçoamento não apenas estilístico, mas que corresponde à natureza do que se quer expressar, porque, em se tratando de despesa processual, há apenas seu adiantamento, até que em sentença, quando se decide a sorte da demanda, defina-se acerca dos encargos de sucumbência, dentre os quais estão as despesas processuais, de modo que à parte que tiver vencido a demanda e que tiver antecipado despesas processuais reconhece-se o direito a receber da parte vencida o que tiver suportado com as despesas processuais havidas no curso do processo. Assim se dá em especial com os honorários periciais.
Suponha-se que, a requerimento do autor, o juiz autorize a produção da prova pericial. Segundo o “caput” do artigo 95, cabe ao autor, que requereu a produção da prova, adiantar o pagamento dos honorários periciais. Pois bem, se em sentença decidir-se em favor da pretensão do autor, este passa a ter o direito a receber em restituição o que tiver despendido com honorários pericias.
E o mesmo deve suceder com a remuneração do assistente técnico. A parte vencida deve pagar à parte vencedora da demanda o que tiver sido adiantado em termos da remuneração do assistente técnico, se o tiver indicado.
A prova pericial pode ser produzida em um processo a requerimento do autor, do réu, de ambas as partes, ou ainda de ofício pelo juiz, e por isso prevê o artigo 95 que cabe à parte que requereu a produção desse tipo de prova adiantar os honorários periciais. Se ambas as partes a tiverem requerido, ou se o juiz de ofício a determinou, então nesses casos ambas as partes devem adiantar, em proporção de metade, os honorários periciais.
Exige-se que o juiz, nomeando o perito, conceda-se-lhe o direito a apresentar uma proposta de honorários, como também deve conceder às partes o direito de se posicionarem sobre a proposta. Surgindo controvérsia quanto ao valor, recomenda-se que o juiz fixe apenas os honorários prévios, aguardando que a perícia seja materializada em laudo, quando então poderá, com maior objetividade, fixar os honorários definitivos. O juiz, segundo o parágrafo 1o. do artigo 95, pode determinar que a parte responsável pelo adiantamento dos honorários periciais deposite o valor em juízo, autorizando o levantamento em momento oportuno.

GRATUIDADE: quanto a parte incumbida de adiantar os honorários periciais beneficia-se da gratuidade, o Estado responsabilizar-se-á pelo pagamento da remuneração devido ao perito. O Estado poderá, contudo, ressarcir-se do valor que tiver pago a esse título na hipótese em que o beneficiado pela gratuidade tiver sido vencedor na demanda, e parte sucumbente não for o beneficiário da gratuidade.

PRECLUSÃO: em não havendo o adiantamento dos honorários periciais, pode o juiz reconhecer a preclusão na produção da prova, analisando-se, já no contexto do ônus da prova e de sua distribuição, que efeitos essa preclusão terá produzido.

“Art. 96. O valor das sanções impostas ao litigante de má-fé reverterá em benefício da parte contrária, e o valor das sanções impostas aos serventuários pertencerá ao Estado ou à União”.
Comentários: caracteriza-se como sanção de natureza pecuniária aquela que é imposta por ato que configure litigância de má-fé (CPC, artigos 77-81), prevendo o artigo 96 que o valor dessa sanção será revertido em benefício da parte contrária, tal como ocorria no CPC/1973, cujo artigo 35 também previa esse destino da sanção pecuniária, embora com a qualificação de “taxa”, o que desapareceu do novo CPC, pois que o valor da sanção pecuniária não constitui propriamente “taxa”, nem despesa processual, mas multa, e que está tratada no capítulo em que o CPC/2015 trata, além das despesas processuais e dos honorários advocatícios, das multas, que são aplicadas em diversas situações no processo, não apenas no caso da litigância de má-fé, como ocorre, por exemplo, quando se acolhe a impugnação à gratuidade (CPC/2015, artigo 100, parágrafo único), ou ainda quando se aplica à parte que lança cota marginal (CPC/2015, artigo 202).
GRATUIDADE: os benefícios da gratuidade não abarcam a sanção pecuniária aplicada por litigância de má-fé. Assim, se a parte, conquanto beneficiária da gratuidade, tiver praticado ato que caracterize litigância de má-fé, fica sujeita à sanção pecuniária e a deve satisfazer.
EXECUÇÃO: o valor da sanção pecuniária pode ser objeto de execução nos próprios autos em que foi reconhecida a litigância de má-fé, segundo o que prevê o artigo 777 do CPC/2015.

SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA também estão sujeitos aos deveres jurídico-legais fixados no artigo 77 e, praticando ato que configure litigância de má-fé, podem sofrer a imposição da sanção pecuniária, cujo valor deverá ser revertido à União (se o processo estiver a tramitar na Justiça Comum Federal), ou ao Estado-membro (se o processo estiver a tramitar na Justiça Comum Estadual).

“Art. 97. A União e os Estados podem criar fundos de modernização do Poder Judiciário, aos quais serão revertidos os valores das sanções pecuniárias processuais destinadas à União e aos Estados, e outras verbas previstas em lei”.
Comentários: mais um exemplo da dificuldade que é habitual ao legislador brasileiro, que muitas vezes não consegue identificar a natureza jurídica ou mesmo a finalidade de uma matéria quando se trata de a inserir em um código. A matéria tratada no artigo 97, com efeito, nada tem de natureza processual, regulando matéria tipicamente de direito administrativo, ao prever a criação de fundos de modernização do Poder Judiciário, formado pelo valor arrecadado com multas processuais. A origem processual das multas não constitui razão suficiente para que se dispusesse, em um código de processo civil, da criação de um fundo de modernização do Poder Judiciário, matéria essencialmente de direito administrativo.
“Seção IV
– Da Gratuidade da Justiça

Art. 98. A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.
§ 1º A gratuidade da justiça compreende:
I – as taxas ou as custas judiciais;
II – os selos postais;
III – as despesas com publicação na imprensa oficial, dispensando-se a publicação em outros meios;
IV – a indenização devida à testemunha que, quando empregada, receberá do empregador salário integral, como se em serviço estivesse;
V – as despesas com a realização de exame de código genético – DNA e de outros exames considerados essenciais;
VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira;
VII – o custo com a elaboração de memória de cálculo, quando exigida para instauração da execução;
VIII – os depósitos previstos em lei para interposição de recurso, para propositura de ação e para a prática de outros atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório;
IX – os emolumentos devidos a notários ou registradores em decorrência da prática de registro, averbação ou qualquer outro ato notarial necessário à efetivação de decisão judicial ou à continuidade de processo judicial no qual o benefício tenha sido concedido.
§ 2º A concessão de gratuidade não afasta a responsabilidade do beneficiário pelas despesas processuais e pelos honorários advocatícios decorrentes de sua sucumbência.
§ 3º Vencido o beneficiário, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade e somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário.
§ 4º A concessão de gratuidade não afasta o dever de o beneficiário pagar, ao final, as multas processuais que lhe sejam impostas.
§ 5º A gratuidade poderá ser concedida em relação a algum ou a todos os atos processuais, ou consistir na redução percentual de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 6º Conforme o caso, o juiz poderá conceder direito ao parcelamento de despesas processuais que o beneficiário tiver de adiantar no curso do procedimento.
§ 7º Aplica-se o disposto no art. 95, §§ 3º a 5º, ao custeio dos emolumentos previstos no § 1º, inciso IX, do presente artigo, observada a tabela e as condições da lei estadual ou distrital respectiva.
§ 8º Na hipótese do § 1º, inciso IX, havendo dúvida fundada quanto ao preenchimento atual dos pressupostos para a concessão de gratuidade, o notário ou registrador, após praticar o ato, pode requerer, ao juízo competente para decidir questões notariais ou registrais, a revogação total ou parcial do benefício ou a sua substituição pelo parcelamento de que trata o § 6º deste artigo, caso em que o beneficiário será citado para, em 15 (quinze) dias, manifestar-se sobre esse requerimento”.
Comentários: optou o legislador do CPC/2015 por regular, aliás extensamente, o instituto da gratuidade no processo civil, diversamente do que sucedia no CPC/1973, que remetia essa regulação à Lei federal 1.060/1950 (a “Lei da Gratuidade”), de modo que, em face das disposições do CPC/2015, mantém-se a vigência, a validez e a eficácia da lei federal 1.060/1950, mas tão semente naquilo em que não houver divergência em face da lei superveniente (o CPC/2015). A rigor, seria melhor que o Legislador tivesse procedido a modificações diretamente no texto da lei de 1960, visto que a mantém como válida.

PESSOA JURÍDICA: durante muito tempo controverteu-se na jurisprudência brasileira acerca do direito de a pessoa jurídica obter a gratuidade. A lei 1.060 referia-se genericamente à condição de parte, mas agora, em face do artigo 98, que expressamente se refere à pessoa jurídica, essa controvérsia cessará definitivamente. Frise-se que antes mesmo da entrada em vigor o CPC/2015, a maioria da jurisprudência já entendia que o benefício também poderia ser concedido à pessoa jurídica.

ATOS PROCESSUAIS: o legislador cuidou enumerar, de modo exemplificativo, os atos em relação aos quais a gratuidade deve produzir efeitos. Segundo o parágrafo 1o. do artigo 98, a gratuidade abarca a taxa judiciária e diversas despesas processuais, como, por exemplo, os honorários periciais. Mas há que se entender como regra geral, diante de uma relação que é apenas exemplificativa, que todo ato praticado no processo civil brasileiro que envolva despesa está alcançado pela gratuidade. Há exceções, mas elas devem ser consideradas como excepcionais. Observe-se que, segundo o parágrafo 5o. do artigo 98, a gratuidade pode ser parcial, seja quanto a determinados atos processuais, seja quanto à redução no valor que deveria ser adiantado como despesa processual. E o parágrafo 6o. autoriza ao juiz conceda à parte o direito a parcelar o valor da despesa processual, quando tiver sido concedido o benefício da gratuidade.

ATOS REGISTRAIS: nalgumas situações existe a obrigação legal de a decisão ou sentença ser levada a registro em cartórios extrajudiciais, e o registro faz incidir emolumentos, segundo a respectiva lei. Esses atos registrais estão abarcados pela gratuidade, mas o serventuário pode requerer ao juiz do processo em que a gratuidade foi concedida que avalie a hipótese de revogar o benefício, desde que o serventuário demonstre que a parte não faz jus à gratuidade, instaurando-se uma controvérsia a respeito. (Esse dispositivo legal bem demonstra como é poderosa a defesa dos interesses dos cartórios extrajudiciais no Brasil, a ponto de o legislador decidir inserir no texto do CPC/2015 um artigo cuja finalidade não é outra senão que a de proteger esses interesses.)

SUCUMBÊNCIA: em sucumbindo o beneficiado pela gratuidade, prevê o parágrafo 2o. do artigo 98 que prevalece a responsabilidade da parte sucumbente pelos encargos decorrentes dessa sucumbência (taxa judiciária, despesas processuais e honorários de advogado). Mas se deve observar a condição suspensiva da exigibilidade quanto aos efeitos dessa responsabilidade, que permanecem suspensos por até cinco anos, contados do momento em que transitou em julgado a sentença ou o acórdão que, impondo os encargos de sucumbência à parte beneficiada, ressalvou a mantença da gratuidade. Pode o credor desses encargos (a parte contrária), dentro do prazo de cinco anos, alegar que a parte sucumbente terá perdido o direito a manter a gratuidade, comprovando tenha existido uma modificação na situação financeira do beneficiado pela gratuidade.
TAXA JUDICIÁRIA: importante observar que a taxa judiciária é da titularidade da União (no caso de processos que tenham tramitado na Justiça Comum Federal), e do Estado-membro (no caso de processos que tenham tramitado na Justiça Comum Estadual), de modo que, na condição de credora desse tributo, a Fazenda Pública pode alegar, nos autos em que o benefício da gratuidade foi concedido, a modificação na situação financeira da parte sucumbente, se esta deixou de recolher a taxa judiciária em razão da gratuidade, para que seja obrigada a esse pagamento.
“Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso.
§ 1º Se superveniente à primeira manifestação da parte na instância, o pedido poderá ser formulado por petição simples, nos autos do próprio processo, e não suspenderá seu curso.
§ 2º O juiz somente poderá indeferir o pedido se houver nos autos elementos que evidenciem a falta dos pressupostos legais para a concessão de gratuidade, devendo, antes de indeferir o pedido, determinar à parte a comprovação do preenchimento dos referidos pressupostos.
§ 3º Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural.
§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.
§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.
§ 6º O direito à gratuidade da justiça é pessoal, não se estendendo a litisconsorte ou a sucessor do beneficiário, salvo requerimento e deferimento expressos.
§ 7º Requerida a concessão de gratuidade da justiça em recurso, o recorrente estará dispensado de comprovar o recolhimento do preparo, incumbindo ao relator, neste caso, apreciar o requerimento e, se indeferi-lo, fixar prazo para realização do recolhimento”.
Comentário: conforme observamos nos comentários ao artigo 98, o CPC/2015 assumiu para si a regulação do instituto da assistência judiciária em seus principais aspectos. O artigo 99 cuida, assim, de fixar essa regulação, prevendo que a gratuidade pode ser requerida a qualquer tempo no processo civil, bastando que a parte (ou o terceiro) apresente uma simples petição, instruída com os documentos que comprovem a hipossuficiência, observando-se que há em favor de quem requer a gratuidade uma presunção de veracidade, mas essa presunção é relativa. O direito à gratuidade é pessoal e como tal não se transmite aos sucessores da parte, ou ao litisconsorte, e nem mesmo ao assistente.
Ao tempo em que esteve em vigor o CPC/1973, ou seja, durante o tempo em que a Lei federal 1.060/1950 era a principal fonte legislativa para a regulação da gratuidade, não era incomum que se negasse o benefício quando a parte contava com o patrocínio de um advogado particular. Daí estabelecer o artigo 99, por seu parágrafo 4o., que essa situação não infirma, só por si, que a parte faça jus à gratuidade.
NOVIDADE: o parágrafo 5o. do artigo 99 constitui uma novidade em nossa legislação processual civil, ao prever que o advogado particular da parte que é beneficiada pela gratuidade deverá se sujeitar ao preparo do recurso que interpuser, quando esse recurso versar sobre valor fixado a título de honorários de advogado. Ressalva a norma que o advogado particular, ele próprio, poderá pleitear a gratuidade, buscando a isenção ao preparo do recurso.
RECURSO: prevê o parágrafo 7o. do artigo 99 que, requerida a gratuidade no recurso, nessa hipótese o preparo é provisoriamente dispensado, até que o relator do recurso aprecie o requerimento. Se negar a gratuidade, terá que fixar prazo à parte recorrente para que a parte recorrente proceda ao preparo do recurso. Essa situação é mais frequente no recurso de apelação, de modo que se o apelante, interpondo o recurso, requer a gratuidade, o juiz de primeiro grau deve receber o recurso, ainda que negue a gratuidade, remetendo o exame da matéria (da gratuidade e preparo recursal) ao relator no tribunal.
“Art. 100. Deferido o pedido, a parte contrária poderá oferecer impugnação na contestação, na réplica, nas contrarrazões de recurso ou, nos casos de pedido superveniente ou formulado por terceiro, por meio de petição simples, a ser apresentada no prazo de 15 (quinze) dias, nos autos do próprio processo, sem suspensão de seu curso.
Parágrafo único. Revogado o benefício, a parte arcará com as despesas processuais que tiver deixado de adiantar e pagará, em caso de má-fé, até o décuplo de seu valor a título de multa, que será revertida em benefício da Fazenda Pública estadual ou federal e poderá ser inscrita em dívida ativa”.
Comentários: concedida a gratuidade, a parte contrária, estabelece o artigo 100, pode impugnar o benefício em até quinze dias do momento em que toma conhecimento da concessão da gratuidade. Basta que, por meio de uma simples petição, formule impugnação, fazendo prova de que o benefício foi indevidamente concedido. O juiz deve observar o contraditório, concedendo à parte beneficiada pela gratuidade o direito de responder à impugnação. Provas podem ser produzidas nesse contexto.
REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO: revogada a gratuidade, seus efeitos cessam imediatamente, mas essa revogação produz efeitos retroativos, alcançando atos que tenham sido praticados durante o tempo em que o benefício estivera em vigor. Daí determinar o parágrafo único do artigo 100 que a revogação da gratuidade obriga a parte a pagar as despesas processuais que deixaram de ser pagas em virtude da gratuidade.
MÁ-FÉ. Nem sempre a revogação da gratuidade equivale a reconhecer que a parte terá agido com má-fé ao pleitear o benefício. O juiz terá que analisar as circunstâncias do caso em concreto e decidir se há ou não má-fé. Se a reconhecer, aplicará de ofício contra a parte uma multa que pode corresponder em até dez vezes o valor das despesas processuais que não tiveram sido pagas em razão da gratuidade. Esse valor é revertido aos cofres da União Federal (se o processo for da competência da Justiça Federal), e aos cofres do Estado-membro (se o processo estiver a tramitar na Justiça estadual). A multa, não satisfeita pela parte condenada, pode ser inscrita em dívida ativa. Embora se trate de uma espécie de litigância de má-fé, a multa que é aplicada quando se revoga a gratuidade não é revertida à parte contrária (como ocorre na litigância de má-fé segundo o artigo 81), mas ao Poder Público, conforme uma válida opção do legislador.
RECURSO: revogada a gratuidade, o recurso cabível é o agravo de instrumento, nos termos do que prevê o artigo 1.015, inciso V, do CPC/2015. A matéria também está regulada no artigo 101 do CPC/2015.

“Art. 101. Contra a decisão que indeferir a gratuidade ou a que acolher pedido de sua revogação caberá agravo de instrumento, exceto quando a questão for resolvida na sentença, contra a qual caberá apelação.
§ 1º O recorrente estará dispensado do recolhimento de custas até decisão do relator sobre a questão, preliminarmente ao julgamento do recurso.
§ 2º Confirmada a denegação ou a revogação da gratuidade, o relator ou o órgão colegiado determinará ao recorrente o recolhimento das custas processuais, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de não conhecimento do recurso.”.
Comentário: o artigo 101 confirma como o legislador do CPC/2015 em muitas ocasiões incide em redundância, tratando de uma matéria que é objeto de regulação no mesmo código. Com efeito, o artigo 101 repete o que está disposto no artigo 1.015, inciso V, do mesmo CPC. E mesmo quanto à ressalva do recurso de apelação para o caso de a gratuidade ter sido negada em sentença, a matéria também está regulada pelo artigo 1.009, parágrafo 1o., do CPC/2015.
O mesmo sucede com os parágrafos 1o. e 2o., que repetem o que está previsto no parágrafo 7o. do artigo 99, ao tratar das hipóteses que podem ocorrer no caso de a gratuidade ser apreciada pelo relator do recurso (para a negar ou a conceder).
A única hipótese que poderia ter sido tratada no artigo 101 diz respeito ao caso em que a gratuidade é concedida, por haver dúvida quanto ao cabimento de recurso nessa hipótese, entendendo a jurisprudência majoritária que se trata de uma decisão interlocutória não agravável, dado que a parte contrária somente pode impugnar a concessão da gratuidade segundo o que prevê o artigo 100 do CPC/2015.
“Art. 102. Sobrevindo o trânsito em julgado de decisão que revoga a gratuidade, a parte deverá efetuar o recolhimento de todas as despesas de cujo adiantamento foi dispensada, inclusive as relativas ao recurso interposto, se houver, no prazo fixado pelo juiz, sem prejuízo de aplicação das sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Não efetuado o recolhimento, o processo será extinto sem resolução de mérito, tratando-se do autor, e, nos demais casos, não poderá ser deferida a realização de nenhum ato ou diligência requerida pela parte enquanto não efetuado o depósito”.
Comentários: o artigo 102 complementa o conteúdo do artigo 100, ao prever que, em se tornando definitiva a decisão ou sentença que tenha revogado a gratuidade, a parte deve realizar o pagamento de todas as despesas processuais para as quais não fizera o recolhimento dada a gratuidade então concedida. O mesmo deve suceder em relação ao preparo do recurso no qual tenha pleiteado a gratuidade.
Não realizado o pagamento dessas despesas processuais, dispõe o parágrafo único do artigo 102 que o autor suportará a extinção do processo sem resolução do mérito. Trata-se, pois, de uma hipótese específica de extinção anormal do processo, que não está no elenco do artigo 485 do CPC, o que confirma que esse elenco não é taxativo. Observe-se que, extinto o processo sem resolução do mérito, por ausência do pagamento das despesas processuais, o autor pode ajuizar uma nova ação, como prevê o artigo 486 do CPC/2015.
No caso de a gratuidade ter sido negada ao autor, nenhum ato ou diligência de seu interesse poderá realizar-se no processo, enquanto não for efetuado o depósito das despesas processuais.
CAPÍTULOIII
DOS PROCURADORES
Art. 103. A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
Parágrafo único. É lícito à parte postular em causa própria quando tiver habilitação legal”.

Comentários: trata este dispositivo da capacidade postulatória, que é um pressuposto processual. A parte, diz o artigo 103, deverá ser representada em juízo por advogado que esteja regularmente inscrito na OAB, segundo o que prevê a lei federal 8.906/19994 (o Estatuto da OAB). Se a parte, ela própria, for advogado regularmente inscrito na OAB, então nessa hipótese poderá postular em causa própria.
Se a parte não está representada por advogado, ou se este não está regularmente inscrito, caracteriza-se a ausência da capacidade postulatória, e os efeitos dessa situação processual são distintos conforme se trate do autor ou do réu. No caso do autor, o processo será extinto anormalmente, nos termos do que prevê o artigo 485, inciso IV, do CPC/2015 (ausência de pressuposto processual). Se for o réu que não tiver capacidade postulatória, a revelia é a consequência jurídico-processual a aplicar-se. Mas é importante observar que a jurisprudência majoritária entende ser indispensável conceder à parte prazo para a regularização do ato processual praticado sem capacidade postulatória, em especial quando se trata de advogado que esteja impedido de advogar.
O artigo 103 não prevê a possibilidade que fora prevista na parte final do artigo 36 do CPC/1973, quanto à parte, ela própria, sem que seja advogado legalmente habilitado, poder praticar atos processuais, “no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver”. Hoje, diversamente da situação que tínhamos em 1974 (quando entrou em vigor o Código de 1973), a situação da advocacia como profissão no Brasil é muito distinta daquela. Não há cidade brasileira que não conte com advogado, e essa realidade já havia sido percebida pelo legislador em 1994, quando criou o novo “Estatuto da OAB”, que, diversamente do que fazia o estatuto anterior (lei federal 4.213/1963, artigo 75), não prevê a possibilidade de, na falta de advogado, a parte, ela própria, poder praticar ato processual.

ESTATUTO DA ADVOCACIA: a lei federal 8.906/1994, o “Estatuto da Advocacia”, estabelece em seus artigos 2o. e 3o. que “o advogado é indispensável à administração da justiça”, e que “o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB”, o que se harmoniza com a regra do artigo 103 do CPC/2015.
“Art. 104. O advogado não será admitido a postular em juízo sem procuração, salvo para evitar preclusão, decadência ou prescrição, ou para praticar ato considerado urgente.
§ 1º Nas hipóteses previstas no caput, o advogado deverá, independentemente de caução, exibir a procuração no prazo de 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período por despacho do juiz.
§ 2º O ato não ratificado será considerado ineficaz relativamente àquele em cujo nome foi praticado, respondendo o advogado pelas despesas e por perdas e danos”.
Comentários: com uma mudança apenas de estilo, o artigo 104 manteve o conteúdo do artigo 37 do CPC/1973, ao prever como obrigatório que o advogado comprove exista contrato de mandato, apresentando seu instrumento – a procuração, que é o documento que, segundo o artigo 105 do CPC/2015, habilita o advogado a praticar os atos do processo civil.
O artigo 104, contudo, prevê situações para as quais a apresentação da procuração pode ser diferida no tempo: pratica-se o ato e depois se apresenta a procuração. É o caso em que o ato está a ser praticado para evitar a preclusão, decadência ou prescrição, ou quando há uma situação processual que configure uma situação de urgência, e a possibilidade de a parte suportar um prejuízo. Para esses casos, a procuração deve ser apresentada posteriormente à prática do ato, para o ratificar. O parágrafo 1o. do artigo 104 fixa o prazo quinze dias, prorrogável por mais quinze dias, para essa ratificação. O termo inicial desse prazo dá-se no momento em que o ato processual foi praticado. Se não houver ratificação, e a parte suportar algum prejuízo, pode demandar pelas vias ordinárias o advogado para reembolso de despesas processuais, e reparação por perdas e danos.
PEÇA INICIAL: a procuração é documento indispensável à validez formal da peça inicial, segundo o que prevê o artigo 320 do CPC/2015. De maneira que, não apresentada, o processo deve ser extinto por ausência de pressuposto processual de validez da relação jurídico-processual (CPC/2015, artigo 485, inciso IV). Ressalve-se que, em incidindo qualquer das situações previstas no “caput” do artigo 104, caso, por exemplo, de a petição inicial veicular pedido de natureza urgente, então nesse caso a peça inicial deve ser recebida e fixado o prazo legal para a sua ratificação.
CONTESTAÇÃO: o réu deve, com a contestação ou antes dela, apresentar procuração, validando a prática desse importante ato de defesa. Se não o fizer, declarar-se-á a revelia, com as consequências jurídico-processuais previstas no CPC/2015. Aquelas situações excepcionais previstas no “caput” do artigo 104 também se aplicam ao réu, para lhe permitir apresentar a procuração no prazo de quinze dias (prorrogado por mais quinze dias), contado a partir do momento em que tiver apresentado a contestação.
DISPENSA DE PROCURAÇÃO: os advogados públicos, os defensores públicos e os advogados que, em razão de convênio, atuam como advogados dativos, não estão obrigados a apresentar procuração. O mesmo se dá em relação ao curador especial (artigo 72 do CPC/2015). É que a rigor, nesses casos, não há uma relação negocial de mandato, o que justifica que se dispense a apresentação da procuração.
“Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.
§ 1º A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.
§ 2º A procuração deverá conter o nome do advogado, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 3º Se o outorgado integrar sociedade de advogados, a procuração também deverá conter o nome dessa, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 4º Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença”.
Comentários: fixado como pressuposto processual a capacidade postulatória, o que exige de acordo com o artigo 104 do CPC/2015, que o advogado (particular) apresente procuração, cuida o artigo 105 de prever a sua forma (outorgada a procuração por instrumento público ou particular), que dados deve conter, e a que atos processuais específicos exigem-se poderes expressos no instrumento de mandato, como, por exemplo, os atos de reconhecer a procedência do pedido e de confessar. Dispensa-se o reconhecimento de firma, como já ocorria ao tempo em que esteve em vigor o artigo 38 do CPC/1973.
ATO DE LEVANTAMENTO DE VALORES: prevendo a procuração os poderes de receber e dar quitação, não pode o juiz obstar que a guia de levantamento seja emitida em nome do advogado, e não do da parte.
“Art. 106. Quando postular em causa própria, incumbe ao advogado:
I – declarar, na petição inicial ou na contestação, o endereço, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e o nome da sociedade de advogados da qual participa, para o recebimento de intimações;
II – comunicar ao juízo qualquer mudança de endereço.
§ 1º Se o advogado descumprir o disposto no inciso I, o juiz ordenará que se supra a omissão, no prazo de 5 (cinco) dias, antes de determinar a citação do réu, sob pena de indeferimento da petição.
§ 2º Se o advogado infringir o previsto no inciso II, serão consideradas válidas as intimações enviadas por carta registrada ou meio eletrônico ao endereço constante dos autos.”
Comentários: em sendo a parte advogado regularmente inscrito na OAB, possuindo, assim, a capacidade postulatória, pode postular em causa própria, seja como autor, seja como réu, ou como litisconsorte ou interveniente. O verbo “postular” está aí empregado em sentido geral, abrangendo os atos de demandar (no caso do autor, quando ajuíza uma ação); o de contestar ou responder (no caso do réu), abrangendo também a posição processual do litisconsorte (ativo ou passivo), e do interveniente.
Exige-se à parte que postula em causa própria que, na peça inicial, na contestação ou na primeira manifestação nos autos se a parte assume a posição processual de litisconsorte ou de interveniente, que declare seu endereço, seu número de inscrição na OAB, e, no caso de participar de uma sociedade de advogados, o nome dessa sociedade, cabendo-lhe ainda informar ao juízo qualquer mudança de endereço. Descumprida essa formalidade, o juiz fixará o prazo de cinco dias para que seja colmatada a falha, a qual, se persistir, gerará a presunção de validez das intimações que tiverem sido envidas por carta registrada ou meio eletrônico. Note-se que o artigo 106 não prevê a preclusão de direito processual, senão que apenas a presunção de validez da intimação, o que é de se considerar sobretudo para as intimações feitas por meio eletrônico.

“Art. 107. O advogado tem direito a:
I – examinar, em cartório de fórum e secretaria de tribunal, mesmo sem procuração, autos de qualquer processo, independentemente da fase de tramitação, assegurados a obtenção de cópias e o registro de anotações, salvo na hipótese de segredo de justiça, nas quais apenas o advogado constituído terá acesso aos autos;
II – requerer, como procurador, vista dos autos de qualquer processo, pelo prazo de 5 (cinco) dias;
III – retirar os autos do cartório ou da secretaria, pelo prazo legal, sempre que neles lhe couber falar por determinação do juiz, nos casos previstos em lei.
§ 1º Ao receber os autos, o advogado assinará carga em livro ou documento próprio.
§ 2º Sendo o prazo comum às partes, os procuradores poderão retirar os autos somente em conjunto ou mediante prévio ajuste, por petição nos autos.
§ 3º Na hipótese do § 2º, é lícito ao procurador retirar os autos para obtenção de cópias, pelo prazo de 2 (duas) a 6 (seis) horas, independentemente de ajuste e sem prejuízo da continuidade do prazo.
§ 4º O procurador perderá no mesmo processo o direito a que se refere o § 3º se não devolver os autos tempestivamente, salvo se o prazo for prorrogado pelo juiz.
§ 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo aplica-se integralmente a processos eletrônicos.
Parágrafo 5º acrescido pela Lei nº 13.793, de 03.01.2019, DOU de 04.01.2019, em vigor na data de sua publicação”.
Comentários: o artigo 107 enumera uma série de atos processuais que constituem direito subjetivo do advogado de os praticar, como é o caso de poder examinar, mesmo sem procuração, autos de quaisquer processos, como também o de requerer vista de autos, ou de retirá-los para uma consulta mais detida.
Com a implementação do processo sob o formato eletrônico, alguns desses direitos ou perderam seu sentido, ou terão que ser adaptados a uma nova realidade imposta pelo processo civil eletrônico.
OUTROS DIREITOS: a relação do artigo 107 do CPC/2015 não esgota o rol de direitos subjetivos conferidos aos advogados no exercício de sua profissão. O CPC/2015 aliás outros prevê, como o direito a honorários (artigo 85, parágrafo 14), a renunciar ao mandato (artigo 112), o direito a intimar o advogado da parte contrária por meio do correio (artigo 269, parágrafo 1o.), o direito de declarar a autenticidade de peças de processo judicial (artigo 425, inciso IV).
ESTATUTO DA OAB (lei federal 8.906/1994): ao regular o exercício da advocacia, esse diploma legal também prevê direitos, alguns de natureza processual, como é o caso do direito à inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações, quando realizados no processo civil.
ADVOGADOS PÚBLICOS E DATIVOS: esses mesmos direitos subjetivos devem ser reconhecidos em favor dos advogados públicos e dativos.
“CAPÍTULO IV
– DA SUCESSÃO DAS PARTES E DOS PROCURADORES
Art. 108. No curso do processo, somente é lícita a sucessão voluntária das partes nos casos expressos em lei”.
Comentários: o CPC/2015, com a rubrica do capítulo IV – “Da Sucessão das Partes e dos Procuradores”, corrige o equívoco em que o CPC/1973 havia incidido, quando, em lugar de tratar do fenômeno da sucessão das partes, dava a seu capítulo IV (que compreendia os artigos 41-45) o título “Da Substituição das Partes e dos Procuradores”. Esse capítulo, com efeito, trata do fenômeno da sucessão das partes (e não da substituição das partes), regulando os casos em que se admite exceção ao princípio da estabilidade de instância, como observa o renomado processualista gaúcho, OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA.
De acordo com esse princípio – o da estabilidade de instância -, as partes originárias do processo não podem, como regra geral, ser modificadas, ou seja, não podem ser sucedidas por terceiros, salvo naquelas hipóteses em que a lei tenha previsto a possibilidade de sucessão no processo civil.
Mas em que momento ocorre a estabilização da instância? O CPC/2015 não fixa de modo expresso esse momento, mas há que se considerar que a estabilização dá-se no momento em que a peça inicial é formalmente recebida pelo juiz, quando ele determina a citação. Há que se considerar, contudo, que o artigo 329 do CPC/2015 autoriza ao autor que, até o instante em que a citação ocorre, possa aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, o que abrange a hipótese de modificar-se a formação do polo passivo, surgindo aí uma exceção ao princípio da estabilidade de instância. Destarte, como o autor pode, antes da citação, modificar a formação do polo passivo, é equivocado dizer-se que a estabilização de instância dá-se no momento em que a citação ocorre.
Poderá o autor, pois, ter identificado uma situação que caracteriza, no plano da relação jurídico-material, a sucessão do réu por um terceiro, de forma que, utilizando-se do que lhe autoriza o artigo 329, poderá o autor aditar a peça inicial, modificando a formação do polo passivo. A rigor, não estaríamos aí em face de uma hipótese de sucessão processual, porque o autor, até a citação, pode modificar a formação do polo passivo, corrigindo-a inclusive em face de uma alteração que tenha identificado no conteúdo da relação jurídico-material objeto da demanda.
A sucessão processual de que trata o artigo 107 refere-se apenas àquelas hipóteses, expressamente previstas na lei, nas quais um terceiro assume a posição formal do litigante originário, isso tanto na posição ativa, quanto passiva. Essa sucessão processual decorre, portanto, de a relação jurídico-material ter experimentado uma modificação substancial quanto às pessoas que dela participam, com efeitos que se projetam no campo da relação jurídico-processual.
Há que se diferenciar a “sucessão processual” da figura da “substituição processual”, porque nesta o terceiro ingressa na relação jurídico-processual, mas para a defesa, em nome próprio, do direito subjetivo pertencente a outro. Essa hipótese está regulada pelo artigo 18 e seu parágrafo único, do CPC/2015.

“Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes.
§ 1º O adquirente ou cessionário não poderá ingressar em juízo, sucedendo o alienante ou cedente, sem que o consinta a parte contrária.
§ 2º O adquirente ou cessionário poderá intervir no processo como assistente litisconsorcial do alienante ou cedente.
§ 3º Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário”.
Comentários: as condições da ação, sobretudo a legitimação ativa e passiva, são extraídas diretamente da relação jurídico-material, de modo que, em se modificando essa relação, efeitos projetam-se sobre a relação jurídico-processual. É disso que trata o artigo 109 do CPC/2015, que reproduz, na essência, a regra do artigo 42 do CPC/1973, com pequena variação de estilo.
Pode suceder, portanto, que, no curso de um processo, a coisa ou o objeto da demanda tenha sido alienada por ato entre vivos, modificando-se a relação jurídico-material. A hipótese em que a modificação operada na relação jurídico-material não decorre de ato entre vivos, mas de transmissão “causa mortis” é regulada pelo artigo 110 do CPC/2015.
Segundo o “caput” do artigo 109, essa modificação não altera a legitimação das partes, mas o adquirente ou o cessionário poderá requerer ao juízo que autorize o seu ingresso no processo em lugar da parte originária, desde que a parte contrária o consinta. Se houver discordância, o adquirente ou o cessionário poderá intervir como assistente do alienante ou do cedente. A jurisprudência majoritária fixa o entendimento de que basta uma recusa peremptória da parte contrária quanto ao ingresso do adquirente ou cessionário, para que esse ingresso não seja admitido, não sendo dado ao juiz o poder de perscrutar das razões pelas quais essa recusa é manifestada.
Mas, independentemente de ter ou não havido o ingresso do adquirente/cessionário no processo, como parte ou assistente, a sentença projetará efeitos sobre sua esfera jurídica, dado que prevalece a condição de sucessor, condição que é determinada pela relação jurídico-material, com efeitos que se produzem na relação jurídico-processual, particularmente na coisa julgada material.
“Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º”.
Comentários: ao tratarmos do artigo 109 do CPC/2015, que cuida da sucessão das partes, enfatizamos que a relação jurídico-processual suporta modificações quando a relação jurídico-material objeto da demanda, ela própria, experimenta alguma mudança em seus aspectos substanciais, como se dá, por exemplo, quando a coisa litigiosa é vendida a um terceiro. O artigo 110 também trata da sucessão das partes, mas agora em face do falecimento de qualquer das partes, caso em que se procederá à habilitação pelo espólio ou por seus sucessores, desde que o direito subjetivo sobre o qual a demanda controverta seja de natureza patrimonial, e não personalíssima. Assim, em se tratando de uma demanda que versa sobre direito material transmissível, o espólio ou sucessores da parte falecida sucedem-na no processo.
Ocorrendo a morte de qualquer das partes, determina o artigo 313, inciso I e parágrafo 1o., do CPC/2015, que o juiz obrigatoriamente fará suspender o processo para o caso em que o direito subjetivo em questão tenha se transmitido ao espólio ou aos sucessores. Se o direito material foi personalíssimo, e não transmissível, declarar-se-á a extinção do processo, sem resolução do mérito, em consonância com o que prevê o artigo 485, inciso IX, do CPC/2015.
Mas em sendo transmissível o direito subjetivo discutido na ação, o juiz então, aplicando o artigo 313, inciso I e parágrafo 1o., do CPC/2015, determinará a suspensão do processo para que o espólio ou os sucessores do falecido possam se habilitar de acordo com o procedimento que está previsto nos artigos 689-692, de maneira que, homologada essa habilitação, passe a ocupar a posição processual da parte falecida o espólio ou seus sucessores. A habilitação, de acordo com o artigo 688 do CPC/2015, pode ser requerida pela parte em relação aos sucessores do falecido, como também o pode ser requerida pelos sucessores do falecido em relação à parte contrária.
ESPÓLIO X SUCESSORES: a sucessão poderá se dar em relação ao espólio, que assim passa a ocupar a posição processual da parte falecida. Mas os sucessores da parte falecida também podem suceder a parte falecida no caso em que o inventariante for dativo, como prevê o artigo 75, parágrafo 1o., do CPC/2015, já comentado aqui, remetendo o leitor, pois, àqueles comentários.
DIREITO E AÇÃO TRANSMISSÍVEL: O direito de ação é transmissível quando o direito material invocado como fundamento jurídico da ação não seja personalíssimo. O direito a pleitear alimentos, por exemplo, é um direito subjetivo pessoal e por isso não se transmite ao espólio ou aos sucessores do falecido, o que significa dizer que, em se tratando de um direito personalíssimo, não se transmite o direito de ação. É, portanto, a natureza do direito material que determina se o direito de ação é ou não transmissível ao espólio ou aos sucessores da parte falecida.
DIREITOS MATERIAIS DE NATUREZA DÚPLICE: pode ocorrer de o direito material aglutinar em si uma dupla natureza (pessoal e patrimonial), como se dá, por exemplo, na ação em que se objetiva declarar a existência de união estável e sua dissolução, de modo que, falecida a parte originária, seu espólio ou sucessores podem prosseguir com a ação, sucedendo a parte originária, visto que há uma parte do núcleo que forma o direito material é de natureza patrimonial, e por isso transmissível. Não se há confundir “ação dúplice” (a ação de prestação de contas, por exemplo), com o “direito material dúplice”. Uma ação é dúplice quando a posição processual da parte como autor e réu cruzam-se na mesma ação, de maneira que o autor pode vir a ser condenado sem que que o réu tenha formulado pedido por meio de reconvenção. No caso do direito material dúplice, é o direito material em si que revela a presença de uma dupla natureza – pessoal e patrimonial.
“Art. 111. A parte que revogar o mandato outorgado a seu advogado constituirá, no mesmo ato, outro que assuma o patrocínio da causa.
Parágrafo único. Não sendo constituído novo procurador no prazo de 15 (quinze) dias, observar-se-á o disposto no art. 76”.
Comentários: se o CPC/2015 corrigiu a imprecisão técnica que havia no CPC/1973, que conquanto cuidasse das hipóteses de sucessão das partes, dava ao capítulo IV o título “Da Substituição das Partes e dos Procuradores, incidiu, contudo, em uma outra imprecisão técnica, ao se referir à sucessão dos procuradores, quando se trata no caso de sua substituição, como se dá a hipótese de que cuida o artigo 111, ao dispor que, se a parte substitui seu advogado, revogando-lhe o mandato, outro deve constituir. Não se cuida de sucessão de procuradores, mas de sua substituição no processo, de maneira que, respeitasse rigorosamente o cuidado com a precisão técnica, o CPC/2015 deveria ter denominado o capítulo IV como dispondo acerca da “Sucessão das partes e da substituição dos procuradores”.
Acerca da capacidade processual, e particularmente da capacidade postulatória, vimos que a parte deve contar obrigatoriamente com o patrocínio técnico de advogado, a não ser que a parte, ela própria, possua a habilitação legal. Assim, na hipótese de a parte revogar o mandato outorgado a seu advogado, no mesmo ato deverá constituir outro, que assuma o patrocínio da causa, conforme estabelece o “caput” do artigo 111. Não adotada essa providência, diz o parágrafo único, que se deve observar o previsto no artigo 76 do CPC/2015, que determina ao juiz, constatada a irregularidade na representação a parte, suspenda o trâmite do processo, fixando prazo para que ocorra a constituição formal de novo patrono, com a apresentação da procuração, prevendo o artigo 76 as consequências para o caso em que a representação processual não tiver sido regularizada.
REVOGAÇÃO TÁCITA: a revogação do mandato por ser expressa ou tácita, caracterizando-se esta quando o mandante pratica atos incompatíveis com o mandato outorgado. O artigo 111 abarca tanto a revogação expressa quanto a tácita.
“Art. 112. O advogado poderá renunciar ao mandato a qualquer tempo, provando, na forma prevista neste Código, que comunicou a renúncia ao mandante, a fim de que este nomeie sucessor.
§ 1º Durante os 10 (dez) dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para lhe evitar prejuízo.
§ 2º Dispensa-se a comunicação referida no caput quando a procuração tiver sido outorgada a vários advogados e a parte continuar representada por outro, apesar da renúncia”.
Comentários: o contrato de mandato judicial, como todo contrato, é um contrato bilateral, de maneira que tanto o mandante (a parte) o pode revogar, quanto o mandatário (o advogado) pode fazê-lo. O artigo 112 trata da hipótese em que o advogado decide renunciar ao mandato, colocando fim ao contrato, caso em que deverá comunicar a sua vontade ao mandante, para que este indique um substituto no processo. Na hipótese em que a procuração tiver sido outorgada a vários advogados (mais de um), quando a parte continua representada no processo por algum advogado, nesse caso dispensa-se a comunicação do advogado que renuncia ao mandato.
Feita a comunicação ao mandante por qualquer forma idônea, o advogado permanecerá vinculado ao processo pelo prazo de dez dias ininterruptos. O prazo de dez dias é contado desde o momento em que o mandante teve inequívoca ciência da renúncia. Essa vinculação do advogado que tenha renunciado, contudo, não existirá, ou cessará antes do prazo, se o mandante tiver indicado um substituto, salvo na hipótese em que houver a possibilidade de a parte suportar algum prejuízo no processo, caso em que a vinculação do antigo patrono ao processo permanecerá pelo prazo de dez dias, ainda que a parte conte já com um substituto.
Havendo revogação do mandato judicial, seja pelo mandante, seja pelo mandatário (advogado), a parte deve regularizar sua representação processual no prazo que está fixado no artigo 111, parágrafo único, do CPC/2015. Superado esse prazo, sem a regularização na representação processual, o juiz aplicará o que determina o artigo 76 do CPC/2015.
“TÍTULO II
– DO LITISCONSÓRCIO
Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar”.
Comentários: a doutrina costuma denominar de “cúmulo subjetivo de partes” o fenômeno que ocorre no processo civil quando a posição jurídica ativa e/ou passiva estiver integrada por mais de uma pessoa, de modo que a relação jurídico-processual é nesse tipo de situação processual composta por mais de um autor ou por mais de um réu, ou existirem ainda outras pessoas que compõem a relação jurídico-processual, mas como intervenientes. Podemos assim compreender a razão pela qual a doutrina ressalta que o litisconsórcio é uma espécie do gênero “cumulo subjetivo de partes”, o que significa dizer que pode existir uma cumulação subjetiva de partes, sem que se configure o litisconsórcio, como se dá, por exemplo, na assistência (CPC/2015, artigos 119/123).
Litisconsorte é parte e deve ser tratado como tal. Assim, se há mais de um autor, diz-se que existe o litisconsórcio ativo, pois, cada autor formula sua pretensão. E se há mais de um réu, que o litisconsórcio é passivo. E no caso em que há litisconsortes tanto entre os autores quanto entre os réus, o litisconsórcio é chamado de misto ou recíproco.
O instituto do litisconsórcio está regulado no CPC/2015 em condições bastante semelhantes àquelas do CPC/1973 (artigos 46/49), e seria de se esperar que o legislador o tivesse regulado em um número maior de dispositivos, de maneira proporcional ao grau de controvérsia que envolve esse instituto. A matéria, contudo, está regulada em apenas seis artigos no CPC/2015 (artigos 113-118).
Uma primeira e significativa diferença que se encontra entre a regulação do litisconsórcio no CPC/2015 em face do CPC/1973 está no número de hipóteses em que se caracteriza o litisconsórcio, número que foi reduzido no CPC/2015, que não prevê o cabimento do litisconsórcio na hipótese em que direitos e obrigações derivem do mesmo fundamento de fato ou de direito, diversamente do que ocorria no CPC/1973, que previa essa hipótese no inciso II de seu artigo 46. É certo que parte da doutrina entendia que a conexão, tratada no inciso III do artigo 46, por ser mais abrangente, abarcava a hipótese do inciso II, de modo que, quando direitos e obrigações derivavam do mesmo fundamento de fato ou de direito, estaria a se caracterizar a conexão, e com ela o litisconsórcio. Acolhendo essa posição doutrinária, o CPC/2015 manteve apenas a hipótese de litisconsórcio quando há conexão pelo objeto ou pela causa de pedir entre as pretensões, no que, contudo, não agiu com acerto, porque, segundo o artigo 55 do CPC/2015, reputam-se conexas duas ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa de pedir, situação que é algo diversa daquela que podia ser subsumida em face do artigo 46, inciso II, do CPC/1973, que previa o litisconsórcio quando direitos ou obrigações derivam do mesmo fundamento de fato ou de direito, o que não excluía, como não exclui a possibilidade de inexistir conexão nessa situação, porquanto é possível que um direito ou uma obrigação derive de um mesmo fundamento de fato ou de direito, sem que exista conexão, se considerarmos o conceito legal dado à conexão pelo artigo 55 do CPC/2015.
Na conexão existe uma relação de identidade intensa quanto ao pedido ou à causa de pedir. Mas essa mesma relação de identidade intensa não era exigida pelo inciso II do artigo 46 do CPC/1973, como observa OVÍDIO BATISTA DA SILVA em seus “Comentários ao Código de Processo Civil”, quando sublinha que a conexão caracteriza-se por dar lugar a uma relação jurídico-material mais intensa entre os direitos materiais envolvido nas ações, enquanto a hipótese tratada no inciso II do artigo 46 referia-se a um vínculo menos intenso, que exatamente por não poder caracterizar a conexão, deveria caracterizar a formação do litisconsórcio (facultativo no caso), evitando-se a prolação de decisões conflitantes.
Cuidaremos agora de analisar as hipóteses em que o litisconsórcio, ativo, passivo ou misto, pode ou dever ocorrer no processo, ou seja, quando a formação do litisconsórcio depende da vontade do autor (litisconsórcio facultativo), ou quando, de acordo com a natureza da relação jurídico-material controvertida, o litisconsórcio é obrigatório, porquanto a eficácia da sentença dependerá necessariamente da citação de todos aqueles que devam ser litisconsortes, como estatui o artigo 114 do CPC/2015.
Diz o artigo 46 que o litisconsórcio pode ocorrer quando houver entre os litisconsortes uma “comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide”. Importante observar desde logo que o CPC/2015 adotou a mesma escala de gradação que o artigo 46 do CPC/2015 adotava, partindo de uma ligação mais intensa em termos de relação jurídico-material, ou seja, uma comunhão entre direitos ou obrigações relativamente à lide, até chegar a uma tênue ligação, que se constitui em uma mera afinidade de questões, seja em função de um ponto comum de fato, seja de direito. Importante observar, outrossim, que seja uma ligação mais intensa, seja a mais sutil, há sempre um vínculo jurídico que envolve os litisconsortes, o que justifica que possam compor a mesma relação jurídico-processual, porquanto vinculados a uma mesma lide.
Por “comunhão de direitos ou obrigações relativamente à lide”, há que se compreender, pois, a ligação mais intensa que pode existir entre os litisconsortes, como se dá, por exemplo, no caso do condomínio ou copropriedade, em que de uma mesma relação jurídico-material participam duas ou mais pessoas, titulares de direitos que decorrem dessa relação jurídico-material, ou que a ela estão sujeitos, como se dá no caso do devedor e seu fiador.
A segunda hipótese em que cabe o litisconsórcio, prevista no inciso II do artigo 113, ocorre quando “entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir”, remetendo ao instituto da conexão, que está regulado no artigo 55 do CPC/2015. Há conexão, com efeito, quando entre duas ou mais ações houver identidade quanto ao pedido ou à causa de pedir. Assim, existissem duas ou mais ações nas quais se poderia reconhecer como caracterizada a conexão, dá lugar à formação do litisconsórcio quando, não existindo senão que uma só ação, aqueles que poderiam ajuizar ações em separado optam pela formação do litisconsórcio quando há uma relação de identidade entre a causa de pedir ou o pedido das demandas, reunidas assim em um só processo. É o que se dá, por exemplo, quando em face de um mesmo acidente de trânsito duas pessoas demandam contra aquele a quem atribui a responsabilidade civil. Em lugar de ajuizar cada autor a sua ação, utilizam-se do litisconsórcio ativo e, em uma só ação, demandam como litisconsortes o mesmo réu.
A última hipótese, aquela é o vínculo é o mais tênue possível, ocorre quando se configura uma mera afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito. Nessa hipótese, não há sequer conexão, o que significa dizer que não há nenhuma relação de identidade no que se refere aos elementos da ação (partes, causa de pedir e pedido), mas há uma afinidade, ou seja, algum ponto de contato que forma ou a causa de pedir ou o pedido, como se dá, por exemplo, em matéria tributária quando dois contribuintes estejam a questionar a base de cálculo de um mesmo tributo, possibilitando nesse caso a formação do litisconsórcio ativo facultativo, obtendo as vantagens que resultam do rateio dos gastos com a ação, inclusive honorários de advogado.
Note o leitor que o artigo 113 do CPC/2015 reduziu o número de hipóteses de cabimento do litisconsórcio, não prevendo a hipótese que compunha o inciso II do artigo 46 do CPC/1973, que previa o litisconsórcio quando os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito, situação que está abarcada ou na comunhão de direitos e obrigações ou na conexão entre causa de pedir ou pedido.
A propósito da relação entre litisconsórcio e o instituto da conexão, observemos que o litisconsórcio no caso em que, existisse mais que uma demanda e se configuraria a conexão, parte da mesma ideia de que o CPC/2015 aplica quando fixa a regra da prorrogação da competência em caso de conexão, ou seja, de que as causas devam ser reunidas e processadas e julgadas por apenas um juiz, quando se trate de competência relativa (CPC/2015, artigo 54) Pois bem, no caso do litisconsórcio, trata-se dessa mesma ideia: a de que um só juiz julgue todas as demandas, apenas com a particularidade de que essas demandas, no caso do litisconsórcio, compõem um só processo.
“Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
§ 1º O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2º O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar.”
Comentários: falemos agora da possibilidade de limitação no número de litisconsortes no litisconsórcio facultativo, de que tratam os parágrafos 1o. e 2o. do artigo 113.
Parte da doutrina e da jurisprudência, utilizando do que os dicionários em geral conferem à palavra “multitudinário” (o que é relativo ou próprio a uma multidão), denominam, pois, de “litisconsórcio multitudinário” aquele em que deva o juiz limitar o número de litisconsortes.
Não se cuida de uma novidade trazida com o CPC/2015, porque o artigo 46, parágrafo único, do CPC/1973 já concedia ao juiz o poder de limitar o número dos litisconsortes, na hipótese em que esse número pudesse comprometer a rápida solução do litígio, ou mesmo dificultar a defesa.
Importante observar que essa limitação somente pode ser aplicada ao litisconsórcio facultativo, porque no litisconsórcio necessário a presença de todos os litisconsortes, independentemente de seu número, é indispensável (daí, aliás, o nome de “necessário” a esse tipo de litisconsórcio).
A partir de que número de litisconsortes admite-se a limitação? O artigo 113, parágrafo 1o., do CPC/2015 não fixa qualquer número, concedendo ao juiz o poder discricionário de fixar no caso em concreto a limitação. Atos normativos emitidos por tribunais podem, quando muito, fixar critérios mais gerais nessa matéria, fixando um número máximo de litigantes em uma ação, mas sem retirar o poder do juiz de, no caso em concreto, decidir de modo diferente da regulação normativa.
A limitação ao número de litisconsortes pode ser decidida de ofício pelo juiz, ou a requerimento da parte. Basta o requerimento da parte quanto à análise da limitação para que se faça interromper (e não suspender) o prazo para manifestação ou resposta, de acordo com o que prevê o parágrafo 2o. do artigo 113. Esse prazo recomeça (integralmente) no momento em que a decisão acerca da limitação for proferida.
E a questão da prevenção? Suponha-se que 40 autores tenham, em litisconsórcio facultativo, ajuizado uma ação, e o juiz decida que esse número é excessivo, determinando, pois, que se limite a 30 autores o número máximo na ação. 10 autores serão, pois, excluídos daquela ação e poderão compor, em litisconsórcio facultativo, uma outra ação, ou ajuizarem cada qual a sua ação. A questão que surge nesse contexto diz respeito ao juiz natural, ensejando a dúvida se o juiz para o qual a primeira ação (a que era integrada pelos 40 autores) fixou a sua prevenção para a ação em que estão os 10 autores excluídos da primeira ação, ou ainda para a ação individual ajuizada por cada um desses dez autores. Não há uma posição jurisprudencial consolidada a respeito. Há quem entenda que se deva aplicar o artigo 58 do CPC/2015 – que trata da reunião de ações conexas -, por considerar que o litisconsórcio ativo facultativo decorre da conexão pelo pedido ou causa de pedir, segundo o artigo 113, inciso II, do CPC/2015, e isso bastaria para determinar a reunião das ações. Mas a conexão é causa de modificação da competência, o que significa que um juiz que não seria competente para uma determinada ação passa a ser competente em razão de um vínculo que existe entre duas ou mais ações. Mas no caso da limitação ao número de litisconsortes não se trata de prorrogar competência, senão que fixar como prevento o juiz ao qual a primeira ação foi distribuída, reconhecendo-lhe, pois, ser o juiz natural para a ação formada pelos litisconsortes excluídos em razão da limitação ao número de litisconsortes. Nesse sentido, a posição de DINAMARCO, que, em suas “Instituições de Direito Processual Civil” (v. I, p . 653), afirma que “Sendo desmembrado um processo em dois ou vários, como no caso do litisconsórcio multitudinário (…), o juízo permanece prevento e portanto competente para todos”.
“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes”.
Comentários: diversamente do que sucedia no CPC/1973, que, em seu artigo 47, tratava a um só tempo e sem razão tanto do litisconsórcio necessário quanto do litisconsórcio unitário (“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”), o CPC/2015 regula de modo separado essas duas modalidades de litisconsórcio, que não se confundem, porquanto pode existir litisconsórcio necessário que não seja uniforme (unitário), ou seja, quando por disposição de lei ou em razão da natureza da relação jurídico-material exija-se a presença na relação jurídico-processual de todos os litisconsortes, conquanto não exista a obrigatoriedade de o juiz decidir a demanda de modo unitário para todos os litisconsortes.
No regime do litisconsórcio unitário, a decisão deve ser a mesma para todos os litisconsortes, o que significa dizer que, no litisconsórcio unitário, não há autonomia de posição processual entre os litisconsortes, cujo destino está umbilicalmente ligado, de maneira que o que se decidir a um, decidir-se-á a todos.
Correto dizer, portanto, que onde há litisconsórcio unitário, há litisconsórcio necessário, mas o contrário não é verdadeiro, ou seja, pode haver litisconsórcio necessário não unitário, quando a presença na relação de todos os litisconsortes é necessária, mas o destino de cada um na demanda pode não ser o mesmo. De modo que se deve fazer a necessária distinção entre um e outro, chamando de litisconsórcio necessário aquele em que a presença de todos os litisconsortes na relação jurídico-processual for indispensável, sob pena de se declarar nulo o processo, e chamando de litisconsórcio necessário unitário aquele em que, além da presença de todos os litisconsortes na relação jurídico-processual, a sentença terá que ser a mesma para todos os litisconsortes.
DINAMARCO, em indispensável monografia destinada ao litisconsórcio, produzida ao tempo em que estava em vigor o CPC/1973, mas que é ainda de grande valia no estudo do instituto mesmo sob a roupagem que lhe foi dada pelo CPC/2015, observa que o artigo 46 do CPC/1973 tivera origem direta no código de processo civil alemão, em que se previa que o litisconsórcio necessário caracterizava-se quando “a relação jurídica controvertida tiver que ser decidida de modo uniforme para todos os litisconsortes”, ou ainda quando litisconsórcio seja necessário por outra causa. Note-se que, na primeira parte dessa regra, estava previsto o litisconsórcio necessário e unitário, enquanto na parte final estava previsto o litisconsórcio necessário não unitário. A uma incorreta compreensão dessa norma legal é que se atribui o fato de o artigo 46 do CPC/1973 ter aglutinado, em um só enunciado, as duas modalidades de litisconsórcio, sem o cuidado de as diferenciar como fazia a norma do direito alemão. O CPC/2015 corrigiu essa imperfeição, dispondo do litisconsórcio necessário no artigo 114, e o litisconsórcio necessário unitário no artigo 116 (“O litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes”).