DEMOCRACIA, MAS QUAL DEMOCRACIA?

DEMOCRACIA, MAS QUAL DEMOCRACIA? Valentino Aparecido de Andrade

É sempre louvável que nos preocupemos em manifestar nosso apreço e zelo pela democracia e por sua manutenção. Saudável, para dizer o mínimo, que acadêmicos, juristas e empresários afirmem, com toda a veemência, que querem que nossa democracia seja mantida, do a quem doer. E de resto todos assim queremos.

Mas de que democracia estão eles a falar? Haveria, pois, uma só democracia que possa ser defendida ao mesmo tempo por acadêmicos, juristas e empresários?

Há entre essas três posições acadêmicas, jurídicas e econômicas pontos de contato tão estreito que possam dar coesão a um manifesto em favor da democracia como o que os jornais vêm de noticiar ter sido feito nos dias de hoje?

Não estará cada grupo, de um lado os acadêmicos, doutro os juristas, e ainda os empresários em sua posição de interesse, a defender uma ideia específica de democracia, em tão dissociado grau de distância de um para outro lado, que não seria inapropriado chamar tudo pelo nome de “democracia”?

Não seria necessário, antes de mais nada, dizer de que democracia estão a falar, e por qual democracia manifestam apoio? Vem a propósito lembrar o que diz o juspublicista, AGUSTIN GORDILLO, amparado em HOSPERS: “as palavras não são mais que rótulos nas coisas: colocamos rótulos nas coisas para que possamos falar delas e, daí por diante as palavras não têm mais relação com as coisas, do que as que têm rótulos de garrafas com as próprias garrafas. ‘Qualquer rótulo é conveniente na medida em que nos ponhamos de acordo com ele e o usemos de maneira consequente. A garrafa conterá exatamente a mesma substância, ainda que coloquemos nela um rótulo distinto, assim como a coisa seria a mesma ainda que usássemos uma palavra diferente para designá-las”. (“Princípios Gerais de Direito Público).

Donde a necessidade de que estabeleçamos previamente o sentido daquilo que estivermos a dizer, sobretudo quando se trata de uma palavra com uma textura tão aberta como é a palavra “Democracia”.

Em rico livro, mas infelizmente pouquíssimo conhecido no Brasil, o constitucionalista português, VITAL MOREIRA, escreveu sobre a “Ordem Jurídica do Capitalismo”, e logo no intróito fez questão de ressaltar que há diversos tipos de capitalismo, como também são várias as formas jurídicas pelas quais um ordenamento jurídico pode regular o capitalismo como sistema social e como fato econômico. Há, pois, “capitalismos”, como também há “Democracias”, cuja ideia geral é formada por um núcleo histórico, quando compreendemos que se trata do “governo do povo e pelo povo exercido”. Mas há tantas formas pelas quais se pode implementar esse núcleo que é necessário que fixemos, de modo preciso, como vemos isso na prática. Sem isso, poderemos não estar a falar de uma mesma “Democracia”.

E para concluir, lembremos que, como dizia o primeiro-ministro da França entre 1954 e 1955, PIERRE MENDÈS-FRANCE, “A democracia é, antes de tudo, um estado de espírito” – e como todo estado de espírito, precisamos torná-lo concreto.