LEI ESTADUAL – SP 452/1974. LEGALIDADE DA CONTRIBUIÇÃO TRIBUTÁRIA RECONHECIDA
Processo número 1044563-10.2017
3ª. Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
Discute-se nesta ação se é válida a cobrança da contribuição prevista na Lei Estadual – SP de número 452/1974, que está a ser exigida do autor (…), policial militar em atividade, que, em resumo, invocando o artigo 5º., inciso XX, da Constituição da República de 1988, sustenta que ninguém pode ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, de modo que a contribuição em causa não pode ter o caráter compulsório.
Pleiteou e obteve a concessão de tutela provisória de urgência (folhas 8/10), cuja eficácia subsiste, não se registrando a interposição de recurso.
A ré, CAIXA BENEFICENTE DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO, citada, contestou, argumentando que há se considerar a natureza tributária da contribuição que está sendo exigida do autor, e que essa contribuição foi instituída por Lei com a finalidade de arrecadar receita destinada a manter em funcionamento os serviços de assistência médico-hospitalar, colocados à disposição dos policiais militares, em atividade ou não, e de seus dependentes, e que esses serviços estão inseridos em um regime jurídico próprio, que não se confunde com um “convênio médico”, erigindo a Lei o policial militar como contribuinte obrigatório ao custeio desses serviços, em condições semelhantes ao que se dá com o que é cobrado dos servidores públicos civis.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
De fato, a nossa Constituição de 1988, ao garantir a liberdade de associação, erigiu quatro direitos fundamentais, dentre os quais o direito subjetivo de não ser obrigado a associar-se, ou o de poder desligar-se de uma associação, quando assim se o quiser. É o que prevê o artigo 5º., inciso XX, da Carta de 1988. Mas para bem compreender qual o conteúdo desse direito, é necessário, por óbvio, fixar o conceito de “associação”, e para isso nos valemos da lição de PONTES DE MIRANDA, citada por JOSÉ AFONSO DA SILVA:
“Associação é – no dizer de Pontes de Miranda – ‘toda coligação voluntária de algumas ou de muitas pessoas físicas, por tempo longo, com o intuito de alcançar algum fim (lícito), sob direção unificante. (…)”. (Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 235, 6ª. edição, RT).
Daí se pode, sem grande dificuldade, depreender que a relação jurídico-material que forma esta ação nada tem a ver com o direito fundamental de não ser obrigado a associar-se ou de manter-se associado, que o autor invoca. Com efeito, a contribuição que se lhe está a exigir, bem assim de qualquer policial militar do Estado de São Paulo, não tem causa ou relação, direta ou indireta, com o instituto jurídico da associação, mas sim com o custeio de um sistema de assistência médico-hospitalar que, gerido pela ré, está à disposição dos policiais militares em atividade ou reformados, e de seus dependentes, tendo a Lei Estadual – SP de número 452/1974 instituído uma contribuição para o custeio desse sistema.
Contribuição que possui natureza tributária e que tem base no artigo 149, parágrafo 1º., da Constituição da República de 1988.
A questão que se coloca, depois que a Emenda constitucional de número 41/2003 modificou o texto desse parágrafo, diz com o definir se o conceito de “regime previdenciário” abarca o regime de assistência médico-hospitalar, para cujo custeio a contribuição em causa foi criada. É que a partir da Emenda 41 o Legislador suprimiu a referência a “sistema de assistência social”, para se referir apenas a “regime previdenciário”, daí surgindo a dúvida quanto a poder o Estado cobrar de seus servidores contribuição destinada ao custeio de um regime de assistência médico-hospitalar.
E a resposta é afirmativa.
Com efeito, o que a Emenda constitucional de número 41 fez foi tornar consentâneo com o conceito de “previdência social”, estabelecido no artigo 201 da Constituição de 1988, a hipótese de incidência da contribuição especial destinada ao custeio de um sistema que busca dar proteção a eventos de doença em geral a que o servidor público e seus dependentes estejam submetidos, o que abrange o tratamento de assistência médico-hospitalar.
Importante observar que no conceito legal de “assistência social”, fixado no artigo 203 da Constituição de 1988, esse objetivo (o do tratamento de assistência médico-hospitalar) não estava ali previsto, porquanto se previa que a assistência social tinha por objetivo:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Destarte, porque a cobertura a eventos de doença não estava compreendida no conceito legal de “assistência social”, o Legislador modificou a redação do parágrafo 1º. do artigo 149, precisando melhor o que se deve compreender no conceito legal de “regime previdenciário”, que dentro de um conceito mais amplo – o de “seguridade social”, estabelecido no artigo 194 da Constituição de 1988 –, abarca não apenas os institutos da aposentação e de pensão por morte, mas também o destinado a propiciar ao servidor público e a seus dependentes um tratamento médico-hospitalar.
Assim, se o Estado cria um sistema de atendimento médico-hospitalar, e o coloca à disposição de seus servidores públicos e dependentes econômicos, pode instituir a cobrança de uma contribuição especial, cuja receita deve ser destinada a manter esse sistema, tratando-se, pois, de uma contribuição especial de natureza tributária, o que significa dizer, uma contribuição de natureza compulsória.
De forma que a contribuição prevista na Lei Estadual – SP de número 452/1974 possui natureza tributária e tem previsão no artigo 149, parágrafo 1º., da Constituição da República de 1988, possuindo, pois, caráter compulsório, porque basta que o serviço exista e esteja à disposição do policial militar e de seu dependente, para que a exação seja válida.
E como argumenta a ré, não se há equiparar esse sistema de assistência médico-hospitalar a um plano privado de saúde, como também não desnatura o tratar-se de uma contribuição especial de natureza tributária ter a ré optado por firmar um convênio, transferindo a uma outra entidade (Cruz Azul de São Paulo) a administração dos serviços de assistência médico-hospitalar, serviços que continuam a ser inseridos no regime jurídico de previdência social, tal como os concebe a Constituição de 1988, e colocados à disposição dos policiais militares do Estado de São Paulo.
Do que se conclui que a norma da Lei Estadual – SP de número 452/1974, foi, sim, recepcionada pela Constituição de 1988, ainda que se considere a Emenda constitucional de número 41, e por isso a contribuição especial destinada à mantença e subsistência de um serviço de assistência médico-hospitalar, que está à disposição do autor e de seus dependentes econômicos – essa contribuição, portanto, é perfeitamente legal, e pode ser exigida do autor, cuja pretensão neste processo é assim declarada improcedente.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCEDENTE o pedido, declarando extinto este processo, com resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil. Cessa imediatamente a eficácia da tutela provisória de urgência. Comunique-se a ré para as adequadas providências, decorrentes dessa situação processual.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado. Cabe adscrever que a gratuidade foi-lhe negada (folha 8).
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 4 de outubro de 2017.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO