PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
28ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO
APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE
SENTENÇA ARBITRAL. CONTRATO DE
LOCAÇÃO RESIDENCIAL.
INADIMPLEMENTO DA LOCATÁRIA.
CÂMARA ARBITRAL QUE DECRETOU
RESCINDIDO O CONTRATO, FIXANDO
PRAZO À DESOCUPAÇÃO VOLUNTÁRIA.
SENTENÇA QUE DECLAROU NULA A
EXECUÇÃO, POR ENTENDER O JUÍZO DE
ORIGEM QUE, MALGRADO SE TRATE DE
UMA RELAÇÃO DE LOCAÇÃO, HÁ UM
ASPECTO QUE A SINGULARIZA E QUE
RADICA NO TER HAVIDO UMA
INTERMEDIAÇÃO REALIZADA POR
EMPRESA QUE SE DEDICA A ESSE TIPO DE
NEGÓCIO, CARACTERIZANDO-SE, POIS,
UMA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, O QUE FAZ
QUALIFICADA A LIDE COMO DE
CONSUMO, E RECONHECIDA PELO JUÍZO
DE ORIGEM NESSE CONTEXTO A
ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA
CONTRATUAL QUE IMPÕE A
ARBITRAGEM.
SUBSISTENTE O APELO DA AUTORA. NÃO
CARACTERIZAÇÃO DE RELAÇÃO DE
CONSUMO.
CONTRATO DE LOCAÇÃO. RELAÇÃO
JURÍDICO-MATERIAL QUE NÃO SE
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QUALIFICA COMO DE CONSUMO, AINDA
QUE O FUNDAMENTO DA PRETENSÃO
DIGA RESPEITO A UMA SITUAÇÃO QUE SE
PODERIA QUALIFICAR COMO DE
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO, TRATANDO-SE,
CONTUDO, DE UMA SITUAÇÃO QUE ESTÁ
ENFEIXADA NO CONTEXTO DA RELAÇÃO
DE LOCAÇÃO.
CONTRATO QUE EXPRESSAMENTE PREVÊ
CLÁUSULA QUE SUBMETE QUALQUER
LITÍGIO QUE ENVOLVA A LOCAÇÃO À
ARBITRAGEM (CLÁUSULAS 18 E 19).
CLÁUSULAS REDIGIDAS DE MANEIRA
CLARA, O QUE PERMITIU AO LOCATÁRIO
PUDESSE TER PERFEITA INTELECÇÃO
DAQUILO QUE CONTRATAVA.
CLÁUSULA QUE É VÁLIDA, NÃO
DESATENDENDO AO PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. ARBITRAGEM
QUE POSSUI LEI QUE A REGULA NO
BRASIL, E CUJAS NORMAS, FIXADAS EM
RESPEITO À GARANTIA A UM PROCESSO
JUSTO, SÃO CONSTITUCIONAIS, COMO DE
HÁ MUITO A JURISPRUDÊNCIA
RECONHECE.
SENTENÇA REFORMADA. APELO
PROVIDO. EXECUÇÃO QUE É VÁLIDA E
QUE COM TAL DEVE PROSSEGUIR, COM O
CUMPRIMENTO DO ATO DE DESPEJO,
OBSERVADAS AS CAUTELAS DE PRAXE À
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EXECUÇÃO DESSE TIPO DE ATO.
ENCARGOS DE SUCUMBÊNCIA, SEM A
MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS DE
ADVOGADO.
RELATÓRIO
Em apertada síntese, a requerente, (…), ajuizou pedido
de cumprimento de sentença arbitral contra (…), visando à retomada
do imóvel objeto de contrato de locação residencial firmado entre as
partes. O contrato previa cláusula compromissória, submetendo
eventuais litígios à arbitragem. Diante do inadimplemento contratual
por parte da locatária, especialmente o não pagamento dos aluguéis e
encargos referentes a diversos meses, foi instaurado procedimento
arbitral junto à Câmara competente, o qual culminou em sentença de
mérito que declarou a rescisão contratual e determinou a desocupação
voluntária do imóvel no prazo de 15 dias. Apesar do trânsito em
julgado da sentença, a ré não cumpriu a ordem de desocupação,
persistindo na posse do bem. Diante disso, a autora requer ao Poder
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Judiciário o cumprimento forçado da sentença arbitral, mediante a
expedição de mandado único de notificação para desocupação
voluntária e, caso não cumprida, a realização do despejo compulsório,
com a devida cientificação de eventuais ocupantes. O pedido encontra
amparo no artigo 515, VII, do CPC, que confere à sentença arbitral a
natureza de título executivo judicial.
Na impugnação ao cumprimento de sentença
apresentada, (…) sustenta, inicialmente, que não foi devidamente
intimada no processo arbitral que culminou na sentença que
determinou seu despejo por inadimplemento de aluguéis, o que,
segundo alega, compromete a validade do procedimento e configura
cerceamento de defesa. A impugnação destaca que a intimação feita
por meio eletrônico não teve confirmação de recebimento, tampouco
houve qualquer prova de ciência da impugnante quanto ao andamento
do procedimento ou à prolação da sentença. Argumenta-se, ainda, que
o contrato que deu origem à cláusula compromissória de arbitragem é
de adesão e caracteriza uma relação de consumo, uma vez que foi
intermediado por uma imobiliária (QuintoAndar), o que, à luz do
Código de Defesa do Consumidor, tornaria nula a cláusula arbitral.
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Assim, a sentença arbitral careceria de força executiva e não poderia
embasar o cumprimento de sentença em curso.
Ademais, a impugnante requer a suspensão da ordem
de despejo, pleiteando a designação de audiência de conciliação ou,
alternativamente, a dilação do prazo para desocupação para 180 dias,
diante de sua situação de vulnerabilidade socioeconômica e em
atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana. Requer também
os benefícios da justiça gratuita, com a contagem em dobro dos prazos
processuais, por estar representada por entidade conveniada à
Defensoria Pública, além de que as futuras intimações sejam
direcionadas ao advogado indicado. Por fim, pede a condenação da
exequente ao pagamento das custas e honorários de sucumbência,
protestando por todos os meios de prova admitidos em direito.
A manifestação apresentada por (…), no cumprimento
de sentença arbitral contra (…), defende a legitimidade e eficácia da
sentença proferida pela Câmara de Arbitragem, a qual reconheceu a
validade da cláusula compromissória inserida no contrato de locação
celebrado entre as partes por intermédio da plataforma QuintoAndar.
Sustenta que, diante do inadimplemento contratual por parte da
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locatária — que deixou de pagar os aluguéis e demais encargos —, foi
instaurado procedimento arbitral regularmente conduzido, com citação
eletrônica válida, conforme pactuado pelas partes. Apesar de
notificada, a locatária permaneceu inerte, resultando em sentença
arbitral que determinou a desocupação do imóvel, decisão que
transitou em julgado. (…) alega que a sentença arbitral tem os mesmos
efeitos da sentença judicial, estando acobertada pela coisa julgada
material, e não pode ser desconsiderada ou revista no âmbito do
cumprimento judicial, especialmente sem observância do
procedimento próprio previsto na Lei de Arbitragem. Invoca ainda
jurisprudência do STJ e do TJSP no sentido de que a jurisdição estatal,
em casos como este, limita-se à adoção de medidas executivas,
cabendo ao juízo arbitral decidir sobre a relação contratual. Assim,
reafirma que o juízo estatal deve apenas dar efetividade à sentença
arbitral, sem reexame do mérito ou da validade da cláusula
compromissória, cujo exame já foi esgotado no juízo competente. A
manifestação sustenta, portanto, que é devida a execução da sentença
arbitral e a imediata retomada do imóvel pela locadora.
Além disso, (…) defende a validade da citação
eletrônica realizada à Executada com base no contrato de locação
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firmado entre as partes e nos artigos 246 e 190 do Código de Processo
Civil. Sustenta que a Executada foi regularmente notificada por e-
mail, conforme endereço fornecido quando da celebração do contrato,
e que essa forma de comunicação foi prevista contratualmente e aceita
pelas partes. Afirma que a sentença arbitral foi proferida com
regularidade, tendo a Executada ciência inequívoca do procedimento,
mas optado por não se manifestar, não podendo, portanto, alegar
nulidade. Alega ainda que o contrato foi assinado eletronicamente, o
que reforça a validade de todos os atos subsequentes, inclusive a
citação. (…) destaca precedentes dos Tribunais de Justiça de São Paulo
e do Rio Grande do Sul que reconhecem a legitimidade da citação
eletrônica em procedimentos arbitrais. Argumenta que a Executada
apenas tenta tumultuar o processo e atrasar o cumprimento da
sentença arbitral já transitada em julgado, razão pela qual requer a
expedição do mandado de despejo coercitivo. Na parte final, sustenta
a impossibilidade de concessão de efeito suspensivo à impugnação
apresentada pela Executada, pois não há demonstração de quitação
dos débitos ou qualquer probabilidade de direito. Conclui requerendo
a rejeição da impugnação, a juntada de acórdãos sobre o tema e o
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prosseguimento da execução com o despejo da Executada e de
eventuais ocupantes do imóvel.
(…) apresentou manifestação, em atenção à
determinação judicial, para defender a validade da cláusula
compromissória prevista no contrato de locação firmado com (…) e a
regularidade do procedimento arbitral conduzido pela Câmara
Arbitral, que resultou em sentença arbitral determinando a
desocupação do imóvel alugado. Relata que, diante do
inadimplemento contratual por parte da locatária, ajuizou
procedimento arbitral, no qual esta foi regularmente notificada por e-
mail, conforme estipulado no contrato, mas permaneceu inerte,
culminando em decisão arbitral favorável à exequente. Ressalta que a
sentença arbitral transitou em julgado e, por isso, é revestida de coisa
julgada material, não podendo ser desconstituída ou revisitada no
âmbito do cumprimento de sentença judicial, por força dos artigos 31
e 33 da Lei de Arbitragem. Defende, ainda, que a relação locatícia
possui natureza civil, afastando-se a aplicação do Código de Defesa
do Consumidor, e que, mesmo que houvesse alegação de nulidade da
cláusula compromissória, essa discussão já foi superada no juízo
arbitral, conforme a regra da kompetenz-kompetenz, que atribui ao
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árbitro a competência para analisar a validade da convenção arbitral.
Destaca precedentes do STJ e do TJSP que reconhecem a legitimidade
da arbitragem em contratos de locação intermediados pela plataforma
QuintoAndar, firmados por partes capazes e com objeto lícito. Conclui
que o juízo estatal é competente apenas para a efetivação da sentença
arbitral, sendo incabível qualquer reexame de mérito ou
questionamento da jurisdição arbitral nesta fase executiva.
A sentença, prolatada nos autos sob fls. 337/341,
analisou o pedido de cumprimento de sentença arbitral formulado por
(…) contra (…), decorrente de contrato de locação firmado com
intermediação da plataforma Quinto Andar. A autora alegava
descumprimento contratual por parte da locatária e requeria o despejo
coercitivo do imóvel, diante da suposta inércia da ré em cumprir a
ordem arbitral de desocupação. A ré, por sua vez, impugnou o
cumprimento, questionando a validade da cláusula arbitral, apontando
cerceamento de defesa e violação a princípios constitucionais como o
contraditório e o devido processo legal.
Na fundamentação, o juízo reviu posicionamento
anterior e acolheu a impugnação, concluindo pela nulidade da cláusula
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compromissória. Destacou-se que, embora contratos de locação
possam, em regra, conter cláusula de arbitragem válida, o caso
analisado era peculiar, pois a relação contratual entre locador e
locatário era inteiramente intermediada pelo Quinto Andar, empresa
que detém o controle tecnológico da negociação, redige os contratos e
representa judicialmente o locador. O juiz entendeu que a atuação
dessa plataforma configura uma típica relação de consumo, em que há
imposição unilateral da arbitragem, sem possibilidade de negociação
ou real manifestação de vontade por parte do locatário,
caracterizando-se vulnerabilidade e afronta ao artigo 51, VII, do
Código de Defesa do Consumidor, que proíbe a arbitragem
compulsória.
Ademais, a sentença arbitral foi proferida à revelia da
parte executada, sem comprovação nos autos de que tenha havido
ciência efetiva do procedimento arbitral, o que reforçou a
ilegitimidade da execução. O magistrado também criticou a
sistemática recorrente de procedimentos arbitrais promovidos pelo
Quinto Andar em câmaras específicas, sempre com decisões
proferidas à revelia dos locatários e posteriormente executadas pelo
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Judiciário, o que compromete a credibilidade e imparcialidade dos
atos.
Diante de tais fundamentos, o juízo acolheu a
impugnação ao cumprimento de sentença, declarou a nulidade da
sentença arbitral, revogou a ordem liminar de despejo e determinou a
extinção do feito com base no artigo 485, inciso IV, do Código de
Processo Civil. Condenou ainda a parte exequente ao pagamento das
custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em
R$3.000,00. Com o trânsito em julgado, autorizou à parte executada a
instauração de incidente para cobrança das verbas de sucumbência.
Então, interposta a presente apelação sob fls. 344/370,
em que, inconformada, insurge-se a parte autora, ora recorrente,
contra a r. sentença de primeiro grau que, de ofício, extinguiu a
demanda executiva para a retomada de posse do imóvel em razão de
uma decisão arbitral transitada em julgado. A questão central gira em
torno do cumprimento da sentença arbitral que determinou a
desocupação de um apartamento, em virtude do inadimplemento do
contrato de locação pela parte locatária, (…). O contrato de locação
firmado entre as partes previa a arbitragem como meio exclusivo de
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solução de disputas, conforme as cláusulas 21 e 22. No entanto, a
sentença do juízo de primeiro grau entendeu que a cláusula
compromissória seria nula, com base no argumento de que se trataria
de uma relação consumerista, o que implicaria na impossibilidade de
obrigar uma das partes a submeter-se à arbitragem.
A apelação refuta essa decisão, argumentando que o
juiz de primeiro grau desconsiderou o vínculo direto entre (…), a
locadora, e (…), a locatária, que havia concordado com a cláusula
compromissória de maneira válida e sem contestação no contrato. A
sentença, segundo (…), analisou indevidamente a relação do
QuintoAndar, empresa intermediadora do contrato, com as partes, ao
invés da relação locatícia direta entre as duas partes principais, onde a
arbitragem foi acordada. (…) alega que a decisão desconsidera a
natureza do acordo entre as partes e a sentença arbitral que já transitou
em julgado, sendo um título executivo judicial. Assim, a apelação
solicita a nulidade da sentença do juízo de primeiro grau, pois ele
violou a regra da congruência objetiva ao analisar uma questão
diferente da que lhe foi apresentada e ao decidir sobre o mérito de
uma cláusula compromissória validamente acordada entre locador e
locatário.
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Além disso, (…) alega que a sentença de primeiro grau
não poderia ter desconsiderado ou invalidado a decisão arbitral sem
seguir o procedimento adequado, conforme previsto na Lei de
Arbitragem (Lei 9.307/1996), que estabelece que a sentença arbitral
possui os mesmos efeitos de uma sentença judicial e só pode ser
contestada por meio de uma ação própria. A apelação argumenta que,
ao negar o cumprimento da sentença arbitral, o juízo de primeiro grau
ignorou a coisa julgada material, que é um princípio jurídico
fundamental.
Além disso, sustenta que a decisão de primeiro grau
deve ser reformada com base na violação da regra da kompetenz-
kompetenz, que confere ao juízo arbitral a competência para decidir
sobre a existência, validade e eficácia da cláusula compromissória.
Argumenta que, conforme o artigo 8º, parágrafo único, da Lei de
Arbitragem (Lei 9.307/1996), a decisão sobre a validade dessa
cláusula deve ser tomada pela arbitragem, especialmente quando já foi
validada pelo juízo arbitral competente. Em seu entendimento, o
Poder Judiciário não pode se pronunciar sobre a validade da cláusula
compromissória depois que o tribunal arbitral já se manifestou de
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forma definitiva e com sentença transitada em julgado, sendo
desnecessária a revisão ou contestação dessa decisão.
Além disso, o apelante reflete sobre a validade da
cláusula compromissória em contratos de locação, questionando a
interpretação do juiz de primeiro grau que considerou a cláusula como
inválida, ao alegar que o contrato implicava uma relação de consumo.
Para o apelante, não há relação de consumo entre o locador e o
locatário, já que a disputa envolve um contrato de locação de natureza
civil, não se aplicando, portanto, o Código de Defesa do Consumidor
(CDC). Ele defende que, apesar de o QuintoAndar ser uma plataforma
digital, a relação jurídica discutida é entre locador e locatário, sendo o
QuintoAndar uma intermediadora do processo.
O apelante também argumenta que, mesmo sendo um
contrato de adesão, a cláusula compromissória foi validamente
acordada, atendendo aos requisitos do artigo 4º, §2º, da Lei de
Arbitragem, com a devida concordância expressa das partes, destacada
em negrito e rubricada pelas partes contratantes. A sentença de
primeiro grau, na visão do apelante, não considerou que a cláusula
compromissória, inserida de forma clara e explícita, é válida e eficaz.
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Ainda, o apelante cita precedentes jurisprudenciais,
incluindo uma decisão recente da 27ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo, que reafirma a validade da cláusula
compromissória em contratos de locação, inclusive reconhecendo a
regularidade do procedimento arbitral em uma investigação preliminar
conduzida pelo Ministério Público de Minas Gerais. Ele destaca que a
cláusula compromissória oferece vantagens para as partes
contratantes, como a celeridade e a simplificação do processo,
especialmente com a possibilidade de realização do procedimento
arbitral integralmente online.
Em suma, o apelante solicita a reforma da sentença
para que a demanda executiva seja admitida e processada,
determinando o cumprimento imediato da sentença arbitral, com a
efetivação do direito da parte locadora de retomar o imóvel conforme
reconhecido na sentença arbitral.
O Agravo de Instrumento às fls. 445/450, interposto
por (…) visa a contestar a decisão que determinou o despejo liminar da
agravante no cumprimento de sentença arbitral movido por (…). A
agravante alega que não recebeu a notificação eletrônica do processo
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arbitral, o que seria uma irregularidade a ser combatida em
impugnação ao cumprimento de sentença. Argumenta ainda que a
decretação do despejo sem antes analisar a impugnação prejudica seu
direito de defesa, pois a medida liminar impede o exercício do
contraditório e da ampla defesa.
O juiz relator, no entanto, entendeu que o recurso não
merece ser conhecido. A análise da irregularidade alegada pela
agravante deveria ocorrer no âmbito da impugnação ao cumprimento
de sentença, e não por meio do agravo de instrumento, o que
configuraria supressão de instância, conforme precedente do Tribunal
de Justiça. A agravante não apresentou argumentos convincentes para
que fosse necessário conceder-lhe oportunidade para cumprir a
sentença com o pagamento do valor antes do despejo, sendo
irrelevante, para a validade do procedimento arbitral, a comprovação
da intimação eletrônica.
Em face disso, o recurso foi considerado incabível e,
por conseguinte, não foi conhecido. Além disso, o voto advertiu sobre
a possibilidade de litigância de má-fé caso a agravante interponha
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embargos de declaração sem fundamento, com o intuito de protelar a
resolução do processo.
As contrarrazões apresentadas no caso envolvem a
defesa da sentença que acolheu a impugnação ao cumprimento de
sentença, declarando a nulidade da sentença arbitral e revogando a
liminar de despejo. A apelante alega que o juízo de primeiro grau
analisou uma relação jurídica diversa da que foi submetida à análise,
além de contestar a decisão sobre a validade da cláusula
compromissória e a competência do juízo para tratar da questão.
Contudo, a parte contrária defende que o juiz de primeiro grau agiu
corretamente ao considerar nula a cláusula compromissória,
destacando que a relação envolvia uma empresa intermediadora que
não pode ser dissociada da locação. Afirma-se ainda que o contrato
não é típico, sendo um contrato de adesão, e que a parte locatária
estava em situação de vulnerabilidade. A argumentação destaca a
incompetência do juízo arbitral em contextos onde há lesão de direitos
e a ausência de acesso claro às informações nas arbitragens, o que
comprometeria o contraditório e a ampla defesa. Assim, as
contrarrazões sustentam que não há fundamentos para modificar a
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decisão de primeiro grau, devendo o recurso ser desprovido e a
sentença mantida integralmente.
Recurso tempestivo e preparado.
As contrarrazões foram apresentadas às fls. 451/456.
Houve oposição ao julgamento virtual às fls. 460.
FUNDAMENTAÇÃO
Dá-se provimento ao apelo.
Estabelecida entre as partes como sistema alternativo
para a solução de conflitos envolvendo direitos patrimoniais
disponíveis, a arbitragem, uma vez convencionada (seja na forma de
cláusula compromissória ou de compromisso arbitral), implica
renúncia à jurisdição estatal, cabendo ao árbitro, e somente a ele, de
ofício ou não, pela aplicação do princípio positivado no parágrafo
único do artigo 8º da Lei n. 9.307/1996, a decisão sobre sua própria
competência, decidindo questões acerca da existência, validade e
eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a
cláusula compromissória.
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Trata-se de principiologia com força normativa
encontrada, inclusive, no artigo 485, inciso VII, segunda parte, do
CPC/2015, que de modo imperativo dispõe que “[…] o juiz não
resolverá o mérito quando acolher a alegação de existência de
convenção de arbitragem ou quando o juízo arbitral reconhecer sua
competência”.
Vale dizer, observados os requisitos estipulados pela
Lei n. 9.307/1996, em especial seu artigo 4º, a cláusula
compromissória de arbitragem impede resolva a jurisdição estatal o
mérito do processo e estabelece a primazia do juízo arbitral para a
análise sobre a existência, validade e eficácia da convenção de
arbitragem e do contrato que estabeleça a cláusula compromissória.
A propósito dessa primazia (e também sobre a força
vinculante e de caráter obrigatório da convenção de arbitragem,
porque aqui pertinente), confira-se o que já se decidiu no âmbito do
egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ, “Jurisprudência em Teses”,
edição n. 122, de 05-04-2019, teses 3 e 1, respectivamente):
“A previsão contratual de convenção de
arbitragem enseja o reconhecimento da
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competência do Juízo arbitral para decidir com
primazia sobre Poder Judiciário, de ofício ou por
provocação das partes, as questões relativas à
existência, à validade e à eficácia da convenção de
arbitragem e do contrato que contenha a cláusula
compromissória.”
“A convenção de arbitragem, tanto na modalidade
de compromisso arbitral quanto na modalidade de
cláusula compromissória, uma vez contratada
pelas partes, goza de força vinculante e de caráter
obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a
competência para dirimir os litígios relativos aos
direitos patrimoniais disponíveis, derrogando-se a
jurisdição estatal.”
No caso em questão, previu-se de maneira expressa no
contrato que qualquer controvérsia acerca da relação de locação
deveria ser submetida à arbitragem.
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Trata-se de uma cláusula válida, firmada, pois, com
base em um instituto – o da arbitragem – que, no Brasil, conta com
uma lei que o regula, tendo o Legislador cuidado observar a garantia a
um processo justo, conforme a jurisprudência de há muito reconhece.
Destarte, tratando-se de uma cláusula redigida de
maneira clara, não há questionar tenha tido a locatária o perfeito
conhecimento do que havia contratado, sobretudo quanto à
prevalência da arbitragem.
Cláusula que não colocou a esfera jurídica da ré-
apelante diante de uma desproporcional carga de sacrifício, porque,
como dito, a arbitragem conta no Brasil com uma lei que a regula,
nomeadamente quanto àquelas mesmas garantias que os litigantes em
geral contam em face do processo judicial.
E o processo que teve lugar perante câmara de
arbitragem observou as garantias legais, como ocorre com o processo
judicial.
Importante também observar que a relação de locação
não se caracteriza como uma relação de consumo, ainda que o
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fundamento da pretensão, como neste caso, diga a respeito a uma
situação que poderia ser qualificada como de prestação de serviço,
mas que não deixa de ser um reflexo da relação de locação.
Diante desse contexto, reconhecendo-se válida e eficaz
a r. sentença emanada da câmara arbitral, não cabe senão que executá-
la quanto ao ato de despejo, e para tanto a execução deve prosseguir,
ordenando o juízo de origem que ocorra o despejo, observadas, como
sói deve ocorrer, as cautelas que são inerentes a esse tipo de ato.
Por meu voto, dá-se provimento a este recurso de
apelação, devendo a execução – que é válida – prosseguir com o
cumprimento do ato de despejo, observados os cuidados de praxe.
Condena-se a ré apelada no pagamento da taxa
judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir
do respectivo desembolso, condenada a ré também em honorários de
advogado, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à
execução, com correção monetária desde seu ajuizamento. Não se
aplica a regra do artigo 85, parágrafo 11, do CPC/2015.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
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