CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO. ARTIGO 192 – AUTUAÇÃO QUE NÃO DESCREVE A CONDUTA PRATICADA E QUE POR ISSO VIOLA O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUTUAÇÃO INVALIDADA

CÓDIGO NACIONAL DE TRÂNSITO. ARTIGO 192 (Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo). AUTUAÇÃO QUE NÃO DESCREVE A CONDUTA PRATICADA E QUE POR ISSO VIOLA O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. AUTUAÇÃO INVALIDADA

Processo número 1000157-78.2018

3ª. Vara do Juizado Especial de Fazenda Pública

Comarca da Capital

 

Vistos.

 

Questiona o autor, (…), qualificado a folha 1, a validez de autuação que lhe foi aplicada pelo DER – DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM, argumentando que o réu está a pretender dar validez a uma norma do Código Nacional de Trânsito que foi vetada, a do artigo 56, para tanto  indevidamente se utilizando do artigo 192 do mesmo Código, que, segundo o autor, não contém o mesmo conteúdo e alcance da norma vetada, não podendo por isso ter sido considerada como fundamento jurídico-legal para sancionar a conduta.

 

Citado, o réu contestou, defendendo a prevalência do poder de polícia que o Código Nacional de Trânsito conferiu-lhe, em função do qual lavrou contra o autor a autuação, que está descrita na autuação e que deve prevalecer.

 

Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.   

 

Quanto ao mérito da pretensão – que é procedente.

 

Um dos significativos avanços gerados pela Constituição de 1988 no campo do direito administrativo decorre de se ter feito estender às relações jurídicas que a Administração mantém com o particular a aplicação do princípio do devido processo legal, de modo que esse importante princípio, antes circunscrito ao processo judicial, deve também ser observado no procedimento administrativo.

 

Isso obriga a Administração a que detalhe, com suficiente clareza, que fato preciso considerou para instaurar o procedimento administrativo sancionatório, e como o valorou, de modo que faça cumprir o princípio do devido processo legal “formal” e “substancial”. Disso, contudo, não se desincumbiu o réu no caso presente. 

 

Com efeito, a autuação aplicada contra o autor limitou-se a reproduzir o texto do artigo 192 do Código Nacional de Trânsito (“Deixar de guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu veículo e os demais, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, no momento, a velocidade, as condições climáticas do local da circulação e do veículo”), sem detalhar em que específicas circunstâncias isso teria ocorrido, o que obrigava o agente da ré a indicar em que distância estava a transitar a motocicleta do autor em relação aos veículos que a ladeavam, de maneira que se pudesse apurar se a conduta efetivamente praticada subsume-se ou não à norma legal. Sem essa necessária descrição fática,  não se pode afirmar, com segurança, que a infração de trânsito terá ocorrido.

 

A autuação, como se vê de folha 41, restringiu-se a mencionar o texto legal do artigo 192, sem qualquer informação quanto às circunstâncias em que a infração ocorrera. 

 

A necessidade dessa descrição é nomeadamente reforçada pelo que o autor argumenta, no sentido de que o artigo 56 do Código Nacional de Trânsito fora vetado. Esse artigo, com efeito,  sancionava a condução de motocicleta entre veículos, de modo que a passagem de uma motocicleta entre veículos, diante do veto, só por si, não configura qualquer infração de trânsito, salvo quando se demonstre que a passagem da motocicleta entre veículos tenha sucedido em circunstâncias que poderiam demonstrar uma falta de segurança em face da pequena distância com os veículos que estavam ao lado da motocicleta, o que justifica e torna imperioso que o órgão de trânsito, quando invoca o artigo 192 do CTN, faça descrever, com suficiente clareza, as circunstâncias em que a conduta teria ocorrido.

 

Destarte, como o réu não fez observar o princípio do devido processo legal, tendo deixando de descrever as circunstâncias em que a conduta teria ocorrido, invalida-se a autuação, que não pode produzir contra a esfera jurídica do autor qualquer efeito. 

 

Reconhece-se ao autor, em consequência, o direito de receber, em restituição, o que pagará a título de multa aplicada na referida autuação, garantindo-se o direito de receber esse valor com incidência de correção monetária, contada desde o momento em que o pagamento ocorreu, computada a correção monetária pela Lei federal de número 11.960/2009. Juros de mora incidem desde a citação e devem ser contados também segundo a mencionada Lei federal.

 

POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE a pretensão, declarando a invalidez da autuação de trânsito registrada sob número 1F703516-3, emanada do réu, DER – DEPARTAMENTO DE ESTRADAS DE RODAGEM, aplicada contra o autor, (…), cuja esfera jurídica não pode ser atingida por quaisquer efeitos decorrentes dessa mesma autuação, reconhecendo-se-lhe o direito de receber em restituição o que pagou a título de multa, CONDENANDO-SE o réu a restituir-lhe esse valor, com incidência de correção monetária e juros de mora. Verba não alimentar. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil. 

 

Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo réu  de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado. 

 

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença. 

 

São Paulo, em 10 de janeiro de 2020.

 

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

JUIZ DE DIREITO