CDHU E CONTRATO DE GAVETA

DECLARAÇÃO DE VOTO – EM JULGAMENTO ESTENDIDO

Não obstante o respeito merecido aos ilustres Desembargadores que, firmando voto, fizeram instalar divergência quanto à validez da taxa de fruição, acompanho o Voto do eminente Relator para, assim, manter a r. sentença, nomeadamente quanto a que se declare a invalidez desse encargo, pelas seguintes razões.
Ainda que não se tenha aplicado na r. sentença a “Lei do Distrato”, e especialmente seu artigo 32-A da lei federal 6.766/1979 (com a nova redação que lhe foi dada pela lei federal 13.786/2018), entendo que a cláusula que prevê a taxa de fruição é abusiva por colocar, sem justa razão, a esfera jurídico-contratual do autor-apelado em uma situação de desequilíbrio, gerando uma onerosidade excessiva em favor da ré-apelante.
É de ser considerado como um risco imanente ao negócio em questão a possibilidade de o adquirente do imóvel pretender rescindi-lo por um variegado conjunto de razões, sobretudo econômicas, e naturalmente as incorporadoras têm plena consciência desse risco, que não é assim imprevisível (o que justifica que o contrato seja denominado de “um compromisso de compra e venda”), e o embutem de algum modo no preço final que cobram dos adquirentes, não sem quererem também justificar a validez da cobrança da taxa de fruição pela previsão formal no contrato de que os adquirentes estão autorizados, desde que receberam a posse do lote, de nele construir, o que nem sempre ocorre (como no caso presente).
Trata-se, em essência, de uma cláusula abusiva por gerar em favor das incorporadoras uma excessiva vantagem, na medida em que, na hipótese de rescisão do contrato, retomam a posse do lote, podendo comercializá-lo a um novo adquirente, além de se dever considerar, para além de se tratar de um risco imanente ao negócio como observado, que as parcelas mensais que são cobradas do adquirente em função do contrato compensam de algum modo a transferência da posse do lote durante o tempo em que o contrato está a produzir seus efeitos.
De resto, não se pode olvidar da natureza jurídica do contrato que foi firmado entre partes – um contrato de compromisso de compra e venda –, e a transferência da posse ao adquirente deve ser compreendida em função do que as partes estão a contratar, que é a possibilidade de que, pagas todas as parcelas, a propriedade seja transferida ao adquirente. A transferência da posse do lote não constitui o objetivo principal do contrato, senão que parte de sua implementação fático-jurídica, enfatizando-se que essa transferência de posse é de interesse tanto do adquirente quanto é da incorporadora, a qual deixa, obviamente, de responsabilizar pelo lote a partir do momento em que transfere a sua posse, continuando a receber as parcelas que têm por objetivo não a transferência de uma simples posse, mas da propriedade do lote, sendo essa, portanto, a precípua finalidade do contrato e o que caracteriza a sua natureza jurídica, de maneira que não se pode justificar seja cobrada uma taxa de fruição, que se poderia legitimar fosse outra a natureza jurídica do contrato, que não a de transferir a propriedade do lote, e não a sua mera posse, o que bem evidencia a abusividade da cláusula que prevê a cobrança de uma taxa de fruição de posse.
Por meu voto, portanto, com o respeito que é merecido as razões que alicerçam a divergência, nego provimento a este recurso de apelação interposto pela requerida para, assim, manter, em seu integral conteúdo, a r. sentença, sobretudo quanto ao reconhecimento da invalidez, por abusividade, da taxa de fruição.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE