APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO QUE RECEBE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. OBRIGAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO DE OBSERVAR O DEVER DE COERÊNCIA EMBUTIDO NO CONTEÚDO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE. DIREITO À APOSENTAÇÃO ESPECIAL RECONHECIDO
Vistos.
O autor, (…), qualificado a folha 1, é servidor público municipal, ocupante do cargo de cirurgião-dentista, e nesta demanda que ajuizou contra o INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA MUNICIPAL DE SÃO PAULO e MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO objetiva seja declarada a existência de relação jurídica que faça reconhecer em seu favor o direito a obter a aposentação especial no cargo que ocupa, argumentando, em resumo, que durante todo o período em que exerce as funções de seu cargo esteve exposto a elementos insalubres, o que, aliás, ensejou lhe fosse concedido o adicional de insalubridade desde 14 de agosto de 1990, sendo certo que não houve interrupção no exercício das atividades de seu cargo, tanto assim que o adicional de insalubridade lhe vem sendo pago desde àquele termo inicial. Argumentou, outrossim, que há se considerar o regramento legal ao tempo em que a atividade vem sendo exercida, como critério para a caracterização da insalubridade para efeito de se aplicar o regime jurídico de aposentação especial.
Citados, os requeridos contestaram, argumentando que a partir da súmula vinculante de número 33, do egrégio Supremo Tribunal Federal, a aposentação especial passou a ser reconhecida aos servidores públicos em geral, mas sua concessão depende do preenchimento de ao menos sete requisitos, tidos como essenciais, o que no caso do autor não sucede, de modo que não pode faz jus à aposentação especial.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
Quanto ao mérito da pretensão.
Embora prevista em norma constitucional, a aposentadoria especial aos servidores públicos não fora regulamentada em lei, o que obrigou o Supremo Tribunal Federal a, não apenas declarar a mora, mas principalmente legislar, do que se desincumbiu por meio de provimento jurisdicional emitido em mandado de injunção e cuja consistência acabou por determinar que essa decisão jurisprudencial fosse dotada de caráter vinculante. Assim é que se reconheceu-se em favor dos servidores públicos o direito à a aposentação especial, quando estiverem cumpridos os mesmos requisitos que são adotados para o regime jurídico do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social e que estão previstos essencialmente na Lei federal de número 8.213/1991. O autor, nesta demanda, está, pois, a invocar a aplicação da súmula vinculante de número 33, buscando o reconhecimento do direito à aposentação especial no cargo que ocupa.
De relevo observar que, conforme o documento de folha 28, o autor recebe, desde 14 de agosto de 1990, o adicional de insalubridade, cujo pagamento não se interrompeu até o momento em que requereu a aposentação especial, em 2017. Esse aspecto é sobremaneira importante ao desimplicar desta demanda, porque, em se reconhecendo a insalubridade para efeito de concessão de uma vantagem pecuniária, por consequência a mesma insalubridade é de molde que também seja considerada para efeito da aposentação especial, malgrado o que argumentam as rés.
Com efeito, argumentam as requeridas que como o adicional de insalubridade tem previsão em lei local (estadual ou municipal), os requisitos à sua concessão podem ser diversos daqueles exigidos para a obtenção da aposentação especial, prevista na Lei federal de número 8.213/1991, e que por isso a concessão do adicional de insalubridade, só por si, não geraria o direito à aposentação especial. “Concessa venia”, há aí um paralogismo.
É que ainda que possa haver diferença de tratamento jurídico entre uma lei local que preveja o adicional de insalubridade em relação à Lei federal de número 8.213/1991, isso não obstaculiza que se reconheça o fato de o servidor público, se recebe o adicional de insalubridade, estar sujeito a uma condição insalubre de trabalho, conforme o reconheceu expressamente a Administração ao lhe conceder o adicional. De modo que se a Administração reconhece a presença da insalubridade nas condições de trabalho que esteja seu servidor público, tanto assim que lhe concedeu o adicional de insalubridade, não há razão para que a esse mesmo servidor se não reconheça a existência da insalubridade, quando se esteja a analisar a aposentação especial. Ou seja: se a Administração reconhece a insalubridade para um determinado fim (para conceder o adicional de insalubridade), não pode deixar de a reconhecer para outro. É o que se deve extrair do princípio constitucional da igualdade, cujo conteúdo obriga a Administração a observar a coerência nas diferenciações que esteja a estabelecer.
Com efeito, sobretudo a partir do que veio a decidir o Tribunal Constitucional alemão, a doutrina tem firmado a posição de que do princípio da igualdade decorre um dever de coerência, o que obriga o Poder Público a adotar certas decisões, coerentes com outra que adotou. E se a princípio o Tribunal alemão aplicara esse dever de coerência apenas em matéria tributária, agora vem estendendo sua aplicação a outras áreas em que a Administração atua.
Destarte, viola o dever de coerência, a que estão obrigados os requeridos por força do princípio constitucional da igualdade, o considerarem insalubre a atividade que o autor exerce por força das atribuições de seu cargo de cirurgião-dentista, para que lhe reconhecer o direito ao adicional de insalubridade, e negar essa mesma insalubridade quando estejam a analisar o pleito do autor quanto a obter a aposentação especial. Com efeito, ao reconhecerem a insalubridade na atividade que o autor exerce, os réus obrigaram-se a uma determinada direção diretiva, coerente com a primeira decisão (a que concedeu ao autor o adicional de insalubridade), nomeadamente porque não há nenhuma justificação para o regime de discrímen que invocam.
De resto, como argumenta o autor, detalhando as atividades inerentes a seu cargo, o manuseio, o contato diário com instrumentos necessários ao exercício de seu cargo de cirurgião-dentista, e mesmo a exposição ao raio “X”, caracterizam a condição insalubre a que se submete, apurada em laudo.
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, declarando a existência de relação jurídica que faz reconhecer em favor do autor, (…), o direito à aposentação especial em decorrência da insalubridade a que exposto em suas condições de trabalho desde o momento em que está a receber o adicional de insalubridade (14 de agosto de 1990), de modo que, aplicando a súmula vinculante de número 33, emanada do Supremo Tribunal Federal, reconhece-se-lhe o direito a beneficiar-se do regime jurídico de aposentação especial tal como previsto na Lei federal de número 8.213/1991, cominando-se aos requeridos, INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO e MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, a obrigação de apostilarem, como insalubre para efeito de aposentação especial, a atividade que o autor desenvolve por conta do cargo de ocupa, desde 14 de agosto de 1990, providenciando os requeridos o apostilamento do cômputo desse tempo de atividade como insalubre, para conceder ao autor a aposentação especial a partir do momento em que tiver completado o tempo previsto em Lei, pagando-lhe os proventos conforme os critérios de quantificação, com retroação ao momento em que os requisitos legais à aposentação especial tiverem sido cumpridos. Uma ressalva impõe-se: como o autor não formulou pedido líquido quanto à condenação por valores retroativos, nada aqui se pode decidir a respeito. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelos requeridos de ato de litigância de má-fé, não se lhes pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 25 de março de 2019.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO