AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO DE BENS MÓVEIS. EMBARGOS QUE INSTALAM VÁLIDA CONTROVÉRSIA QUANTO A ASPECTOS ESSENCIAIS DA CONTRATAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA ESCRITA HÁBIL AO MANEJO DA AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS PROCEDENTES

Processo número 1005935-73.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital

Vistos.

Formulando embargos, questiona a embargante (…), a utilização da ação monitória, alegando que o documento apresentado pela embargada, (…), não é hábil ao manejo da ação monitória, pois que se trata de um contrato de locação de bens móveis, ancorado em planilhas de movimentação dos objetos locados, planilhas, contudo, que, segundo a embargante, foram produzidas de modo unilateral, sem que tivesse podido impugnar ou controverter sobre o conteúdo dessas planilhas, o que obrigava a embargada a buscar o processo de conhecimento.

Embargos recebidos e respondidos pela embargada, que sustenta que o contrato de locação constitui prova escrita dotada dos predicados da certeza, exigibilidade e liquidez, firmado por duas testemunhas e instruídos com recibos de entrada dos bens locados, assinados por prepostos da embargante, o que atende ao requisito legal para o manejo da ação monitória.

É o RELATÓRIO.

FUNDAMENTO.

Acolhem-se, com efeito, estes embargos visto que não se configura a existência de prova escrita nos moldes e sob o rigor que o Código de Processo Civil de 2015 exige para o cabimento da ação monitória.

Importante sublinhar que a ação monitória foi introduzida em nosso ordenamento jurídico em vigor em 1995, com a lei federal 9.079, e passou a integrar o rol de ações, procedimentos e tutelas que, em doutrina, são denominadas de técnica de tutela jurisdicional diferenciada, surgidas no bojo de um fenômeno que se instalou especialmente na Itália (a expressão “tutela jurisdicional diferenciada”, foi cunhada pelo processualista italiano, ANDREA PROTO PISANI). Buscava-se, pois, abreviar de algum modo razoável o tempo de duração do procedimento ordinário, engendrando-se assim técnicas antecipar ou o provimento jurisdicional ou seus efeitos, ou ainda a sua eficácia. A ação monitória surge exatamente com essa finalidade e dentro do fenômeno da “tutela jurisdicional diferenciada”.

O procedimento monitório, ou também denominado de procedimento injuntivo, caracteriza-se por ensejar a formação de um título executivo judicial em um procedimento mais célere, adotada uma cognição sumária, de forma que o autor não estaria obrigado a suportar o longo tempo de trâmite de um procedimento ordinário com sua cognição plena e exauriente, desde que possua uma “prova escrita”. Como afirma JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, em monografia sobre o tema:

“Este tipo de tutela jurisdicional diferenciada tem então por escopo (…) superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento simples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia”. (“Ação Monitória”, p. 23, RT).

Mas essa vantagem na posição do autor da ação monitoria deve justificar-se pela existência de um especial requisito: o da prova escrita, que, segundo Carnelutti, consiste em um “documento escrito do qual o juiz infere diretamente, ao cabo do decreto de injunção, a existência da relação jurídica correspondente à pretensão do recorrente”. (tradução nossa, apud JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI na obra mencionada, p. 41).

Destarte, a prova escrita constitui em nosso CPC/2015, como era também no CPC/1973, uma condição específica de admissibilidade da ação monitória, o que significa dizer que se não há essa condição específica, não há como justificar a vantagem processual em favor do autor, que deve suportar a anormal extinção da ação monitória, por ausência do interesse de agir, e remetido ao procedimento ordinário. É o que deve suceder no caso em questão.

Sobreleva considerar que as partes firmaram um contrato de locação de bens móveis e em função dele a embargante, na condição de locatária, receberia da embargada (locadora) determinados equipamentos que empregaria em obras de construção civil. Segundo o contrato, a locatária deveria firmar um documento, comprovando tivesse recebido em locação os equipamentos, e um outro documento seria confeccionado ao tempo em que a locatária os restituísse à posse da locadora. Sucede, entretanto, que as partes controvertem quanto a equipamentos que teriam sido entregues e sob que condições de utilização esses equipamentos haviam sido entregues.

Há, é certo, uma planilha que foi apresentada com a peça inicial da ação monitória (cf. folha 4), mas não há prova segura e objetiva de que a embargante-locatária tenha acedido com o conteúdo dessa planilha, que, assim, é de ser considerada como um documento produzido unilateralmente pela locadora, ensejando controvérsia a respeito de seu conteúdo e efeitos jurídicos no contexto da relação jurídico-contratual.

E a embargante controverte exatamente sobre o conteúdo dessas planilhas, negando tenha recebido os equipamentos tenham sido entregues no número correspondente àquele que constam das referidas planilhas.

Havendo, pois, uma controvérsia que se instala em aspectos substanciais da relação contratual, como neste caso, não se pode juridicamente qualificar o contrato apresentado pela embargada como “prova escrita”, não certamente para legitimar o uso da ação monitória.

Diante do grau e da extensão da controvérsia fática, não se pode conferir à embargada uma vantagem processual, dispensando-a de se submeter a um procedimento ordinário, dotado de cognição plena e exauriente. Ou seja, não se pode aqui, nesta ação monitória, confirmar exista a relação jurídico-material nos moldes em que a afirma a embargada, havendo a imperiosa necessidade de se perscrutar, em cognição plena e exauriente, a dizer, em procedimento ordinário, acerca dessa relação contratual e das circunstâncias que envolveram a execução do objeto contratado.

POSTO ISSO, acolho os embargos à ação monitória, por força de reconhecer e declarar a inexistência de prova escrita que autorize o manejo da ação monitória. Declaro a extinção destes embargos à ação monitória, com julgamento de seu mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e em consequência, por ausência de interesse específico de agir (prova escrita), julgo extinta a ação monitória em razão da aplicação subsidiária do artigo 485, inciso VI, do mesmo Código.

Condeno a embargada no reembolso à embargante do que este despendeu com a taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso. Condenado a embargada também em honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à ação monitória.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

São Paulo, em 18 de novembro de 2021.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO