A “VERDADE” NO PROCESSO CIVIL
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
O genial GABRIEL GARCÍA MARQUEZ, em uma de suas maravilhosas crônicas, escreveu em 1981 sobre a verdade no contexto do jornalismo e da literatura, abordando um episódio que se tornara então muito comentado. Uma repórter do jornal Washington Post ganhara o prêmio “Pulitzer”, que vem a ser a honra mais cobiçada no mundo do jornalismo, mas o prêmio durara pouco tempo, porque se descobriu logo em seguida que ela havia inventado o texto da reportagem que dizia respeito a um menino de oito anos de idade, que, segundo a reportagem (e à ficção da repórter), injetava heroína com a complacência de sua mãe.
É nesse contexto, pois, que o autor de “Cem anos de Solidão” estabelece a distinção entre jornalismo e literatura, quando se trata de dizer a verdade. Diz ele:
“(…) em jornalismo há que se apegar à verdade, mesmo que ninguém creia nela, e por outro lado em literatura se pode inventar tudo, desde que o autor seja capaz de torná-la verossímil. Há recursos intercambiáveis. Se um escritor diz que viu uma manada de elefantes voando, não haverá ninguém que acredite nele, porque o bom jornalismo fez o mundo acreditar que os elefantes não voam. Mas não faltará quem acredita se apelar para o recurso da precisão e disser que os elefantes que voavam eram 326. (…)”.
E a verdade no processo civil? Ela está mais para o jornalismo ou para a literatura?
Suponho que o leitor responderá sem titubear: a verdade do processo civil é a mesma que se busca no jornalismo: a verdade verdadeira, não inventada. Mas se for assim, não poderia haver duas verdades no processo: a do autor e a do réu, ou até mesmo uma terceira verdade, a do juiz.
Receio desagradar o leitor ao dizer que a verdade do processo civil está muito mais próxima da verdade com a qual opera a literatura, o que quer dizer que, no processo civil, a verdade tem sempre algo de ficção. É frequente, pois, que o autor ao narrar na peça inicial o fato (na descrição da causa de pedir remota) utilize-se do verossímil, conquanto diga estar narrando a verdade. O mesmo sucede com a “verdade” do réu. E não se exclui que a “verdade” que surge na sentença seja o produto de uma ficção, agora do juiz.
O processo civil é uma obra de ficção, de uma “verdade” que pode eventualmente só existir nele.
Poder-se-ia perguntar se o artigo 80, inciso II, do CPC/2015 não é também uma ficção, ao prever a condenação quando a parte “altera a verdade dos fatos”?
Há no Brasil um espírito carnavalesco em tudo, Advogado fala o que quer em petições (sob o manto da imunidade constitucional) e jornalista escreve o que deseja (sob o manto de liberdade de imprensa e da necessidade de atribuir valor à causa igual ao dano moral pleiteado, onde se ganhar, a condenação será de 10% do valor da causa – para coibir a indústria do dano moral – e, se perder, pagará sucumbência de 22% sobre o valor da causa). Em Portugal, o advogado que ofende, deve ser condenado em valor exemplar, pois não pode um profissional do direito ter 15 dias para fazer uma peça técnica e se dedicar à ofensas. É um carnaval tão grande, que o STF teve que criar o inquérito originário das fake news, pois o samba chegou neles. E assim vai passando a escola e a bateria pela avenida, rumo aos extremos da ditadura ou do comunismo.