A “JURISPRUDÊNCIA DOS INTERESSES” E O CPC/2015.
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
Em dado momento de sua história, a Ciência do Direito transformou-se em uma “Jurisprudência dos Interesses”, segundo a pensou e construiu PHILLIPP HECK, um jurista alemão (1858-1943). Segundo essa teoria e seu idealizador, as normas legais não visam apenas a delimitar interesses, mas são, em elas próprias, produtos de interesses, pois dizia HECK que as leis “são as resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa e ética, que, em cada comunidade jurídica, se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento”.
Assim, o legislador torna-se o representante dos fatores causais (econômicos) que determinam a criação das leis.
Mas como observa LARENZ, em sua famosa e indispensável “Metodologia da Ciência do Direito”, nenhuma teoria científica, por mais rígida que seja, é independente de um conceito de ciência, que adota e sobre o qual constrói suas ideias, o que, aplicado à “Jurisprudência dos Interesses” permite identificar a relação de proximidade e mesmo de base entre essa teoria e o positivismo, não o positivismo jurídico, mas o positivismo geral, o que, no caso da Ciência do Direito e ao tempo em que a “Jurisprudência dos Interesses” desenvolvia, determinou a prevalência dos interesses econômicos na elaboração das leis em geral.
LARENZ enfatiza que, embora HECK tenha querido tomar em conta os interesses “ideais” como se fossem os interesses materiais, o conceito de “interesse” que acaba por exsurgir e evidenciar-se na construção e sua teoria é o de interesse econômico: “E é justamente aí, no fato de os bens ‘ideais’, como liberdade, segurança, Justiça e responsabilidade, serem postos ao mesmo nível dos bens materiais – devendo reduzir-se como estes a mera ‘tendências apetitivas” – é justamente aí que a base naturalista de HECK vem claramente a denunciar-se”.
E o que ocorre com o nosso código de processo civil de 2015, que claramente se denuncia no objetivo de tornar o processo civil um terreno fértil à proteção dos interesses econômicos que dominam a nossa sociedade contemporânea, demonstrando que valores como justiça, liberdade e responsabilidade ético-jurídica são valores tão importantes quanto os valores econômicos, igualando-os em tudo e para todos os efeitos. A cada passo, ou seja, a cada norma, o CPC/2015 demonstra nitidamente como acolheu as ideias da “Jurisprudência dos Interesses” e as fez aplicar.
E assim como a “Jurisprudência dos Interesses” baseava-se no positivismo jurídico, o CPC/2015 incorpora técnicas que essa corrente jusfilosófica abonaria, como é o caso do incidente de resolução de demandas repetitivas, que impõe ao juiz uma interpretação o menos aberta possível, na medida em que o obriga a, sem mais, fazer aplicar automaticamente e sem qualquer valoração a tese jurídica fixada por um tribunal superior, como se se tratasse de uma norma legal. Daí se poder afirmar que o CPC/2015 é mais positivista do que o próprio positivismo jurídico.
Quem supunha que a “Jurisprudência dos Interesses” constituísse hoje apenas uma lembrança da História, perceberá que as teorias do Direito são como a própria História, uma eterna repetição do passado no presente, pois como diz TOCQUEVILLE: “A história é uma galeria de quadros onde há poucos originais e muitas cópias”