Processo número 730/2001
Juízo de Direito da 12ª Vara da Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
1. RELATÓRIO
Proprietário de veículo automotor do tipo microônibus (melhor descrito a folha 3), ajuizou (…), qualificado a folha 2, esta ação, voltando-a contra a (…), ente de direito público, com o objetivo de ver liberado esse veículo, independentemente do pagamento de qualquer valor a título de multa ou taxa de estadia, como conseqüência de se declarar a nulidade de ato administrativo que importou na retenção e apreensão do bem sob color de que empregado em atividade ilícita de transporte remunerado de passageiros. Pleiteou o autor a concessão de tutela de emergência.
O autor, com efeito, mostrando-se irresignável em face do ato praticado pela (…) em data de 23 de fevereiro de 2000, sustenta que não estava com esse veículo, na ocasião dirigido por seu filho, a realizar a atividade de transporte remunerado de passageiros, senão que apenas o utilizava em atividade de transporte de objetos e pessoas para entidades com as quais mantém contrato de prestação de serviços, o que, na visão do autor, elide a validez do ato administrativo da lavra da MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO.
Fez-se a peça inicial instruída com a documentação que se encontra as folhas 9/32.
Não foi concedida a tutela de emergência (folha 39); diante disso, o autor tirou recurso de agravo de instrumento, sem obter, contudo, sucesso em seu inconformismo (autos em apenso).
Citação efetuada em forma regular (folha 50), ofertou a ré contestação, para, as folhas 71/73, defender a validez do ato administrativo, afirmando que o veículo da propriedade do autor era por ele utilizado em atividade clandestina de transporte remunerado de passageiros, o que dá guarida à retenção e apreensão do bem, em consonância com o que dispõe Lei Municipal, esteada em atribuição que o Código Nacional de Trânsito confere-lhe.
Réplica as folhas 78/81.
Saneado o feito e designada, então, audiência (folhas 87/87) , que realizada, permitiu às partes nela produzissem prova testemunhal (testemunhos dos autor as folhas 102/106; da requerida as folhas 108/109).
Memoriais pelo autor as folhas 120/122; e pela requerida as folhas 117/118.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Controverte-se nesta demanda quanto à validez de ato administrativo a partir do qual sobrevieram a retenção e a apreensão de veículo da propriedade do autor, que estaria, segundo a MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, sendo utilizado em atividade clandestina de transporte remunerado de passageiros, fato que o autor nega.
Não há matéria preliminar que penda de exame.
Como é cediço, o ato administrativo goza da presunção de legitimidade, do que advém de ordinário a conseqüência da inversão do ônus da prova, assim transferido àquele que invoca a sua invalidade. Mas, se se trata de fato negativo indefinido, cuja prova é impossível ou de difícil produção, a regra da inversão deve receber abrandamento, sob pena de o particular encontrar-se em situação que não lhe permitiria, em qualquer hipótese, pugnar, com frutuosidade, pela invalidação do ato administrativo que produz contra sua esfera jurídica dano.
Por isso, ao tratar da tormentosa temática que envolve a prova de fato negativo, pontifica o insuperável MOACYR AMARAL SANTOS que há que se discrepar o fato que é aparentemente negativo, porque simplesmente revelado sob essa forma, mas que em essência constitui uma afirmação, daquele verdadeiramente negativo, para o qual a produção de prova ou se mostra impossível, ou é no mínimo, deveras dificultosa:
“(…) Não é porque um fato venha apresentado sob forma negativa que seja um fato negativo; não é porque a frase se revista de forma negativa que deixe de afirmar alguma coisa. (…) Um fato negativo tem geralmente como correlato um fato afirmativo, não sendo a negativa senão uma forma da frase. (…) Assim, quem diz: este pano não é vermelho, não pode ser tomado como estando apenas a negar, porque na realidade ele afirma que o pano é de uma outra cor, que ele poderia determinar; assim, quem diz que uma casa não faz frente para o norte, diz igualmente que tem uma outra disposição que poderia determinar (…)”. (“Prova Judiciária no Cível e Comercial”, volume I, p. 174, Max Limonad, São Paulo, 3ª edição).
Examinado o fato sobre o qual o autor deveria produzir prova nesta sede, depreende-se que se tratava de fato verdadeiramente negativo; qual seja, o de que o veículo não estava, no momento em que retido e apreendido, sendo utilizado em atividade clandestina de transporte remunerado de passageiros. Uma prova dessa natureza seria impossível, considerando nomeadamente a instantaneidade que poderia cercar a consecução de tal atividade, a caracterizar o que MOACYR AMARAL SANTOS, na obra mencionada, denomina de “negativa indefinida”, para a qual a produção de prova é impossível ou muito difícil, “ad instar” do que sucede com o fato afirmativo indefinido (página 175).
Diante desse quadro, ao autor competiria apenas a produção de prova dos fatos afirmativos relacionados àquele contexto, consubstanciados tais fatos na alegação de que empregava o veículo para diversa atividade, que não a de transporte remunerado de passageiros, e na alegação de que o veículo, no momento da abordagem, estava trafegando sem passageiros.
Desse ônus da prova, o autor desincumbiu-se, na medida em que produziu prova documental que confirma o fato, afirmado na peça inicial, de utilização do veículo para atividade de transporte de objetos e pessoas para entidades com as quais o autor mantém vinculação contratual (folhas 19/21), estando para tanto cadastrado como motorista autônomo em órgão municipal (folha 22), tendo igualmente comprovado, agora por prova testemunhal produzida sob compromisso legal e contraditório (folhas 102/107), que o veículo, no momento em que realizada abordagem por agentes de fiscalização municipal, não estava com passageiro em seu interior, nem em circunstâncias que pudessem caracterizar o exercício da atividade de transporte remunerado de passageiros. Importante atentar, nesse contexto, para o conteúdo do auto de apreensão de folha 24, que não descreve, com a precisão que o ato exigia, as circunstâncias a partir das quais os agentes de fiscalização teriam depreendido que o veículo da propriedade do requerente, na ocasião dirigido por seu filho, estivesse a ser empregado em ilícita atividade.
Da parte da requerida, nenhuma prova produziu que infirmasse o conjunto probatório trazido a exame pelo autor. O único testemunho produzido pela requerida, prestado por servidor que subscrevera o auto de apreensão lavrado, mostrou-se impreciso (folha 108).
A invalidez do ato administrativo, destarte, é de se declarar, com a conseqüência de se determinar a liberação do veículo, independentemente do pagamento de qualquer multa ou taxa, ou qualquer outro valor decursivo da retenção e apreensão, ressalvando apenas que a eficácia desta Sentença está condicionada ao reexame necessário.
3. DISPOSITIVO
POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, de forma que fica declarada a invalidez do ato administrativo que importou na retenção e apreensão do veículo da propriedade do autor, (…), garantindo-se-lhe a liberação do bem, independentemente do pagamento de qualquer valor que seja decursivo da retenção e apreensão. Declaro a extinção do processo, com julgamento do mérito, nos termos do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil.
Não há custas (Lei Estadual de número 4952/1985). Condeno a ré no pagamento de despesas processuais, estas com atualização monetária a partir do desembolso, e honorários de advogado, estes fixados na forma do artigo 20, parágrafo 4o., do Código de Processo Civil, em R$900,00 (novecentos reais), com atualização monetária a partir desta data, justificando a fixação da verba honorária nesse patamar, adotados os seguintes critérios: a) tempo de trâmite, mais de um ano; b) número de atos processuais praticados; c) valor atribuído à causa.
Sentença sujeita a reexame necessário.
Publique-se, registre-se e intimem-se as partes.