Processo número 1010961-52.2020
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital
Vistos.
Objetiva o autor, (…), qualificado a folha 1, que se decrete a rescisão de contrato de consórcio para aquisição de bem móvel, e que se atribua ao grupo do consórcio a causa para essa rescisão, de modo que se lhe garanta a restituição integral das cotas cujo pagamento realizou, além do que despendeu com a taxa de administração e fundo de reserva, condenada a administradora do consórcio, que judicialmente representa o grupo, (…), no pagamento desses valores. Adotado o procedimento comum.
Segundo o autor, aderindo a contrato de consórcio administrado pela ré, formulou lance com o objetivo de que fosse contemplado e pudesse adquirir veículo que convinha a seus interesses, apresentando à ré a documentação necessária quanto ao veículo escolhido, na aguarda de que o lance fosse aceito e liberados os recursos para a aquisição do veículo, o que, contudo, não sucedeu, alegando a ré que “não seria interessante” aos objetivos do grupo autorizar a liberação de recursos para a aquisição daquele veículo, o que desagradou o autor, que então buscou solução do impasse por via administrativa, mas sem frutuosidade, de modo que, desinteressando-se por manter o contrato de consórcio, objetiva se decrete a sua rescisão, garantindo-se-lhe o direito de receber em restituição o que pagou a título de cotas, além da taxa de administrativa e do que despendido para a formação do fundo de reserva.
Citada, a ré contestou, arguindo a sua ilegitimidade sob o argumento de que na condição de mera administradora do grupo que forma o consórcio em questão, não mantém relação jurídico-material com o autor, que deve demandar contra o grupo que forma o consórcio acerca da rescisão e restituição de valores. Quanto ao mérito da pretensão, defende o poder de decisão que, por lei, é conferido ao grupo do consórcio e de sua administradora, em função do que lhes cabe decidir, de acordo com certos critérios, se é ou não vantajoso aos interesses do grupo liberar recursos para que o consorciado possa adquirir o bem que indica, o que não aconteceu no caso do autor, por não convir aos interesses do consórcio o bem por ele indicado, conforme lhe foi explicitado, depois que a sua cota foi contemplada por lance, reconhecendo-se-lhe o direito a adquirir o bem de seu interesse, mas condicionado aos critérios de conveniência do grupo do consórcio, e que no caso a negativa à liberação deveu-se ao fato de o veículo que seria adquirido não poderia ser objeto de cláusula de alienação fiduciária, o que colocaria sob desproteção o grupo do consórcio. Por fim, aduz que, cancelada a cota, aplica-se a lei federal 11.705/2008 que regula a forma e valores que devem ser restituídos no caso de rescisão do contrato de consórcio.
Réplica apresentada.
É o RELATÓRIO.
FUNDAMENTO.
Tendo tido cota cancelada em consórcio, assiste ao autor o direito de pugnar pela rescisão do respectivo contrato, sobre o que a ré não controverte, embora obtempere se deva considerar que a rescisão é de ser considerada como provindo unilateralmente de parte do autor, o que é de se observar para efeitos de definir quanto ao valor a ser restituído, com a incidência daquelas cláusulas que preveem os encargos para a hipótese de rescisão por desejo do consorciado. O autor argumenta que é justa a rescisão e motivada por fato gerado pela ré, que lhe negou indevidamente a liberação de recursos para a aquisição de um veículo.
Quanto à legitimação passiva, reconhece-se que a ré como administradora do consórcio em questão representa em juízo os interesses do grupo de consórcio, o que significa dizer que a Lei lhe dota da necessária personalidade judiciária para ser aqui demandada acerca da natureza jurídica que se deve conferir à extinção do vínculo contratual em face do autor. Para efeito de legitimação passiva em juízo, importante observar as específicas características que formam o contrato de consórcio, que tem por objetivo fomentar recursos financeiros destinados à aquisição de bens duráveis, reunindo pessoas que tenham esse mesmo objetivo, as quais assim formam um grupo que é gerido e administrado por uma pessoa jurídica que tenha poderes concedidos pelo Banco Central para operar nesse tipo de segmento. A ré, portanto, é parte legítima em face do conteúdo da relação jurídico-material objeto desta ação.
Quanto ao mérito da pretensão.
A como se fez referência, não se instala controvérsia quanto a se configurar hipótese de rescisão do contrato de consórcio, com a exclusão do autor do respectivo grupo. A manifestação de vontade do autor é inequívoca nesse sentido. A controvérsia radica, no contudo, no definir sob que circunstâncias fático-jurídicas essa rescisão opera seus efeitos, ou mais precisamente, se a rescisão é de ser decretada por se reconhecer a manifestação unilateral do autor nesse sentido, ou se o grupo de consórcio erigiu-lhe algum injustificado entrave a ponto de dar azo a que o autor não tivesse outra solução que pretender sair do grupo de consórcio. Conforme a valoração que se fizer de tais circunstâncias, estará o autor ou não sujeito à incidência dos encargos (multa, por exemplo), decorrentes da rescisão.
Destarte, examinadas as circunstâncias que determinaram o interesse do autor em rescindir o contrato de consórcio, constata-se que o grupo de consórcio não lhe criou nenhum desarrazoado motivo a tanto, senão que se limitou a exercer a liberdade que é inerente ao contrato de consórcio, cujos interesses representam a soma dos interesses dos consorciados, mas com esses interesses não se confundem, de modo que é plenamente justificado que, em determinadas situações, não convenha aos interesses comuns do consórcio liberar recursos para a aquisição de determinado bem indicado pelo consorciado que tenha tido lance contemplado, como sucedeu no caso do autor, que indicou um bem (um veículo) que não poderia, segundo a ré, ser objeto de contrato de aquisição com cláusula de alienação fiduciária, o que no entender da ré, e com razão, não conferiria uma proteção jurídica adequada, necessária em face dos riscos que envolvem a aquisição de um veículo, de modo que a ré explicitou ao autor a razão pela qual os recursos financeiros não lhe seriam liberados, o que justificou o cancelamento da cota, surgindo aí o interesse do autor em rescindir o contrato de consórcio.
Necessário adscrever que o contrato de consórcio é regido por princípios e regras específicos fixado na lei federal 11.795/2008, tratando-se, pois, de um regime jurídico-legal que distingue as características desse tipo de contrato, o qual não se confunde, por exemplo, com o contrato de mútuo bancário, nem com outros tipos de contrato que têm por objetivo a compra e venda mediante prestação. Trata-se, portanto, de um contrato que se distingue sobretudo por se destinar à constituição de um fundo comum para propiciar a seus integrantes venham a adquirir determinados bens, mas desde que essa aquisição atenda aos interesses comuns do grupo, de maneira que a administradora do grupo, representando esses interesses, possui uma considerável margem de liberdade na decisão entre autorizar ou não autorizar a aquisição de determinado bem. Ao firmar o contrato de consórcio, o autor concordou com as regras do contrato, as quais se harmonizam com seu objeto, em especial quanto à liberdade no poder de decisão que é conferido ao grupo do consórcio e à sua administradora.
De resto, essa especificidade do contrato de adesão é de ser considerada para afastar o regime de proteção conferido pelo Código de Defesa do Consumidor, porque o consorciado não se subsume à condição jurídica de consumidor que está fixada pela lei federal 8.078/1990. É certo que o objetivo do consorciado é adquirir um bem, mas o faz junto com outros interessados, com os quais forma um consórcio, ou seja, uma comunhão de interesses, o que não se harmoniza com a finalidade da figura do “consumidor”, pensada e construída pelo Código de Defesa do Consumidor. De modo que o autor não pode se beneficiar dos predicados que surgem quando uma relação jurídica de consumo configura-se.
Assim, é procedente o pedido na medida em que se reconhece o direito do autor a que se decrete a rescisão do contrato de consórcio em questão, mas é improcedente o pedido no que toca a atribuir à ré tenha injustificadamente dado azo a que essa rescisão surgisse como interesse do autor, o que significa dizer que a rescisão é decretada, mas por vontade exclusiva do autor, que assim deve se sujeitar às cláusulas do contrato que preveem encargos incidentes quando a rescisão é pleiteada pelo consorciado, como neste caso. Assim, o autor possui o direito a receber em restituição o valor das cotas que pagou, mas sem o direito a receber a taxa de administração ou do que contribuiu para o fundo de reserva, devendo também se submeter aos efeitos de multa prevista no contrato. Obterá o autor a restituição, mas apenas ao término do plano do consórcio. Sobre os valores a restituir ao autor, incidirá correção monetária calculada de acordo com os índices da Tabela Prática do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, incidentes também juros de mora a contar da citação e calculados segundo o artigo 406 do Código Civil.
POSTO ISSO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão, decretando-se a rescisão do contrato de consórcio, mas por exclusiva vontade do autor, de modo que conquanto se lhe reconheça o direito a receber a restituição do que pagou a título das cotas, deve suportar a incidência dos encargos previstos no contrato para a hipótese de rescisão, não fazendo jus a receber a taxa de administração e o que contribuiu para a formação do fundo de reserva. A restituição somente ser implementada ao final do plano do consórcio. E observará a incidência da correção monetária e dos juros de mora. Declaro a extinção do processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Configurada sucumbência recíproca, o que é de ser observado para fim de reembolso ao autor da taxa judiciária e despesas processuais, mas não para honorários de advogado. Assim, condeno a ré a reembolsar o autor 30% (trinta por cento) do que o autor despendeu com a taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso.
Quanto aos honorários de advogado, observe-se que, segundo o parágrafo 14 do artigo 85 do CPC/2015, em havendo sucumbência recíproca, não se pode implementar compensação de honorários de advogado, de modo que devem ser fixados também honorários em favor do patrono do réu.
Assim, condeno a ré no pagamento de honorários de advogado em favor do patrono do autor, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da restituição.
Também sucumbente, e sucumbente em parte significativa, o autor é condenado em honorários de advogado ao patrono do réu, fixados em 10% (dez por cento) da diferença entre o valor da causa e o da restituição, ambos corrigidos.
Observe-se a incidência de juros moratórios quanto aos honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 24 de agosto de 2021.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO