GRAVE LESÃO À ORDEM, À SAÚDE E A ECONOMICA PÚBLICA

“GRAVE LESÃO À ORDEM, À SAÚDE E À ECONOMIA PÚBLICA”
Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

Poucos leitores saberão quantas são as normas brasileiras que utilizam a seguinte expressão: “para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Trata-se, contudo, de uma expressão que, com grande frequência, aparece reproduzida nos jornais, quando noticiam a suspensão de alguma medida liminar ou de alguma sentença proferida contra o Estado.

Aliás, o leitor encontrará essa expressão nos jornais de hoje, que se referem ao pedido formulado pela União Federal contra uma decisão judicial que afastou a eficácia de um ato normativo do governo do Ceará que impunha a exigência de testes de “Covid” para turistas que queiram visitar aquele belo Estado. Alega a União que a decisão judicial “provoca grave lesão à ordem, à saúde e à economia pública”, e com esse fundamento jurídico querem ver suspensa a decisão liminar.

Respondendo à questão com a qual comecei este texto, digo que são quatro as normas que reproduzem tal expressão. São elas: artigo 15 da atual lei do mandado de segurança (lei federal 12.016/2009); artigo 4o. da lei 8.437/1992; artigo 25 da lei 8.038/1990; artigo 12 da lei 7.347/1985.

Em todas essas normas, surge a expressão de conteúdo tão indeterminado que a tudo se pode aplicar: “grave lesão à ordem”. A que “ordem” o legislador está a se referir? E o mesmo se pode indagar quanto à “grave lesão à economia pública”.

Obviamente que o legislador não é ingênuo e o emprego de uma expressão tão indeterminada não está ali sem algum propósito. O propósito, aliás, é evidente no conceder ao Poder Judiciário (rectius: aos presidentes de órgãos do Poder Judiciário, como o presidente de um tribunal de justiça, de um tribunal regional federal, por exemplo), o poder de suspender a eficácia de uma medida liminar, qualquer que ela seja, utilizando-se de uma expressão tão genérica que não haverá jurista no mundo, dos mais talentosos que existiram, que poderá decifrar, com alguma objetividade, o que significa “grave lesão à ordem”. A rigor, uma norma com um grau de imprecisão tão acentuado não é uma norma legal.

Um Estado de Direito que, como o nosso, está fundado no princípio do devido processo legal “substancial”, não tolera normas dessa natureza.