DÍVIDA PRESCRITA. EMPRESA DEMANDADA QUE ALEGA SUBSISTIR A FIGURA DO DÉBITO, CARACTERIZANDO UMA OBRIGAÇÃO NATURAL, JUSTIFICANDO POSSA EXIGIR SEU PAGAMENTO POR VIA EXTRAJUDICIAL. ARGUIÇÃO DA AUTORA QUANTO À PRESCRIÇÃO QUE, RECONHECIDA JUDICIALMENTE, FAZ EXTINGUIR A RESPONSABILIDADE E O DÉBITO, E CONSEQUENTEMENTE A OBRIGAÇÃO NATURAL

Processo número 1011657-92.2021
Juízo da 1ª. Vara Cível – Foro Regional de Pinheiros
Comarca da Capital

Vistos.

Sustenta a autora, (…), qualificada a folha 1, que estão prescritos todos os créditos que a ré, (…), está a lhe exigir, porquanto já superado o prazo de cinco anos para que a exigibilidade de pagamento pudesse subsistir, e que o fato de a ré, a despeito da prescrição, está a lhe exigir o pagamento por via extrajudicial, causa-lhe abalo de crédito, objetivando a autora, pois que, reconhecida a prescrição, declare-se a inexistência definitiva da respectiva obrigação, cominando à ré a obrigação de não mais exigir os créditos que estão prescritos. Adotado o procedimento comum.

Citada, a ré contestou, alegando se deva considerar que, conquanto prescritas, as dívidas existem como obrigações naturais, o que lhe permite as exigir por via extrajudicial, dentro de um exercício regular de direito.

Réplica apresentada.

É o RELATÓRIO.

FUNDAMENTO.

Não são necessárias outras provas além daquelas produzidas, o que quer dizer que o julgamento antecipado desta lide é medida adequada, e de resto requerida pelas partes.

Não há matéria preliminar pendente de análise.

Quanto ao mérito da pretensão.

O instituto da prescrição, por se bifronte, encontra regulamentação legal tanto no Código Civil quanto no Código de Processo Civil, porque, de fato, seus efeitos espraiam-se pela relação jurídico-material e também pela relação jurídico-processual.

Quando uma obrigação é atingida pela prescrição, o principal efeito que daí decorre é o de extinguir-se a ação processual a que o direito material se refere, obstando que o titular do crédito busque pela via jurisdicional a satisfação do crédito. Ensina o mestre CLÓVIS BEVILÁQUA: “Prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, de toda a sua capacidade defensiva, em consequência do não uso delas, durante um determinado espaço de tempo. Não é a falta de exercício do direito, que lhe tira o vigor; o direito pode conservar-se inativo, por longo tempo, sem perder a sua eficácia. É o não uso da ação que lhe atrofia a capacidade de reagir”. (“Código Civil do Estados Unidos do Brasil, edição histórica, editora Rio – Estácio de Sá).

Extinguindo-se a ação, o direito material, por consequência, não mais pode ser exigido, e quando o seja, a parte a quem a prescrição beneficia a pode arguir segundo prevê o artigo 193 do Código Civil.

Há, pois, razão no que argumenta a ré no sentido de que, embora prescrito, o débito subsiste, dado que, enquanto não for arguida a prescrição, a obrigação (já em sua conformação “natural”) mantém-se como tal, não se excluindo a hipótese de que sobrevenha a renúncia à prescrição.

Mas no caso presente a autora cuidou exercer o direito subjetivo que lhe assegura o artigo 193 do Código Civil, pugnando se declare a prescrição, sobre o que, aliás, a ré não controverte, reconhecendo, pois, que as dívidas estão prescritas, o que conduz a que se as declare efetivamente prescritas, produzindo-se daí seu principal efeito, que é o de obstar, agora em definitivo, que a ré as exija da autora, ainda que por via extrajudicial.

Portanto, se antes de a autora arguir a prescrição, como fez nestes autos, o débito existia como obrigação natural, agora que aqui se reconhece e se decreta a prescrição, nem mesmo o débito mantém-se como existente e válido, porquanto extinto conjuntamente com a ação processual. A obrigação natural, portanto, não mais existe.

Destarte, é procedente a pretensão, porque se declara que a prescrição fez extinguir, no todo, a responsabilidade da autora, atingindo também o respectivo débito, para obstar, agora em definitivo, que ré exija as dívidas objeto desta demanda, cominando-se-lhe a obrigação de não mais as exigir da autora, inclusive por via extrajudicial, sob pena de, recalcitrando, suportar multa diária fixada em R$1.000,00 (um mil reais), emitindo-se nesta sentença provimento cominatório com essa finalidade.

POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTES os pedidos cumulados, declarando-se, por força da prescrição, extinto o débito e a responsabilidade das dívidas que formam o objeto desta demanda, obstando que a ré definitivamente as exija da autora, inclusive por via extrajudicial, suportando, se recalcitrante a multa fixada. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno a ré no reembolso à autora do que ela despendeu com a taxa judiciária e despesas processuais, com atualização monetária a partir do desembolso. Condeno a ré também no pagamento de honorários de advogado, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta causa, devidamente corrigido.

Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

São Paulo, em 5 de julho de 2021.

VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO