Dar com uma mão e tirar com a outra

DAR COM UMA MÃO E TIRAR COM A OUTRA

Há um conhecido provérbio popular que diz que não se deve dar com um mão aquilo que se tira com a outra, expressando a ideia de existir uma falsa caridade. Há variações sobre o mesmo tema, como por exemplo: “Deus dá com uma mão e o Diabo tira com outra”.

É exatamente o que faz o nosso Código de Processo Civil de 2015 ao dar ao réu, com uma mão, a esperança de que fará observar rigorosamente os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição, sobretudo a observância ao devido processo legal, conforme está expressamente previsto em seu artigo 1o., e com a outra mão tirar essas garantias, quando estatui em seu artigo 515, parágrafo 3o., que “Na hipótese do § 2º, incisos II e III, considera-se realizada a intimação quando o devedor houver mudado de endereço sem prévia comunicação ao juízo, observado o disposto no parágrafo único do art. 274”, ampliando, além de uma justa medida, a ficção no processo civil.

Com efeito, se o devedor tiver mudado de endereço, e não o comunicar ao juízo, a intimação será ficta, ou seja, seja realizada com a presunção de que é válida, quando não é.

Importante observar que se trata de um ato relevante o que está aí envolvido: o da intimação da penhora.

E o artigo 274, parágrafo único, generaliza a aplicação da intimação ficta, ao estabelecer: “Presumem-se válidas as intimações dirigidas ao endereço constante dos autos, ainda que não recebidas pessoalmente pelo interessado, se a modificação temporária ou definitiva não tiver sido devidamente comunicada ao juízo, fluindo os prazos a partir da juntada aos autos do comprovante de entrega da correspondência no primitivo endereço”.

Extrair do simples fato de o réu ter mudado sua residência (fato, aliás, bastante comum no Brasil), a consequência de presumir-se válida e eficaz a sua intimação para atos importantes no processo, é medida que o princípio da proporcionalidade não legitima, como também o princípio do devido processo legal não abona.

Portanto, o CPC/2015 com uma mão deu ao réu garantias constitucionais; mas com a outra mão lhe retirou essas mesmas importantes garantias. Esperemos que, em breve, o STF, analisando a questão da constitucionalidade desses dispositivos à luz dos princípios da proporcionalidade e do devido processo legal “formal”, acoime-os.