O “NEGACIONISMO” É UM DIREITO SUBJETIVO?
Tantas são as pessoas no Brasil que se mostram contrárias ao uso da máscara, que não querem ser vacinadas, e ainda, invocando a proteção à economia, mostram-se resistentes à medida estatal do “lockdown”, que se deve considerar se existe em nosso ordenamento jurídico em vigor o direito subjetivo a ser “negacionista”.
Nenhum direito subjetivo é absoluto, e é exatamente por isso que a liberdade está invariavelmente em conflito com outros direitos. Quero ser livre para não usar a máscara, para não ser vacinado, ou mesmo para que possa continuar a trabalhar, dizem os “negacionistas”, e, em tese, esse direito subjetivo lhes pode ser reconhecido, porque a liberdade que invocam está protegida em nossa Constituição de 1988.
Mas se dois direitos subjetivos estão em conflito, é necessário decidir, em face de circunstâncias concretas, qual direito deva prevalecer, e qual o que deva ceder passo, sendo necessário observar que não se trata de negar a existência de um direito em face doutro, mas o de decidir qual dos direitos em conflito deva prevalecer. Pois que se há um conflito entre direitos subjetivos, é porque esses mesmos direitos existem.
É nesse contexto que se deve analisar o conteúdo e o alcance do artigo 196 da CF/1988, que ao fixar que é dever jurídico-legal do Estado propiciar o possível a que todos tenham direito à saúde, erigiu uma obrigação ao Estado, do que o ente público deve desincumbir adequadamente, sob pena de deixar sob injustificada desproteção jurídica o direito dos particulares (de todos nós). Daí o dever do Estado em propiciar vacina a todos, a decretar medidas como a do “lockdown”, se e quando necessárias, e obrigar o uso de máscara.
Esse mesmo dispositivo constitucional, ao garantir a todos o direito à saúde, criou um direito subjetivo que guarda certa semelhança com uma especial característica que envolve os direitos “absolutos”, como são chamados os direitos reais, especialmente o direito de propriedade. Diz-se “absoluto” esse direito porque ele reclama de todas as pessoas, que não o titular do direito, um dever de abstenção, ou seja, um dever de não obstaculizar o exercício do direito por seu titular. Em certo sentido, o direito fundamental à saúde garante a seu titular o direito de não ter a sua saúde colocada em risco por nenhuma outra pessoa. Assim, para garantia da minha saúde, posso exigir que todas as pessoas sejam vacinadas, que usem máscaras, e posso querer que o Estado imponha sim o “lockdown”, se tais medidas protegem a minha saúde.
Há, é certo, uma distinção entre o direito à saúde e o direito “absoluto” de propriedade, porque devemos considerar que, no caso dos direitos reais, os terceiros não possuem nenhum direito que lhes permita molestar a propriedade do titular desse direito real, enquanto no caso do direito fundamental à saúde há, de lado a lado, direitos subjetivos (tanto de quem quer a vacina, quanto de quem não a quer), o que configura um conflito entre direitos subjetivos. De modo que se tenho o direito a proteger minha saúde, e poder exigir para isso que o Estado vacine a todos, que o Estado imponha medidas de “lockdown”, que todos usem máscaras, outras pessoas podem, invocando o direito subjetivo à liberdade, negarem-se à vacina, ou ao uso de máscaras, ou mesmo se mostrarem contrárias ao “lockdown”.
A solução desse tipo de conflito entre direitos subjetivos é feita apenas por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade, e, sobretudo, pela ponderação entre os interesses em conflito. Em determinado momento, quando provocado a isso, caberá ao Poder Judiciário (sobretudo ao STF), ponderar os interesses em conflito, quando lhe couber examinar se o direito subjetivo que os “negacionistas” invocam deve prevalecer, ou deve ceder passo daqueles que entendem ser necessária a vacina, o uso de máscaras e o “lockdown”.