Valentino Aparecido de Andrade
Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito
A emenda constitucional de número 107, editada durante o período da pandemia e destinada a modificar as datas do primeiro e segundo turnos das eleições deste ano, por seu artigo 1o., parágrafo 5o., autorizou o Tribunal Superior Eleitoral a “promover ajustes” em normas referentes a diversos temas, dentre os quais os que dizem respeito à recepção de votos e ao horário de funcionamento das seções eleitorais.
Diante dessa norma, discute-se acerca do que se deve entender por “ajustes”, e, nesse contexto, se o Tribunal Superior Eleitoral poderia legislar, por exemplo, sobre o uso obrigatório de máscaras no dia das eleições.
No ordenamento jurídico brasileiro em vigor, forte no princípio da separação entre os poderes, o Poder Judiciário não dispõe do poder de legislar, salvo em específica hipótese, que é aquela que se dá com o mandado de injunção, quando o Poder Judiciário, autorizado por norma constitucional, e diante de uma injustificada omissão legislativa, deve colmatar a omissão, legislando, mas com efeitos restritos ao caso em concreto. Portanto, fora dessa excepcionalíssima situação, não cabe e não pode um órgão do Poder Judiciário legislar.
Destarte, quando a emenda constitucional utiliza-se do termo “ajustes”, faz observar essa limitação imposta pelo princípio constitucional da separação de poderes. Ajustar a lei para a adaptar em face de uma situação que foge do comum, como a que vivenciamos, não significa criar a lei. Significa apenas e tão somente poder modificar uma regra legal existente e válida, para adaptá-la à realidade material subjacente. De resto, é o que o Poder Judiciário faz com certa frequência, quando, interpretando a norma, ajusta seu conteúdo e alcance à realidade em que a norma se faz aplicar. Mas isso não significa, nem pode significar criar a lei.
E, por óbvio, não se pode ajustar o que não existe.
Analisemos, pois, a questão que se refere ao uso obrigatório de máscara de proteção, matéria que está tratada na lei 13.979/2020, com a redação que lhe foi dada pela lei 14.019/2020, que fez inserir o inciso III-A ao artigo 3o. da lei 13.979, para conceder às autoridades, no âmbito de suas competências, o poder impor como obrigatório o uso de máscara de proteção.
De relevo observar que a lei 13.979/2020 não tornou obrigatório o uso da máscara de proteção, senão que cuidou apenas delegar competência a cada autoridade para que, no limite de suas atribuições, possa adotar essa medida. Trata-se, pois, de uma norma de atribuição de competência, mas que não regula diretamente um bem jurídico, regulação deixada, pois, à discricionariedade de cada ente público.
As nossas eleições tradicionalmente ocorrem no espaço de escolas públicas, municipais e estaduais e federais. Nesses espaços, a legislação, por meio de decretos e outras espécies de atos normativos, tornam obrigatório o uso da máscara de proteção, de modo que ainda que o prédio tenha sido requisitado pela Justiça Eleitoral, deve prevalecer a norma de regulação.
O que significa dizer que, no espaço em que está instalada a seção eleitoral, existindo norma que torna obrigatório o uso da máscara, o eleitor não poderá votar se não cumprir esse comando normativo, o qual é válido, dada a delegação de competência fixada pela lei federal 13.979/2020.
E nas vias públicas, nas imediações das escolas em que há seções eleitorais, o uso da máscara é obrigatório?
Caberá ao município decidir, no âmbito de suas atribuições legais, se torna ou não obrigatório o uso da máscara de proteção. A Justiça Eleitoral, como enfatizado, não pode legislar a respeito.
Importante lembrar que o STF reconheceu a autonomia administrativa dos municípios para adotarem as medidas que entenderem adequadas e necessárias à proteção da saúde pública durante a pandemia.