IPVA. COMPETÊNCIA NORMATIVA. PREVALÊNCIA DO DOMICÍLIO FISCAL

IPVA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA.PREVALÊNCIA DO DOMICÍLIO FISCAL

Valentino Aparecido de Andrade

Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

1.  

A Constituição de 1988, em seu artigo 155, inciso III, outorgou aos Estados-membros competência para instituírem o IPVA Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, prevendo, outrossim, que uma lei de caráter nacional fixaria alíquotas mínimas e diferenciadas, segundo a função e a utilização do veículo automotor. Essa lei, contudo, ainda não foi editada, embora já exista um projeto em trâmite no Congresso Nacional (projeto de número 81/2019).

De modo que, diante da ausência de uma lei de caráter nacional que estabeleça parâmetros para a fixação das alíquotas, cada Estado-membro pode legislar a respeito, o que, por óbvio, enseja uma forma de guerra fiscal, dado que determinados Estados-membros têm adotado alíquotas menores, incentivando que empresas, como as de locação de veículos, e particulares optem por registrar o veículo no órgão de trânsito desses Estados, embora mantenham seu domicílio fiscal na origem.

Enquanto o Estado de São Paulo instituiu uma alíquota de 4% sobre o valor do veículo, Santa Catarina cobra 2%, que é a mesmaalíquota adotada pelo Espírito Santo.

Instalou-se, assim, controvérsia quanto à prevalência do domicílio fiscal do sujeito passivo do IPVA, ou do local em o veículo encontra-se registrado, para efeito da definição da titularidade ativa da exação. São inúmeras as ações nas quais esse tema é discutido.

O Supremo Tribunal Federal vem de proferir a primeira decisão em colegiado, tendo analisado, em recurso extraordinário, demanda promovida por uma empresa que, domiciliada no Estado de Minas Gerais, registrara o veículo no Estado de Goiás, Estado em que o IPVA é de 3,75%, enquanto em Minas Gerais é de 4%.

No recurso extraordinário de número 1016605, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, decidiu que se deve considerar o domicílio fiscal do sujeito passivo, considerando como argumento nuclear que o Código de Trânsito Brasileiro vincula o registro do veículo ao local de domicílio de seu proprietário, e que por isso deve prevalecer, como local do fato gerador do IPVA, o domicílio fiscal do sujeito passivo.

2.

Na conformação que lhe é dada pela Constituição da República (artigo 155, inciso III), o IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores tem seu fato gerador sobre a propriedade de veículo automotor, dado objetivo que o Legislador estabeleceu como núcleo da hipótese de incidência desse imposto. Para fazê-lo, evidentemente socorre-se o Texto Constitucional do conceito jurídico-legal de propriedade que é dado pelo Ordenamento Jurídico em vigor, conceito que no caso de veículo automotor é fixado pelo Código Nacional de Trânsito (Lei Federal 9.503/1997), que por seu artigo 120 define que a propriedade do veículo é obtida com o registro no órgão de trânsito.

Registro que, segundo o que prevê o citado artigo 120 do Código Nacional de Trânsito, deve ocorrer perante o órgão executivo de trânsito do Estado-membro ou do Distrito Federal, no município de domicílio ou residência de seu proprietário, na forma da Lei.

O conceito jurídico-legal de domicílio, por sua vez, é estabelecido por outros Diplomas, como ocorre com os Códigos Civil e Tributário, com suas regras específicas.

No caso do Código Tributário, o domicílio está regulado pelo artigo 127, que erige como regra a eleição do domicílio:

O CTN, em princípio, admite que o contribuinte ou responsável possa escolher domicílio fiscal, para nele responder pelas obrigações de ordem tributária. Mas se não o elege, aquele diploma estabelece as regras aplicáveis para sanar-se a omissão ou reticência. (…) Será a residência habitual da pessoa natural e, no caso da incerteza ou desconhecimento desta, o centro habitual de sua atividade. Será o lugar da sede para as pessoas jurídicas, ou, em relação aos atos ou fatos geradores da obrigação, o de cada estabelecimento da empresa”.  (cf. ALIOMAR BALEEIRO, Direito Tributário Brasileiro, p. 478, 10ª. edição, Forense).

A dizer: para efeitos tributários, prevalece a princípio o domicílio de eleição do contribuinte, o que, contudo, não afasta o direito de o Fisco desconsiderar essa escolha, se encontra motivos concretos para fazê-lo, como registra o mesmo ALIOMAR BALEEIRO:

“Se as circunstâncias forem infensas à aplicação dessas normas, o contribuinte será havido como domiciliado no lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos atos ou fatos geradores da obrigação, assim se procedente em caso de a autoridade administrativa recusar a eleição de domicílio de contribuinte que, voluntariamente ou não, importe na impossibilidade, dificultaçãoou protelação dos atos de arrecadação e fiscalização de tributos. Claro que o ato da autoridade há de ser motivado ou fundamentado”. (obra mencionada, p. 478).

Daí que o Estado-membro pode impugnar a escolha do domicílio fiscal, se encontra razões fundadas a isso.

Deve prevalecer, portanto, o domicílio fiscal do sujeito passivo, não porque o Código Nacional de Trânsito vede o registro do veículo em local diverso do domicílio fiscal do proprietário do veículo, visto que o descumprimento dessa obrigação administrativa, fixada nesse Código, não produz efeitos sobre a relação jurídico-tributária. Deve prevalecer o domicílio fiscal porque esse aspecto é o que guarda relação direta e lógica com o núcleo erigido pela Constituição para a formação do fato gerador do IPVA (a propriedade do veículo automotor e a vinculação territorial ao domicílio fiscal do proprietário).