SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM RAZÃO DA PANDEMIA PELO ‘CORONAVIRUS’. MATÉRIA REGULADA PELO CPC/2015. ATOS QUE, À EXCEÇÃO DE AUDIÊNCIA E DE SESSÃO DE JULGAMENTO EM TRIBUNAL OU ÓRGÃO COLEGIADO, PODEM SER PRATICADOS PELO JUIZ E PELAS PARTES, MESMO QUE NÃO URGENTES

SUSPENSÃO DOS PROCESSO CIVIS DURANTE A PANDEMIA DO “CORONAVIRUS”. 

Valentino Aparecido de Andrade

Juiz de Direito/SP e Mestre em Direito

 

Em virtude da pandemia pelo “Coronavirus”, o Conselho Nacional de Justiça editou provimento (Resolução de número 313/2020),  suspendendo todos os prazos nos processos civis, salvo aqueles que envolvam lide cuja relação jurídico-material caracterize urgência (a ação de alimentos, o mandado de segurança, como exemplos), ou atos processuais, os quais, eles próprios, sejam  urgentes, embora a relação jurídico-material que forme a lide não o seja (a análise de uma tutela de urgência, cautelar ou antecipada, por exemplo). O CNJ ainda determinou que todos os tribunais mantenham, tanto quanto possível, os serviços destinados à expedição e publicação de atos judiciais e administrativos, e que criem um “plantão extraordinário”, para a análise dos processos e atos urgentes. A edição desse provimento uniformiza o tratamento da matéria em toda a justiça brasileira.

 

Questiona-se, contudo, se quanto a atos que não sejam urgentes (ou seja, atos praticados em processos cuja relação jurídico-material não seja urgente),  o juiz e as partes os podem praticar, conquanto estejam os prazos suspensos.

 

O Código de Processo Civil de 2015 trata da suspensão dos prazos como medida geral, ou seja, quando afeta todos os processos civis (salvo os urgentes), ou como medida individualizada, ou seja, quando afeta determinado processo. A suspensão como medida geral está prevista nos artigos 220/221, enquanto a suspensão como medida individualizada, atingindo determinado processo, está regulada pelo artigo 313 do mesmo Código. 

 

Considerando que a suspensão determinada pelo Conselho Nacional de Justiça justifica-se em razão da pandemia pelo “Coronovirus”, ela possui a natureza de uma medida de natureza geral, alcançando todos os processos civis, salvo os de natureza urgente. A suspensão dos processos civis encontra regulamentação no Código de Processo Civil de 2015. 

 

Conforme sublinhamos, o CPC/2015 disciplina a suspensão dos processos civis seja como medida geral (a alcançar, portanto, todos os processos, salvo os urgentes), ou como medida individualizada (alcançando, pois, determinado processo, em que tenha ocorrido, por exemplo, a morte de uma das partes). Analisemos, pois, como o CPC/2015 disciplina a suspensão dos processos civis como medida de caráter geral, pois esta é a que foi determinada pelo CNJ. 

 

O artigo 220 cuida das tradicionais “férias coletivas” no Poder Judiciário (o também denominado “recesso”), que transcorre entre os dias 20 de dezembro e 20 de janeiro, mas em seu parágrafo 2o. trata também dos atos que  não podem ser praticados durante a suspensão dos prazos, regra que, por analogia, pode ser estendida à suspensão dos prazos por outra causa que não as férias coletivas. 

 

O artigo 222, parágrafo 2o, trata da suspensão dos processos civis em virtude de uma calamidade pública, como, por exemplo, uma pandemia como a do “Coronavirus”, prevendo-se que os prazos possam ser prorrogados.

 

A conjugação desses dispositivos do CPC/2015 nos dará a resposta à questão formulada, e ela está basicamente no parágrafo segundo artigo 220, com a seguinte redação: 

 

“Durante a suspensão do prazo, não se realizarão audiências nem sessões de julgamento”. 

 

Note-se que o CPC/1973 não continha regra semelhante. 

 

Podemos concluir que, conforme o regime fixado pelo CPC/2015, determinada a suspensão geral dos processos (seja, como dito, em virtude de férias coletivas, seja por outra causa, como a de uma calamidade como a que estamos vivenciando), há apenas dois atos que o juiz não pode praticar: a realização de audiência e a sessão de julgamento, entendendo-se esta como a sessão de julgamento em tribunal ou órgão colegiado, como se dá, por exemplo, com as turmas recursais no sistema do juizado especial de fazenda pública). 

 

Destarte, se o CPC/2015 veda apenas a audiência e as sessões de julgamento em tribunais, a “contrario sensu”, autoriza que quaisquer atos praticados no processo, que não aqueles, sejam praticados.

 

Conforme foi observado, embora a norma em questão esteja inserida no artigo que cuida das “férias coletivas”, autoriza-se o emprego da analogia para a estender a outras hipóteses de suspensão de processos como medida geral.

 

De modo que, a despeito de os processos civis estarem suspensos conforme determina o CNJ, nada obsta que os juiz continue a praticar os atos nos processos sob sua presidência, mesmo os que não sejam urgentes, como, por exemplo, a prolação de decisões interlocutórias e de sentenças, e esses atos serão válidos e  devem ser prontamente publicados para que as partes deles conheçam, e possam contra eles reagir, se o caso, mesmo antes de os prazos não estarem ainda a fluir. 

 

Observe-se, por fim, que a hierarquia do CPC/2015 como diploma obsta que o CNJ ou qualquer tribunal regule acerca da suspensão dos processos, matéria tratada por aquele Código.