Processo número 1006688-35.2019
3ª. Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública
Comarca da Capital
Vistos.
O autor, (…), qualificado a folha 1, participou, em 2013, de concurso público para ingresso no cargo de escrivão de polícia e foi declarado inapto na avaliação de condicionamento físico, avaliação que era então determinada pelas regras daquele concurso. Argumenta o autor que, em julho de 2014, por força da entrada em vigor da Lei Complementar – SP de número 1.249, foi abolida, nos concursos para o mesmo cargo, a avaliação de condicionamento físico, de modo que, segundo sustenta, a Administração teria reconhecido que não havia razoabilidade em fazer submeter os candidatos ao concurso de escrivão de polícia a uma avaliação de condicionamento físico, dadas as características da atividade de escrivão de polícia, pretendendo, nesta demanda que ajuizou contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que, aplicado o princípio da razoabilidade, declare-se inválido o ato que o eliminou do concurso, para que possa prosseguir nos demais atos, até nomeação e posse no cargo.
Citada, a ré contestou, sustentando devam prevalecer as regras do concurso de que participou o autor, não se aplicando àquele concurso lei posterior.
Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.
Quanto ao mérito da pretensão.
Duas ordens de análise devem aqui se realizadas. A primeira diz respeito à legalidade formal; a outra, à legalidade substancial.
Quanto à legalidade formal, há que se considerar que o concurso é regido pelas regras de seu respectivo edital, e essas regras devem prevalecer e ser aplicadas, salvo na hipótese em que a regra revele-se manifestamente ilegal. De modo que, sob o enfoque da legalidade formal, tendo o concurso de que participou o autor para ingresso no cargo de escrivão de polícia, realizado em 2013, exigido que os candidatos fossem submetidos a uma avaliação de condicionamento físico, tendo o edital ainda fixado que se tratava de uma fase com caráter de eliminação, não há como questionar a validez da regra e do ato fundado nela, de modo que o autor, reprovado na avaliação de condicionamento físico, não poderia mesmo permanecer na disputa.
Analisemos agora a mesma relação jurídico-material sob o enfoque da legalidade substancial, aplicando aí o princípio constitucional da proporcionalidade (e não o da razoabilidade, que é princípio cujo conteúdo e diverso).
Pelo princípio da proporcionalidade, realiza-se o controle da legalidade substancial de atos praticados pela Administração, e esse controle é implementado por três formas de controle: meio, finalidade e ponderação.
Necessário considerar, com algum detalhamento, o que forma o princípio da proporcionalidade e suas formas de controle.
Coube à jurisprudência de países como França e Alemanha, em que o direito administrativo recebeu um considerável desenvolvimento científico e jurisprudencial, reconhecer que o regime jurídico de proteção aos direitos dos particulares deveria ser ampliado, e que para isso os atos discricionários não podiam escapar ao controle jurisdicional, concebendo-se a posição, hoje consolidada em doutrina e adotada no sistema jurídico de diversos países, de que era necessário propiciar ao Poder Judiciário um meio pelo qual pudesse ter uma visão “por dentro” dos atos discricionários, para, controlando a legalidade substancial, avaliar o fim invocado pela Administração, a idoneidade e a necessidade do meio adotado, e também para ponderar se há razões que, objetiva e racionalmente, justifiquem o sacrifício daqueles que suportam os efeitos de uma medida estatal, impedindo-se com isso os exageros da Administração – em um controle jurisdicional que se realiza pela aplicação do princípio da proporcionalidade, cujo objetivo é o de capacitar o texto constitucional a ditar soluções que, adaptadas à realidade subjacente, possam, em caso de conflito entre o particular e o Estado, estabelecer, quando possível, uma situação de equilíbrio que permita manter viva a constituição (e os direitos fundamentais que ela consagra), mas sem retirar a liberdade de valoração e conformação, necessária a que exista o poder discricionário da Administração.
Deve-se ter presente que os direitos fundamentais formam a parte essencial de uma constituição de qualquer país realmente democrático, e em geral as normas jurídicas que os preveem apresentam um grau de abstração superior àquele encontrado nas demais normas jurídicas, o que determina que as normas dos direitos fundamentais sejam frequentemente abertas a várias interpretações. Essa forma característica das normas dos direitos fundamentais conduziu importante parte da doutrina a afirmar que o princípio da proporcionalidade nada mais é do que uma regra de interpretação. Mas além de ser necessário considerar que diversas normas jurídicas trazem consigo um acentuado grau de abstração, seja porque o objeto de sua regulação isso impõe, seja por alguma outra razão que o legislador tenha levado em conta, não sendo o grau de abstração, portanto, um atributo exclusivo das normas de direito fundamental, também é mister constatar que o que justifica seja o enunciado das normas de direito fundamental expresso preferentemente sob a forma de “princípios” decorre de ser essa a forma que melhor confere proteção jurídica à liberdade do indivíduo em face do Estado, por conceder ao juiz poderes hermenêuticos mais amplos.
Impõe-se observar, pois, que o princípio da proporcionalidade não surgiu devido ao grau de abstração das normas dos direitos fundamentais, mas sim como um instrumento elaborado pelo Direito diante de uma necessidade de ordem prática que lhe foi imposta pelos problemas que são decorrentes dos inevitáveis conflitos entre a liberdade individual e o poder do Estado. Sim, se dois valores jurídico-legais podem ser aceitos igualmente (o que, aliás, é comum suceder, porque é da essência dos valores a colisão), é necessário definir um critério racional de escolha entre os interesses que estão presentes em um conflito que envolve a liberdade do indivíduo e a autoridade estatal.
Os conflitos que envolvem os limites de aplicação prática dos direitos fundamentais, e que formam o material sobre o qual se aplica o princípio da proporcionalidade, surgem, portanto, nesse específico contexto, e é importante observar que são conflitos que não decorrem diretamente do sentido jurídico que se deva emprestar ao conteúdo dos direitos em colisão, mas da forma de aplicação de cada um desses direitos em face de circunstâncias extraídas de uma situação concreta, de modo que essas circunstâncias, extraídas da realidade material subjacente, analisadas pelo juiz quando esteja a aplicar o princípio da proporcionalidade, é que determinarão uma possível harmonização entre os interesses em conflito, ou que justificarão o sacrifício de uma posição jurídica em face de outra. Daí se poder afirmar que o princípio da proporcionalidade não é uma regra ou critério de interpretação, nem seu campo de atuação é o procedimento hermenêutico.
Note-se que até o surgimento do princípio da proporcionalidade, operava o Direito com a ideia, transformada em dogma, de que os valores a que se referem as normas jurídicas não podiam colidir, ou não podiam ser incompatíveis entre si, porque estavam interligados num todo perfeito – o ordenamento jurídico –, de maneira que cabia ao juiz, ao interpretar normas que estivessem a colidir, delas extrair aquele sentido que harmonizasse os valores. Como se fosse possível ao Direito operar como uma unidade, em que se pudessem excluir os valores e as normas em conflito, ou como diz Karl Larenz, como se no Direito se devesse aplicar uma espécie de catálogo de regras de procedimento, cuja observância estrita pudesse garantir resultados acertados. Olvidava-se que essa artificial harmonização fazia com que um ou mais dos valores envolvidos na colisão acabassem substancialmente modificados, ou até suprimidos, e, cumpre dizer, mesmo aquele que prevalecesse, teria seu conteúdo e alcance alterado a critério do juiz, cujos poderes “hermenêuticos” o tornavam um legislador para o caso em concreto.
O princípio da proporcionalidade traz ao campo do Direito algo de que a Filosofia dera-se conta: que os valores frequentemente colidem entre si, e que é impossível encontrar-se uma solução categórica ou definitiva nesse tipo de conflito. Assim, é comum que a liberdade e a igualdade estejam quase sempre a colidir, e que para se conseguir um pouco mais de uma, é preciso ceder alguma parte da outra. Como diz o filósofo e historiador de ideias, Isaiah Berlin: “A necessidade de escolher, de sacrificar alguns valores definitivos em favor de outros, termina por ser uma característica permanente da condição humana”.
Conforme uma determinada escala de valores, é possível estabelecer a predominância da liberdade, como ocorre para aqueles que, como Friedrich A. Hayek, defendem a livre concorrência; mas ainda assim será necessário considerar a possibilidade de que a liberdade individual esteja a colidir concretamente com outros valores, e que será necessário fazer escolhas entre os valores em conflito, não havendo aí soluções prévias ou definitivas, sendo necessário ponderar as razões e os interesses em conflito. A propósito disto, Hayek fez ressaltar a necessidade de se considerarem sempre as vantagens que se podem obter, cotejando-as com os custos sociais decorrentes de medidas estatais que estejam a diminuir a liberdade individual, como acontece, por exemplo, quando o Estado limita as horas de trabalho ou impõe disposições sanitárias, medidas que, analisadas em uma situação em concreto, podem se revelar justas, mesmo quando adotadas em um regime de livre concorrência. Quando uma matéria dessa natureza torna-se objeto de um processo judicial, a dizer, quando se trata de ponderar os custos e vantagens de uma medida estatal, o juiz aplicará o princípio da proporcionalidade como instrumento de controle, não para determinar o conteúdo e alcance dos direitos subjetivos envolvidos no conflito (tarefa que cabe à hermenêutica), mas para fixar o limite de aplicação prática de cada um dos direitos, segundo as circunstâncias do caso em caso em concreto.
Na essência do princípio da proporcionalidade, formando-lhe seu contéudo principal, está uma necessidade de ordem de prática, que é a de encontrar-se um instrumento jurídico de resolução desse tipo de conflito mediante soluções racionais, extraídas das possibilidades criadas pela realidade subjacente, a legitimar a conclusão de que a fonte desse princípio jurídico está nos estudos da Filosofia acerca da liberdade e de sua harmonização com os demais valores, o que obrigatoriamente nos remete às ideias de Isaiah Berlin, que, analisando a liberdade individual e sua relação com o poder estatal, descortinou que os valores (em especial, os da igualdade e liberdade) estão sempre a colidir, e que a solução desse conflito depende necessariamente de um “compromisso prático”.
Para melhor compreender a originalidade da posição de Berlin e que impacto ela teve não apenas no campo da Filosofia, mas sobretudo na do Direito, é fundamental observar que prevalecia à época a concepção do filósofo inglês, Thomas Hill Green, que adotando as ideias de Hegel, argumentava que o Estado, ao fazer leis que proibissem determinadas atividades (controlando, por exemplo, o nível de poluição gerado nas fábricas), não estaria a restringir a liberdade, mas a aumentá-la. Demonstrando o equívoco dessa concepção, escreveu Berlin em seu conhecido ensaio “Dois Conceitos de Liberdade”, publicado no emblemático ano de 1958:
“(…) o sacrifício não é o aumento do que está sendo sacrificado, a saber a liberdade, por maior que seja a necessidade moral ou a compensação pelo sacrifício. Tudo o que é é: liberdade é liberdade, não é igualdade, equidade, justiça ou cultura, felicidade humana ou uma consciência tranquila. Se minha liberdade ou a de minha classe ou nação depende da desgraça de outros seres humanos, o sistema que promove tal coisa é injusto e imoral. Mas se restrinjo ou perco a minha liberdade para diminuir a vergonha dessa desigualdade, e com isso não aumento materialmente a liberdade de outros, ocorre uma perda absoluta de liberdade. Isso pode ser compensado por um ganho em justiça, felicidade ou paz, mas a perda permanece, e é uma confusão de valores dizer que, embora minha liberdade ‘liberal’, individual seja jogada fora, algum outro tipo de liberdade – ‘social’ ou ‘econômica’ – é aumentada. Ainda assim continua verdadeiro que a liberdade de alguns deve ser às vezes restringida para assegurar a liberdade de outros. Com base em que princípio isso deveria ser feito? Se a liberdade é um valor sagrado, intocável, não pode haver tal princípio. Um ou outro de tais princípios ou regras conflitantes deve ceder, pelo menos na prática: nem sempre por razões que podem ser claramente expressas, quanto mais generalizadas em regras ou máximas universais. Ainda assim, um compromisso prático tem de ser encontrado”.
O princípio da proporcionalidade confere, pois, forma jurídica a esse “compromisso prático” de que fala o filósofo e historiador de ideias, Isaiah Berlin. Trata-se de um instrumento encontrado pelo Direito para harmonizar, tanto quanto possível, os interesses derivados de direitos fundamentais, quando colocados em uma situação concreta de conflito, ou para legitimar uma solução racional de escolha entre os valores em conflito.
Assim, pode-se dizer que, se a proteção à liberdade individual é o que caracteriza o Estado de Direito, o princípio da proporcionalidade é o principal instrumento jurídico destinado a implementar essa proteção – e como dizia Machado de Assis, “os princípios valem algum coisa; é preciso contar com eles”.
A cada direito fundamental corresponde uma limitação imposta por um outro direito subjetivo (fundamental ou não), ou ainda por um bem jurídico colocado sob a proteção do Estado. Assim, por exemplo, o direito fundamental que garante a liberdade de expressão sofre uma limitação que lhe é imposta pelo conteúdo do direito fundamental que protege a honra e a privacidade, como também o direito fundamental à saúde, que está previsto no artigo 196 de nossa Constituição, depende de recursos financeiros que, em não existindo, podem justificar alguma restrição ou mesmo o sacrifício desse direito fundamental. As colisões envolvendo os direitos fundamentais, ou mais propriamente, as colisões entre seus limites de aplicação prática são, portanto, inevitáveis, e a única forma jurídica de solucioná-las, quando ocorrem em um caso em concreto, está na aplicação do princípio da proporcionalidade.
Como pensava Montesquieu, as leis devem relacionar-se com vários aspectos próprios do povo a que essas leis devem se aplicar, e dentre essas relações sobreleva aquela que diz respeito ao grau de liberdade que a constituição pode permitir. Esse grau de liberdade é o que se busca aferir quando a liberdade como valor está a colidir com outros valores. Portanto, o princípio da proporcionalidade permite aferir, em um processo judicial, o grau de liberdade que o nosso ordenamento jurídico em vigor fixa, segundo o momento histórico em que se o está a aplicar.
Assim, quando se fala no princípio da proporcionalidade, é comum pensar-se apenas na ponderação como única forma de controle. Mais apropriado não seria, então, denominar-lhe “princípio da ponderação”, que, aliás, foi a denominação inicialmente utilizada no direito alemão, quando se buscou, no direito penal, uma forma (a ponderação de bens) de superar conflitos entre dois valores jurídicos igualmente protegidos? É de se supor que a escolha da denominação “princípio da proporcionalidade”, hoje consagrada na doutrina e no direito positivo de vários países, não terá sido aleatória, podendo ser justificada em face da relação de pertinência que mantém com os objetos a que se aplica; a dizer: com todas as suas formas de controle.
A propósito, a circunstância de se designar impropriamente por “proporcionalidade” apenas a ponderação, olvidando dessas outras formas autônomas de controle, é que obriga a falar-se em “proporcionalidade em sentido estrito”, gerando uma confusão de termos, e contribuindo diretamente à falsa conclusão de que o princípio da proporcionalidade esgota-se ou se concentra unicamente no juízo de ponderação.
Estudando com atenção a origem do princípio da proporcionalidade, é possível identificar o que conduziu a doutrina ao equívoco de desconsiderar como formas autônomas de controle as que dizem respeito ao fim e ao meio. A principal causa, sem dúvida, está nas circunstâncias que envolveram a primeira aplicação prática desse princípio.
É que a proporcionalidade tomou forma como princípio jurídico no contexto apenas da ponderação, o que ocorreu no famoso caso “Lüth”, em que o Tribunal Constitucional alemão, analisando, em 1958, o confronto entre uma regra do código civil (art. 826) e o direito fundamental à liberdade de opinião, previsto em norma constitucional (artigo 5o., alínea 1), entendeu que, para a solução daquele caso, não bastava a realização de duas subsunções isoladas (de cada uma das normas em colisão), segundo indicava a técnica jurídica tradicional, senão que era necessário engendrar uma nova forma de cognição, adequada à solução de um conflito que se distinguia por envolver não simplesmente duas regras jurídicas igualmente válidas e vigentes ao mesmo tempo, aplicáveis a uma mesma relação jurídico-material, mas um direito fundamental previsto em norma constitucional (o que garantia a liberdade de opinião) e uma regra do código civil, colocados em situação de conflito.
Embora aplicado inicialmente a um conflito de interesses privados (caso “Luth”), o princípio da proporcionalidade encontrou desde logo no direito administrativo um campo fértil à sua aplicação em face das constantes tensões entre os interesses do Poder Público e do particular, e da necessidade da imposição de limites ao poder de polícia. Assim, um juízo de ponderação que analisasse os custos, inconvenientes e vantagens de uma medida estatal foi a primeira forma encontrada para controlar judicialmente os excessos em que incidisse a Administração.
O denominar-se princípio de ponderação a forma de controle a utilizar-se no caso de conflito entre limites de aplicação prática de direitos fundamentais permite exprimir uma ideia que outra denominação não permitiria exprimir.
Natural, portanto, que o princípio da proporcionalidade, surgido no contexto da ponderação de bens (como ocorreu no caso “Luth”), e em virtude da importância desse novo modelo de cognição, fosse identificado apenas com essa forma de controle. Mas, à medida que a doutrina pôde avançar na análise do instituto da discricionariedade administrativa, melhor identificando quais os poderes que ela contempla (os poderes de decidir e de escolher), em que consistem os conceitos jurídicos indeterminados, isolando o que efetivamente constitui a margem de livre apreciação do Poder Público, e compreendendo, nomeadamente, que os atos discricionários podem afetar os direitos fundamentais dos particulares e que por isso é necessário estabelecer-se uma eficaz forma de controle judicial dos excessos da Administração, é que se percebeu que o conteúdo do princípio da proporcionalidade era mais amplo, abarcando, além da ponderação, outras formas autônomas de controle.
Assim, se a principio se afirmava que o juiz, aplicando o princípio da proporcionalidade, não poderia valorar os motivos que o Poder Público tivesse invocado para agir, nem perscrutar dos meios utilizados (e também dos não utilizados), porque se entendia que esses aspectos formavam o núcleo de oportunidade e conveniência, sob a análise exclusiva da Administração, a identificação das outras formas de controle (análise do fim e do meio) permitiu que o princípio da proporcionalidade se tornasse um adequado instrumento para realizar e dar eficácia aos direitos fundamentais, quando seus limites estejam a colidir em uma situação em concreto, concedendo ao juiz um campo cognitivo adequado à analise do meio adotado pelo Estado, de sua adequação em termos de finalidade quanto ao resultado, e ainda a carga de sacrífico imposta (a ponderação).
Os tribunais constitucionais europeus vêm aplicando com frequência cada vez maior o princípio da ponderação, diversamente do que se dá em nossa jurisprudência. Trata-se, pois, de um importante instrumento de controle da legalidade dos atos da Administração.
Aplicar-se-á ao caso em questão o princípio da proporcionalidade, com a utilização dos mecanismos de controle.
Assim, consideremos o meio de que se utilizou a Administração, que foi o de editar uma legislação regulando os requisitos e avaliações a que os candidatos ao concurso de escrivão de polícia seriam submetidos, publicando edital com essas mesmas regras. Perfeitamente válido o meio utilizado.
A finalidade do meio era a de regrar a forma pela qual o ingresso no cargo público de escrivão de polícia ocorreria, cumprindo-se assim a norma constitucional que exige a realização do concurso público.
Ponderemos agora acerca das circunstâncias do caso em concreto, em que o autor foi considerado inapto na avaliação de condicionamento físico, então exigida para o ingresso no concurso público, e depois, por lei superveniente, abolida para os concursos posteriores.
Pode-se afirmar, de modo absoluto, que a avaliação do condicionamento físico daquele que participa do concurso para ingresso no cargo de escrivão de polícia é desarrazoada? Claramente que não, porque embora a atividade de escrivão de polícia seja frequentemente realizada no interior de uma delegacia ou de um departamento da Polícia Civil, isso não elimina a possibilidade de a Administração impor, como requisito para ingresso na carreira, que o policial civil apresente um determinado nível de condicionamento físico, consideradas as características da função de escrivão de polícia e da carga de trabalho, muitas vezes extenuante. Não é porque o escrivão de polícia trabalhe no interior de uma unidade policial que não se lhe possa exigir possua determinado nível de condicionamento físico, porque esse condicionamento não é de ser aferido apenas para quem executa as atividades em ambiente externo (caso, por exemplo, do investigador de polícia), mas também para o desempenho de atividades internas. O ambiente de uma delegacia apresenta por ror vezes características específicas, que exigem do policial civil (e também do escrivão) um nível razoável de condicionamento físico, que poderia assim ser instituído como requisito para ingresso, conforme foi exigido no concurso de 2013.
Destarte, muito embora o Legislador tenha depois abolido a avaliação de condicionamento físico aos candidatos ao cargo de escrivão de polícia, isso não significa dizer que essa avaliação fosse antes desarrazoada ou inadequada. Trata-se de um espaço de conformação que é dado ao Legislador, sem causar influxo sobre uma opção diversa, antes realizada na legislação então em vigor.
Por isso, ponderando os interesses em conflito, decido deva prevalecer a posição jurídica da ré, materializada nas regras do concurso de que participou o autor em 2013, as quais subsistem, nomeadamente quanto a ter considerado o resultado da avaliação do autor quanto ao condicionamento físico, declarado inapto conforme o resultado que então obtivera.
POSTO ISSO, JULGO IMPROCENTE o pedido, declarando a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pelo autor de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.
Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.
São Paulo, em 3 de março de 2020.
VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE
JUIZ DE DIREITO