ERRO JURIDICIÁRIO CARACTERIZADO NA INSTAURAÇÃO DE DOIS PROCESSOS-CRIME PARA O MESMO OBJETO. ILEGAL “BIS IN IDEM”.

FATO QUALIFICADO COMO GRAVE EM RAZÃO DE O AUTOR TER PERMANECIDO PRESO POR MAIS TEMPO QUE O DEVIDO, NÃO TENDO PODIDO OBTER PROGRESSÃO A REGIME PENITENCIÁRIO EM VIRTUDE DE CONDENAÇÃO SUPORTADA NO SEGUNDO PROCESSO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL RECONHECIDA E FIXADA NO LIMITE MÁXIMO  NO SISTEMA PROCESSUAL DA LEI 12.153/2009”.

 

Vistos.

                                      Afirma o autor, (…), qualificado a folha 1, ter suportado danos material e moral decorrentes de erro judiciário, caracterizado no lhe ter sido instaurado um segundo processo-crime quanto ao mesmo objeto de outro processo instaurado, configurando-se um indevido “bis in idem” na segunda condenação pelo mesmo fato, e em consequência da qual foi obrigado a permanecer preso por quatro anos a mais do que deveria ter ocorrido, com os prejuízos daí decorrentes.

                                      Citada, a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, negando responsabilidade civil, afirmando não ter havido dolo ou fraude, e que a pena aplicada no segundo processo permaneceu válida, até que declarada nula por Tribunal superior.

                                      Saneado o processo, instaurou-se a fase de instrução, colhendo-se o interrogatório do autor.

                                      Alegações finais pelo autor as folhas 126/130; e pela ré a folha 132.

                                      Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

                                      Quanto ao mérito da pretensão.

                                      Que houve a ilegal instauração de um segundo processo-crime quanto ao mesmo objeto, é fato comprovado nos autos, que, aliás, a ré não nega. Está comprovado, portanto, que houve erro judiciário,  e que se deve considerar esse erro como grave, porquanto bastaria um palmar cuidado da máquina judiciária para que pudesse se atinar com a existência do “bis in idem” na instauração do segundo processo-crime contra o autor. Mas a gravidade do fato decorre nomeadamente as consequências que o fato produziu, já que o autor teve suprimida, por mais tempo do que o legalmente fixado, a sua liberdade.

                                      Importante observar que o segundo processo, em que se caracterizou o ilegal “bis in idem”, teve trâmite por dez anos,  e o erro somente foi percebido pela máquina judiciária quando o Superior Tribunal de Justiça a reconheceu, depois, portanto, de longo tempo e a prática de vários atos no ilegal processo.

                                      Destarte, manifesta a ilegalidade praticada pelo Estado contra o autor, caracterizando-se nesse contexto o que se pode qualificar de “erro judiciário”, cuja gravidade é de ser reconhecida, seja pelo evento em si, seja pelos efeitos que produziu contra a esfera jurídica do autor, que estava a cumprir pena aplicada no primeiro processo, de seis anos de reclusão,  e estava esperando o azado momento em que poderia passar ao regime semi-aberto, e depois ao aberto, conforme as datas que cuidou sublinhar a folha 4.

                                      No segundo processo, ou seja, naquele em que se caracterizado o ilegal “bis in idem”, aplicou-se ao autor a pena de oito anos, que assim foi somada à pena aplicada no primeiro processo, totalizando uma pena de reclusão de catorze anos e dois meses, que foi a pena considerada para o cálculo de progressão de regime.

                                      Assim, manifesto que o autor suportou considerável prejuízo, porque permaneceu indevidamente preso por quatro anos a mais, já que poderia ter obtido a progressão aos regimes semi-aberto e aberto, não fosse a pena que lhe foi ilegalmente aplicada no segundo processo, ilegalmente instaurado.

                                      Esses prejuízos poderiam ter sido lenificados, se a máquina judiciária tivesse desde logo atinado para o equívoco em que havia incidido. Mas como se cuidou observar, apenas após um longo trâmite, quando o processo já estava a ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, dez anos de longo trâmite,  é que se reconheceu a ilegalidade praticada contra o autor, quando, pois, o autor já estava encarcerado há quatro anos a mais do que deveria estar.

                                      Assim é que o autor, em 2010, já teria obtido a progressão ao regime semi-aberto, e pode-se concluir que assim teria ocorrido, dado que não havia nenhum óbice, aliás como comprova o fato de que obteve a progressão tão logo se invalidou o segundo processo.

                                      Diante dessas circunstâncias, verifica-se que o autor suportou danos material e moral decorrentes da ilegalidade caracterizada no lhe ter sido instaurado um segundo processo-crime para o mesmo fato e de ter, nesse segundo processo, recebido pena e a ter cumprido em parte, retardando a progressão de regime a que teria direito, não fosse o “bis in idem”.

                                      Patenteia, pois, a manifesta culpa por ineficiência do serviço judicial, tratando-se de erro inescusável, e que faz caracterizar o ato ilícito e deve ser reparado em favor do autor.

                                      Pois que se cuida de um erro ao qual se pode qualificar de grave em virtude das circunstâncias que envolveram o fato. Há, pois, que se considerar como grave o fato, e a gravidade é elemento importante na quantificação dos  danos material e moral.

                                      Destarte, diante da realidade do fato trazido a exame, e da gravidade e consequência do que o envolveu, em que o autor teve suprimida, por mais tempo do que o devido, a sua liberdade, afigura-se justo fixar a reparação por dano material e moral no limite de valor que o sistema processual instituído pela Lei federal de número 12.153/2009 prevê, em sessenta salários mínimos, de modo que a reparação por dano material corresponde a trinta salários mínimos, e a reparação por dano moral também em trinta salários mínimos, o que corresponde, hoje, a R$59.800,00 (cinquenta e nove mil e oitocentos reais), com atualização monetária a partir desta data, computada pelo IPCA-E, conforme recentemente decidiu o Supremo Tribunal Federal. Os juros de mora contam-se desde a citação e se devem calcular pelo artigo 406 do Código Civil. Verba alimentar.

                                      Observar-se-á, a seu tempo, qual  o limite de valor para que se autorize a expedição de requisição de pequeno valor ou precatório alimentar.

                                      POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, CONDENANDO a ré, FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no pagamento ao autor, (…), de reparação por danos material e moral, fixada em R$59.880,00 (cinquenta e nove mil, oitocentos e oitenta reais),   com atualização monetária e juros de mora na forma determinada. Verba  alimentar. Declaro a extinção deste processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

                                      Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pela ré de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

                                      Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

                                      São Paulo, em 23 de outubro de 2019.

                                      VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

                                               JUIZ DE DIREITO