ICMS. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA E MULTA APLICADA. APLICAÇÃO DO ART. 489, PAR. 2o., DO CPC/2015. PONDERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DA REALIDADE MATERIAL SUBJACENTE. REDUÇÃO DO VALOR DA MULTA

Vistos.

                                      A autora, (…), estabelecida nesta Capital, nesta demanda que ajuizou contra a FAZENDA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, questiona o valor da multa que lhe foi aplicada em consequência de autuação que lhe foi aplicada pelo Fisco, argumentando  se deva considerar que a infração imputada não diz respeito ao recolhimento do ICMS, senão que a uma obrigação acessória, a de não ter entregue guias de informação e de apuração daquele tributo, referentes aos meses de agosto/dezembro de 2011, e de também não ter entregue as declarações de que estava submetida ao regime do “Simples Nacional”, de modo que, em razão dessa infração, foi-lhe aplicada multa que supera cinquenta mil reais, valor que, segundo a autora, revela-se excessivo, já que ultrapassa o faturamento anual da empresa, configurando confisco. Argumenta a autora, outrossim, ter havido  violação ao princípio da ampla defesa.

                                      Citada, a ré contestou para defender a validez da autuação aplicada à autora, autuação que, sobre beneficiar-se da presunção de legitimidade, é de prevalecer, sobretudo quanto ao valor da multa, fixado em razão do grau de gravidade da conduta praticada, já que as infrações “são bastante graves”.

                                      Nesse contexto, FUNDAMENTO e DECIDO.

                                      Quanto ao mérito da pretensão.

                                      Quanto à alegação de houve violação ao princípio da ampla defesa, não se mostra consistente a argumentação da autora, pois a ré comprovou que ela pudera conhecer da autuação e da pena aplicada.

                                      Mas quanto ao que questiona em relação ao valor da multa, aqui se lhe reconhece razão.

                                      Sobreleva considerar, pois, a regra do artigo 489, parágrafo 2º., do Código de Processo Civil de 2015, que é a seguinte: “No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão”.

 

                                      Nosso sistema processual civil passou a contar, pois, com uma regra que determina ao juiz pondere as circunstâncias da realidade material subjacente, quando identifica uma situação de colisão entre normais legais. É o que ocorre no caso presente.

                                      Com efeito, a ré invoca a Lei – SP de número 6.374/1989 para com isso sustentar deva prevalecer o valor das multas aplicadas à autora, fixado segundo os critérios previstos nessa Lei. Mas há que se considerar, no mesmo contexto e na linha do que argumenta a autora, a regra do artigo 112, inciso IV, do Código Tributário nacional, a qual determina que se deve interpretar “da maneira mais favorável ao acusado”, em caso de dúvida quanto à graduação da pena aplicada.

                                      Consideremos, pois, qual a conduta que foi atribuída à autora, segundo o que descreve a autuação, da qual consta que a autora deixou de entregar as guias de informação e de apuração do ICMS, relativas aos meses de agosto a dezembro de 2011, e também as declarações de que estivesse submetida ao regime tributário do “Simples Nacional” entre 2013 e 2014. No período em questão, o Fisco não apurou movimento financeiro submetido à incidência do ICMS, ou apurou um movimento de cerca de cento e noventa reais (cf. folha 276).

                                               Verifica-se, pois, que ao contrário do que afirma a ré em contestação, a conduta praticada pela autora não pode ser qualificada como “bastante grave”, seja porque se tratou do descumprimento não de uma obrigação tributária principal (ou seja, falta de recolhimento do ICMS), mas de uma obrigação meramente acessória, materializada no ter a autora deixado de apresentar as guias de informação e arrecadação do ICMS e de regime tributário,  devendo se considerar, porque de relevo, que o Fisco não apurou uma movimentação que pudesse caracterizar uma importante  sonegação fiscal naquele período em que as guias não foram apresentadas. O relatório de folhas 303/304 afirma que, embora tivesse havido entrada de mercadorias no período de setembro e dezembro de 2011, o valor do ICMS foi  de cerca de duzentos reais.

                                      Sublinhe-se que, segundo o documento de folha 302, o Fisco não apurou valor de ICMS a recolher, senão que o valor que ali consta refere-se exclusivamente à multa, da ordem de R$40.035,00.

                                      Destarte, tivesse o Fisco  bem considerado e avaliado quais as consequências que advieram daquela conduta praticada pela autora (e o poderia ter feito se se ativesse ao relatório que seu agente tributário produziu  e que está as folhas 303/304), e chegaria certamente à conclusão de que a infração praticada não poderia ser qualificada de “bastante grave”,  e nem sequer de grave.

                                      Outro aspecto que é de importância fixar é o de que o valor da multa aplicada supera o do faturamento anual da autora.

                                      Diante desse quadro, aplicando-se a regra de ponderação (rectius: razoabilidade), é de rigor afastar a regra invocada pela autora e que tem base em sua Legislação, para dar prevalência à regra geral do Código Tributário nacional (artigo 112, inciso IV), para  reduzir o valor da multa, adequando-o às circunstâncias da realidade material subjacente, de modo que esse valor é reduzido para que corresponda a 10% (dez por cento) do valor total que foi apurado ao tempo em que esta ação foi ajuizada (valor original mais juros de mora). Ao novo valor se deve aplicar correção monetária desde o ajuizamento da ação, computada pelos índices que o Fisco do Estado de São Paulo adota, assim também quanto aos juros de mora, contados daquele termo (ajuizamento da causa).

                                      Nova certidão de dívida ativa deve ser extraída, observando o valor definido nesta Sentença,  e levada a protesto, em caso de inadimplemento da autora.

                                      Quanto à certidão anteriormente expedida, e que foi levada a protesto, ela  é invalidada, o que significa dizer que o protesto e seus efeitos tornam-se inválidos imediatamente e devem pronto cessar, já que nesta  Sentença concede-se a tutela provisória de urgência antecipada.

                                      POSTO ISSO, JULGO PROCEDENTE o pedido, pois que, ponderando as circunstâncias da realidade material subjacente, tal como determina deva ser feito pela regra do artigo 489, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, reduzo o valor da multa aplicada à autora para que corresponda a 10% (dez por cento) do valor que foi apurado ao tempo em que esta ação foi ajuizada (valor original mais juros de mora). Invalidada a certidão de dívida ativa levada a protesto, como invalidados estão o protesto e seus efeitos, o que deve suceder imediatamente já que nesta Sentença concede-se em favor da autora a tutela provisória de urgência de natureza antecipada. Com urgência, intime-se a ré para que, em 72 horas, faça cumprir esta Sentença, sob as penas para a recalcitrância. Declaro  extinto este processo, com resolução do mérito, por aplicação subsidiária do artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil.

                                      Quanto a encargos de sucumbência, prevalece a regra do artigo 55 da Lei federal de número 9.099, de modo que, em não se tendo caracterizado a prática pela ré de ato de litigância de má-fé, não se lhe pode impor o pagamento de qualquer encargo dessa natureza, sequer honorários de advogado.

                                      Publique-se, registre-se e sejam as partes intimadas desta Sentença.

                                      São Paulo, em 13 de agosto de 2019.

                                      VALENTINO APARECIDO DE ANDRADE

                                               JUIZ DE DIREITO